Luiz Alex Silva Saraiva y Glauciane da Piedade Rodrigues
Vários fatores levaram o município de Santa Rita do Sapucaí a investir em incubadoras de empresas. As primeiras ações surgiram em 1992, dentro do Inatel, onde os alunos começavam o planejamento das empresas que queriam montar em uma pequena sala, com a ajuda dos professores e o apoio dos diretores. Essas ações se concretizaram em um processo de incubação mais bem planejado.
(04) A incubadora existe um pouco mais informal deste 1992, só que quando eu vim em 1999 eles resolveram dar um cunho 100% profissional na incubadora. Foi quando construíram o núcleo de empreendedorismo e me contrataram. O resultado disso é que acelerou bastante o processo de graduação da empresa... Foi uma fase muito importante essa informal porque muitas empresas grandes da nossa região saíram dessa fase. Esse processo informal se profissionalizou e veio no momento certo, a gente não ia dar mais bons resultados funcionando daquele jeito (Entrevista D-1).
A profissionalização é explicitamente associada no fragmento (04) à sobrevivência e expansão do modelo de incubadora de empresas. Mesmo tendo sido colhido algum resultado quando a incubadora de empresas era informal, os bons resultados não apresentariam sustentabilidade daquele ponto em diante se não houvesse uma profissionalização. O empreendedorismo só se mantém mediante a existência de práticas formalizadas de administração. Note-se que a seleção lexical “foi quando construíram o núcleo de empreendedorismo e me contrataram” deixa claro que a entrada do entrevistado como formalmente responsável pelo empreendedorismo é o marco da melhoria dos resultados das incubadoras de empresas.
Mesmo funcionando informalmente, o processo de incubação já apresentava alguns resultados e observando isso o Inatel começou a realizar estudos sobre incubadoras de empresas e resolveu implantá-lo juntamente com a disciplina de empreendedorismo nos seus cursos. Esta incubadora, porém, era direcionada apenas para alunos e ex-alunos.
(05) Aqui no Inatel, nós sempre acreditamos no potencial do aluno, não nos preocupamos em preparar o aluno apenas para o emprego, a gente prepara o aluno para uma vida profissional saudável, feliz e realizada, e às vezes ele pode querer isto através de sua própria empresa e como faríamos se não tivéssemos uma pré-incubadora ou uma incubadora (Entrevista C-1).
Identifica-se no fragmento discursivo (05) mais uma vez o percurso semântico da valorização do empreendimento próprio em detrimento de relações empregatícias comuns. O uso do vocábulo “apenas” implicitamente hierarquiza o “emprego”, subcategorizando-o em relação à “própria empresa”, associada ao “potencial do aluno”. Simultaneamente, o enunciador antagoniza as seleções lexicais “emprego” e “vida profissional saudável, feliz e realizada”. O implícito pressuposto neste caso é que estes aspectos não podem ser encontrados sendo-se empregado de uma organização. Somente a liberdade de próprio empreendimento possibilitaria tal realização.
A partir dos resultados positivos obtidos pelo Inatel, também a prefeitura decidiu investir em uma incubadora municipal de empresas, estendendo a oportunidade a qualquer pessoa interessada, e buscando, ao mesmo tempo, estratégias de se manter na cidade o profissional formado nas escolas e oferecer apoio aos empreendedores que quiserem montar o seu próprio negócio.
(06) Essa incubadora foi criada em 1999, no meu segundo mandato como prefeito, teve uma época que nós perdemos algumas firmas para a Bahia, porque lá eles tinham isentado as empresas de pagar ICMS, então começamos a preocupar em criar a empresa e ela ficar aqui (Entrevista C-2).
Desde então a estratégia de desenvolvimento local se baseia, como explicitamente é colocado no fragmento discursivo (06), na visão de “criar a empresa e ela ficar aqui”. Para tanto, implicitamente se rejeita a idéia de guerra fiscal (Rodríguez-Pose, Arbix, 1999), invocada pela seleção lexical “nós perdemos algumas firmas para a Bahia, porque lá eles tinham isentado as empresas de pagar ICMS”. Tal posicionamento pode ser encarado como uma espécie de posicionamento público sobre o tipo de desenvolvimento que se quer, baseado em uma economia de pequenos negócios de base local, que contribuem para a localidade na forma de empregos, renda e impostos. Grandes empresas, uma vez que dispõe de facilidades e possuem porte suficiente para pressionar os governos locais, criam uma espécie de crescimento ilusório, pois não se trata de desenvolvimento endógeno da localidade, mas que toma emprestado das empresas que usufruem de benefícios o progresso. Estas, contudo, preservam relações utilitaristas com a localidade para onde se dirigem, ficando a silenciosa e permanente ameaça do deslocamento como um aviso das relações de subordinação e de dependência da localidade e da empresa (Bauman, 1999).
(07) essas indústrias não falam a linguagem da cidade e elas chegam e arrumam uma glândula inflacional, 2000 empregos, só que aquela empresa não é dali, o diretor mora numa casa alugada e o dia que der um espirro na economia a última que foi aberta é a primeira fechada, são 2000 empregados na rua (Entrevista C-1).
