ISSN 0798 1015

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Vol. 40 (Nº 31) Ano 2019. Pág. 20

A produção de conhecimento científico na educação: apontamentos necessários

The production of scientific knowledge in education: necessary points

CARVALHO, Saulo R. 1; CAVALCANTE, Rafael G. 2 & GASPARELO, Rayane R. S. 3

Recebido: 04/06/2019 • Aprovado: 30/08/2019 • Publicado 16/09/2019


Conteúdo

1. Introdução

2. Metodologia

3. Resultados

4. Conclusões

Referências bibliográficas


RESUMO:

Considerando que todo problema científico parte de uma necessidade originada no contato com a realidade objetiva, temos que a relevância do conhecimento produzido relaciona-se diretamente às implicações que a produção desse conhecimento traz para a realidade que lhe deu origem. Para tanto, buscamos refletir sobre a constituição do campo das pesquisas científicas e apontar os desafios para a produção de conhecimento nas pesquisas em educação. Os estudos revelam reincidência de resultados extremamente semelhantes no que se refere às fragilidades da produção científica em educação, as quais relacionamos com o “é, não sendo” que caracteriza os processos de alienação da atividade humana em geral. Para concluir, ressaltamos o compromisso da pesquisa e da produção científica com a superação da alienação, buscando não só atender aos requisitos da qualidade da produção acadêmica, mas, principalmente, tornar possível ao ser humano conhecer a realidade concretamente, tendo em vista a sua efetiva transformação em benefício de toda a humanidade.
Palavras chiave: Pesquisa em Educação. Produção Científica. Conhecimento Científico. Alienação

ABSTRACT:

Considering that every problem is coming from a need in contact with objective reality, the importance of all scientific problem produced is relates to directly with implications that production of this knowledge brings to reality that gave rise. In order to reflect on importance of the scientific productions in the education's area, it was rescuing the analysis of some major works that evaluate the content of scientific production. The studies reveal the repeat of results extremely similar as the referred the weakness of the scientific production in education that relate with “is, not being” that features the alienation’s process of the general human activity. For conclude, we stress the compromise of the research and scientific production with the overcoming of the alienation, seeking, not only meet the requirements of the academic production, but mostly enable that human being know the reality concretely, in view of effective transformation for to benefit all humanity.
Keywords: Research in Education. Scientific Production. Scientific knowledge. Alienation

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1. Introdução

A pesquisa científica é de fundamental importância para o desenvolvimento da sociedade. É através do conhecimento científico que conhecemos melhor o passado e compreendemos o presente, buscamos a cura para doenças, solucionamos problemas do cotidiano, e relativizamos as distâncias com o avanço tecnológico. É também através da pesquisa científica que buscamos compreender e aprimorar uma dimensão fundamental da práxis social, a saber, a práxis educativa, objeto de discussão deste texto.

Entretanto, apesar do salto quantitativo de estudos na área da educação, algumas pesquisas têm apontado fragilidades nas produções, enquanto produções científicas. As principais deficiências estão relacionadas à pobreza teórico-metodológica e à irrelevância na escolha e na abordagem do tema, bem como a restrita divulgação e o pouco impacto sobre as práticas educativas.

Considerando que todo problema científico parte de uma necessidade originada no contato com a realidade objetiva, temos que a relevância do conhecimento produzido relaciona-se diretamente às implicações que a produção desse conhecimento traz para a realidade que lhe deu origem.

Diante dessa problemática, objetivou-se neste artigo refletir sobre a constituição do campo de pesquisas científicas e apontar os desafios para a produção de conhecimento nas pesquisas em educação, buscando ampliar nossa compreensão com relação ao processo de produção científica da área.

2. Metodologia

O estudo caracteriza-se como uma pesquisa bibliográfica. Na primeira parte do texto, ressaltamos o processo ontológico do ato de pesquisar. Em seguida, apresentamos o desenvolvimento histórico do processo de sistematização do conhecimento científico e a busca pelo aprimoramento do processo de compreensão da realidade. Na terceira parte, apresentamos sumariamente os desafios das pesquisas educacionais no Brasil.

Para concluir, enfatizamos que o compromisso da pesquisa e da produção científica no campo educacional deve ter como finalidade tornar possível ao ser humano conhecer a realidade concretamente em sua totalidade, observando seus múltiplos determinantes, tendo em vista a sua efetiva transformação em benefício de toda a humanidade.

