Espacios. Vol. 32 (3) 2011. Pág. 32


Inovação e proteção no setor farmacêutico brasileiro

Innovación y protección en el sector farmacéutico brasileño

Innovation and protection in pharmaceutical sector in Brazil*

Dirceu Yoshikazu Teruya** y Rachel de Paiva Bucasio***

Recibido: 06-09-2010 - Aprobado: 15-12-2010


Contenido

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RESUMO:
Este artigo tem como objetivo verificar o uso da proteção pelas firmas inovadoras do setor farmacêutico brasileiro. Este setor apresenta um desenvolvimento tecnológico considerável e uso relevante dos instrumentos de proteção quer seja por propriedade intelectual quer seja por proteção estratégica (lead time, know how e trade secret). O uso da proteção por propriedade intelectual e estratégia pelas firmas inovadoras do setor farmacêutico no Brasil ainda é restrito, mas tem apresentado um destaque positivo comparado com outros setores de produção industrial brasileiro no período de 1998 a 2005.
Palavras chaves: propriedade industrial; inovação; setor farmacêutico; Brasil

 

RESUMEN:
Este artículo tiene como objetivo analizar el uso de protección por las firmas innovadoras del sector farmacéutico en Brasil. Este sector presenta un importante desarrollo tecnológico y el uso de los instrumentos pertinentes de protección, ya sea por la protección de la propiedad intelectual, ya sea por estratégico (tiempo de liderazgo, know how y secretos comerciales). El uso de protección de la propiedad intelectual y la protección estrategicas de las empresas innovadoras en la industria farmacéutica en Brasil aún es limitado, pero ha mostrado un énfasis positivo en comparación con otros sectores de la producción brasileña industrial en el período 1998 a 2005.
Palabras claves: propiedad industrial; innovación; sector farmacéutico; Brasil

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ABSTRACT:
The aim of this article is to verify the use of protection by innovating firms of Brazilian pharmaceutical sector. This sector presents a relevant technological development and the use of instruments of protection based on intellectual property and strategy (lead time, know how and trade secret). The use of intellectual property and strategic protection by innovating firms in the pharmaceutical industry in Brazil is still restricted, but it has shown a positive emphasis compared with other Brazilian industrial sectors in the period 1998 to 2005.
Keywords: industrial property; innovation; pharmaceutical sector; Brazil

Introdução

O progresso tecnológico tem sido um fator importante na promoção de inovações de processos e produtos nas firmas. Assim, o uso de mecanismos de proteção tanto formais quanto informais contribui para o retorno financeiro do investimento em Pesquisa e Desenvolvimento (P&D), difusão tecnológica e comercialização de tecnologias.

Em setores intensivos em ciência como a indústria farmacêutica (Pavitt, 1984), o processo inovativo é determinado pela cumulatividade, apropriabilidade e oportunidade da tecnologia, que contribui para a geração e aperfeiçoamento de produtos e processos, bem como a determinação de sua competitividade no mercado internacional (Dosi, 1988).

Nesse sentido, como forma de assegurar os ganhos advindos do investimento em P&D e de promover a negociação dos ativos intangíveis, as firmas do setor farmacêutico utilizam as formas de proteção dos mesmos na forma de propriedade intelectual, know how e lead time. Ao mesmo tempo, os mecanismos de proteção constituem um meio de promover a proteção e comercialização do desenvolvimento tecnológico e barreira à entrada de concorrentes.

No Brasil, a indústria farmacêutica apresenta seu desenvolvimento tecnológico e inovativo relativamente menor do que o dinamismo inovativo mundial do setor. Esta situação, em parte, está relacionada com a imaturidade do Sistema Nacional de Inovação Brasileiro, dada pela limitação da articulação de seus agentes e em face da necessidade da dinâmica inovativa do setor farmacêutico. Em compensação, este setor apresenta uma taxa de inovação tecnológica de produto e processo superior à média da indústria de transformação e extrativista brasileira. Também, a especificidade da capacitação tecnológica e as necessidades de investimentos em capital e P&D contínuos ao setor restringem a formação de um setor competitivo e dinâmico, se comparado com a estrutura das corporações multinacionais.

