Espacios. Vol. 17 (3) 1996

A Trajetória Tecnológica da Petrobrás na Produção Offshore 2/6

La Trayectoria Tecnológica de Petrobrás en la producción "Offshore" (Costa afuera)

Petrobras Technological approach in Offshore production

Andre Tosi Furtado


3. Trajetória tecnológica nos países periféricos

A competição tecnológica, tal como a analisamos no item anterior, ocorre fundamentalmente entre as grandes empresas dos países desenvolvidos. Essas empresas posicionam-se na fronteira tecnológica e disputam a liderança com outras grandes empresas.

As empresas dos países periféricos se contentam em acompanhar a certa distância a evolução internacional. Isto porque não têm capacitação tecnológica e nem porte suficientes para alavancar grandes volumes de investimentos com forte conteúdo de risco. Os governos costumam ser mais fracos e os mercados internos de menor tamanho.

As vantagens competitivas das empresas dos países periféricos relacionam-se ao acesso vantajoso a determinados insumos (matérias-primas, mão-de-obra) ou a mercados internos protegidos. Os países latino-américanos têm o seu processo de industrialização muito centrado na proteção do mercado interno. Em base a esse tipo de protecionismo, as empresas desenvolveram determinadas seqüências evolutivas de mudança técnica que são específicas a esses países (Katz, 1987).

O tamanho mais reduzido dos mercados, a maior dificuldade de acesso a insumos de qualidade similar aos do exterior, infra-estruturas deficientes, instabilidade macro-econômica são alguns dos principais traços que diferenciam o ambiente seletivo das empresas de países periféricos. Essas especificidades, ao mesmo tempo em que são limitantes, constituem importantes desafios tecnológicos. As empresas têm de realizar uma série de esforços tecnológicos para adaptar os produto e processos que transferem às condições locais. As menores escalas de produção demandam importantes esforços de adaptação em matéria de engenharia de processos. O desenvolvimento da produção requer, na falta de fornecedores confiáveis, a internalização de atividades industriais que extrapolam o campo de atuação normal de uma firma em um país desenvolvido Essas atividades resultam em importantes esforços de engenharia, como a manutenção, desenho e até fabricação de bens de capital.

O ambiente competitivo específico dos países em desenvolvimento tem levado às empresas a apresentar um certo padrão de mudança técnica, que configura um estilo próprio de trajetória tecnológica. Nesse contexto, algumas empresas bem sucedidas apresentam um nível adequado de capacitação tecnológica para operar eficientemente suas plantas produtivas, adquirir e colocar em funcionamento novas plantas, e aumentar constantemente a produtividade através da introdução regular de inovações incrementais. Entretanto, essa capacitação é insuficiente para alcançar a fronteira tecnológica, sobretudo no que se relaciona à capacidade de inovar. Essas empresas conseguem apenas ser boas seguidoras, contando dificilmente com uma capacidade de inovação a altura para ocupar uma posição de liderança na fronteira tecnológica.

A rigor poderíamos afirmar que os países periféricos têm uma trajetória própria que segue a certa distância a trajetória tecnológica internacional. Esta última se desloca em função da competição entre sistemas situados na fronteira tecnológica internacional. Ao passo que a trajetória dos países periféricos acompanha essa evolução a certa distância, a qual está determinada pelo tamanho do gap tecnológico que os separa dos países avançados. Nesse sentido podemos supor que a capacitação das empresas depende em grande parte do nível relativo da economia nacional ou regional. De fato, a capacitação tecnológica dessas empresas está relacionada, em grande medida, à qualidade das interações com múltiplos agentes inovadores dentro de sistemas nacionais de inovação (Freeman, 1987; Lundvall, 1988; Nelson, 1993).

Nesse contexto, é difícil conceber que empresas e indústrias de países periféricos possam ter uma posição de destaque no plano da inovação internacional, mesmo porque a trajetória tecnológica desses países não converge com a trajetória dominante 1. Ela se move em ambientes próprios, de economias que sofrem da escassez crônica de recursos e são pouco propensas a inovações radicais. Conseqüentemente, não se justifica que a trajetória tecnológica de uma empresa de país periférico, apoiada essencialmente em inovações incrementais, possa ter condições de sucesso à nível da fronteira tecnológica internacional.

Considerando todos esses pontos levantados pela literatura sobre mudança técnica em países periféricos, como se justifica que a Petrobrás tenha logrado alcançar uma posição de liderança tecnológica internacional?

