Renato Dagnino
Essa é uma pergunta que decorre - lembram - daquela primeira colocação, que nós fizemos, quer dizer, da hipótese que adotamos, ao criar uma incubadora de cooperativas numa universidade, de que a universidade tem condições de aproximar essas duas vertentes tecnológicas.
4. Será que é possivel gerar TS a partir de TC?
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Para responder essa pergunta, é necessário fazer outras três.
A primeira é: como se dá o desenvolvimento da ciência e tecnologia (e poderíamos agregar, de acordo com alguns autores marxistas não ortodoxos contemporâneos, no capitalismo)?
4a. Como se dá o desenvolvimento da C&T?
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A segunda, como a universidade percebe esse desenvolvimento?
4b. Como a Comunidade de Pesquisa percebe este desenvolvimento?
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E finalmente, como a universidade se organiza para desenvolver conhecimento?
No que segue vou procurar mostrar como entendo o processo de desenvolvimento científico e tecnológico. Em seguida vou apresentar minha visão a respeito de como a universidade entende esse processo. Finalmente, mostrando como a universidade se organiza para desenvolver conhecimento, vou sugerir que essa maneira tende a ser um obstáculo para a geração de Tecnologia Social.
O desenvolvimento de ciência e tecnologia, ou de conhecimento científico e tecnológico reflete os padrões sociais, políticos, econômicos e ecológicos, da sociedade em que este desenvolvimento tem lugar. Isso pode ser aceito por muitos de vocês, sobretudo, os que já pensaram de maneira não preconceituosa sobre o assunto. Ou leram e aceitam a idéia da construção social da ciência e da tecnologia. Principalmente a sua versão referente à tecnologia defendida por autores como Hughes (2001), Bjijker (1995) e Feenberg (2002).
A idéia da ciência como um objeto construído, entretanto, não é aceita na instituição universitária. A grande maioria dos professores da universidade, sejam eles de direita ou de esquerda, entendem a ciência como livre de valores, como algo neutro e intrinsecamente positivo.
Isso em parte se deve ao fato de que foi o marxismo um dos responsáveis pela fundação da idéia do determinismo tecnológico, que é exatamente oposta à idéia de que é o contexto social, econômico e político que determina o tipo de conhecimento científico e tecnológico gerado. Na sua versão mais ortodoxa, tradicional, aquela que de alguma forma orientou as experiências do socialismo real, considerava o desenvolvimento da tecnologia (das “forças produtivas”) como algo inexorável, contínuo e linear.
Quando se estuda a história da tecnologia, a história da ciência, nós vamos ver que determinados tipos de conhecimento avançaram a um ritmo muito mais elevado do que outros. Que o desenvolvimento de ciência e tecnologia parece ser enviesado por padrões exógenos ao campo tecnológico e científico. Que ao longo do tempo, sua trajetória parece estar condicionada pelo interesse de determinados atores centrais, do ponto de vista do poder econômico, político, etc. Talvez o exemplo mais óbvio e conhecido é o da tecnologia militar. O fato de que na ex-União Soviética essa tecnologia teve uma enorme expansão, a ponto de se igualar à do ocidente, só pode ser explicado pelo interesse dos seus governantes.
4c. Como a Comunidade de Pesquisa se organiza para desenvolver conhecimento?
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Essa idéia de que o desenvolvimento do conhecimento é desbalanceado e enviesado por interesses políticos, econômicos etc é importante para entender a Tecnologia Convencional. Isso porque tudo se passa como se esse desenvolvimento, entendido por um momento como um ente animado, só fizesse perguntas que consegue resolver (que são funcionais) no âmbito das relações sociais onde ocorre. A ciência não se pergunta nada que não “caiba” dentro dos limites de “sua” sociedade. A ciência, na verdade, não se coloca problemas em função da curiosidade do cientista através de um contato (individual, não determinado pelas relações sociais, os interesses dominantes, as culturas institucionais em que se verifica este contato etc) com a natureza.
4c. Como a Comunidade de Pesquisa se organiza para desenvolver conhecimento?
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Essa idéia, que aponta para uma característica da ciência necessária para entender nosso problema, é aceita por pouca gente.
De fato, a visão da ciência que estou criticando , apesar de um tanto idílica e ingênua, é a dominante.
A maioria considera que a ciência não tem fronteiras, que é universal, que é a mesma, e deve ser a mesma, em qualquer parte do mundo. Este argumento parte da constatação de que o Homem e a Natureza são os mesmos em todo o planeta. E que a ciência é o resultado da curiosidade inerente do primeiro, que através de um método tido como infalível explora solitária e continuamente a segunda perfeita e intrinsecamente verdadeira desvelando seus segredos, sua verdade. O tempo seria a única variável na equação que explicaria o avanço da ciência: ele só dependeria do “escoamento” linear do tempo. Se a Ciência avança sempre, contínua, linear e inexoravelmente, seguindo um caminho próprio, e busca a verdade que está na natureza, perfeita, qualquer dificuldade dos cientistas em entender e dominar a Natureza seria sanada com o passar do tempo.
Nossa visão é de que a ciência reforça a “sua” sociedade e tende a inibir a mudança social. Ou seja, a ciência e a tecnologia produzidas sob a égide da formação social capitalista tendem a inibir uma mudança que contrarie suas regras de funcionamento, que debilite a acumulação do capital, que aponte para uma forma de organização do processo de trabalho e da vida em sociedade diferente.