3. Resultados

3.1. Porque é importante pesquisar?

Que a pesquisa é uma atividade importante, ninguém duvida. Muita gente, que nunca chegou perto de um laboratório de pesquisa e que nem ao menos imagina que exista um acalorado debate entre metodologias e procedimentos científicos, certamente, irá afirmar que a pesquisa é importante. Irá o senso comum afirmar, e com razão, que por meio da pesquisa muitos objetos importantes para a nossa vida cotidiana foram inventados, muitas descobertas, como a cura de doenças, o uso da energia, a fabricação de aparelhos eletrônicos foram possíveis graças à pesquisa científica. Mas nem sempre foi assim. Nem sempre o homem pode utilizar-se da ciência para descobrir “coisas”. Nem sempre a pesquisa serviu para ajudar a humanidade a resolver os problemas surgidos em sua caminhada pelo mundo. Muito antes de o homem elaborar problemas de pesquisa, os problemas da sua vida real já exigiam dele a tomada de decisões que poderiam, inclusive, definir o rumo da espécie. A garantia da sobrevivência humana caracterizou-se, por um lado, em satisfazer as necessidades básicas próprias da espécie animal (comer, beber, reproduzir) e, por outro lado e ao mesmo tempo em que contentadas suas necessidades animais, produzir novas necessidades. Prevalecia, assim, em sua atividade vital, uma qualidade muito peculiar de legar aos elementos da natureza outra forma. No curso de sua existência, a humanidade pode desenvolver, por meio de sua atividade vital, uma relação com natureza, na qual a espécie não mais se adaptava ao meio natural, mas pode adaptar a natureza às suas necessidades.

Essa atividade da qual falamos é o trabalho. O trabalho constituiu-se na atividade de intercâmbio do homem com a natureza. Atividade na qual o homem antecipa na sua mente o resultado do que foi produzido, uma “atividade destinada a um fim” (Marx, 2010, p. 212). Na produção dos objetos que satisfaçam suas necessidades, os homens concentram todos os seus sentidos e todas as suas forças, de modo a controlar e regular os objetos da natureza e as propriedades a eles inerentes, produzindo em si próprio capacidades antes inexistentes. A capacidade de projetar o “novo”, de colocar na realidade produtos que antes só existiam em sua concepção, possibilitou ao homem também produzir ideias sobre os objetos. Na acepção de Kopnin (1978),

O ideal é um reflexo da realidade sob as formas da atividade do homem, de sua vontade e consciência, não se trata de uma coisa ideal acessível à mente, mas de uma capacidade do homem para em sua atividade, produzir intelectualmente, nas ideias, vontade, necessidades e fins, esse ou aquele objeto (p. 131).

 Evidente que nem todas as ideias resultam em sucesso. Diversos projetos do pensamento terminaram em ruínas, quando muito derivaram-se em descobertas, distintas da finalidade inicial. Como a história dos alquimistas, que na busca do elixir da vida e da transmutação dos metais em ouro, deram origem à base da química moderna e a descoberta de elementos como o arsênico, importante para a conservação de madeiras e couro. 

A necessidade de encontrar uma forma, um caminho para comprovar as ideias, tornou-se, para alguns homens, uma obstinação. Na antiguidade, Platão e Sócrates preocuparam-se em definir os universais. Convencidos de que as “coisas”, os fenômenos possuíam uma essência, procuravam por meio da generalização reconhecê-los. “Como conhecimento do atributo essencial o conhecimento científico referia-se ao conhecimento de verdades imutáveis, que constituíam os próprios fenômenos” (Andery et al., 1988, p. 95). Aristóteles, por sua vez, preocupou-se em definir o caminho de como os homens chegavam aos universais: o silogismo. De um modo geral, o conhecimento científico (conhecimento dos universais) poderia ser acessado racionalmente pelo homem por meio da indução e da dedução. A indução, para Aristóteles, significava nada mais que a “passagem dos individuais aos universais” (Tópicos I apud Andery et al., 1988, p. 96). A partir da indução, era preciso estabelecer as definições mais gerais, para depois buscar comprovar, porque tais afirmações poderiam ser consideradas verdadeiras. Caberia à dedução esse papel. “Era o raciocínio demonstrativo, a dedução, portanto, que se constituía na via de raciocínio mais importante para a construção do conhecimento científico. A dedução, o silogismo é que permitia ao homem chegar as verdades e explicá-las” (Andery et al., 1988, p. 96, grifo nosso).

