Espacios. Espacios. Vol. 31 (3) 2010. Pág. 25

Propriedade industrial e seus fatores determinantes: Foco na política de patenteamento de empresas industriais brasileiras

Intellectual property and its determinants: Focus on patent policy of brazilian industrial enterprises

Propiedad industrial y sus factores determinantes: Enfocado a una política de patentes de empresas industriales brasileñas

Marlete Beatriz Maçaneiro y João Carlos da Cunha


3. A importância da política de patenteamento em empresas industriais

A busca pela inovação é uma variável constante para os países se desenvolverem. Winter (1984) descreve três fases que envolvem esse processo de busca pelas firmas: imitação, padrões extramuros e padrões intramuros. Na primeira fase, a firma tem a sua mudança de rotina baseada no modelo de uma concorrente engajada no mesmo tipo de atividade, que implica um acesso fácil às novas tecnologias de processo e de produto ou mesmo à nova estrutura organizacional. Na segunda fase, a firma inova com base nos conhecimentos adquiridos fora da indústria à qual pertence, por intermédio das pessoas que contrata, cabendo a si própria utilizá-los de forma eficiente e alcançar os ajustes desejáveis. Há, também, o caso da firma cuja única tarefa é fazer pequenas adaptações para utilizar um procedimento inovador que foi desenvolvido por outras empresas. Na terceira fase, a firma desenvolve internamente as idéias necessárias para aperfeiçoar seu funcionamento. No caso de grandes empresas, a inovação é desencadeada nos laboratórios de Pesquisa e Desenvolvimento (P&D) existentes, onde a mudança de técnicas e processos depende diretamente do montante dos gastos específicos para as atividades de P&D.

Essas atividades de P&D resultam em inovações que são passíveis de serem apropriadas por quem de direito. Destacam-se entre os diversos mecanismos de apropriação de inovações da Propriedade Industrial as invenções (patentes), marcas registradas, desenhos industriais e indicações geográficas de fonte (WIPO, 2009). Nelson (1990) identificou três amplas classes de meios pelos quais as empresas podem apropriar os retornos de suas inovações – através do sistema de patentes, de segredos e de várias vantagens associadas com a exploração da “vantagem do pioneiro” (first-mover). Neste trabalho será enfatizada apenas a utilização de patentes pelas empresas e seus fatores determinantes.

A importância da utilização de patentes está no sentido de que a P&D para elaboração de novos produtos requer, na maioria das vezes, grandes investimentos, sendo que a proteção por meio de uma patente significa a prevenção contra cópia e venda pelos competidores. A proteção conferida pela patente é, portanto, um instrumento para que a invenção e a criação industrializável se tornem um investimento rentável. (INPI, 2009). De acordo com Nelson (1990), o portfólio de patentes de uma empresa é geralmente uma precaução contra processos potenciais de outras que usam tecnologia similar, criando uma ameaça de contra-processar.

Patente é um título de propriedade temporária sobre uma invenção ou modelo de utilidade, outorgados pelo Estado aos inventores ou autores ou outras pessoas físicas ou jurídicas detentoras de direitos sobre a criação. Em contrapartida, o inventor se obriga a revelar detalhadamente todo o conteúdo técnico da matéria protegida pela patente. Durante o prazo de vigência da patente, o titular tem o direito de excluir terceiros, sem sua prévia autorização, de atos relativos à matéria protegida, tais como fabricação, comercialização, importação, uso, venda, etc. (INPI, 2009).

Porém, há imperfeições nesses mecanismos, uma vez que não fornecem às firmas o nível desejado de apropriação (segredo industrial quebrado pela circulação de mão-de-obra, os imitadores capacitados podem anular as vantagens de um pioneiro). Essas imperfeições, também relacionadas à dinâmica do sistema capitalista, estabelecem ameaças às empresas inovadoras, as quais são pressionadas ao investimento na capacitação tecnológica e organizacional para o sustento dos lucros da inovação (ALBUQUERQUE, 2006).

Com base em estudos realizados por Andreassi et al. (1998), sobre o valor e os problemas da utilização de patentes, sete aspectos foram relacionados: 1) nem todo novo conhecimento economicamente útil é codificável; 2) nem toda inovação é patenteável, em função das exigências legais mínimas; 3) há outros mecanismos de apropriação que podem ser considerados mais adequados pelo inovador; 4) diferentes setores industriais possuem diferentes "propensões a patentear"; 5) as inovações patenteadas não necessariamente possuem o mesmo valor econômico, uma vez que inovações radicais e pequenos melhoramentos tornam-se equivalentes para efeito de estatísticas patentárias; 6) diferenças nacionais de legislação são importantes, o que afeta a comparabilidade internacional das patentes; 7) há limitação do uso de patentes em certos campos do conhecimento.

