Introdução
O progresso tecnológico tem sido um fator importante na promoção de inovações de processos e produtos nas firmas. Assim, o uso de mecanismos de proteção tanto formais quanto informais contribui para o retorno financeiro do investimento em Pesquisa e Desenvolvimento (P&D), difusão tecnológica e comercialização de tecnologias.
Em setores intensivos em ciência como a indústria farmacêutica (Pavitt, 1984), o processo inovativo é determinado pela cumulatividade, apropriabilidade e oportunidade da tecnologia, que contribui para a geração e aperfeiçoamento de produtos e processos, bem como a determinação de sua competitividade no mercado internacional (Dosi, 1988).
Nesse sentido, como forma de assegurar os ganhos advindos do investimento em P&D e de promover a negociação dos ativos intangíveis, as firmas do setor farmacêutico utilizam as formas de proteção dos mesmos na forma de propriedade intelectual, know how e lead time. Ao mesmo tempo, os mecanismos de proteção constituem um meio de promover a proteção e comercialização do desenvolvimento tecnológico e barreira à entrada de concorrentes.
No Brasil, a indústria farmacêutica apresenta seu desenvolvimento tecnológico e inovativo relativamente menor do que o dinamismo inovativo mundial do setor. Esta situação, em parte, está relacionada com a imaturidade do Sistema Nacional de Inovação Brasileiro, dada pela limitação da articulação de seus agentes e em face da necessidade da dinâmica inovativa do setor farmacêutico. Em compensação, este setor apresenta uma taxa de inovação tecnológica de produto e processo superior à média da indústria de transformação e extrativista brasileira. Também, a especificidade da capacitação tecnológica e as necessidades de investimentos em capital e P&D contínuos ao setor restringem a formação de um setor competitivo e dinâmico, se comparado com a estrutura das corporações multinacionais.
O objetivo deste artigo é apresentar a representatividade do uso de proteções pelas empresas brasileiras inovadoras do setor farmacêutico brasileiro em face da dinâmica do processo de inovação tecnológica de mudança institucional e econômica ocorrida ao longo dos anos 1990. Esta dinâmica tem influenciado a atividade inovativa desse setor e traça o perfil do uso da propriedade intelectual e de mecanismos não proprietários (lead time e know how) como meio de proteger os investimentos de Pesquisa e Desenvolvimento (P&D) pelas firmas do setor farmacêutico no Brasil, bem como o posicionamento da firma no mercado.
A metodologia deste artigo é um estudo analítico e descritivo em profundidade do uso do mecanismo de proteção da indústria farmacêutica brasileira inovativa, que permitirá uma radiografia do uso da proteção formal (propriedade intelectual) e proteção estratégica (know how, trade secret e lead time) pelas firmas inovadoras deste setor no Brasil nos anos 90 e 2000 caracterizado por uma transformação do contexto econômico. Esta discussão será baseada em uma abordagem teórica neoschumpeteriana, que permite analisar o papel da proteção formal e estratégico na atividade inovativa das firmas. Os dados utilizados para verificar a importância da proteção na atividade inovativa da indústria farmacêutica no Brasil são baseados na Pesquisa de Inovação Tecnológica do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (PINTEC/IBGE), que apresentam o panorama da inovação no setor farmacêutico e as empresas inovadoras que utilizam à proteção. Para IBGE, o setor farmacêutico engloba os setores de fabricação de produtos farmoquímicos, fabricação de medicamentos para uso humano, fabricação de medicamentos para uso veterinário e fabricação de materiais para usos médicos, hospitalares e odontológicos.
Este artigo apresenta a seguinte estrutura. Primeiramente, far-se-á uma breve apresentação teórica baseada na importância da proteção no processo inovativo. Na segunda parte, discutir-se-á configuração institucional e inovativa do setor farmacêutico no Brasil, a partir dos anos de 1990, por conta da mudança estrutural da economia brasileira e da mudança do marco regulatório da propriedade industrial no Brasil. Na terceira parte, tratar-se-á o perfil do uso da proteção pelas firmas inovadoras do setor farmacêutico brasileiro. Por fim, apresentar-se-á conclusões sobre os itens discutidos anteriormente.
