1. Introdução
O descarte e tratamento adequado dos produtos depois de sua vida útil tem-se tornado um tema de importância nas agendas ambientais de governos e organizações não-governamentais (ONGs) preocupadas com o ambiente e sua preservação. Diariamente indivíduos e indústria geram toneladas de lixo de todos os tipos, que são depositados em aterros comuns com pouco ou nenhum tratamento ou classificação. Embora as empresas desenvolvam estratégias de logística para que o produto chegue ao cliente no menor tempo possível para seu consumo imediato, poucas se preocupam em estabelecer mecanismos com a mesma eficácia para recuperar esses produtos na sua fase de obsolescência.
Esta situação torna-se mais critica quando o lixo gerado é inorgânico e precisa de tratamentos tecnologicamente diferenciados para seu descarte, degradação reciclagem ou reutilização. Este é o caso do lixo eletrônico ou “e-waste”, gerado por aparelhos eletro-eletrônicos tais como computadores pessoais, impressoras, telefones celulares, câmeras digitais, dispositivos de música, brinquedos, televisões e geladeiras, que contêm elementos tóxicos e perigosos para o ambiente. O incremento no consumo mundial deste tipo de produtos deve-se principalmente à acessibilidade destes produtos a grande parte da população e à velocidade com que novas gerações de tecnologias são desenvolvidas e introduzidas no mercado, nos últimos anos. Além disso, na maioria das vezes é mais barato adquirir um produto novo que atualizar o antigo. Kang e Schoenung (2005) argumentam que o período de vida útil dos computadores pessoais nos Estados Unidos caiu de 4,5 anos em 1992 para somente 2 anos em 2006, acelerando a obsolescência dos equipamentos e seu consequente descarte.
Segundo relatório do Programa Ambiental das Nações Unidas, em 2007 a China gerou 2,2 milhões de toneladas de lixo eletrônico, a Índia 439 mil toneladas, o México 239 mil toneladas (em 2006) e o Brasil 368 mil toneladas (em 2005) (UNEP, 2009). No entanto, nem a soma de todo o lixo eletrônico gerado por essas quatro economias emergentes supera os 4,6 milhões de toneladas que os Estados Unidos geraram no 2000, considerada a nação que mais lixo eletrônico gera ao nível mundial (EPA, 2004). Estima-se que entre 50% e 80% do lixo eletrônico coletado nos Estados Unidos para reciclagem é exportado para países como China, Índia ou Paquistão, onde trabalhadores desmontam as máquinas manipulando produtos químicos tóxicos que podem causar problemas graves de saúde (GREENPEACE, 2005).
Segundo projeções para 2020 o lixo eletrônico procedente de computadores obsoletos na China será 400% superior aos níveis gerados pelo país em 2007 (419 mil toneladas) e 500% superior na Índia (140 mil toneladas em 2007). O lixo proveniente de telefones celulares na China será sete vezes maior em 2020 comparado com 2007 (15 mil toneladas) e dezoito vezes maior na Índia (9 mil toneladas) (UNEP, 2009). No entanto, Estados Unidos, China e Índia não são os únicos geradores de lixo eletrônico: países como México e Brasil estão aumentando de forma considerável a quantidade de produção lixo eletrônico nos últimos anos. No mundo a geração de lixo eletrônico está crescendo perto de 40 milhões de toneladas por ano (UNEP, 2009).
Nesse contexto, algumas empresas que produzem e comercializam produtos informáticos tentam desenvolver sistemas de logística reversa com o objetivo de recuperar os produtos obsoletos, reutilizar ou reciclar seus componentes para serem aproveitados como matéria-prima na fabricação de produtos novos, reduzindo assim a quantidade de lixo eletrônico jogado nos aterros. Assim, cabe questionar o que essas empresas fazem com os itens obsoletos ou estragados de seus clientes? Que processos de tratamento ou reciclagem as empresas aplicam para esses produtos? Com base nessa problemática, o presente artigo busca identificar o processo de logística reversa de produtos informáticos no fim da vida útil e com defeitos de fabricação, comercializados por empresas atacadistas no Equador.
