ISSN 0798 1015

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Vol. 39 (Nº 51) Ano 2018. Pág. 5

Aspectos Geológicos e Emergências Químicas em Grandes Rodovias: O Caso da BR-116, Trecho da Cidade de Guarulhos (SP) Brazil

Geological Aspects and Chemical Emergencies in Large Rodovias: O Case of BR-116, Trecho da Cidade de Guarulhos (SP)

Edilson PIZZATO 1; Daniel Nery dos SANTOS 2

Recebido: 05/07/2018 • Aprovado: 18/09/2018 • Postado 22/12/2018


Conteúdo

1. Introdução

2. Fundamentação teórica

3. Métodos e técnicas

4. Resultados

5. Considerações finais

Referências bibliográficas


RESUMO:

O Brasil é um país com dimensões continentais e conta com uma extensa malha rodoviária que proporcionou unidade nacional ao país. Contudo, sucessivos governos ao longo da história recente do país (últimos 70 anos) centralizou os investimentos no modelo de transporte rodoviário, que acabou produzindo um forte desequilíbrio na matriz de transporte. Neste estudo, investigou-se as características geológicas e a geoespacialização das emergências químicas na BR-116 no trecho do município de Guarulhos (SP). Para tanto, utilizou-se métodos de geoprocessamento e sensoriamento remoto em ambiente SIG – Sistema de Informação Geográfica, através do software QGis, versão 2.18.9. Os mapas foram confeccionados com base nas camadas vetoriais (shapefiles) adquiridas no sítio digital da CETESB (Companhia Ambiental do Estado de São Paulo). Os produtos cartográficos permitiram a compreensão dos aspectos geológicos ao longo da BR-116, assim como a distribuição dos pontos das ocorrências químicas. Além disso, os dados apresentados podem servir como suporte para estudos de caracterização de risco ambiental no transporte de produtos perigosos na área do estudo.
Palavras chiave: BR-116; Guarulhos; Meio Ambiente; Geologia; SIG.

ABSTRACT:

Brazil is a country with continental dimensions and has an extensive road network that provided national unity to the country. However, successive governments throughout the country's recent history (last 70 years) centralized investments in the road transport model, which ended up producing a strong imbalance in the transport matrix. In this study, we investigated the geological characteristics and the geospatial chemical emergencies in the BR-116 in the section of the city of Guarulhos (SP). For that, geoprocessing and remote sensing methods were used in GIS environment - Geographic Information System, through the software QGis, version 2.18.9. The maps were made based on the vector layers (shapefiles) acquired on the CETESB website (Companhia Ambiental do Estado de São Paulo). The cartographic products allowed the understanding of the geological aspects along the BR-116, as well as the distribution of the points of the chemical occurrences. In addition, the data presented can serve as support for studies of environmental risk characterization in the transport of hazardous products in the study area.
Keywords: BR-116; Guarulhos; Environment; Geology; SIG.

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1. Introdução

As rodovias no Brasil foi, e continua sendo, um fator determinante para a promoção da unidade territorial nacional, já que possibilitou acessar os diferentes lugares e os pontos mais distantes na imensidão deste país (um país com dimensões continental). Ainda, caba destacar que o modal rodoviário é o responsável pela movimentação de pessoas e mercadorias, que ao longo da história acabou se caracterizando como fator de dependência, se evidenciando com as paralizações dos caminhoneiros em Maio de 2018, causando desabastecimento no território brasileiro.

A BR-116, denominada de Rodovia Presidente Dutra, é a mais importante rodovia brasileira, sendo também a mais extensa totalmente pavimentada do Brasil. É uma rodovia longitudinal que tem início na cidade de Fortaleza (CE), e depois de cortar dez Estados, ligando grandes centros econômicos e importantes cidades como Porto Alegre, Curitiba, Rio de Janeiro, Guarulhos e São Paulo, chega ao seu fim na cidade de Jaguarão (RS), totalizando aproximadamente 4.513km.

A pesquisa apresentou as características geológicas do trecho da BR-116 na cidade de Guarulhos (23km de extensão) e geoespacializou as ocorrências químicas ao longo da via, tendo como principal objetivo a caracterização geológica da área e a identificação geográfica dos principais pontos dos acidentes químicos entre os anos de 2014 e 2017 (Figura 1).

Fig. 1
a) Localização da Área de Estudo (BR-116)
b) Distribuição dos Acidentes (Raio de 1.000m).

Fonte: Baseado na CETESB (2017). Elaborado pelos Autores (2018)

1.1. Fundamentação teórica

A caracterização geológica ao longo de rodovias pode contribuir para a elaboração de mapas de risco ambiental para o transporte de produtos perigosos, já que disseca a gênese e a formação geológica da paisagem, como afirma Casseti (1991, p.34), “o relevo, como componente desse estrato geográfico no qual vive o homem, constitui-se em suporte das interações naturais e sociais”. Mais que o resultado da ação de forças exógenas e endógenas, é sobre o relevo “[...] que se reflete o jogo das interações naturais e sociais”

Segundo a CNT (2008), as rodovias representam aproximadamente 60% do transporte total de cargas no Brasil.

