Espacios. Vol.29 (2) 2008. Pág. 7

A Indústria Farmacêutica no Brasil e na Índia: um estudo comparativo de desenvolvimento industrial

The pharmaceutical industry in Brazil and India: A comparative study of industrial development

La industria farmacéutica en Brasil y la India: Un estudio comparativo del desenvolvimiemto industrial

Roberto Mario Lovón Canchumani


3. A Indústria Farmacêutica no Brasil: características estruturais e mecanismos de desenvolvimento

No Brasil, as empresas estrangeiras e nacionais, operam nos últimos estágios do processo produtivo (formulação e comercialização). Porém, a articulação com outros estágios é elemento explícito no processo de competição, refletindo nas táticas e no desempenho do setor. A subsidiária de empresa multinacional articula-se com a matriz, que regula seu comportamento tecnológico e econômico; a indústria nacional busca sua articulação com estágios antecedentes por meio de difusão tecnológica (fornecedores independentes), sendo completamente dependente desta última para a montagem de sua estratégia de competição (Queiroz, 1993). Desta forma, as empresas brasileiras passaram a atuar no setor farmacêutico através da produção de similares — produtos desenvolvidos originalmente por outras empresas, enquanto que suas concorrentes estrangeiras reproduzem no país aqueles produtos desenvolvidos nas suas matrizes, importando os fármacos ou os últimos intermediários de suas empresas-mães, presumidamente por preços superfaturados. Destarte, as empresas brasileiras se abastecem com produtores independentes no mercado internacional.

Contudo, em 2001, o Brasil encontrava-se entre os cinco maiores mercados farmacêuticos do mundo, com vendas anuais superiores a US$10 bilhões (Tabela 1). Na América Latina representava o maior mercado da região (Fiocruz, 2001).

Tabela 1
Principais Mercados Farmacêuticos no Mundo (2001)
País
US$ Bilhões
%
EUA
74,09
24,26%
Japão
38,76
12,69%
Alemanha
15,47
5,06%
França
14,16
4,32%
Brasil
10,31
3,37%
Itália
9,12
2,98%
Reino Unido
8,39
2,74%
Espanha
5,28
1,73%
Canadá
4,28
1,40%
Mercado Total
305,40
100,00%

Fonte: ABIQUIF/ABIFARMA/SINDUSFARM

A estrutura da indústria nacional preservava suas características com um conjunto de empresas líderes multinacionais dominando o mercado. Em 1998, a Tabela 2 mostra que somente uma empresa de capital majoritariamente nacional (Aché) mantinha sua localização entre as 10 maiores do setor.

Tabela 2
As 10 Maiores Empresas Farmacêuticas no Mercado Brasileiro (1998)

Empresa

Milhões de R$

Participação %

Novartis

749.2

6.26

Roche

652.7

5.45

Bristol-Meyers Squibb

640.2

5.35

Hoechst Marrion Roussel

623.7

5.21

Aché/Prodome

558.0

4.66

Jasen Cilag

446.3

3.73

Boehring Ingelheim

445.4

3.72

Glaxo Wellcome

412.6

3.45

Schering Plough

378.1

3.16

Eli Lilly

357.4

2.99

TOTAL

5.263.6

43.98

Fonte: Callegari (2000), apud Quental, Gadelha e Fialho (2001).

A produção de fármacos para o mercado interno e externo ficou estagnada em torno de US$ 600 milhões o que, considerando o dinamismo do setor de medicamentos, levou a um aumento da dependência de importações da ordem de 40% para 80% da demanda nacional (Queiroz & Gonzáles, 2001). Com a desvalorização da moeda em 1999, o valor da produção local, inclusive a destinada ao mercado externo, ao invés de se expandir, como seria esperado, declinou de forma significativa, caindo para um patamar inferior a US$ 500 milhões (Tabela 3).