O artigo está estruturado da seguinte forma: inicialmente discute-se a questão da logística reversa, sua importância e como funciona esse processo no setor de fabricação e comercialização de produtos informáticos. Em seguida são discutidos a degradação e o impacto ambiental dos componentes utilizados na fabricação desses produtos. Posteriormente, são apresentados e analisados quatro casos de empresas atacadistas do Equador e como elas realizam a logística reversa do lixo-informático gerado pelo giro de seu negócio. O artigo é finalizado com discussões sobre os casos, limitações do estudo e indicações para novas pesquisas.
2. Logística Reversa
O objetivo de quase todo negócio é reter os clientes de forma que eles não consumam os produtos da concorrência. A adoção e implementação de sistemas de logística reversa é um dos caminhos estratégicos que as empresas têm desenvolvido nos últimos anos para que o custo de mudança do consumidor seja mais alto (Tan et al., 2003) integrando o tratamento ecologicamente correto do produto após sua vida útil. Assim, a logística reversa é um processo de planejamento, implementação e controle da eficiência e custo efetivo do fluxo de matérias-primas, produtos em processo, produtos terminados e informações relacionadas ao produto, do ponto de consumo para o ponto de origem do produto, com a finalidade de recuperar o valor desse produto ou encaminhá-lo para a disposição mais apropriada (Rogers et al., 1998).
Para Ravi et al. (2005), a logística reversa inclui processos como reenvio da mercadoria quando o produto tem alguma falha de fabricação, inventário sazonal, reabastecimento, excesso de inventário, produtos não desejados ou versões antigas. Estas atividades também incluem programas de reciclagem, programas de tratamento de materiais perigosos, disposição de equipamento no fim de vida útil e recuperação do produto para reutilização. O fluxo reverso do produto é originado em vários pontos, mas deve ser consolidado somente em um destino. Assim, num sistema de logística reversa o fator crítico para seu sucesso é a identificação do mapa de fluxos, para entender a ordem, componentes e inter-relações dos processos que formam parte do sistema (Ravi et al., 2005).
Segundo Leite (2006, p. 16-17):
A logística reversa é uma área da logística empresarial que planeja, opera e controla o fluxo e as informações logísticas correspondentes, do retorno dos bens de pós-venda e de pós-consumo, ao ciclo de negócio ou ao ciclo produtivo, por meio dos canais de distribuição reversos, agregando-lhes valor de diversas naturezas: econômico, ecológico, legal, logístico, de imagem corporativa, entre outros.
Dentro desta definição é importante explicar o que são canais de distribuição reversos, como a base de tudo o que constitui um sistema de logística reversa. Leite (2006) identifica dois tipos de canais de distribuição reversa, de pós-consumo e de pós-venda.
2.1 Canal de pós-consumo
Os canais de distribuição reversa de pós-consumo estão constituídos pelo fluxo reverso de produtos e de materiais originados no descarte de produtos, depois de finalizada sua utilidade principal (fim de vida útil) e que retornam ao ciclo produtivo de alguma forma (revalorização). Uma vez que o produto atinge seu fim de vida útil, este pode ser revalorizado por meio do canal reverso de desmanche ou de reciclagem. Se por nenhum destes meios o bem de pós-consumo conseguiu ser revalorizado encontra a disposição final em aterros sanitários ou é incinerado.
O desmanche é um sistema de revalorização de um produto que sofre um processo industrial de desmontagem pelo qual seus componentes em condições de uso são enviados para remanufatura e ao mercado de peças usadas. Na reciclagem, os materiais constituintes dos produtos são extraídos industrialmente, transformando-se em matérias-primas secundárias ou recicladas que serão reincorporadas à fabricação de novos produtos. Tanto no desmanche como na reciclagem os materiais não-reutilizáveis são enviados a aterros sanitários ou são incinerados.
Sistemas de reciclagem agregam valor econômico, ecológico e logístico aos bens de pós-consumo, criando condições para que o material seja reintegrado ao ciclo produtivo e substituindo as matérias-primas novas. O sistema de reuso agrega valor de reutilização ao bem de pós-consumo. E o sistema de incineração agrega valor econômico, pela transformação dos resíduos em energia elétrica.