O objetivo deste artigo é apresentar a representatividade do uso de proteções pelas empresas brasileiras inovadoras do setor farmacêutico brasileiro em face da dinâmica do processo de inovação tecnológica de mudança institucional e econômica ocorrida ao longo dos anos 1990. Esta dinâmica tem influenciado a atividade inovativa desse setor e traça o perfil do uso da propriedade intelectual e de mecanismos não proprietários (lead time e know how) como meio de proteger os investimentos de Pesquisa e Desenvolvimento (P&D) pelas firmas do setor farmacêutico no Brasil, bem como o posicionamento da firma no mercado.

A metodologia deste artigo é um estudo analítico e descritivo em profundidade do uso do mecanismo de proteção da indústria farmacêutica brasileira inovativa, que permitirá uma radiografia do uso da proteção formal (propriedade intelectual) e proteção estratégica (know how, trade secret e lead time) pelas firmas inovadoras deste setor no Brasil nos anos 90 e 2000 caracterizado por uma transformação do contexto econômico. Esta discussão será baseada em uma abordagem teórica neoschumpeteriana, que permite analisar o papel da proteção formal e estratégico na atividade inovativa das firmas. Os dados utilizados para verificar a importância da proteção na atividade inovativa da indústria farmacêutica no Brasil são baseados na Pesquisa de Inovação Tecnológica do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (PINTEC/IBGE), que apresentam o panorama da inovação no setor farmacêutico e as empresas inovadoras que utilizam à proteção. Para IBGE, o setor farmacêutico engloba os setores de fabricação de produtos farmoquímicos, fabricação de medicamentos para uso humano, fabricação de medicamentos para uso veterinário e fabricação de materiais para usos médicos, hospitalares e odontológicos.

Este artigo apresenta a seguinte estrutura. Primeiramente, far-se-á uma breve apresentação teórica baseada na importância da proteção no processo inovativo. Na segunda parte, discutir-se-á configuração institucional e inovativa do setor farmacêutico no Brasil, a partir dos anos de 1990, por conta da mudança estrutural da economia brasileira e da mudança do marco regulatório da propriedade industrial no Brasil. Na terceira parte, tratar-se-á o perfil do uso da proteção pelas firmas inovadoras do setor farmacêutico brasileiro. Por fim, apresentar-se-á conclusões sobre os itens discutidos anteriormente.

Inovação tecnológica e proteção: uma breve abordagem teórica

O progresso tecnológico tem sido um dos elementos importantes para a evolução dos setores produtivos. Assim, o processo inovativo é distinto nos setores produtivos, por conta da configuração institucional e inovativa de cada setor produtivo, e por conta dos processos diferenciados de cumulatividade, oportunidade e apropriabilidade da tecnologia. Os setores produtivos apresentam característica específica, que conferem uma importância relativa diferente quanto ao uso e à apropriação de ativos intangíveis (propriedade intelectual, know how e trade secret) (Pavitt, 1984; Dosi, 1988).

A cumulatividade está associada com a capacidade dos agentes de absorver e desenvolver o conhecimento na estrutura produtiva e as competências organizacionais e tecnológicas presentes para desencadear progresso tecnológico. Diante disso, a probabilidade maior de êxito se concentra nos agentes que apresentam maior cumulatividade de conhecimento e na gestão da operação de transformar este conhecimento em riqueza econômica.

A oportunidade está relacionada com as condições internas e externas à firma para aproveitar os potenciais resultados das janelas de oportunidades de um conjunto de tecnologias e de nichos de mercados. O aproveitamento da oportunidade decorre da capacidade de organização e interação do conjunto de organizações envolvidas, dos canais de retro-alimentação e do marco institucional para verificar os possíveis usos da tecnologia disponíveis ao processo inovativo.

