1. Introdução
Desde o final dos anos de 1990, alguns autores (Adreassi, 2007; Fortuin, 2006; Osterwalder, 2004; Hamel, 2002) passaram a advogar que mudanças em um dos componentes do modelo de negócios de uma empresa ou, até mesmo, na definição do modelo de negócios da empresa poderiam se constituir em uma forma de desfrutar de novas oportunidades, abrir novos mercados, revolucionar setores e garantir o crescimento sustentável.
Essas mudanças têm recebido o nome de inovação de modelo de negócios. Contrariando a certeza de alguns especialistas de que a inovação tecnológica é o caminho para o crescimento e o sucesso de uma empresa, outros estudiosos reafirmam que os maiores ganhos econômicos surgem com as mudanças e adaptações que uma empresa realiza em seu modelo de negócios (quando pretende levar uma inovação ao mercado) ou, ainda, que a chave para o sucesso não está mais na inovação tecnológica, mas sim na redefinição do conceito/modelo de negócios (Chesbrough, 2007; Adreassi, 2007; Giesen et al., 2007).
Nesse contexto, tendo em vista que a Monsanto, ao final dos anos 90, redirecionou seus negócios, passando a atuar somente no setor agrícola e investindo na novidade da biotecnologia agrícola, se tornou responsável por 90% dos transgênicos plantados no mundo atualmente e líder no mercado de sementes (Palmeira, 2008) e que a Google, apesar de seu pouco tempo de existência, se tornou líder do mercado de buscas na Internet (Felitti, 2009) e alcançou um valor de mercado de 140 bilhões de dólares em 2008 (Santana, 2008), esse estudo procurou verificar quais foram os desdobramentos desses dois casos que colaboraram para a posição de liderança das duas empresas e se esses elementos geraram inovação de modelo de negócios.
Nesse sentido, esse trabalho está direcionado a pesquisadores das áreas da administração e da inovação, gerentes e outros públicos interessados em compreender melhor os conceitos de modelo de negócios e de inovação organizacional e alguns fatores relacionados a transformação de uma inovação em ganhos econômicos e na garantia da posição de liderança de uma empresa inovadora.
Este estudo partiu do entendimento de que pesquisar empresas provenientes de setores diferentes que obtiveram sucesso modificando seus modelos de negócios e conseguindo se apropriar de parte do valor que geraram com as inovações que disponibilizaram no mercado, no caso do presente estudo, a ferramenta de busca e propaganda da Google e a semente geneticamente modificada da Monsanto, pode clarear com relação a aspectos relacionados a sustentabilidade de empresas também em outros setores distintos dos estudos nesse trabalho.
Este trabalho está dividido em seis partes. Após a breve introdução, o segundo item irá abordar a inovação organizacional, ou, inovação de modelo de negócios e o terceiro tópico apresenta a metodologia utilizada para realização desse estudo. O quarto item apresenta os resultados do estudo, onde são expostos os modelos de negócios da Google e da Monsanto e suas evoluções e inovações. No quinto item se encontram as considerações finais e, no sexto, as referências bibliográficas.
2 Inovação Organizacional e Inovação de Modelo de Negócios
Apesar do consenso e dos diversos trabalhos que expõem, a partir dos anos 90, a importância do termo modelo de negócios, numa perspectiva de que no contexto de complexidade da economia do conhecimento, uma empresa precisa definir a lógica de seus negócios para atuar melhor em meio à competitividade, a partir do ano 2000, vários cientistas das áreas da inovação e da estratégia organizacional têm dado muita ênfase à inovação organizacional, ou, à inovação de modelo de negócios (Chesbrough, 2007; Giesen et al., 2007; Fortuin, 2006; Osterwalder, 2004; Hamel, 2002).
O termo modelo de negócios tem sido definido na literatura de várias maneiras. Por exemplo, para Kanai (2002) um modelo de negócios é dinâmico à medida que a empresa desenvolve suas atividades a partir das respostas às seguintes perguntas: 1) Quem a empresa pretende alcançar – os consumidores; 2) Qual valor pretende criar – as necessidades; e 3) Como a empresa procede para fornecer o valor pretendido aos seus consumidores – os recursos e os processos.