O objetivo econômico da logística reversa de pós-consumo é a obtenção de resultados financeiros por meio de economias obtidas nas operações industriais, principalmente pelo aproveitamento de matérias-primas secundárias, provenientes dos canais reversos de reciclagem, ou de revalorizações nos canais reversos de reuso e de remanufatura (Leite, 2006). Segundo Kumar e Putnam (2008) produtos remanufaturados incorrem em custos que são 40-60% inferiores aos incorridos na fabricação de produtos novos, isto porque a maioria das matérias-primas já existe em sua forma final e parte delas não precisa passar por um novo processamento de materiais e fabricação.
2.2 Canal de pós-venda
Os canais de distribuição reversa de pós-venda estão constituídos pelas diferentes formas de retorno de produtos, com pouco e nenhum uso, que fluem no sentido reverso, do cliente ao varejista ou ao fabricante, do varejista ao fabricante (Leite, 2006). Os canais reversos de pós-venda utilizam em grande parte os próprios agentes da cadeia de distribuição direta. Este fluxo reverso se origina por problemas de desempenho do produto, ou por garantias de fábrica; também pode se originar em diferentes momentos da cadeia de distribuição direta. Os problemas mais comuns que geram este fluxo reverso são avarias de transporte, garantias dadas pelo fabricante, erros de pedido, limpeza do canal nos elos da cadeia de distribuição, excessos de estoques, fim de estação, fim de vida comercial do bem e estoques obsoletos entre outros (Leite, 2006).
Leite (2006) acrescenta que as quantidades de produtos que fluem nos canais reversos de pós-venda variam de acordo com o tipo de produto e suas características, como sazonalidade, ciclo de vida útil, rotação de estoques, sistema de comercialização estabelecido, obsolescência, impacto do retorno no resultado operacional, condições tecnológicas de remanufatura, entre outras. A devolução por motivo de defeito ou de problema de qualidade requer decisão de natureza técnica em um dos elos da cadeia de distribuição. Isso para definir o destino dos bens devolvidos, que poderão ser dirigidos para mercado primário ou secundário, processos de remanufatura o de reforma, processos de reciclagem de materiais constituintes ou para sistemas de disposição final (Leite, 2005).
Da mesma forma como o canal reverso de pós-consumo, o canal de pós-venda tem seu objetivo econômico, com uma visão estratégica de recapturar valor financeiro do bem através de revenda em mercados primários ou secundários, ganhos econômicos por meio de desmanche, remanufatura, reciclagem industrial e disposição final (Leite, 2006).
2.3 Determinantes da Logística Reversa
Cinco são as determinantes que devem ser considerados por uma organização para a incorporação de um sistema de logística reversa: os fatores econômicos, a legislação, consciência social, meio ambiente e pensamento ecológico, e qualidade global e atendimento ao consumidor (Ravi et al., 2005; Kenemeyer et al., 2002).
(i) Fatores econômicos: os recursos econômicos são escassos nas organizações, fazer uso eficiente deles é um problema que todas as empresas tentam resolver. Sob esta ótica, as empresas se esforçam continuamente para alcançar reduções de custo em seus processos de produção. Como parte desse processo, a logística reversa desenvolve diferentes opções de recuperação do produto obsoleto como: remanufatura, reparação, reconfiguração e reciclagem que podem resultar em oportunidades de negócio lucrativas. A logística reversa é agora percebida como um investimento que gera retorno e não simplesmente como um custo que minimiza a administração do desperdício. O sistema pode trazer benefícios de custo para as empresas, enfatizando o reuso e redução de materiais, agregando valor aos produtos recuperados e reduzindo os custos de disposição do produto no fim de vida útil.
(ii) Legislação: em determinados casos a legislação obriga as empresas a recuperar seus produtos ou aceitá-los de volta uma vez encerrada sua vida útil. Estas incluem a recuperação e reuso de produtos obsoletos, redução do volume de desperdício gerado e o aumento de uso de materiais reciclados. Existem também restrições na utilização de certos tipos de materiais que formam parte da composição do produto. Também se colocam restrições no uso de substâncias perigosas nos processos de produção, para facilitar o desmanche e reciclagem dos produtos.