Estavam plantados ali na antiga Atenas os fundamentos da pesquisa científica. É claro que, desde há muito tempo atrás, o homem pesquisava. Como já tratamos, a sua atividade vital o impulsionava a observar os materiais e os fenômenos naturais, a estudar os comportamentos, a analisar os resultados de suas ações. Contudo, muito disso foi realizado de forma ignota. O homem não havia ainda elaborado uma forma sistemática e organizada de conhecer a realidade. É em Atenas, há pelo menos 500 a.C., que se dá o “pontapé” inicial para o desenvolvimento do Método e da Pesquisa Científica.

Certamente, muitos outros obstinados lançaram-se na busca pelo conhecimento científico. Guerras passadas, quedas e apogeus de impérios, destruição e reconstrução de sociedades, levaram o conhecimento científico a percorrer vários caminhos, chegando, inclusive, a padecer no limbo do esquecimento. Entretanto, a complexificação da vida humana na face da terra trouxe novamente a forma científica de conhecimento para o primeiro plano. A expansão do comércio e o desenvolvimento da manufatura conduziram o amadurecimento de uma nova organização social. Irrompe desse processo uma classe social capaz de levar a cabo uma revolução social.

A burguesia que ascende do colapso do mundo feudal nasce com os comerciantes, mas se consolida como uma classe que se apropria do trabalho de outras classes. Rapidamente a classe dos burgueses percebeu que toda riqueza do mundo procedia do trabalho realizado pelos homens. Diante dessa constatação, empenharam seus esforços a tornar o trabalho mais produtivo. Não somente a produção foi desenvolvida conforme os empreendimentos da burguesia, mas também as relações sociais foram sendo moldadas conforme a sua imagem e semelhança. O comércio por meio do livre mercado foi a forma que consolidou o capitalismo como padrão de sociedade. A revolução burguesa, com o apoio das armas, destruiu o velho mundo feudal, com suas tradições, superstições, ritos e mitos, para criar um mundo baseado na privatização da economia, na eficiência da produção e na eficácia do mercado. Mas a força das baionetas, embora fundamentais, não foram o bastante para materializar o capitalismo como modelo societal. A burguesia necessitou incorporar aos seus negócios o conhecimento científico. A ciência volta a figurar, assim, em grande destaque. Os conhecimentos dos clássicos da antiguidade são retomados. A pesquisa une-se ao processo de industrialização, e a ciência moderna torna-se o principal veículo de assimilação e disseminação do conhecimento da humanidade.

Incorporada à indústria e à maquinaria, a ciência desenvolveu-se, entretanto, com certa autonomia. Mesmo tendo sua função principal ligada à produção capitalista, ao descobrimento de formas mais avançadas e mais eficientes de controlar o trabalho e gerar lucros, o conhecimento científico não se limitou diretamente a esse objetivo. Também não se desenvolveu num único sentido, numa única forma de fazer ciência. As formas de realizar e de organizar o pensamento científico diversificaram-se em face da complexidade das atividades humanas e das finalidades de sua investigação sobre o real. A ciência é “[...] antes de tudo, um sistema de conhecimento humano com objeto determinado e método conhecido” (Kopnin, 1978, p. 20). As formas de proceder à coleta de dados, de selecionar as técnicas e de avaliar as hipóteses deram origem a métodos científicos diversos. Os métodos, por sua vez, tornaram-se responsáveis por definir as formas de proceder de uma pesquisa. No entanto, o desenvolvimento das técnicas e procedimentos que, embora se diversifiquem conforme o método, formam o núcleo da pesquisa científica.