Osterwalder (2004) e Hamel (2002) propuseram definições mais completas no sentido de abranger grande parte da literatura sobre o assunto e incluir em suas definições o aspecto da apropriação de valor por parte da empresa. Hamel (2002) propôs um modelo de negócio genérico que procurou explicar a atuação de uma empresa no presente, onde é essencial investir na inovação do conceito de negócio (ou inovação de modelo de negócios). Para o autor, a empresa que inovar o conceito de seus negócios é que irá definir a vantagem competitiva no presente. Esse tipo de inovação é a capacidade de “reconceber” modelos de negócios existentes, de maneira que possibilite criar valor para os consumidores, surpreender os competidores e criar nova riqueza para os investidores.
Osterwalder (2004) criou um modelo genérico para analisar modelos de negócios de empresas de diferentes setores, especificando os componentes que permitem compreender a lógica de negócios de uma empresa fazer dinheiro, descrevendo o valor que ela oferece a um ou vários segmentos de consumidores, a arquitetura da firma e sua rede de parceiros para criar e entregar valor e capital relacional, visando gerar receitas lucrativas e sustentáveis.
Osterwalder (2004) detalhou os componentes de um modelo de negócio definindo um diagrama de quatro elementos, que derivam nove blocos interrelacionados: 1) o produto – contém todas as proposições de valor; 2) a interface com o consumidor – contém os consumidores-alvo, os canais de distribuição e os relacionamentos com os consumidores; 3) a administração da infraestrutura – contém a configuração de valor da empresa, suas capacidades essenciais e as suas parcerias e; 4) os aspectos financeiros – composto pela estrutura de custos e pelo modelo de recebimento de receitas.
Chesbrough e Rosenbloom (2002), atentaram para o papel do modelo de negócios em assegurar que a essência (core) tecnológica de uma inovação se traduza em um empreendimento economicamente viável. Nessa perspectiva, para extrair valor de uma inovação, qualquer firma irá precisar de um modelo de negócios apropriado que consiga converter a nova tecnologia em valor econômico. Segundo Chesbrough (2007), hoje a inovação deve incorporar o modelo de negócios e ir além da tecnologia e da pesquisa e desenvolvimento, pois o custo de criar, desenvolver e entregar novos produtos tem aumentado em grandes proporções. Outro elemento difícil para as empresas é o ciclo de vida cada vez mais reduzido dos produtos, o que torna muitas tecnologias pouco confiáveis no que diz respeito à garantia de lucros satisfatórios até a commoditização desses produtos.
Entendendo que muitos produtos e serviços podem ser facilmente copiados por outras empresas, que não foram as inovadoras, e que o modelo de negócios se tornou um instrumento de diferenciação, Giesen et al. (2007), visando esclarecer com relação a definição de inovação de modelo de negócios, classificou essa inovação de três formas, que podem ser utilizadas separadamente ou em conjunto: i) inovação no modelo de indústria; ii) inovação no modelo de receitas; e iii) inovação no modelo de empreendimento.
A inovação no modelo de indústria pode ser alcançada com relacionamentos horizontais adentrando novas indústrias. Ela também pode constituir o desenvolvimento de indústrias ou seguimentos de indústrias inteiramente novos. Esse tipo de inovação pode ser alcançado com a redefinição de indústrias existentes, como o exemplo da empresa Dell, com a eliminação dos intermediários e o contato direto com seus consumidores. O segundo tipo de inovação proposto por (Giesen et al., 2007), a inovação no modelo de receitas, está relacionada a inovações em como as empresas geram receitas reconfigurando suas ofertas ou proposições de valor e também por meio de novos modelos de precificação. Um exemplo desse tipo de inovação é a redefinição da experiência do circo, proporcionada pelo Cirque Du Soleil a seus novos telespectadores. A terceira forma de inovar o modelo de negócios, a inovação no modelo de empreendimento, envolve inovar a estrutura do empreendimento e o papel que ele desempenha. Esse tipo de inovação pode ser alcançado quando uma só firma ou conglomerado controla as atividades da cadeia, ou com o enfoque nas competências essenciais da firma e a terceirização de outros serviços.
