Espacios. Vol. 17 (3) 1996

A Trajetória Tecnológica da Petrobrás na Produção Offshore

La Trayectoria Tecnológica de Petrobrás en la producción "Offshore" (Costa afuera)

Petrobras Technological approach in Offshore production

Andre Tosi Furtado*


SUMARIO

A Petrobrás assumiu uma posição de liderança internacional na produção de petróleo e gás natural offshore em águas profundas, a partir de uma trajetória tecnológica apoiada em uma seqüência de inovações incrementais, que é própria de empresas inovadoras de países periféricos semi-industrializados. Essa empresa optou, na busca de soluções para o desenvolvimento de sistemas de produção em águas profundas, por introduzir melhoramentos sobre uma base técnica que já operava: os Sistemas de Produção Flutuantes (SPF). Ao passo que as empresas e instituições líderes da indústria internacional buscaram desenvolver sistemas completamente novos para encarar esse desafio. A evolução do ambiente de seleção das tecnologias nessa indústria, caraterizado pela queda dos preços do petróleo após o contra-choque de 1986, levou a que as soluções voltadas para a redução de custos se tornassem vencedoras. A nova trajetória tecnológica dominante na indústria acabou convergindo com aquela de natureza essencialmente incremental adotada pela empresa brasileira.

RESUMEN

Petrobrás asumió una posición de liderazgo internacional en la producción "offshore" (Costa afuera) de Petróleo y Gas en aguas profundas, a partir de una trayectoria tecnológica apoyada en una serie de innovaciones progresivas que son propias de empresas innovadoras de países periféricos semi-industrializados. Esta empresa optó, en la búsqueda de soluciones para el desarrollo de sistemas de producción en aguas profundas, por introducir mejoras en una base técnica que ya estaba operando los Sistemas de Producción Flotantes (SPF). AI tiempo que las empresas e instituciones líderes de la industria internacional trataron de desarrollar sistemas completamente nuevos para encarar este desafío. La evolución del ambiente para seleccionar las tecnologías en esta industria, caracterizado por la caída de los precios del Petróleo después del contra-golpe de 1986, condujo a que las soluciones rechazadas para reducción de costos se convirtiesen en vencedoras. La nueva trayectoria tecnológica dominante en la industria terminó coincidiendo con aquella de naturaleza esencialmente progresiva adoptada por la empresa Brasileña.

Contenido


1. Introdução.

Os países periféricos costumam absorver de fontes externas grande parte da nova tecnologia que utilizam em seus processos produtivos, principalmente quando esta é de ponta e requer um certo grau de performance. Entretanto, mesmo que assumam uma posição de receptores de novas tecnologias, um grupo importante de empresas de médio e grande porte realiza um significativo esforço tecnológico. Esse esforço volta-se, principalmente, para um determinado tipo de inovação, de natureza incremental, que se destina à adaptação e à introdução de melhoramentos em processos ou produtos existentes. As inovações são introduzidas preferencialmente sobre bases técnicas já maduras conformando um certo tipo de trajetória tecnológica, específica a esses países. A trajetória tecnológica das empresas, apoiada em inovações incrementais, pode levar a uma posição comercial competitiva, mas dificilmente ocorre o mesmo no plano da inovação, quanto mais na fronteira tecnológica (Katz, 1976; Lall, 1982; Fransman, 1986).

Este trabalho, baseando-se no estudo de caso da produção brasileira de petróleo offshore, trata de mostrar que uma empresa de grande porte pertencente a um país periférico pode posicionar-se na fronteira tecnológica, mesmo que tenha uma trajetória tecnológica centrada em inovações incrementais. Existe maiores condições para que isto ocorra no contexto de certos setores que apresentam menores desníveis enquanto a capacidade de inovação entre empresas dos países centrais e da periferia. A Petrobrás talvez seja uma das melhores ilustração dessa tese. Essa empresa logrou alcançar uma posição de liderança em escala internacional na produção de petróleo offshore a grandes profundidades. A altura da lamina d’água na qual se produz petróleo e gás natural representa uma importante fronteira tecnológica para essa indústria. Alguns países desenvolvidos com grandes indústrias de petróleo offshore (grandes companhias e fornecedores) disputam a liderança nessa área, fundamentalmente os Estados-Unidos e os países europeus que operam no Mar do Norte (Reino Unido, Noruega e França). A presença da estatal brasileira nesse campo representa certamente uma destacável exceção.