Nesse sentido, Albuquerque (2006) destaca pesquisas empíricas realizadas durante os anos 1980, que discutiram o peso e a relevância setorial dos diferentes mecanismos de apropriabilidade, conforme pode ser visualizado na síntese do Quadro 1. Alguns estudos apontam para a dependência entre a introdução de inovações e a proteção de patentes, o que fica evidenciado principalmente no ramo farmacêutico, em detrimento à pequena importância para outros setores, tais como o químico, o metal-mecânico e a eletrônica, indicando uma importância relativa desse mecanismo. Sendo assim, como explicar essa importância relativa, uma vez que as patentes são consideradas o meio mais eficaz de conter as imitações? De acordo com Nelson (1990), economistas e historiadores da tecnologia, que vêm estudando o assunto desde os tempos de Schumpeter, reconhecem uma variedade de meios de apropriação e seus trabalhos sugerem que meios diferentes operam em indústrias diferentes.

Quadro 1
Pesquisas empíricas sobre a relevância dos mecanismos de apropriabilidade

Autores Descrição/Resultados
Cohen & Levin (1989)
Num survey sobre inovação e estrutura de mercado, constataram que os ramos industriais se diferenciam de acordo com suas “propensões a patentear”.
Taylor & Silberston (1973)
A partir de uma amostra de 27 firmas britânicas, assinalaram que havia dependência entre a introdução de inovações e a proteção de patentes em 60% da P&D do ramo farmacêutico, em 15% da P&D do ramo químico, em 5% da indústria metalmecânica e numa porcentagem pequena na eletrônica.
Mansfield, Schwartz & Wagner (1981)
Investigaram 48 inovações de produtos nos Estados Unidos, constatando que a falta de proteção de patentes teria afetado menos de um quarto das inovações patenteadas da amostra, excluindo-se o ramo farmacêutico.
Yale Survey Levin et al (1987)
O levantamento analisou a apropriabilidade da inovação em 650 empresas nos Estados Unidos, de 130 indústrias diferentes, constatando a pequena importância das patentes ou como sendo tão efetivas quanto outras formas de apropriação.

Fonte: adaptado de Albuquerque (2006).

Mais especificamente, alguns estudos apontam elementos que podem responder a esse questionamento. O Yale Survey foi um levantamento realizado em 650 empresas dos Estados Unidos, de 130 indústrias diferentes, onde foi analisada questão da apropriabilidade da inovação (LEVIN et al., 1987). De acordo com os resultados do estudo, os custos de imitação em indústrias complexas, tais como de semicondutores, aeronáutica e de mísseis, reduz o apelo às patentes, uma vez que uma cópia consumiria mais de três quartos do valor gasto pelo inovador. Portanto, a imitação é de custo elevado mesmo que o novo produto não seja protegido por uma patente. Outro aspecto é a abertura de informações no registro da patente, o que faz com que as empresas prefiram apoiar-se no segredo industrial para preservar a apropriação do conhecimento. Por outro lado, em indústrias que a descrição do produto é quase precisa, as patentes são consideradas como o meio mais eficaz para a apropriação, como por exemplo o ramo químico. O estudo também aponta a utilização de patentes em outros aspectos que não o da apropriação, tais como: instrumento para se medir o desempenho do setor de P&D, forma de ganhar acesso a mercados externos e como vantagem estratégica para negociação.

De acordo com Nelson (1990), contrariando a crença popular que enfatiza os direitos de propriedade intelectual, na maioria dos setores os ganhos do inovador aparentemente decorrem de “chegar primeiro” e explorar essa vantagem, mais do que de usar a proteção de uma patente ou de agir para manter segredo. Por outro lado, há certas indústrias nas quais a proteção de patentes é importante, talvez essencial, como incentivo à inovação. Dois tipos de indústrias desse tipo consistem de setores onde a composição química é um aspecto central da concepção, bem como os setores que produzem bens como, por exemplo, compressores de ar e de gás, onde a composição do produto é relativamente fácil de definir e limitar. Estas condições parecem conduzir a redação de patentes, descrevendo um contexto onde a imitação é relativamente fácil para uma firma competente. Assim, sem a proteção de patentes um inovador lucraria muito pouco com seus investimentos.

Algumas questões também podem ser deduzidas do estudo de Prado e Campos (2000), que consta de uma pesquisa empírica com 73 empresas de base tecnológica brasileiras, que se encontravam incubadas. O objetivo foi de verificar, dentre outros aspectos, se a patente é o principal mecanismo de apropriação dos ganhos decorrentes do processo inovativo das empresas, se há outros instrumentos de proteção utilizados, apresentando as características distintivas destes em relação à patente.

Dentre os resultados da pesquisa, foi verificado que as empresas do setor eletroeletrônico e biotecnológico se utilizam mais do segredo industrial do que de patentes, apesar de desenvolverem produtos patenteáveis. As principais razões apresentadas pelos empresários dizem respeito às dificuldades para se obter patentes no Brasil, em função da burocracia na tramitação dos processos, do período muito longo para concessão do privilégio e dos altos custos do registro. (PRADO e CAMPOS, 2000)

No geral, a pesquisa de Prado e Campos (2000) mostrou que apenas 30% das empresas decidiram patentear seus produtos/processos. A decisão por patentear suas inovações deu-se pelas razões de segurança que a proteção patentária proporciona à fabricação e exploração comercial de seus produtos/processos e pela possibilidade de formar parcerias com grandes empresas. Os investimentos em inovações ocorrem independentes da existência desse tipo de proteção legal, não sendo consideradas imprescindíveis para a continuidade dos projetos que envolvem a criação e o aperfeiçoamento de novos produtos/processos, embora sejam importantes para outras oportunidades, como por exemplo, para negociar com parceiros.

