Maria Beatriz M. Bonacelli*, Mauro Zackiewicz** y Adriana Bin***.
| RESUMO A avaliação de impactos da pesquisa se apresenta cada vez mais como uma ferramenta essencial para a gestão da inovação tecnológica e como elemento de legitimação junto à sociedade da alocação de recursos para as atividades de ciência, tecnologia e inovação. Entretanto, há, em geral, limitações importantes nas metodologias de avaliação de impacto mais usualmente difundidas, muitas delas baseadas em relações lineares do processo inovativo e em uma ótica predominantemente econômica. A ampliação do escopo da avaliação, por meio da agregação de outras dimensões além da econômica (social, ambiental e criação de capacitação, por exemplo) e da construção daquilo que se compreende por impacto a partir dessas diferentes dimensões, permite, entre outros, ações mais coordenadas de planejamento e de estratégias de atividades de pesquisa, sejam públicas ou privadas, e uma visão mais abrangente do processo de inovação, via introdução dos diferentes atores envolvidos nesse processo. A partir dessa premissa, esse artigo apresenta os principais elementos metodológicos considerados para a construção de um instrumental para avaliação de impactos sociais da pesquisa. No presente caso, a metodologia desenvolvida foi aplicada a dois programas tecnológicos agrícolas no Estado de São Paulo (Brasil): o Programa de Melhoramento Genético da Cana-de-Açúcar (Procana) e o Programa de Produção de Borbulhas e Mudas Sadias de Citros. Partiu-se da construção da “estrutura de impactos sociais”, com a identificação de elementos (ou componentes) que mais fortemente correspondessem aquilo que se define por impactos sociais dos programas tecnológicos avaliados. As principais contribuições do método dizem respeito à integração de diferente dimensões para avaliação de impactos de programas tecnológicos na área agrícola – além da econômica, a social, ambiental e de criação de capacitação - e à geração de subsídios para tomada de decisão, em diferentes níveis de atuação e por diferentes atores (agências de fomento, instituições de pesquisa, universidades, empresas etc.) envolvidos no processo de inovação. |
RESUMEN La evaluación de impactos de investigación se presenta, cada vez más, como una herramienta esencial para la gestión de la innovación tecnológica y como elemento de legitimación frente a la sociedad para la asignación de recursos para actividades de ciencia, tecnología e innovación. Entretanto, hay, en general, limitaciones importantes en las metodologías de evaluación de impacto más usualmente difundidas, muchas de ellas basadas en relaciones lineales del proceso innovativo y desde una óptica predominantemente económica. Una ampliación del alcance de la evaluación, por medio de la agregación de otras dimensiones más allá de la económica (social, ambiental y creación de capacitación, por ejemplo) y la construcción de lo que se entiende por impacto a partir de aquellas diferentes dimensiones, permite, entre otras, acciones más coordinadas de planificación de las estrategias de las actividades de investigación, públicas o privadas, y una visión más abarcante del proceso de innovación, vía la introducción de los diferentes actores involucrados en ese proceso. A partir de esta premisa, este artículo presenta los principales elementos metodológicos considerados para la construcción de un instrumental para la evaluación de impactos sociales de la investigación. En el presente caso, la metodología desarrollada fue aplicada a dos programas tecnológicos agrícolas en el estado e Sao Paulo (Brasil): el programa “Melhoramento genético da Cana-de-Acucar” (Procana) y el programa “Produção de Borbulhas e Mudas Sadias de Citros”. Se partió de la construcción de la “estructura de impactos sociales”, con la identificación de los elementos (o componentes) que más fuertemente corresponden a la definición de impactos sociales de los programas tecnológicos evaluados. Las principales contribuciones del método señalan, respecto a la integración de las diferentes dimensiones para la evaluación de impactos de los programas tecnológicos en el área agrícola - más allá de lo económico, social, ambiental y de creación de capacitación- a la generación de subsidios para la toma de decisiones, en diferentes niveles de actuación y por diferentes actores (agencias de fomento, instituciones de investigación, universidades, empresas, etc.) involucrados en el proceso de innovación. |
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| ABSTRACT Researching impacts evaluation is presented, more frequently as an essential skill for technological innovation management, and as a legitimating element facing society to the assignment of sources for science, technology and innovation. Meanwhile, there are important limitations in the common impact evaluation methodologies, many of them based in lineal relations of the innovative process and from a mostly economical optic. And a enlargement of the evaluation research, through adding other dimensions beyond the economical one (social, environmental and training) and the construction of the defined word impact, from those different dimensions, allows more coordinated actions in planning strategies of researching activities, public or private, and a wider vision of the innovative process, through the introduction of the different actions involved in this process. From this point, this article presents the main methodological elements considered in the construction of an instrument to the evaluation of researching social impacts. In the present case the methodology developed was applied to two agricultural technological programs in Sao Paulo state. “The impacts social structure” was built with the identification of elements (or components) that strongly correspond to the definition of social impacts of the technological programs evaluated. The most important contributions of the method point , in relation with the integration of the different dimensions to the evaluation of agricultural technological programs impacts, beyond the economical social environmental and training developing aspects, to the generating of subsidies in making decisions in different levels of acting and for different actors (foment agencies, researching institutes, universities, companies, etc) involved in the innovation process. |
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No Brasil, grande parte dos gastos nacionais em P&D (pesquisa e desenvolvimento) é de responsabilidade do Estado (seja no âmbito do governo federal ou estadual). A avaliação desse esforço está relacionada tanto à garantia da legitimidade da função pública (a “prestação de contas” à sociedade), como ao fornecimento de informações mais qualificadas aos desenvolvedores e usuários das tecnologias, assim como para subsidiar a formulação de políticas de ciência, tecnologia e inovação (C,T&I).