Destarte, toda pesquisa científica que se preze tem como finalidade o conhecimento do “novo”. Embora o conceito de novo possa ser amplamente discutido, é aqui que começamos a responder o porquê é importante pesquisar. Com certeza, podemos afirmar que a humanidade não conseguiu desenvolver nenhuma forma mais confiável e segura de conhecer do que a pesquisa científica. As formas de conhecer são diversas. No entanto, o elevado grau de domínio da natureza exercido pela humanidade e a complexa relação de dependência constituída por esse domínio conduziram os homens a um processo de conhecer, em que se torna cada vez mais decisiva a fidedignidade do que é conhecido. A pesquisa científica, ao tornar claras as sua finalidades e evidentes os processos pelos quais coletam e avaliam os dados, configura-se, assim, num ponto de apoio à sapiência humana. Não raro, quando se quer demonstrar algum fenômeno, testar algum produto, ou até mesmo comprovar alguma técnica já enraizada, é por meio da pesquisa científica que determinamos o grau de confiabilidade de tais conhecimentos sobre as coisas. Isso porque se espera que uma pesquisa científica “seja capaz de demonstrar – segundo critérios públicos e convincentes – que o conhecimento que ele produz é fidedigno e relevante teórica e/ou socialmente” (Luna, 1999, p. 14).

Nesse sentido, o novo não pode ser confundido nunca com o recente, o “antes inexistente”. Mas, de outra forma, o novo pode ser entendido como “[...] um conhecimento que preenche uma lacuna em uma determinada área do conhecimento” (Luna, 1999, p. 14). Faz-se pesquisa científica não só para descobrir coisas novas, mas para reorganizar, demonstrar, refutar e enriquecer determinado conhecimento, ou determinada teoria. Kunh (2011) nos dá um belo exemplo de como a pesquisa científica de fronte de um novo paradigma [4] – como foi os Principia de Newton – mobiliza-se em tentar explicá-lo, completá-lo e torná-lo mais preciso.

Os Principia por exemplo, nem sempre se revelaram uma obra de fácil aplicação, em parte porque retinham algo do desajeitamento inevitável de uma primeira aventura, em parte porque uma fração considerável de seu significado estava apenas implícito nas suas aplicações. [...].  Por isso, desde Euler e Lagrange no século XVIII até Hamilton, Jacobi e Hertz no século XIX, muitos dos brilhantes físico-matemáticos da Europa esforçaram-se repetidamente para reformular a teoria mecânica sob uma forma equivalente, mas lógica e esteticamente mais satisfatória (Kunh, 2011, p. 54).

O novo na ciência pode resultar de explicações e aplicações do já existente. Nem sempre é possível fazer grandes descobertas científicas. Arrisco a dizer que esse feito está reservado somente a um grupo restrito de pessoas na história que conseguiram sintetizar da melhor maneira o conhecimento produzido em determinados aspectos e determinadas condições. Não obstante, nem toda pesquisa resulta direta e imediatamente numa grande contribuição para a ciência. No mais, toda pesquisa deve almejar atingir alguns objetivos que são fundamentais para serem considerados num sistema de conhecimento científico. Segundo Luna (1999), a pesquisa científica precisa buscar a:

- demonstração da existência (ou da ausência) de relações entre diferentes fenômenos;

- estabelecimento da consistência interna entre conceitos dentro de uma dada teoria;

- desenvolvimento de novas tecnologias na demonstração de novas aplicações de tecnologias conhecidas;

- aumento da generalidade do conhecimento;

- descrição das condições sob as quais um fenômeno ocorre (p. 16).

Vemos, com isso, que as pesquisas precisam ser realizadas tanto para o conhecimento dos fenômenos da natureza quanto dos fenômenos sociais, tanto para conhecer o desconhecido quanto para aprofundar, generalizar e delimitar o já conhecido. Para a pesquisa em educação, também são válidas essas afirmativas. Na sequência, trataremos melhor dos aspectos ligados à pesquisa cientifica no campo educacional.