Este fato, um pouco fora do comum, deve chamar a atenção para a complexidade do tema da competição tecnológica, sobretudo quando se trata de sistemas para o setor energético. No campo da energia se travam as mais importantes competições tecnológicas deste fim de século, que têm importantes desdobramentos sócio-ambientais (Martin, 1996). A compreensão desse contexto fica ainda mais dificultada porque não existe um quadro teórico muito consolidado a respeito de como as tecnologias já estabelecidas competem com as novas. Sabe-se que as antigas tecnologias acabam deixando o frente da cena, no campo da energia, porque a partir de certo momento esgotam seu potencial inovações e aumentam as externalidades ambientais negativas (Kemp & Soete, 1993). Em decorrência, os custos de produção e de uso tendem a aumentar significativamente. Em compensação, sabe-se menos a respeito do comportamento inverso, ou seja, quando as tecnologias antigas são regeneradas pelas novas, e têm seu período de sobrevida prolongado por essa razão. Este período tende a ser tão mais extenso quanto as tecnologias dominantes gozam de grandes economias de aprendizagem e de adoção em relação às novas com potencial de substituí-las.

A indústria do petróleo é tipicamente uma indústria originária da segunda revolução industrial, onde as inovações radicais ocorreram entre as últimas décadas do século passado e meados deste. Pode-se dizer que essa indústria estava sofrendo um certo fenômeno de rendimentos descrentes no pós-guerra. Isso ocorria porque os custos não paravam de crescer sobretudo quando se tratava do petróleo marginal a ser descoberto e explorado com novos métodos de produção, o chamado petróleo de fronteira. Entretanto, a emergência de um novo paradigma técnico-econômico apoiado nas tecnologias da informação está de certa forma regenerando a trajetória tecnológica dessa indústria. Os novos petróleos, sobretudo aqueles localizados em águas profundas estão tendo um reganho de interesse muito em função dos importantes avanços que foram obtidos na tecnologia de produção (Boy de la Tour, 1994; Martin, 1996).

Se a trajetória tecnológica de um país periférico como o Brasil ocupa uma posição de destaque na evolução da tecnologia offshore é porque esse processo de regeneração da indústria do petróleo passa por uma redinamização de bases técnicas existentes, muito mais do que por saltos ou grandes descontinuidades tecnológicas. Certos estudos já demonstraram que as inovações incrementais têm um papel decisivo para o dinamismo econômico, mesmo nos países desenvolvidos (Enos, 1962; Hollander, 1965; Rosenberg, 1976; Sahal, 1982). Podemos supor, como o faz Sahal (1982), que quando um desenho básico está definido (technological guidepost), as inovações se dão fundamentalmente no sentido de favorecer a sua difusão. Entretanto, no contexto das águas profundas não há ainda propriamente o domínio de um dado sistema, senão a competição entre sistemas tecnológicos alguns mais e outros menos emergentes.

A produção de petróleo em águas profundas é tipicamente um caso de uma nova atividade industrial, para a qual ainda não há um sistema tecnológico hegemônico. É até possível que nenhum dos sistemas atualmente em competição venha ser dominante dado as características próprias da difusão tecnológica nesse setor. Em todo caso essa competição se trava entre diversos sistemas tecnológicos que representam as principais regiões produtoras. Nesse contexto, uma empresa petroleira de país periférico assume a liderança tecnológica apoiada em inovações incrementais aplicadas a um sistema existente. As grandes companhias que optaram por sistemas tecnológicos novos tiveram menos sucesso. Temos consequentemente uma maior sobrevida de um sistema existente a partir de inovações incrementais, ao passo que sistemas novos ainda não lograram desenvolver seqüências de aprendizagem suficientemente produtivas para tornarem-se dominantes.

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1. Katz (1976) tem refletido sobre a possibilide de empresas de países periféricos lograrem processos de catching up. Isto seria possível em setores maduros com poucas inovações radicais e uma baixa velocidade de deslocamento da fronteira tecnológica. Nestes, as empresas de países periféricos apoiadas em processos de aprendizagem focalizados em inovações incrementais, poderiam alcançar o nível de produtividade internacional. Entretanto é sintomático o paralelo que Katz estabelece entre maior nível de produtividade e fronteira tecnológica internacional. Temos todo a razão de pensar que a mudança tecnica e a fronteira tecnológica não possam ser reduzida à produtividade dos fatores, embora existam importantes relações. Isto porque a inovação tecnológica mais radical é de produto. Mas quando esse tipo de inovação tende a diminuir de importância, as inovações de processo redutoras de custo tendem a predominar. Nesse contexto, a produtividade dos fatores é um bom indicador.

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