Tabela 3
Produção Estimada de Farmoquímicos e Adjuvantes Farmacotécnicos
US$ 1.000.000

Ano

Farmoquímicos

Farmotécnicos

Total

1998

446

132

598

1999

470

140

610

2000

426

125

551

2001

380

96

447

Fonte: ABIQUIF

Cabe mencionar que além da preservação das características estruturais da indústria ao longo da década de 1990, dois grupos de fatores novos se colocaram podendo trazer alterações importantes, se bem que contraditórias, para a estrutura e evolução da indústria. De um lado, observou-se uma atuação bastante incisiva do Ministério da Saúde na área de medicamentos que, certamente, constituiu uma das mais destacadas ao longo da década e, sobretudo, a partir de 1994/95, tendo sido inclusive aprovada uma Política Nacional de Medicamentos em 1998 (portaria 3916 de 30/10/98). De outro lado, os efeitos da globalização alteraram substantivamente o padrão de inserção internacional do País com efeitos bastante negativos sobre a balança comercial e sobre as perspectivas futuras da indústria no que toca ao desenvolvimento tecnológico (Queiroz e Gonzáles, 2001).

Este quadro mostra uma situação de alta dependência da indústria farmacêutica brasileira, tanto no que diz respeito aos laboratórios estrangeiros produtores da quase totalidade de medicamentos consumidos no mercado nacional, como mostra a Tabela 4, como pela maciça importação de fármacos e produtos intermediários (ver Tabela 5) e ainda pela ausência de uma quantidade e qualidade significativa de pesquisa no Brasil.

Tabela 4
Evolução do Comércio Exterior 1997 a 2001 (Medicamentos)
USD FOB correntes

Ano

Exportação

Importação

Saldo Comercial

1997

111.139.117

784.589.413

-673.450.296

1998

152.099.047

1.115.894.609

-783.697.706

1999

186.090.130

1.115.894.609

-929.804.479

2000

165.905.047

1.013.434.883

-847.529.836

2001

179.162.943

1.039.063.849

-859.900.906

Fonte: NEIT-IE-UNICAMP junto à SECEX.

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Tabela 5
Evolução do Comércio Exterior 1997 a 2001 (Fármacos)
USD FOB correntes

Ano

Exportação

Importação

Saldo Comercial

1997

246.245.730

1.192.878.841

 -946.633.111

1998

278.127.614

1.528.654.819

-1.250.527.205

1999

228.397.275

1.473.606.785

-1.245.208.510

2000

189.150.063

1.333.989.647

-1.144.839.584

2001

183.493.863

1.432.882.794

-1.249.388.931

Fonte: NEIT-IE-UNICAMP junto à SECEX.

Ao se descrever o desempenho externo do setor farmacêutico como um todo na década de 1990 (fármacos e medicamentos em conjunto), pode-se dizer que o país saí de um déficit da faixa de US$ 440 milhões para uma situação preocupante em que o déficit atinge o patamar de US$ 2 bilhões, nas classificações mais restritivas (e, portanto, mais modestas) dos produtos farmoquímicos e intermediários em geral (Queiroz e Gonzáles, 2001). No que se refere às exportações, apesar de terem evoluído favoravelmente tanto para fármacos quanto (e sobretudo) para medicamentos, seu patamar ainda é bastante reduzido, evidenciando uma marcante assimetria existente no padrão de inserção internacional do país.

3.1. Aspectos sobre pesquisa e desenvolvimento (P&D)

Mesmo com algumas iniciativas isoladas, o comprometimento da indústria com atividades de P&D mostrava-se quase insignificante considerando o padrão internacional. Esta característica está na raiz da baixa interação existente da indústria com o sistema científico e tecnológico brasileiro, fragilizando o sistema de inovação em saúde.