3.2 Conhecimento científico: a busca pelo aprimoramento do processo de compreensão da realidade

Como vimos, em seu contato ativo com a realidade, buscando satisfazer suas necessidades e criando novas necessidades a serem satisfeitas, o ser humano foi ampliando seu conhecimento sobre o mundo no qual está inserido. O contato direto com a realidade tornou possível ao homem um conhecimento superficial do real, uma apreensão da aparência imediata dos fenômenos por meio dos sentidos e com a mediação dos signos construídos histórica e culturalmente. Kopnin (1978) resgata a diferença existente entre o conhecimento adquirido nas atividades rotineiras e o conhecimento científico, mostrando que ambos partem da realidade objetiva, cuja base é material. A esse respeito, o autor afirma:

Os conhecimentos científico e rotineiro são únicos no sentido de sua orientação para o objeto. Seja qual for a forma que assuma, seja qual for a linguagem que tenha formalizada, o conhecimento cientifico tem por conteúdo a mesma realidade objetiva, seus fenômenos, processos, propriedades e leis que tem o conhecimento rotineiro, com a única diferença de que o primeiro abrange essa realidade com mais profundidade que o segundo [...] (Kopnin, 1978, p. 303, grifo do autor).

Desse modo, fica claro que o conhecimento científico não é a única forma de conhecer a realidade, porém mostra-se como uma forma que persegue o aprofundamento no que se refere ao conhecimento do real para além da sua aparência, possibilitando a superação da mera descrição dos fatos na medida em que, partindo da descrição, procura estabelecer relações, propor hipóteses, articular ideias, transformando não somente a consciência daqueles que o produzem e dos que têm acesso a ele, como também a relação do homem com o mundo. Portanto, segundo Kopnin (1978), não há cisão entre a realidade objetiva e a produção do conhecimento científico sobre ela, ambas estão imbricadas de forma que a produção do conhecimento científico carrega implicações tão práticas e objetivas quanto a necessidade que lhe deu origem. Nesse sentido, esclarece:

O conhecimento não existe para si, mas para a prática dos homens. Quanto mais próximos ele estiver do conhecimento científico, tanto mais rápido e plenamente se realizará na atividade dos homens; quanto mais teórico, tanto mais prático e tanto maior é a importância que tem para o domínio e a direção dos processos da natureza [...] (Kopnin, 1978, p. 309).

Retomemos aqui nossa questão inicial relacionada à relevância, ou seja, a importância de se realizar uma pesquisa científica. A indissociabilidade entre o conhecimento científico e a prática social destacada por Kopnin (1978) no trecho acima contribui sobremaneira para a reflexão aqui proposta, na medida em que nos fornece parâmetros para qualificar o processo e o produto da construção do conhecimento. Se considerarmos que todo problema científico parte de uma necessidade originada no contato com a realidade objetiva, temos que a relevância do conhecimento produzido relaciona-se diretamente às implicações que a produção desse conhecimento traz para a realidade que lhe deu origem, seja o problema original fruto de um questionamento predominantemente conceitual (relevância científica), ou que tenha sua origem vinculada a uma questão mais ligada diretamente ao cotidiano social (relevância social). Aliás, a rigor, tal distinção nos parece até, em última instância, dispensável, visto que o conhecimento que contribui para um avanço científico deveria ser importante para a sociedade como um todo, assim como o conhecimento que contribui para ampliar nossa compreensão em relação a determinado fenômeno social, não o faz sem gerar efeitos no universo conceitual que lhe deu origem.

Ao relacionarmos relevância à articulação entre produção do conhecimento e realidade objetiva, cabe uma ressalva importante. Em nossa análise, relevância não pode ser confundida com aplicabilidade imediata do conhecimento a determinado contexto social, como um mero pragmatismo imediatista, tampouco representa a descoberta de um conceito espetacular que revolucionará toda a produção antecedente. Tomamos a ideia de relevância relacionando-a à função precípua que, como vimos, está nas bases do processo de produção do conhecimento científico, qual seja a busca por apreendermos o movimento do real da forma mais fidedigna possível a nossa consciência, ampliando o conhecimento que adquirimos por meio do contato cotidiano com a realidade.

Desse modo, ao nosso juízo, a relevância da pesquisa associa-se ao tipo de problema formulado e à confiabilidade e coerência dos métodos adotados para sua investigação, aspectos fundamentais para garantir cientificidade ao conhecimento, ou seja, a relevância do conhecimento produzido relaciona-se ao processo de produção desse conhecimento, mais especificamente, ao grau de coerência que esse processo guarda em relação aos aspectos que caracterizam seu produto como conhecimento especificamente científico. Afirmamos isso para além da defesa desse ou daquele pressuposto filosófico, em que pese nossa afinidade com o materialismo histórico-dialético. O que reiteramos é a relação intrínseca entre a relevância do conhecimento produzido e a profundidade e coerência teórico-metodológica investida em seu processo de produção.