(iii) Consciência social: conjunto de valores e princípios adotados em empresas, organizações e na comunidade, com a finalidade de que os indivíduos incorporem responsavelmente atividades de logística reversa. Muitas vezes atividades de logística reversa podem melhorar a imagem corporativa da empresa e ensinam aos clientes a adequada forma de consumir os produtos sem que afetem o meio ambiente.
(iv) Meio ambiente e pensamento ecológico: o foco da logística reversa está direcionado a atingir benefícios que proporcionem uma vantagem competitiva para as empresas que proativamente incorporam objetivos ambientais em suas práticas de negócio e planos estratégicos. A imagem “verde” de fabricação de produtos ambientalmente corretos tornou-se um elemento de marketing importante que estimula as empresas a explorar opções de recuperação de seus produtos no fim de vida útil.
(v) Qualidade global e atendimento ao consumidor: com a implementação de sistemas logística reversa, a qualidade do produto e o atendimento ao consumidor ampliam-se para estágios que vão além da manufatura e uso do produto, integrando parâmetros de qualidade nos processos de recuperação, desmaterialização e tratamento do produto após de sua vida útil.
Assim, as funções executadas ao longo das atividades de logística reversa incluem cuidado de materiais, redução do ciclo de tempo de disposição do produto, remanufatura e renovação, recuperação do produto e seus componentes, negociação com fornecedores, terceirização, gestão financeira e atendimento ou consumidor (Ravi et al., 2005). Desta forma, a logística reversa se focaliza na administração de fluxos de matérias, informações e relações de criação de valor de produtos usados, para o aproveitamento de seus componentes, ou disposição deles em lugares seguros que não contaminem o ambiente.
2.4 Logística reversa no setor de produtos informáticos
Cada vez mais o acelerado lançamento de inovações ao mercado cria um alto grau de obsolescência de produtos informáticos que reduz seu ciclo de vida, com uma clara tendência à descartabilidade. Adicionalmente, as reduções de preços ao consumidor final têm levado a ciclos de vida cada vez mais curtos (Leite, 2006), seja por moda, status, novos modelos ou novas tecnologias. A queda dos preços faz com que as pessoas troquem seus equipamentos velhos por novos e que mais pessoas adquiram seu primeiro aparelho (Computador, impressora, notebook) mais facilmente. Só na Europa a venda de computadores é em média de 1,6 kg/habitante ao ano e em mercados saturados como a Suíça é de 3,2 kg/habitante ao ano (UNEP, 2009).
Para Leite (2006) existem três categorias de bens produzidos: os bens descartáveis, os bens semiduráveis e os bens duráveis. Os computadores e seus periféricos se classificam dentro dos bens semiduráveis, porque apresentam duração média de vida útil de alguns meses, raramente superior a dois anos. Está é uma categoria intermediária que, sob o enfoque dos canais de distribuição reversos, apresenta tanto características de bens duráveis como de bens descartáveis.
Atualmente fabricantes de produtos informáticos reutilizam seus próprios produtos, devolvidos pelo consumidor para recuperar os componentes e reincorporá-los nas atividades regulares do processo de produção. De acordo com Lee e Dong (2007), duas são as motivações para que esta indústria recupere seus produtos. A primeira é a legislação, que tem como objetivo determinar políticas para que os fabricantes de produtos eletrônicos se responsabilizem pelo potencial dano ambiental que seus produtos geram no final da vida útil. A segunda é o alto potencial de lucro que a reutilização de produtos obsoletos, componentes e materiais primários podem gerar. Isto fica mais evidente nos produtos de alta tecnologia, como é o caso dos computadores.
Deste modo, a indústria de fabricação de computadores, é uma indústria em que a logística reversa é praticada em maior grau que em outros setores (Ravi et al., 2005). Uma das principais preocupações dessa indústria atualmente é a organização, avaliação e implementação de sistemas de logística reversa para a recuperação, reuso e reciclagem de computadores em fim de vida útil. Isso ocorre porque cada vez mais os componentes desses produtos são elaborados com novos materiais e estruturas, provenientes da reciclagem dos mesmos produtos ou de matéria-prima também reciclada, mas de uma indústria completamente diferente, tornando um ciclo “virtuoso” onde os desperdícios de um setor são matéria-prima de outro.