De acordo com Mitchell e Coles (2004), mudanças no modelo de negócios que permitem oferecer produtos ou serviços ao consumidor que não haviam sido previamente ofertados, a entrega de benefícios aos consumidores de uma forma totalmente nova e também o desenvolvimento dessa nova oferta são consideradas inovações de modelo de negócios.
É válido esclarecer que a inovação de modelo de negócios é uma das possibilidades da inovação organizacional. Com relação às similaridades e às diferenças entre inovação organizacional e inovação de modelo de negócios, Fortuin (2006), define inovação organizacional como sendo a criação ou a alteração de estruturas, práticas e modelos de negócios, podendo dessa forma incluir as inovações no processo, na cadeia de suprimentos e no modelo de negócios.
As inovações no processo envolvem a implementação de novos métodos de manufatura e de métodos de produção novos ou significativamente melhores; as inovações na cadeia de suprimentos são inovações que ocorrem em meio à busca de insumos de fornecedores e à entrega dos resultados aos consumidores; e as inovações de modelo de negócios envolvem mudanças no modo como os negócios são feitos, em termos de como a empresa planeja atender seus consumidores (proposições de valor) e como ela planeja organizar suas atividades.
3 Metodologia
Este estudo se fundamentou no método comparativo para analisar dois casos de inovações distintas – a ferramenta de busca e propaganda da Google e a semente geneticamente modificada da Monsanto – para verificar, por meio das trajetórias históricas e dos modelos de negócios dessas empresas, o que colaborou para o seu sucesso e se é possível afirmar que ocorreu a inovação de modelo de negócios.
De acordo com Gil (1995), o método comparativo é um dos métodos específicos de pesquisa das ciências sociais que pode proporcionar ao pesquisador a objetividade e a precisão dos fatos sociais, visando fornecer a orientação necessária à obtenção e validação dos dados. Esse método procede pela investigação de indivíduos, classes e fenômenos, visando ressaltar similaridades e diferenças entre eles.
Yin (2005) afirma que as evidências para um estudo de caso podem vir de seis fontes distintas: documentos, registros em arquivos, entrevistas, observação direta, observação participante e artefatos físicos.
Os dados sobre o caso Google, seguindo as especificações de (Yin, 2005), foram coletados de três fontes: i) documentos – livros, revistas, sites e blogs da Internet; ii) registros em arquivos – registros de serviços e registros organizacionais disponíveis na base de dados pública da Google; e iii) artefatos físicos – a ferramenta de busca da Google per se e outros aplicativos oferecidos pela empresa. Os dados do caso Monsanto se embasaram em referências bibliográficas e documentais (Yin, 2005) e em dez entrevistas em profundidade (Yin, 2005), utilizando roteiro semi-estruturado (Alencar, 2003), com gerentes das áreas de negócios da empresa.
Esta é uma pesquisa qualitativa (Godoy, 1995), na qual os dados dos dois casos foram tratados por meio da técnica de análise de conteúdo (Minayo, 2000). Segundo Minayo (2000) essa metodologia parte de uma literatura de primeiro plano para atingir um nível de significado mais aprofundado, ultrapassando os significados manifestos.
A técnica da análise de conteúdo utilizada foi a análise temática (Minayo, 2000), na qual as seguintes categorias guiaram o estudo: 1) evolução dos modelos de negócios de busca e propaganda na Internet e o surgimento da Google; 2) as evoluções no modelo de negócios da Google; 3) a revolução verde, os agroquímicos e a criação da semente geneticamente modificada da Monsanto; 4) mudanças, criação de competências e de componentes no modelo de negócios da Monsanto; e 5) Google e Monsanto: inovação organizacional, ou, inovação de modelo de negócios. |