Esse estudo de caso serve para aprofundar a reflexão em duas importantes temáticas relacionadas com a dinâmica tecnológica. Em primeiro lugar, de que forma as tecnologias organizadas em sistemas competem entre si e quais são os fatores que influem sobre esse processo. Em segundo lugar, como se comportam especificamente as trajetórias tecnológicas em países periféricos e quais são as condições para que as empresas inovadoras desses países alcançassem a fronteira tecnológica. Os dois próximos capítulos deste artigo estão destinados a introduzir essa discussão. No quarto capítulo, apresenta-se especificamente a problemática da indústria do petróleo offshore. Realiza-se uma rápida descrição da importância que o offshore profundo tem para o futuro dessa indústria e faz-se uma apresentação dos principais sistemas tecnológicos em competição nessa área, destacando a liderança adquirida pelo sistema desenvolvido pela Petrobrás. Em seguida, num quinto capítulo, analisa-se a trajetória tecnológica dessa empresa, ressaltando as principais etapas que ela percorreu até alcançar sua posição de destaque atual. Na conclusão, elabora-se uma reflexão sobre os fatores determinantes que permitiram o sucesso dessa trajetória tecnológica apoiada em inovações incrementais.

2. Competição entre sistemas tecnológicos

A mudança técnica não ocorre ao acaso ou está exogenamente determinada. Ela faz parte plenamente da mudança econômica. As organizações produtivas são também organizações que aprendem. Nesse sentido, a mudança técnica está associada à experiência dos agentes econômicos, o que a torna um processo específico às circunstâncias e localizado. A sucessão de sucessos e fracassos determina a maneira pela qual os agentes realizam o processo de aprendizagem. Por essa razão, trata-se de um processo cumulativo. Essa cumulatividade também garante, em determinadas seqüências, rendimentos crescentes de aprendizagem.

Portanto, os agentes que utilizam e transformam as tecnologias seguem certos padrões evolutivos. Esses padrões evolutivos são chamados de trajetórias tecnológicas. Esta é definida como o conjunto de características evolucionárias e cumulativas que condicionam o desenvolvimento e as mudanças experimentadas por tecnologias quando se difundem e são utilizadas na produção e em serviços (OCDE, 1992). Esses padrões são definidos por maneiras “normais” de solucionar problemas dentro do quadro de um certo paradigma tecnológico (Dosi, 1982).

As trajetórias tecnológicas possuem características próprias, como o fato de atravessarem certos estágios evolutivos. No início de sua evolução, uma trajetória tecnológica apresenta um grande espectro de possibilidades. Nesse estágio costumam competir diversos sistemas tecnologicos, cada qual apresentando potenciais para tornar-se dominante. Existem vários caminhos possíveis, cada um deles constitui um determinado conjunto de tecnologias inter-relacionadas entre si.

Entretanto, a medida em que uma trajetória tecnológica progride, o número de sistemas tecnológicos em competição tende a reduzir-se. Apenas um tende a prevalecer sobre os demais, em virtude dos rendimentos crescentes de adoção (Arthur, 1989). De forma que a tecnologia que se beneficia de uma maior adoção no início de uma trajetória pode adquirir uma vantagem decisiva sobre as demais. A partir de um certo estágio, mesmo que ela não seja a mais eficiente, ela se torna dominante e as demais são descartadas. Esse processo de estreitamento do raio de opções à apenas uma determinada tecnologia é chamado de lock in. Portanto segundo essa perspectiva, o impulso inicial que é dado a uma determinada tecnologia pode explicar que ela venha a se tornar hegemônica.