Inovação tecnológica e proteção: uma breve abordagem teórica
O progresso tecnológico tem sido um dos elementos importantes para a evolução dos setores produtivos. Assim, o processo inovativo é distinto nos setores produtivos, por conta da configuração institucional e inovativa de cada setor produtivo, e por conta dos processos diferenciados de cumulatividade, oportunidade e apropriabilidade da tecnologia. Os setores produtivos apresentam característica específica, que conferem uma importância relativa diferente quanto ao uso e à apropriação de ativos intangíveis (propriedade intelectual, know how e trade secret) (Pavitt, 1984; Dosi, 1988).
A cumulatividade está associada com a capacidade dos agentes de absorver e desenvolver o conhecimento na estrutura produtiva e as competências organizacionais e tecnológicas presentes para desencadear progresso tecnológico. Diante disso, a probabilidade maior de êxito se concentra nos agentes que apresentam maior cumulatividade de conhecimento e na gestão da operação de transformar este conhecimento em riqueza econômica.
A oportunidade está relacionada com as condições internas e externas à firma para aproveitar os potenciais resultados das janelas de oportunidades de um conjunto de tecnologias e de nichos de mercados. O aproveitamento da oportunidade decorre da capacidade de organização e interação do conjunto de organizações envolvidas, dos canais de retro-alimentação e do marco institucional para verificar os possíveis usos da tecnologia disponíveis ao processo inovativo.
A apropriabilidade se foca na capacidade de usar as informações relativas às tecnologias para a promoção do progresso técnico e geração das inovações tecnológicas. Neste sentido, Teece (1986) analisa os determinantes da apropriação tecnológica pelas firmas, que são regime de apropriabilidade, configuração do paradigma tecnológico e os ativos complementares.
a) o regime de apropriabilidade. Este decorre da capacidade dos agentes utilizarem seus ativos para a geração de lucros extraordinários ao detentor dos ativos. O regime de apropriabilidade esta relacionado com a facilidade do insumo baseado em conhecimento no processo inovativo, por isso os agentes utilizam o sistema patentário para proteger o investimento em P&D. Assim, o regime de apropriabilidade forte e fraca contribui para restringi ou facilitar o processo de difusão da tecnologia.
b) o paradigma dominante. Este aspecto se relaciona com a capacidade das organizações se inserirem nos paradigmas tecnológicos e promoverem inovações radicais ou incrementais (Dosi, 1982; Freeman e Soete, 2006).
c) os ativos complementares. Os ativos complementares são relativos ao suporte que os produtos e/ou processos inovadores sejam disseminados ao mercado. Dessa forma estes ativos se caracterizam por serem tecnologias chaves para o desenvolvimento de produtos e/ou processos; como também podem ser de caráter logístico, marketing e distribuição. Estes ativos são responsáveis pela capacidade das firmas imitadoras e inovadoras de explorar os mercados de um determinado produto e/ou serviço inovador. Esses ativos se subdividem em (Teece, 1986):
i) genéricos são os ativos genéricos estão disponíveis no mercado e não há barreiras para adquiri-los;
ii) especializados são os ativos especializados se referem aos ativos que são de dependência unilateral das firmas;
iii) co-especializados são os ativos co-especializados se referem aos ativos que são de dependência bilateral das firmas..
Dessa forma, a apropriabilidade da tecnologia apresenta uma série de instrumentos de proteção por propriedade intelectual, know how, lead time e trade secret dos ativos intangíveis desenvolvidos tem grau de apropriabilidade diferenciada por este setor Além disso, os agentes utilizam mais de um mecanismo de proteção como mecanismo estratégico de proteção e de negociação dos ativos intangíveis nas firmas, conforme a configuração do mercado e da tecnologia de cada setor. Os setores produtivos apresentam uma configuração diferenciada no processo de inovação tecnológica, o que influencia no uso dos meios de proteção, como forma de gestão de seus ativos (Pavitt, 1984 e Teece, 1986).
O mecanismo da proteção pela propriedade intelectual apresenta um escopo de proteção, pela duração e pela segurança jurídica na exploração econômica do direito de propriedade intelectual. Ao mesmo tempo, este instrumento possibilita sua exploração econômica e restringe que terceiros explorem a matéria protegida sem a devida autorização. Assim, o direito de propriedade intelectual constitui um instrumento eficiente, segundo as estratégias do empresário.