Diante disso, poderíamos afirmar que toda pesquisa é relevante? Se ao iniciar uma pesquisa científica, em tese, pesquisadores procuram garantir os elementos acima mencionados, o que nos levaria a tantos questionamentos e debates em torno da relevância da pesquisa? Na tentativa de levantar elementos para refletir sobre as questões apresentadas, recorreremos ao conceito de alienação, buscando identificar suas implicações no processo de produção do conhecimento científico e como tais implicações relacionam-se à questão da relevância das pesquisas científicas.

Considerando que o conhecimento científico constitui-se como instrumento para ampliarmos nossa consciência em relação à realidade objetiva, seu processo de produção não está imune aos elementos constitutivos da própria realidade em que está sendo produzido. Dessa forma, o processo de alienação, intrínseco ao modo de produção capitalista, interfere diretamente na relação do trabalhador com o produto do seu trabalho. O mesmo ocorre com a produção científica, que é o produto do trabalho do pesquisador.

Tomando a produção científica como uma atividade especificamente humana, cabe-nos compreender como seria a expressão do ser e não ser no processo de produção do conhecimento. A relação entre alienação e ciência é abordada por Konder (2009) que, ao destacar a impossibilidade de dissociação entre ciência e ideologia, defende que não é possível, ou melhor, que seria ingênuo estabelecer uma separação nítida entre a ciência e a ideologia e conclui que “o ideológico não exclui o científico” (p. 101). O autor aborda a contradição que compõe o processo de alienação e mostra suas implicações no processo de produção do conhecimento na sociedade capitalista. O autor defende que

Dada a divisão da sociedade em classes, a consciência se vê premida por duas exigências de ordem inversa: de um lado ela experimenta a necessidade de conhecer o real como tal ele é, para poder proporcionar um aprofundamento do domínio humano sobre a realidade e para melhor assegurar a vida e a afirmação do homem; por outro lado, a consciência parte de uma situação de desunião institucionalizada entre os homens. E é contrariada no atendimento à primeira exigência por outra exigência, esta ligada a poderosa carga de interesses particulares estratificados que não se beneficiam da máxima compreensão possível do real em um momento dado. (Konder, 2009, p. 101-102, grifo do autor).

Desse modo, o conceito de alienação subsidia nossa análise no que se refere à relevância na pesquisa científica, à medida em que fornece elementos para compreendermos o distanciamento do conhecimento produzido pelo pesquisador em relação à realidade objetiva a partir da qual formulou a questão a que se dedica em sua investigação. Acrescente-se aí as possibilidades de alheamento do próprio pesquisador em relação ao processo de produção de sua pesquisa, na medida em que, como assinala Konder (2009), uma série de interesses particulares (não só do pesquisador, mas principalmente relacionados às condições de produção) podem sobrepor-se à preocupação com a profundidade e a coerência teórico-metodológica do conhecimento que está sendo produzido.

Retomando os principais elementos brevemente levantados na presente reflexão, reiteramos a inter-relação entre a profundidade e a coerência teórico-metodológica e a consequente relevância do conhecimento produzido, destacando a alienação como um dos elementos que interfere nesse processo. Em seguida, buscaremos analisar esses elementos em relação às pesquisas realizadas na área da educação.

3.3. Constituição do campo e desafios das pesquisas em educação no Brasil

Alguns trabalhos científicos apresentados no início do século XX no Brasil já apresentavam preocupações com as questões da área educacional. No entanto, os estudos sistematizados em educação só começaram a se desenvolver com a criação, no final dos anos 30, do Instituto Nacional de Pesquisas Educacionais. Gatti (2001) aponta que o desdobramento do Instituto Nacional de Estudos Pedagógicos (Inep), no Centro Brasileiro de Pesquisas Educacionais e nos Centros Regionais, contribuiu de forma significativa na construção do pensamento educacional brasileiro. Esses centros foram responsáveis pela produção de pesquisas e pela fomentação de métodos e técnicas de investigação no campo educacional.  No final da década de 60, com a implementação de programas sistemáticos de pós-graduação em mestrado e doutorado, houve um aumento significativo no desenvolvimento da área de pesquisa no país.