Deve-se mencionar que, a despeito de ter ocorrido nos anos 1980 uma série de iniciativas com o objetivo de desenvolver a produção nacional de fármacos (mais adiante abordado), no inicio dos anos 1990 a P&D de novos fármacos continuava incipiente no Brasil, por várias razões: altos custos e exigência de pessoal altamente qualificado; fragilidade das empresas nacionais que, a despeito de representar algo como 80% do numero total de empresas farmacêuticas aqui instaladas, detinham menos de 20% do mercado; a P&D farmacêutica é fortemente centralizada nos países de origem das empresas multinacionais; legislação patentária favorecendo a cópia de moléculas existentes e, consequentemente, o desenvolvimento da produção industrial de fármacos, mas não as atividades de descoberta de novas moléculas.

Nos últimos anos da década de 1990, no entanto, verificou-se um crescimento nos gastos com pesquisa e desenvolvimento. A partir de 1995, estes gastos apresentaram aumentos consecutivos ano a ano, alcançando o montante de 112 milhões de reais em 2001 (Tabela 6). Neste período (1995-2001), verificou-se um incremento total de 411,13% e anual médio de 31,3%. Estes dados, comparados com a evolução dos gastos realizados a nível mundial pela indústria farmacêutica, mostram uma evolução das empresas localizadas no Brasil, já que o aumento global verificado no período de 1995-2001, foi de cerca de 12,2%, conforme dados da Pharmaceutical Research and Manufacturers of America (PHRMA).

Tabela 6
Gastos com P&D das Empresas Farmacêuticas no Brasil
R$ milhões

Indicador

Valor R$

Variação Anual

Variação Acumulada

1995

21.947

0%

0%

1996

30.287

37,96%

37,96%

1997

40.001

32.11%

82,26%

1998

52.410

31,02%

138,80%

1999

81.521

55,54%

271,44

2000

93.099

14,20%

324,20%

2001

112.177

20,49%

411,13%

Fonte: INTERFARMA - Identificação e Análise dos Gastos com P&D 2002

Por outro lado, nos últimos anos do século XX, observou-se, também, o aumento das pesquisas fitogenéticas e clínicas no país. Essas atividades compõem uma fase muito importante do primeiro estágio tecnológico, respondendo por 60% dos 500 milhões que nele podem ser consumidos (Queiroz e Gonzáles, 2001). Algumas grandes empresas internacionais passaram a incluir o Brasil no circuito dos países em que essas atividades de pesquisa clínica são realizadas. Trata-se pois de uma inserção muito modesta no conjunto das atividades de pesquisa farmacêutica das grandes empresas, podendo ser indicativo de dinâmicas relevantes para a configuração da industria nacional no futuro.

3.2. Mecanismos de desenvolvimento do setor: considerações sobre políticas adotadas

De um modo geral, e em flagrante contraste com o que ocorreu nos países desenvolvidos, a atuação do Estado brasileiro foi marcada pela fragilidade institucional e pelo casuísmo na definição de políticas relacionadas ao setor farmacêutico. As ações governamentais, ao longo da historia do setor, foram, no máximo, marcadas por ações pontuais e programas descontínuos, que, via de regra, findavam-se sem atingirem os objetivos propostos.

A partir da década de 1960, após a entrada no país das grandes indústrias estrangeiras, o Brasil passou a sofrer uma verdadeira invasão de novos laboratórios e, conseqüentemente, introdução descontrolada de “novos” medicamentos. No entanto, diferentemente de outros países (a exemplo da Índia, como veremos mais adiante) que, aos poucos, apreendiam conhecimentos tecnológicos que permitissem criar condições mínimas de desenvolvimento próprio neste setor, o Brasil praticamente não agregou conhecimentos nesta área, não houve investimentos em desenvolvimento de pesquisa de fármacos, ou seja, não criou um parque tecnológico que minimizasse, ainda que a longo prazo, a dependência externa no setor de pesquisa, desenvolvimento e produção de medicamentos. Saliente-se que mesmo em um momento em que não se reconhecia patentes (de 1945 a 1996)(2), o que se verificou foi uma grande acomodação por parte das indústrias nacionais de capital privado que limitaram-se, simplesmente, a copiar medicamentos sem investirem em pesquisa de fármacos. Cabe mencionar também, a total omissão governamental ao não estimular e fomentar, adequadamente, os laboratórios oficiais e as universidades públicas a desenvolverem projetos de pesquisa neste setor, mesmo sendo o Brasil dotado de extraordinária biodiversidade.