Já o estudo de Rosas, Froehner e Sbragia (2007), teve o objetivo de levantar dados de campo visando colaborar com a decisão de investimento em Propriedade Intelectual (PI) de empreendedores. Em uma primeira etapa a intenção foi elaborar uma síntese dos tipos de proteção, benefícios esperados, custos e tempos médios para registro. Em um segundo momento, o objetivo foi a contraposição dos benefícios com investimento em PI sugeridos pela literatura, com os percebidos por um empreendedor que realizou esse investimento (pesquisa empírica), no sentido de realizar uma avaliação “custo x benefício”.

Dentre os benefícios percebidos, no estudo, com o investimento em patentes estão: a inovação como barreira principal a competidores; o aumento do valor do intangível da empresa; e a valorização do produto pelo cliente, além dos benefícios naturais de exclusividade de exploração de determinada tecnologia e a proteção dos investimentos em P&D visando o retorno no longo prazo. Os dados empíricos revelaram que a segurança percebida pela proteção de patentes foi alta, onde os investimentos foram considerados com retornos positivos. “A alta avaliação das patentes refere-se não somente à reserva de mercado nacional concedida por 20 anos, mas também pela potencialidade de obtenção de receitas em moeda estrangeira com maior valor que o Real, por meio de licenciamento.” (ROSAS, FROEHNER e SBRAGIA, 2007, p. 12).

Andreassi et al. (1998) objetivaram em seu estudo apresentar um painel das atividades tecnológicas brasileiras, verificando a existência de correlações entre despesas em inovação tecnológica e obtenção de patentes no âmbito empresarial, além de analisar o efeito das variações setoriais e do tamanho da empresa nessa relação. A análise dos resultados se pautou pelo estudo de correlação entre o número de patentes obtidas entre 1990 e 1995 e as despesas em inovação em 1995, em valores absolutos e relativos.

Os resultados do estudo mostraram uma correlação positiva significativa entre patentes e despesas em P&D somente em grandes empresas, uma vez que são as que possuem estruturas de inovação mais formalizadas. Com relação aos setores de atividade, os resultados apontaram para um maior número de correlação nos setores Químico e Metal-Mecânico, conforme o já relatado em outros estudos. (ANDREASSI et al., 1998).

De acordo com Matias-Pereira e Kruglianskas (2004), o sistema de propriedade industrial é subutilizado e desconhecido por substancial parcela do empresariado brasileiro, embora grandemente valorizada e utilizada como instrumento de estratégia concorrencial e de competitividade nos países mais desenvolvidos. A falta de utilização da proteção adequada de patentes, tanto no Brasil como no exterior, prejudica a competitividade da indústria brasileira, dificulta ou impede a recuperação de investimentos em pesquisa e desenvolvimento e pode ser causa de vultosos prejuízos, perda de clientela e de oportunidades comerciais.

No que se refere ao patenteamento como recurso estratégico, para Carvalho et al. (2002, p. 9), essa questão “...está associada à complexidade e custos da inovação, particularmente nos setores de fronteira tecnológica, onde os agentes encontram dificuldades para cobrir todo o espectro de conhecimento.” Nesse sentido, a titularidade da propriedade intelectual se torna um recurso estratégico que as empresas estabelecidas no mercado utilizam para levantar barreiras à entrada de novas empresas.

Sendo assim, as condições de apropriação estabelecem diferentes resultados na estrutura industrial, onde as mais rígidas fazem com que as empresas pioneiras em inovações usufruam de uma maior participação no mercado. No caso das patentes, podem ser utilizadas como mecanismo de proteção de novas empresas em um mercado e da pequena empresa inovativa, bem como fonte potencial de barreiras à entrada, tendo um papel importante na determinação de estruturas industriais (ALBUQUERQUE, 2006). De acordo com Matias-Pereira e Kruglianskas (2004), as questões relacionadas à propriedade industrial representam uma garantia para que empresas se firmem no mercado produtor e consumidor. Isso ocorre por meio da criação de novas técnicas, de novas formas de produção, de novos produtos, ou, ainda, pelos sinais distintivos, que fazem com que a grande massa consumidora conheça seus produtos ou serviços.

Portanto, a importância da proteção à propriedade industrial se estabelece na própria sobrevivência de empresas de setores específicos. Ela proporciona às empresas não só a seguridade da titularidade da inovação, mas também a possibilidade de negociações e conquistas de mercados. O próximo tópico trata da metodologia do estudo, seguido da análise dos fatores condicionantes dessa forma de apropriação, bem como os números do patenteamento por empresas industriais, permitindo um conhecimento maior desse aspecto no contexto brasileiro.

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