Em meados da década de 70, com a expansão do ensino superior e da consolidação de alguns cursos de pós-graduação, ampliou-se o escopo temático e o aprimoramento metodológico. Essa década também é marcada por um movimento nas pesquisas educacionais que se voltam à crítica social, feita sobretudo pelas correntes teóricas de inspiração marxista. O contexto político e social dessa época impulsionou esse movimento.

 Durante a década de 80 e início dos anos 90, com o retorno de pesquisadores do exterior, temos um aumento na diversificação das temáticas e nas formas de abordagens que iniciara na década de 70. Surgem grupos de investigação em

[...] alfabetização e linguagem, aprendizagem escolar, formação de professores, ensino e currículos, educação infantil, fundamental e médio, educação de jovens e adultos, ensino superior, gestão escolar, avaliação educacional, história da educação, políticas educacionais, trabalho e educação (GATTI, 2001, p. 68-69).

No entanto,

Estudos apontam a dificuldade de se construir, na área, categorias teóricas consistentes, que não sejam a aplicação ingênua de categorias usadas em outras áreas de estudo, e que abarquem a complexidade das questões educacionais em seu instituído e contexto social. [...] Essa dificuldade fez com que a investigação em educação mostrasse adesões a sociologismo ou economismos de diferentes inspirações, de um lado, ou a psicologismo ou psicopedagogismo de outro, especialmente as chamadas teorias socioconstrutivistas. A consciência do problema a enfrentar, ou seja o do entendimento mais claro da natureza do próprio fenômeno educacional, ou, pelo menos, das concepções de educação que inspiram as práticas de pesquisa, não foi suficiente para o enfrentamento dessas questões de base (GATTI, 2001, p. 69).

Essa breve apresentação histórica revela que a pesquisa educacional, no Brasil, assume nuances que refletem obstáculos epistemológicos e institucionais, estruturas de poder e posições de grupos dentro da instituição em que a pesquisa ocorre.

De acordo com Krawczyk (2015), a educação enquanto processo e prática social requer dos pesquisadores o fortalecimento de debates para discutir os resultados de suas pesquisas, bem como os limites e as potencialidades de análise dos diferentes enfoques teóricos metodológicos. Tal processo, contribuiria com a “[…] desnaturalização das categorias de análise, identificando os espaços de continuidade e ruptura, e superando o limite da inevitabilidade, tão pernicioso para a produção científica” (p. 13).

Além disso, precisamos repensar, entre as diversas correntes da filosofia da ciência, sobre uma definição consensual sobre o que é ciência e sobre a divulgação da produção, dos resultados de pesquisa. Publicar não amplia o diálogo com a sociedade, e também não garante a explicitação clara do rigor teórico-metodológico que a pesquisa foi desenvolvida.

Segundo Alves-Mazzotti (2001), uma das principais deficiências apontadas nas pesquisas educacionais é a pobreza teórico-metodológica, resultantes de um modismo e de uma preocupação com aplicabilidade imediata dos resultados. O desconhecimento das discussões teórico-metodológicas na área tem significado em análises com pouco aprofundamento teórico e sem impacto na prática educacional. Portanto, pesquisas que despertam pouco interesse e logo possui restrita divulgação.  

A naturalização de conceitos, procedimentos e instrumentos, padrões de análise, organização e comunicação das pesquisas em educação tem resultado em produções que não favorecem a aplicabilidade dos conhecimentos na área da educação.  

Portanto, a busca da relevância e do rigor nas pesquisas educacionais precisa ser uma meta ética e política de todos os professores e pesquisadores frente à produção de conhecimento confiável, rejeitando improvisações e modismos acadêmicos nas definições de quadros teóricos-metodológicos.

4. Conclusões

Fazer ciência é um grande desafio. Não porque haja alguma impossibilidade de se alcançar o conhecimento na sua máxima objetividade, mas porque, sendo ele um produto histórico das relações concretas entre os homens, é determinado (não de maneira unívoca) por essas relações. Como vimos no exposto, a ciência desenvolveu-se no átrio das contradições sociais, carregando consigo as marcas alienadas e alienantes do processo de civilização. Não obstante, a pesquisa científica tornou-se hoje uma realidade, um processo irreversível do qual a humanidade depende para resolver os seus problemas.