Pelo fragmento discursivo (07), percebe-se que não existe muita preocupação por parte do poder público municipal em atrair indústrias para a cidade. Possivelmente isso se deve ao risco de essas empresas fecharem as portas ou até mesmo irem embora para outras cidades e provocarem uma grande massa de desemprego. Por isso o governo e os demais agentes locais preferem investir em pequenas empresas que possuem menos empregados promovendo maior absorção dessa mão-de-obra pelo mercado de trabalho, no caso de uma delas fecharem. São ilustrativas desse posicionamento as seleções lexicais “essas indústrias não falam a linguagem da cidade” e “aquela empresa não é dali”. Estas prosopopéias, que atribuem a seres inanimados predicativos humanos, indicam que é preciso ser da cidade para compartilhar efetivamente do seu cotidiano. Esta visão é ratificada pelos trechos “o diretor mora numa casa alugada”, associando “casa alugada” à efemeridade da permanência de visitantes, e “o dia que der um espirro na economia a última que foi aberta é a primeira fechada, são 2000 empregados na rua”, associando a instabilidade econômica (metáfora espirro da economia) a desinvestimento produtivo e desemprego por ele causado.
A ênfase do desenvolvimento local, portanto, é uma economia baseada em pequenas empresas. Neste tipo de orientação em termos de políticas públicas, o papel do empreendedor é relevante, e, por isso, conhecer suas motivações e expectativas no que diz respeito à abertura de novos negócios é importante. Observa-se que a possibilidade de se ter o projeto incubado influencia a decisão dos empreendedores de abertura do próprio negócio.
(08) Eu não montaria a empresa nessa fase se não fosse a incubadora, ela me favoreceu muito (Entrevista B-3).
(09) vemos que existem muitas idéias por aí e que tem gente que às vezes não consegue levar para frente por não ter um local, um apoio a incubadora dá estrutura, dá o pontapé inicial, até mesmo a capacitação para quem está querendo começar (Entrevista B-5).
Os fragmentos discursivos (08) e (09) são ilustrativos de opiniões sobre o contexto de referência para a abertura de novos negócios na cidade. No caso do trecho (08), a incubadora é apresentada como condição necessária para viabilizar a abertura da empresa. No depoimento (09), é feita uma análise do quadro microeconômico, com o registro de que muitas idéias (implicitamente pressupõe-se que boas) não são viabilizadas por falta de apoio, ao passo que em uma incubadora, este suporte existe e é decisivo para a consolidação do negócio. Isso ocorre porque a incubadora capta recursos de fundos setoriais e busca fontes de financiamento para materializar a modernização e a inovação nas empresas incubadas, influenciando também influencia de maneira positiva o marketing dessas empresas, inibindo a insegurança transmitida aos clientes e fornecedores gerada pelo fato de ser uma empresa no início de suas atividades.
Associado ao Inatel, à ETE (Escola Técnica de Eletrônica Francisco Moreira da Costa) e à FAI (Faculdade de Administração e Informática), o poder público de Santa Rita do Sapucaí está à frente do processo de estímulo ao mercado de trabalho à medida que estes atores, em conjunto, preparam e incentivam os alunos a se tornarem empresários, induzindo a criação e incubação de novas empresas, mostrando também à comunidade várias outras oportunidades de carreira. Esta parceria viabilizou ações de apoio a empresas emergentes ou setores de desenvolvimento de empresas já estabelecidas na busca do progresso local, tendo se constituído a base de políticas de desenvolvimento baseadas em novos arranjos produtivos para novos empreendimentos associados.
(10) Nós acreditamos na prefeitura e a prefeitura acredita em nós. A incubadora municipal é fruto de um programa chamado Prointec – Programa Municipal de Incubação Avançada de Empresas de Base Tecnológica e Incubadora Municipal de Empresas, eu não sei se existe este programa fora do Brasil, é um convênio firmado entre a FAI – Faculdade de Administração e Informática, a ETE – Escola Técnica de Eletrônica, o Inatel – Instituto de Telecomunicação e a Prefeitura de Santa Rita, são fundações sem fins lucrativos, mas de direito privado e que o governo incentiva a incubar, veja que modelo, e isso prova a sinergia (Entrevista C-1).
O contexto local, conforme o fragmento discursivo (10) é permeado por práticas de confiança entre o poder público e a iniciativa privada, o que é explícito na seleção lexical “nós acreditamos na prefeitura e a prefeitura acredita em nós”. A confiança ressaltada também integra o rol de requisitos associados ao sucesso de parcerias de qualquer natureza, como a citada neste fragmento. Além disso, trata-se de uma forma de resolver o problema da constituição jurídica e da legitimidade social (Ciconello, 2004) dos empreendimentos educacionais na cidade, que embora desfrutem de prerrogativas e “brechas” que a lei permite a pessoas jurídicas de direito privado de direito privado, exercem, de certa forma, funções públicas.
Em um quadro de desmantelamento do Estado, fortalecem-se atores dos setores privado e não governamental à medida que são capazes de, por meio de parceria e do reforço das solidariedades locais, mobilizar recursos e competências. No modelo de empreendedorismo tecnológico adotado em Santa Rita do Sapucaí, a universidade e outras instituições de pesquisa são fontes importantes de conhecimento que pode ser disponibilizado a empresas. Para tanto, é preciso que existam laços formais com essas instituições impulsionando um ambiente de cooperação em que todos os agentes envolvidos são beneficiados e criando um novo ciclo (Alves, Melo, 2003). O resultado desse esforço é um estímulo para o desenvolvimento local, crescimento econômico, aumento de empregos qualificados e o surgimento de uma pauta de pesquisa para as universidades e/ou centros de pesquisa com foco na inovação e voltada também para as necessidades do mercado. Essa integração sistêmica mencionada no fragmento discursivo (10) não se trata apenas de um projeto político. As entrevistas evidenciam como o poder público e acadêmico trabalham juntos em prol do desenvolvimento local da cidade2. O resultado é que se desenvolveram formas de cooperação que diminuíram a distância entre o conhecimento gerado no meio acadêmico e as necessidades empreendedoras das empresas, além de promover o desenvolvimento local.
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