O instrumento da propriedade intelectual é dividido em três campos de proteção:
i) a propriedade industrial abrange direitos relacionados a atividade industrial e/ou serviços com os seguintes direitos de proteção as marcas, desenho industrial, patentes e indicação geográfica;
ii) direito de autor abrange a proteção a obras relativas ao intelecto, expressada em qualquer meio de divulgação. Este direito tem como portfolio de proteção às obras literárias, programas de computador e artigos científicos e;
iii)direito sui generissão direitos que não foram contemplados no direito de propriedade industrial e direito de autor. O porffolio de direito sui generis é cultivares, topografia de circuito integrado, conhecimento tradicional e folclore
Este trabalho abrangerá somente a marca e patente como instrumento de propriedade industrial. No que tange a propriedade industrial, tem-se as marcas (trademarks), este tipo de proteção pode conferir aos agentes econômicos a diminuição da assimetria de informação e apresentar uma diferenciação de produtos e/ou serviços disponibilizados (Ramello, 2006). O trabalho da marca como registro é um dos aspectos trabalhados no marketing, branding equity e branding dentro de uma firma. Os agentes econômicos promovem investimentos em gestão estratégica de marcas para fidelizar seus clientes aos produtos comercializados.
Já, as patentes englobam o desenvolvimento do estado da técnica em cada campo tecnológico, atendendo os requisitos da atividade inventiva, novidade e aplicação industrial. As patentes podem ser tanto de processo quanto de produto e representam a parte do desenvolvimento tecnológico codificado. Outra parte é a não codificação da tecnologia, que pode não ser depositada como propriedade intelectual por conta de uma gestão estratégica dos agentes.
Nesse sentido, a propriedade intelectual não somente tem um status de proteção contra o uso indevido por terceiros, mas também a possibilidade de geração de negócios, quer seja pelo licenciamento exclusivo ou não exclusivo a terceiros poderem explorar tecnologias para constituição de produtos e/ou processos e a geração do aperfeiçoamento de tecnologias, bem como a possibilita a difusão da tecnologia. Ao mesmo tempo, a propriedade intelectual pode restringir o desenvolvimento tecnológico, uma vez que o detentor do direito pode usar o enforcement do direito para exploração de tecnologias dependentes de patente, o que constitui um mecanismo de barreira à entrada, ou mesmo incentivar o comércio de tecnologia.
As firmas podem utilizar de outros meios de proteção de seus ativos intelectuais estratégicos relativos ao investimento em P&D e conquista de mercado tais como curva de aprendizado, know how, trade secret e lead time. Quanto ao lead time, decorre da capacidade das firmas inovadoras aproveitarem as condições de liderança no mercado e do uso de economias de escala e escopo relativo à aplicação da tecnologia, pois cada setor apresenta barreiras à entrada técnico e financeiro de curto prazo, bem como conhecimentos explícitos e tácitos por parte das firmas imitativas. Assim, o lead time também abrange as vantagens da firma relativo à complexidade da tecnologia envolvida na produção do produto e/ou processo e pode constituir ativos complementares, como forma de posicionamento no mercado e a determinação do grau de economia de escala e escopo e da comptências tecnológicas das firmas. A curva de aprendizado está relacionada com a capacidade das organizações absorverem a tecnologia e desenvolverem novos produtos e processos e/ou aprimorá-los, bem como a diminuição da assimetria da informação do mercado relevante das firmas (Levin et al, 1987; Dosi, 1988).
O know how refere às qualificações, ou seja, a habilidade de fazer alguma coisa com intuito de contribuir na produção de bens e serviços. O know how esta relacionado com o conhecimento instrumental, específico e prático. O know how é o conhecimento basicamente desenvolvido, consolidado e armazenado dentro da firma ou do grupo de pesquisa. Como a complexidade do conhecimento e da tecnologia é cada vez mais elevada, a cooperação entre os agentes tende a se desenvolver e a estimular a criação de redes entre as firmas e a capacidade de participação e a combinação de know how de cada firma para a produção de bens e serviços ou novos conhecimentos (Lundvall e Jonhson, 1994). Cabe destacar que as firmas necessitam incorporar este conhecimento no desenvolvimento tecnológico de produtos e/ou processos para geração de riqueza econômica (Teruya, 2004).
Na próxima seção, apresentar-se-á o quadro do setor farmacêutico brasileiro e a dinâmica inovativa, bem como a necessidade da cumulatividade de conhecimento, oportunidade e a apropriação para a geração do progresso tecnológico. |