O grau de incerteza que existe ex ante sobre a evolução das diferentes tecnologias em competição implica, como coloca corretamente B. Arthur (1989), em um importante potencial de ineficiência que dependerá de qual for a tecnologia que vier a vencer. Nesse contexto, algumas variáveis poderão desempenhar um papel importante para a escolha tecnológica tais como os interesses econômicos das organizações envolvidas no processo de inovação, o mercado, os agentes institucionais e as forças políticas.

O lock in em apenas um determinado sistema tecnológico pode ser considerado como um caso extremo, onde uma tecnologia ganha um avanço suficiente para eliminar as demais. Depende, como ressalta corretamente Ruttan (1996), de que os rendimentos crescentes sejam estáveis. Entretanto, na maioria dos casos convivem vários sistemas em competição porque as economias de escala e os ganhos de adoção do sistema tecnológico líder não são suficientes para possibilitar a evicção das demais tecnologias. As possibilidades de escolha tecnológica se mantém suficientemente diversificadas, mesmo que com o amadurecimento das trajetórias ocorra uma redução da gama de opções.

A escolha entre sistemas tecnológicos, tendo em vista o caráter localizado do processo de aprendizagem, tornar-se uma competição entre empresas e mesmo entre espaços econômicos, cada qual apostando no desenvolvimento de um determinado sistema tecnológico. Muitas vezes a competição de tecnologias é uma competição entre países cujos governos apoiam seus grupos empresariais nacionais, através de múltiplos mecanismos como o fomento à P&D industrial e o financiamento das primeiras séries de produção. Mas as grandes empresas multinacionais, mesmo sem o apoio de seus respectivos governos, estabelecem acirradas competições entre si para fazer prevalecer seu próprio sistema tecnológico em escala mundial.

Que elementos irão determinar que uma tecnologia seja mais usada do que as demais em sua etapa inicial de desenvolvimento? Existem fatores determinantes que são, pelo lado da oferta, o potencial de desenvolvimento de uma determinada tecnologia. Esse potencial está relacionado às expectativas que as empresas têm do retorno de seus investimentos em inovação, as quais estão condicionadas, a sua vez, pelas oportunidades tecnológicas e pelo grau de apropriabilidade da tecnologia (Nelson, 1988). As oportunidades tecnológicas são dificilmente previsíveis com precisão, dado o grande grau de incerteza que caracteriza a atividade de busca tecnológica. Entretanto, esses fatores não são suficientes para dar conta da evolução tecnológica.

Pelo lado da demanda, existem outros elementos de ordem econômica que podem ter reflexos sobre essa escolha tais como o tamanho do mercado, a influência sobre os demais mercados e as oportunidades produtivas (acesso a preço favorável a determinados insumos). O ambiente de seleção das tecnologias tem também uma grande importância para o desfecho da competição tecnológica. Esse ambiente incorpora a influência de fatores político-institucionais. A área energética constitui uma importante ilustração da importância que os fatores político-institucionais têm para a competição tecnológica. Nessa área, onde as tecnologias usadas têm grande repercussão sobre o meio-ambiente, a mobilização da população dos países desenvolvidos contra as ameaças da tecnologia nuclear de geração elétrica frustou as apostas que os governos desses países e grandes grupos empresariais haviam feito nesse sistema tecnológico.

Em síntese, uma grande variedade de fatores, que atuam no início de uma determinada trajetória tecnológica, podem induzir a adoção de um dado sistema tecnológico mais do que outro. Esses fatores têm uma influência muito duradoura. Eles são muito variados e dependem do contexto específico em que ocorre essa etapa de constituição de uma tecnologia. No caso que iremos analisar, veremos que a baixa do preço do petróleo no mercado mundial desde meados da década de 80 modificou fortemente o ambiente de seleção das tecnologias de produção favorecendo a adoção de inovações poupadoras de custo.

[Volver a parte superior página] [siguiente]


[Volver al inicio]

Vol. 17 (3) 1.996
[Indice] [Editorial] [Libros]