A Figura 1 apresenta o fluxo de logística reversa para a cadeia de fornecedores de computadores (linha contínua). A gestão de operações de retorno na cadeia de recuperação compreende a coleta dos produtos junto ao consumidor final, inspeção dos produtos, reclassificação para reuso, remanufatura e reciclagem. O processo continua com a redistribuição dos produtos ou partes recuperadas ao mercado original ou secundário. Quando o produto recuperado está no fim da vida útil, alguns de seus componentes podem ser reutilizados e/ou manufaturados para sua função original em outros computadores. No entanto, como esses componentes não têm o mesmo desempenho que seus similares novos, os produtos montados são comercializados em mercados secundários. Se o produto ou componente não pôde ser reutilizado ou remanufaturado, ele é reciclado e os materiais extraídos são enviados aos fabricantes que os utilizam como matéria-prima na fabricação de componentes novos.
Como mostra Figura 1, a cadeia de suprimentos reversa é freqüentemente mais complexa que os modelos de cadeia de suprimentos tradicionais (linha tracejada) que vão desde o fabricante ao consumidor final em um fluxo descendente de uma via.
Figura 1 - Fluxo de logística reversa para cadeia de fornecedores de computadores/hardware
Fonte: Ravi e Shankar (2005)
O principal objetivo para a logística reversa de computadores é criar e promover caminhos alternativos de ação para os produtos no fim de vida útil. Alguns de seus principais componentes podem ser diretamente reutilizados, como por exemplo, a placa-mãe, que pode ser remanufaturada em brinquedos eletrônicos ao invés de ser enviada para os aterros como lixo, causando um dano ambiental (Ravi, Shankar, 2005). Esta visão de reciclagem para as empresas do setor começa no design do produto. Um exemplo disso é a Siemens que, em 1993, conseguir produzir um computador com 29 partes ao invés de 87, como os modelos anteriores. Essa mudança resultou em economia de tempo importante, pois a montagem passou a ser feita em 7 minutos e a desmontagem em 4, enquanto para os modelos anteriores a duração era de 33 e 18 minutos, respectivamente (Leite, 2006).
Com essa nova concepção de design ecológico do produto na redução das partes (tamanho/peso), a indústria de computadores pretende reduzir a geração de lixo procedente dos equipamentos. Atualmente os mercados mostram uma tendência para afastar-se do consumo de desktops, incrementando o consumo de laptops, como de telas CRT substituída por telas LCD. De tal forma, o peso do lixo eletrônico gerado no futuro poderá diminuir em relação ao número de unidades descartadas, tamanho/peso, e composição dos materiais utilizados (UNEP, 2009)
É importante destacar que um sistema de logística reversa para computadores envolve vários stakeholders, como apontado por Shih (2001): (i) os pontos de coleta, constituídos pelos próprios atacadistas e pelo canal de distribuição varejista; (ii) os lugares de armazenagem, que atuam como uma ponte entre os pontos de coleta e os locais de desmanche e reciclagem; (iii) os locais de desmanche e reciclagem, onde se desmontam, trituram e classificam os principais componentes do computador; e (iv) o mercado de materiais de segunda mão, tratamento final e aterro de lixo. Um quinto elemento, que não foi considerado, é o stakeholder dedicado ao recondicionamento e remanufatura de produtos. Em alguns casos são os próprios atacadistas e varejistas que fazem esta função, mas com escala de produção limitada.
3. A Contaminação por lixo informático
O lixo gerado pelos componentes que integram os produtos informáticos é um dos mais prejudiciais para o ambiente. Isto se deve aos tipos de matérias usados na fabricação das peças. A preocupação quanto aos efeitos nocivos do lixo tecnológico é nova e algumas empresas ainda não têm procedimentos que eliminem este problema. Estimativas do Conselho de Segurança dos Estados Unidos para 2007 indicam que mais de 500 milhões de computadores serão descartados, que contribuirão na geração de 6,3 bilhões de libras de plástico e 1,6 bilhões de libras de chumbo considerados como desperdício (Kumar, Putnam, 2008). Segundo Leite (2006) a primeira consequência desse fato para a sociedade é o custo de destinação final desses excessos e, para as empresas, o custo negativo de sua imagem corporativa.