Contudo, realizar avaliação de esforços de P&D é um processo complexo que envolve, entre outras coisas, capacidade de lidar com a natureza incerta do avanço do conhecimento e de sua apropriação social, com o hiato temporal entre a produção do conhecimento e a expressão de seus impactos na sociedade, assim como com o olhar (caráter subjetivo) do avaliador e dos atores impactados. Captar a amplitude dos resultados e impactos gerados pela produção e incorporação de conhecimento significa considerar tanto a complexidade de um sistema de pesquisa científica e tecnológica, quanto as interações existentes entre esse sistema e um contexto institucional mais amplo e também complexo.
A identificação, quantificação e qualificação de impactos sociais da P&D é uma das vertentes importantes desses exercícios de avaliação, justamente por auxiliar a identificação da relação que se estabelece entre os resultados e atividades empreendidas por organizações envolvidas com pesquisa e as transformações percebidas por diferentes atores sociais, aspecto esse que tem sido crescentemente enfatizado nas últimas décadas.
Contudo, estudos voltados à mensuração de impactos sociais de programas tecnológicos, assim como de atividades de P&D, são menos freqüentes na literatura especializada quando comparados a outras dimensões, como a econômica e a ambiental. Em que pese o volume bastante grande de estudos sobre os efeitos da tecnologia sobre o trabalho e o nível de emprego, ou mesmo sobre as conseqüências excludentes do processo de modernização em populações menos favorecidas, são poucos, de fato, os trabalhos especificamente voltados para a avaliação de impactos sociais de programas de pesquisa. Mesmo os estudos que buscam superar as amarras de proposições restritas a análises baseadas na medição da relação entre inputs e outputs desses programas trabalham, geralmente, com aspectos macro-sociais, tais como acesso da população à saúde, educação e moradia. É nítido, no entanto, que esses aspectos servem mais como um marco de referência na delimitação do contexto no qual se encontra o objeto de avaliação do que como recortes da realidade sobre os quais se deve balizar a medição da intensidade e da importância das transformações decorrentes dos programas de pesquisa.
A contribuição maior deste trabalho reside, pois, na descrição da metodologia de avaliação de impactos de programas tecnológicos, em particular dos impactos sociais. São discutidos os pilares centrais que sustentam tal metodologia, considerando as dimensões econômica, social, ambiental e capacitação. O artigo inicia-se com a descrição dos dois programas tecnológicos da área agrícola que foram selecionados para o exercício de avaliação, seguida da discussão metodológica. O enfoque sobre a dimensão social permite que se identifique, de forma mais clara, quais foram os principais aspectos considerados para a mensuração dos impactos nessa dimensão. Assim, parte-se da realidade completa, sobre a qual são muitas as sobreposições, graus e direções de causalidades possíveis entre os impactos, para uma simplificação na qual selecionam-se os aspectos mais relevantes a se monitorar, organizando-os em um conjunto manejável de componentes. A apresentação dos resultados alcançados revela as principais transformações ocorridas nesses componentes em decorrência da implantação das novas tecnologias desenvolvidas no âmbito dos programas tecnológicos considerados. Por fim, são apresentadas algumas considerações sobre a metodologia utilizada, os casos avaliados e as possibilidades de uso desse instrumental em políticas de planejamento e gestão.