A apropriabilidade se foca na capacidade de usar as informações relativas às tecnologias para a promoção do progresso técnico e geração das inovações tecnológicas. Neste sentido, Teece (1986) analisa os determinantes da apropriação tecnológica pelas firmas, que são regime de apropriabilidade, configuração do paradigma tecnológico e os ativos complementares.

a) o regime de apropriabilidade. Este decorre da capacidade dos agentes utilizarem seus ativos para a geração de lucros extraordinários ao detentor dos ativos. O regime de apropriabilidade esta relacionado com a facilidade do insumo baseado em conhecimento no processo inovativo, por isso os agentes utilizam o sistema patentário para proteger o investimento em P&D. Assim, o regime de apropriabilidade forte e fraca contribui para restringi ou facilitar o processo de difusão da tecnologia.

b) o paradigma dominante. Este aspecto se relaciona com a capacidade das organizações se inserirem nos paradigmas tecnológicos e promoverem inovações radicais ou incrementais (Dosi, 1982; Freeman e Soete, 2006).

c) os ativos complementares. Os ativos complementares são relativos ao suporte que os produtos e/ou processos inovadores sejam disseminados ao mercado. Dessa forma estes ativos se caracterizam por serem tecnologias chaves para o desenvolvimento de produtos e/ou processos; como também podem ser de caráter logístico, marketing e distribuição. Estes ativos são responsáveis pela capacidade das firmas imitadoras e inovadoras de explorar os mercados de um determinado produto e/ou serviço inovador. Esses ativos  se subdividem em (Teece, 1986):

i) genéricos são os ativos genéricos estão disponíveis no mercado e não há barreiras para adquiri-los;

ii) especializados são os ativos especializados se referem aos ativos que são de dependência unilateral das firmas;

iii) co-especializados são os ativos co-especializados se referem aos ativos que são de dependência bilateral das firmas..

Dessa forma, a apropriabilidade da tecnologia apresenta uma série de instrumentos de proteção por propriedade intelectual, know how, lead time e trade secret dos ativos intangíveis desenvolvidos tem grau de apropriabilidade diferenciada por este setor Além disso, os agentes utilizam mais de um mecanismo de proteção como mecanismo estratégico de proteção e de negociação dos ativos intangíveis nas firmas, conforme a configuração do mercado e da tecnologia de cada setor. Os setores produtivos apresentam uma configuração diferenciada no processo de inovação tecnológica, o que influencia no uso dos meios de proteção, como forma de gestão de seus ativos (Pavitt, 1984 e Teece, 1986). 

O mecanismo da proteção pela propriedade intelectual apresenta um escopo de proteção, pela duração  e pela segurança jurídica na exploração econômica do direito de propriedade intelectual. Ao mesmo tempo, este instrumento possibilita sua exploração econômica e restringe que terceiros explorem a matéria protegida sem a devida autorização. Assim, o direito de propriedade intelectual constitui um instrumento eficiente, segundo as estratégias do empresário. 

O instrumento da propriedade intelectual é dividido em três campos de proteção:

i) a propriedade industrial abrange direitos relacionados a atividade industrial e/ou serviços com os seguintes direitos de proteção as marcas, desenho industrial, patentes e indicação geográfica;

ii) direito de autor abrange a proteção a obras relativas ao intelecto, expressada em qualquer meio de divulgação. Este direito tem como portfolio de proteção às obras literárias, programas de computador e artigos científicos e;

iii)direito sui generissão direitos que não foram contemplados no direito de propriedade industrial e direito de autor. O porffolio de direito sui generis é cultivares, topografia de circuito integrado, conhecimento tradicional e folclore

Este trabalho abrangerá somente a marca e patente como instrumento de propriedade industrial. No que tange a propriedade industrial, tem-se as marcas (trademarks), este tipo de proteção pode conferir aos agentes econômicos a diminuição da assimetria de informação e apresentar uma diferenciação de produtos e/ou serviços disponibilizados (Ramello, 2006). O trabalho da marca como registro é um dos aspectos trabalhados no marketing, branding equity e branding dentro de uma firma. Os agentes econômicos promovem investimentos em gestão estratégica de marcas para fidelizar seus clientes aos produtos comercializados.