A contaminação através de produtos informáticos começa desde seu processo de fabricação, pelo uso de produtos químicos que geram gases poluentes e pela alta quantidade de água e energia que o processo consome, afetando terra, ar e água (EPA, 1995). Três são os problemas ambientais relacionados com a fabricação de computadores: a utilização de muitas substâncias tóxicas no processo de produção, um consumo elevado de água e energia, e a grande quantidade de resíduos tóxicos que geram (OPCIONS, 2003). Segundo a Environmental Protection Administration (EPA , 1995) os produtos químicos utilizados em maior quantidade na fabricação de computadores são acetona, amoníaco, diclorometano, éter de glicol, metanol, metil etil cetona, freon 113, ácido sulfúrico, tolueno, tricloroetileno e xileno. Os materiais mais abundantes em um computador são plásticos, aço, silício e alumínio, mas também se utilizam metais pesados como o chumbo, cádmio e mercúrio, principalmente na fabricação de chips e placas, onde se utiliza elevado número de substâncias químicas poluentes e com efeitos cancerígenos (OPCIONS, 2003).
Por exemplo, para produzir um chip de memória (32 MB DRAM) de duas gramas utiliza-se 1.600 gramas de combustível, 72 gramas de substâncias químicas e 32 litros de água (Williams, 2004). Segundo Williams et al. (2002) para produzir um computador com monitor CRT utiliza-se 290 kg de combustível, 22 kg de substâncias químicas e 1.500 litros de água. De toda a eletricidade que consome um computador ao logo de sua vida (considerando três anos de uso), 83% foram utilizados em seu processo de produção e apenas os 17% restantes consumidos no seu uso diário (Williams et al., 2002).
O consumo de eletricidade de uma fábrica de chips representa aproximadamente 40% dos custos de produção, devido à utilização de ventiladores, bombas de ar e aspiradores necessários para as salas limpas; além disso, a fábrica consome 7 milhões de litros de água a cada dia (OPCIONS, 2003). A fabricação de computadores consume 3% do ouro e prata minados em todo o mundo a cada ano, 13% do paládio e 15% do cobalto. Um computador pode conter mais de 60 diferentes elementos, muitos deles valiosos, outros perigosos e alguns das duas formas (UNEP, 2009). As emissões de provenientes da extração e produção de cobre e metais preciosos e raros em equipamentos eletrônicos são estimadas em mais de 23 milhões de toneladas – 0,1% das emissões globais (UNEP, 2009)
Durante sua vida útil, os produtos de informática continuam gerando gases tóxicos pela sua utilização. Mesmo assim, até este estágio o impacto ambiental não é percebido de forma considerável. É no fim de sua vida útil que este problema fica mais evidente, visto que as empresas tentam por diferentes meios eliminar esses produtos obsoletos e não encontram a forma mais eficiente de fazer isso. Para Ahluwalia e Nema (2007) equipamentos de computação (hardware) podem ter 3 tipos diferentes de ciclos de vida do produto: a via original ou a primeira vida do produto – quando está sendo usando pelo primeiro usuário– e até duas vidas a mais dependo do reuso. A duração do primeiro ciclo de vida do produto é de 2 a 4 anos para usuários corporativos, e de 2 a 5 anos para usuários domésticos. Assim, o fim de vida útil do produto começa no período que é descartado pelo primeiro usuário até quando o equipamento vai ser reciclado ou enviado para o aterro sanitário.
Segundo Opcions (2003) a produção de lixo eletrônico cresce três vezes mais rápido que de lixo urbano. Um exemplo disto é o volume de lixo-informático que cresce entre 16% e 28% a cada cinco anos. Da mesma forma, 90% dos equipamentos informáticos obsoletos terminam nos aterros sanitários sem nenhum tratamento prévio para que não contamine o ambiente.