Os programas tecnológicos avaliados foram o Programa de Melhoramento Genético da Cana-de-Açúcar (Procana) e Programa de Produção de Borbulhas e Mudas Sadias de Citros, ambos do Instituto Agronômico. O IAC é um órgão da Agência Paulista de Tecnologia dos Agronegócios (APTA), da Secretaria de Agricultura e Abastecimento do Estado de São Paulo, sediado no município de Campinas. Ressalta-se que a escolha dos dois programas está vinculada à importância das culturas de cana-de-açúcar e de laranja no Brasil, sendo o ESP o maior produtor brasileiro de açúcar, álcool, laranja in natura e suco de laranja. Além disso, os dois programas estão constituídos em modelo de rede de pesquisa, com o envolvimento de diferentes atores do processo de produção e de inovação.
O Procana, constituído em 1994, tem como objetivo principal o melhoramento genético da cana-de-açúcar visando a obtenção de cultivares mais produtivos, com maior riqueza em açúcar e com adicionalidades que proporcionem vantagens econômicas. Complementam os esforços de melhoramento genético do programa vários outros estudos de manejo dos cultivares, principalmente no que concerne à viabilidade do uso de resíduos industriais como fonte de nutrientes, caracterização dos ambientes de produção de cana em São Paulo e recomendações fitotécnicas e de adubação. As variedades melhoradas em conjunto com essas recomendações caracterizam o pacote tecnológico do programa.
O programa se organiza como uma rede de pesquisa, sendo descentralizado e protagonizado por pesquisadores de três Estações Experimentais (nas regiões de Piracicaba, Ribeirão Preto e Jaú), que estabelecem um relação horizontal na qual as atividades são coordenadas de forma consensual e participativa. Dessas três estações as ações se multiplicam para outras regiões do Estado, através do deslocamento constante dos pesquisadores para outras quatro Estações Experimentais do IAC e para as trinta e duas empresas parceiras do programa (28 no Estado de São Paulo). A rede do Procana é dinâmica (muda sua configuração durante cada fase do processo de desenvolvimento de novas variedades) e está inserida no contexto maior das cadeias inovativa 1 e produtiva da agroindústria canavieira 2.
Deve-se destacar que a eficiência da agroindústria canavieira – ganhos de produção e produtividade – do Brasil deve muito aos resultados alcançados pelas pesquisas empreendidas na área, notadamente acerca do desenvolvimento de novas variedades. A produtividade da cultura da cana saltou de 55t/ha na década de 60 para 80t/ha atualmente. A longevidade dos canaviais também aumentou de 3 cortes para 5,7 cortes por talhão. Hoje, no país, há 40 variedades de cana, lançadas nos últimos seis anos. O desenvolvimento das mesmas visa diversificar os intervalos de maturação, aumentar o teor de sacarose e a resistência a pragas e doenças. Isso possibilita o plantio o ano todo, com variedades de ciclo precoce, médio e tardio.
O principal objetivo do Programa de Produção de Borbulhas e Mudas Sadias de Citros é o de instituir uma nova base técnica para a formação de pomares, tendo em vista a emergência e agravamento de problemas fitossanitários, em especial a Clorose Variegada dos Citros (CVC ou amarelinho). O programa estruturou-se a partir de uma densa rede de pesquisa entre os principais atores da cadeia produtiva e inovativa da citricultura 3, o que tem permitindo a este setor superar vários problemas de ordem fitossanitária e também alcançar uma posição privilegiada no mercado internacional de suco concentrado congelado de laranja.
A CVC é causada pela bactéria Xylella fastidiosa. Sua contaminação prejudica a planta afetada porque lhe obstrui o xilema, isto é, o sistema de vasos responsáveis pela distribuição de água e nutrientes em seu interior. As principais preocupações do programa de pesquisa se referem às plantas-matrizes utilizadas na formação de borbulhas e mudas, destacando-se entre elas a não ocorrência de sintomas de doenças, variação genética ou qualquer outra anomalia e a manutenção em ambiente telado. Sobre esse último aspecto, a partir de 1o. de janeiro de 2003, foi vetada a possibilidade de produção de mudas de citros fora de ambiente telado no Estado de São Paulo, o que passou a exigir mudanças significativas frente à produção em ambiente aberto - o viveiro deve ser construído a uma distância mínima de 20 metros em relação a qualquer planta cítrica; revestido por telado antiafídico, com pedilúvio para desinfecção de calçados; bancadas para produção de porta-enxertos em mudas com altura mínima de 30 centímetros e água tratada para irrigação. O material de propagação da muda certificada (borbulha) deve provir de planta básica ou matriz registrada, permanecendo a muda em ambiente telado.