Já, as patentes englobam o desenvolvimento do estado da técnica em cada campo tecnológico, atendendo os requisitos da atividade inventiva, novidade e aplicação industrial. As patentes podem ser tanto de processo quanto de produto e representam a parte do desenvolvimento tecnológico codificado. Outra parte é a não codificação da tecnologia, que pode não ser depositada como propriedade intelectual por conta de uma gestão estratégica dos agentes.

Nesse sentido, a propriedade intelectual não somente tem um status de proteção contra o uso indevido por terceiros, mas também a possibilidade de geração de negócios, quer seja pelo licenciamento exclusivo ou não exclusivo a terceiros poderem explorar tecnologias para constituição de produtos e/ou processos e a geração do aperfeiçoamento de tecnologias, bem como a possibilita a difusão da tecnologia. Ao mesmo tempo, a propriedade intelectual pode restringir o desenvolvimento tecnológico, uma vez que o detentor do direito pode usar o enforcement do direito para exploração de tecnologias dependentes de patente, o que constitui um mecanismo de barreira à entrada, ou mesmo incentivar o comércio de tecnologia. 

As firmas podem utilizar de outros meios de proteção de seus ativos intelectuais estratégicos relativos ao investimento em P&D e conquista de mercado tais como curva de aprendizado, know how, trade secret e lead time. Quanto ao lead time, decorre da capacidade das firmas inovadoras aproveitarem as condições de liderança no mercado e do uso de economias de escala e escopo relativo à aplicação da tecnologia, pois cada setor apresenta barreiras à entrada técnico e financeiro de curto prazo, bem como conhecimentos explícitos e tácitos por parte das firmas imitativas. Assim, o lead time também abrange as vantagens da firma relativo à complexidade da tecnologia envolvida na produção do produto e/ou processo e pode constituir ativos complementares, como forma de posicionamento no mercado e a determinação do grau de economia de escala e escopo e da comptências tecnológicas das firmas. A curva de aprendizado está relacionada com a capacidade das organizações absorverem a tecnologia e desenvolverem novos produtos e processos e/ou aprimorá-los, bem como a diminuição da assimetria da informação do mercado relevante das firmas (Levin et al, 1987; Dosi, 1988).

O know how refere às qualificações, ou seja, a habilidade de fazer alguma coisa com intuito de contribuir na produção de bens e serviços. O know how esta relacionado com o conhecimento instrumental, específico e prático. O know how é o conhecimento basicamente desenvolvido, consolidado e armazenado dentro da firma ou do grupo de pesquisa. Como a complexidade do conhecimento e da tecnologia é cada vez mais elevada, a cooperação entre os agentes tende a se desenvolver e a estimular a criação de redes entre as firmas e a capacidade de participação e a combinação de know how de cada firma para a produção de bens e serviços ou novos conhecimentos (Lundvall e Jonhson, 1994). Cabe destacar que as firmas necessitam incorporar este conhecimento no desenvolvimento tecnológico de produtos e/ou processos para geração de riqueza econômica (Teruya, 2004).

Na próxima seção, apresentar-se-á o quadro do setor farmacêutico brasileiro e a dinâmica inovativa, bem como a necessidade da cumulatividade de conhecimento, oportunidade e a apropriação para a geração do progresso tecnológico.


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* Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI) não se responsabiliza pelas opiniões aqui expressas, que são aquelas dos autores e não deve ser atribuída ao INPI. Os autores agradecem ao Instituto Nacional da Propriedade Industrial pelo apoio a esta pesquisa.
** Pesquisador em Propriedade Industrial do Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI) E-mail teruya@inpi.gov.br
*** Tecnologista em Propriedade Industrial do Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI) e estudante do Mestrado Profissional em Propriedade Intelectual e Inovação do INPI. E-mail: rachelb@inpi.gov.br; abfabrachel@gmail.com


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