Um dos problemas que rondam a humanidade é justamente o destino da educação de suas gerações. As decisões em torno da educação não podem ser tomadas a esmo, ou fundamentadas apenas nos costumes e nas tradições. Cada vez mais a sociedade exige dos homens uma educação pautada por conhecimentos objetivos dos fenômenos que os cercam. Como garantir que se possa transmitir às gerações futuras os conhecimentos necessários para a (re)produção social e a própria continuidade da ciência são desafios para a pesquisa em educação. Descobrir as formas pelas quais os indivíduos aprendem, criar metodologias e tecnologias para o aprendizado, delimitar e precisar os conceitos ligados à educação, tudo isso, entre uma infinidade de outras coisas, estão relacionados à pesquisa educacional. 

Em que pese a sua importância e relevância, buscamos sinalizar que, embora o certo grau de indeterminação das ciências sociais se estabeleça como um agravante da pesquisa em educação, sua finalidade deve ser sempre a busca do conhecimento objetivo. Nesse sentido, retratamos as debilidades mais comuns no campo da pesquisa educacional, ressaltando os aspectos ligados à precariedade da construção teórico-metodológica das pesquisas em educação.

Compartilhamos as críticas à pesquisa em educação, destacando a necessidade de observarmos com maior rigor os aspectos teóricos e metodológicos das produções científicas dessa área. Para concluir, ressaltamos o compromisso da pesquisa com a superação da alienação do conhecimento, buscando não só atender aos requisitos da qualidade da produção acadêmica, mas, principalmente, em tornar possível ao homem conhecer a realidade concretamente.

Referências bibliográficas

Alves-Mazzotti, A. J. (2001). Relevância e aplicabilidade da pesquisa em educação. Cadernos de Pesquisa, v. 113, p. 39-50.       

Andrey, M. A. et al.  (1988). O pensamento exige método, o conhecimento depende dele. In: Andery, M. A. et al. Para compreender a ciência: uma perspectiva histórica (pp. 61-102). Rio de Janeiro: Espaço e Tempo.

Gatti, B. (2001). Implicações e perspectivas da pesquisa educacional no Brasil Contemporâneo. Cad. Pesquisa, n. 113, p. 65-81.

Konder, L. (2009). Marxismo e alienação: contribuição para um estudo do conceito marxista de alienação. (2a ed.). São Paulo: Expressão Popular. 

Kopnin, P. V. (1978). A dialética como lógica e teoria do conhecimento. (trad. Paulo Bezerra). Rio de Janeiro: Civilização Brasileira.

Krawczyk, N. R. (2015). Pesquisa e formação em política educacional: um desafio interdisciplinar. Revista Olh@res, 3(2), p. 8-14.

Kunh, T. S. (2011). A estrutura das revoluções científicas. (11a ed.). (trad. Beatriz Viana Boeira e Nelson Boeira). São Paulo: Perspectiva. (Trabalho original publicado em 1962)

Luna, S. V. (1999). Planejamento de pesquisa: uma introdução. São Paulo: EDUC.

Marx, K. (2010). O Capital: o processo de produção do capital. (livro 1. vol. I). (27a ed.). (trad. Reginaldo Sant’Anna). Rio de Janeiro: Civilização Brasileira. (Trabalho original publicado em 1867)


1. Doutor e Mestre em Educação Escolar pelo Programa de Pós-Graduação em Educação Escolar da Faculdade de Ciências e Letras – UNESP/Araraquara-SP. Professor Colaborador do Departamento de Pedagogia da UNICENTRO/Guarapuava-PR. Brasil

2. Mestre em Educação pelo Programa de Pós-Graduação em Educação da UFPR. Professor Colaborador do Departamento de Pedagogia da UNICENTRO/Irati-PR. Brasil

3. Doutoranda em Educação pela Universidade Estadual de Campinas – UNICAMP/SP; Professora Colaborador do Departamento de Pedagogia da UNICENTRO/Irati-PR. Brasil. Email: rayanegasparelo.0706@gmail.com

4. Kunh (2011) afirma que o termo paradigma pode ser definido como “modelo ou padrão aceito”, mas que na ciência o paradigma pode significar  “[...] um objeto a ser articulado e precisado em condições novas ou mais rigorosas” (p. 44).


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