No inicio da década de 1970, foram feitas algumas tentativas de desenvolvimento endógeno de processos na indústria farmacêutica, com a criação da Central de Medicamentos (CEME)(3) e a criação de pequenos celeiros de desenvolvimento tecnológico (como a CODETEC(4)), que tiveram fim, exatamente por falta de suporte técnico-financeiro e político da parte do Governo.

Nos anos 1980, foram implementadas algumas medidas de fomento à industria nacional, entre as quais destacavam-se: a gradação tarifaria (1981) e o Anexo C, que conferiam proteção tarifaria e não tarifaria e; a reserva de mercado proporcionada pela Portaria 4 (1984), que favorecia que as empresas nacionais sintetizassem fármacos localmente, aproveitando as brechas da falta de proteção patentária. No entanto, o projeto autonomista foi, então, severamente comprometido com o governo Collor quando, face à abertura comercial de 1990 e à conseqüente extinção da reserva de mercado, poucos laboratórios mantiveram a capacidade de produção verticalmente integrada. Cabe mencionar que o lado perverso da desverticalização da indústria farmacêutica é que a importação dos fármacos tem servido aos interesses das multinacionais para a prática de preço de transferência.

Na segunda metade da década de 1990, com a aprovação da Lei de Patentes acentuou-se ainda mais a importação de matéria-prima para medicamentos (rever Tabela 4). Assim, as grandes corporações internacionais deixaram de fabricar seus produtos em território brasileiro, passando a importar de suas matrizes e, conseqüentemente, encarecendo o preço final dos produtos. Com isso, o aumento dos preços dos medicamentos atingiram níveis absurdos, impossibilitando cada vez mais o acesso da população aos mesmos.

Por outro lado, vale destacar que no que se refere à produção de desenvolvimento endógeno de fármacos e medicamentos, esta voltou a ter um estímulo, basicamente no âmbito estatal (destacadamente Far-Manguinhos), a partir da segunda metade da década de 1990. Nessa ocasião, o Mistério da Saúde assumiu uma posição suficientemente forte, com relação às grandes multinacionais, para forçar a queda dos preços, considerados abusivos, para drogas anti-retrovirais, com ou sem patentes vigentes, comercializados no Brasil.

Assim, em 1998, pela primeira vez na história recente do Brasil, o Ministério da Saúde explicitou uma política de medicamentos consoante às diretrizes da Organização Mundial de Saúde (OMS). A Portaria 3.916/98, do Ministério da Saúde, ao aprovar o documento Política Nacional de Medicamentos, estabeleceu as bases e as diretrizes para ações setoriais, chamando a atenção para a necessidade da articulação de ações intersetoriais. Assim, entre as diretrizes destacam-se: adoção de relação de medicamentos essenciais; regulamentação sanitária de medicamentos; reorientação da assistência farmacêutica; promoção do uso racional de medicamentos, desenvolvimento científico e tecnológico; promoção da produção de medicamentos; garantia da segurança, eficácia e qualidade dos medicamentos; desenvolvimento e capacitação de recursos humanos. Entre as prioridades: revisão permanente da Relação Nacional de Medicamentos Essenciais (RENAME); assistência farmacêutica; promoção do uso racional de medicamentos e; organização das atividades de vigilância sanitária de medicamentos.

Desta maneira, em 1999, foi aprovada a Lei dos Genéricos (1999). Com o lançamento desta Lei, os laboratórios nacionais passaram a expandir rapidamente as suas participações no mercado, o que aumenta a potencialidade de se ter uma industria local significativa no segundo estágio tecnológico de produção, produzindo fármacos de genéricos, permitindo uma escala produtiva adequada para atingir níveis de produtividade que a tornem competitiva internacionalmente.

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