Das três opções para dispor do lixo-informático (reuso, reciclagem e disposição no aterro sanitário) segundo Ahluwalia e Nema (2007) a escolha de uma ou todas as alternativas deve ter como objetivo a minimização do custo, minimização do risco percebido e minimização do impacto ambiental. Quando os computadores são doados, eles sofrem pequenos recondicionamentos para que sua vida útil se prolongue um pouco mais, mas isto não elimina o problema do que fazer com esses equipamentos no final do período de uso, somente transfere o problema para outra organização.
Para Kenemeyer et al. (2002), recondicionar e reciclar são as melhores alternativas para coletar computadores que já estão obsoletos e podem virar lixo-informático. Deste modo, coletar e recondicionar computadores para melhorar seu desempenho e capacidade com algumas modificações prolonga sua vida útil para serem vendidos em outros mercados a preços mais baixos. É importante considerar que o recondicionamento de computadores não termina completamente com o problema do lixo-informático, simplesmente estende o prazo de funcionamento do equipamento, sendo necessário pensar em soluções para o destino adequado destes produtos quando não for mais possível estender sua vida útil.
Diferente do recondicionamento, a reciclagem consiste em coletar a totalidade de produtos de informática obsoletos para desmantelá-los em seus componentes básicos (vidro, metais e plástico) e reutilizá-los no mesmo setor ou em setores alternativos que demandem esses elementos como matéria-prima em seus processos da fabricação (Knemeyer et al., 2002). Conforme Carballo (2007) 75% dos componentes de um computador podem ser aproveitados, mas 25% desses componentes estão compostos de elementos perigosos como o chumbo e o cádmio, que causam danos ao organismo.
4. Metodologia de Pesquisa
Para identificar o processo de logística reversa de produtos informáticos utilizado em empresas atacadistas, realizou-se um estudo de natureza exploratória, através do método de estudo de múltiplos casos. De acordo com Yin (2001), o estudo de caso tem a vantagem de permitir o estudo aprofundado de um ou de poucos objetos em seu contexto real, embora tenha como limitação o fato de que seus resultados não podem ser extrapolados para outras situações.
No estudo foram pesquisadas quatro empresas atacadistas de informática do Equador, sendo entrevistado o Chefe de Serviço ao Cliente, encarregado do processo de recepção e entrega dos produtos em garantia ou em serviço técnico, ou o Chefe de Serviço Técnico que coordena o processo de reposição e reparação de produtos em garantia por defeitos ou falhas de fabricação, manuseio, manipulação errada e serviço técnico.
A coleta de dados foi realizada através de uma entrevista semi-estruturada por meio de um roteiro de perguntas abertas, visando descrever como acontece o processo de logística reversa dos produtos em fim de vida útil, produtos de retorno para garantia por defeito de fabricação, manipulação incorreta, reparação e serviço técnico. Os objetivos das entrevistas foram:
- Identificar se os fabricantes proporcionam procedimentos de logística reversa para coleta de seus produtos/componentes em final de vida útil ou estragados. Indagou-se também se o usuário final devolve o produto para o atacadista quando se terminou sua vida útil.
- Identificar o destino (desmanche, reutilização, remanufatura e reciclagem) que se proporciona para produtos/componentes estragados e qual a média mensal de produtos devolvidos pelos varejistas;
- Identificar os componentes reutilizados com maior freqüência no conserto de outros produtos;
- Identificar os produtos e componentes que não podem ser reutilizados e qual a média mensal de produtos/componentes enviados para o lixo;
- Identificar se o lixo-informático gerado tem algum tratamento prévio antes de sua disposição final;
- Identificar se existem lugares apropriados na cidade para alocar o lixo-informático.
As entrevistas foram realizadas de forma presencial com um tempo de duração médio de 25 minutos por empresa. Todas as entrevistas foram gravadas para posteriormente ser transcritas para as respectivas análises. A coleta dos dados foi realizada no mês de dezembro de 2009. Uma vez transcritas todas as entrevistas os dados foram analisados por meio de análise de conteúdo, relacionando as informações obtidas com os objetivos propostos na metodologia. |