Para Ibeas et al., (2012), o Transporte Urbano de Carga (TUC) desempenha um importante papel no desenvolvimento das cidades, e essa tendência é ainda mais cristalina nos países em desenvolvimento.

A concentração de grande massa populacional em áreas urbanas, promove uma demanda por transporte ainda maior nessas regiões (ALLEN et al., 2008).

“No Brasil, o transporte de produtos perigosos é realizado, principalmente, através do modal rodoviário, como consequência da estrutura da matriz de transportes do país” (SOUZA et al., 2009).

A preocupação com os acidentes envolvendo produtos perigosos no modal rodoviário vem crescendo cada vez mais, segundo a Companhia Ambiental do Estado de São Paulo (CETESB), devido ao prejuízo ambiental e social decorrente de acidentes dessa natureza, constituindo um problema de saúde pública (CETESB, 2012).

O transporte rodoviário, assim como outros modelos de transporte, é uma fonte significativa de impactos ambientais, que afeta diferentes ambientes – ar, solo e água de superfície e subsuperfície, fauna e flora. Ainda, a vida humana, com destaque para os problemas respiratórios e que afetam o sistema cardíaco, já que uma rodovia cria um verdadeiro corredor de emissões de gases de efeito estufa, poluentes e material particulado.

Por conseguinte, é apropriado que mais estudos no Brasil se intensifiquem nas consequências do transporte rodoviário em relação ao meio ambiente e à saúde humana.

A BR-116, denominada de Rodovia Presidente Dutra, é considerada um dos principais corredores logísticos para o Brasil, já que acessa os principais mercados consumidores do país no eixo das cidades Rio de Janeiro/São Paulo.

O trecho estudado tem cerca de 24km de extensão, e está localizado no município de Guarulhos (SP) (Figura 1), que faz parte da RMSP - Região Metropolitana de São Paulo, por onde passam diariamente centenas de caminhões transportando cargas, sendo muitas destas classificadas como perigosas.

O objetivo principal do estudo foi apresentar as características geoambientais da rodovia e identificar os pontos dos acidentes (emergências químicas), num raio de 1.000m no entorno da via, na série histórica de 4 anos: 2014 a 2017.

Segundo o Relatório da CNT (2016) – Confederação Nacional dos Transportes, o Brasil conta com uma malha rodoviária de aproximadamente 1.720.756 km, sendo apenas 12,3% pavimentada. As rodovias federais no Brasil representam uma extensão de cerca de 30,7% de toda a malha (Tabela 1).

Tabela 1
Características das Rodovias: Extensão.

Malha Rodoviária

Características

Extensão Total

1.720.756 km / 100%

Rodovias Não Pavimentadas

1.351.979 km / 78,6%

Rodovias Pavimentadas

211.468 km / 12,3%

Fonte: Baseado na CNT (2016).

De acordo com as características das condições das vias quanto ao pavimento, nota-se o grande percentual de rodovias que ainda não contam com um piso adequado para o desenvolvimento da atividade de transporte de pessoas e mercadorias. Ainda, um fator agravante é o lento avanço na pavimentação, que em média não ultrapassa a ordem de 1,5% ao ano, dos 78,6% de malha que ainda não conta tal serviço (CNT, 2017). De toda a malha rodoviária nacional que conta com pavimentação, mais de 50% está concentrada nas rodovias estaduais (Tabela 2).

Tabela 2
Rodovias: Pavimento.

Rodovias

Pavimentação

Estaduais

119.747 km / 56,6%

federais

64.895 km / 30,7%

municipais

26.826 km / 12,7%

 Fonte: Baseado na CNT (2016).

A análise ambiental e o planejamento territorial têm como base as condições da paisagem e as características naturais da região, considerando principalmente informações como declividade, pedologia, intensidade pluviométrica, uso da terra e cobertura vegetal, de forma a viabilizar um efetivo gerenciamento ambiental (Bojórquez-Tapia et al., 2013; Martín-Duque et al., 2012; Ross, 2012).

2. Métodos e técnicas

A presente pesquisa utilizou o método de pesquisa descritiva, que segundo Gil (2002), tem como objetivo primordial a descrição das características de determinado fenômeno. Para tanto, algumas etapas foram desenvolvidas:

a) Revisão Bibliográfica: foi consultado o banco de dados da Cetesb (Companhia Ambiental do estado de São Paulo), onde estão inseridos os relatos das ocorrências químicas para todo o Estado de São Paulo, também estão disponíveis os dados vetoriais (shapfiles) destas ocorrências utilizados como base de análise dentro do ambiente SIG (Sistema de Informação Geográfica).

b) SIG – Sistema de Informação Geográfica: os dados vetoriais e matriciais foram armazenados, integralizados e analisados em ambiente SIG, com o uso do software de geoprocessamento QGis, versão 2.18.9.  A aquisição das imagens matriciais (Radar/SRTM- Shuttle Radar Topography Mission) se deu através do sítio digital da Embrapa (Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária), projeto Brasil em Relevo – Embrapa Monitoramento por Satélite (https://www.cnpm.embrapa.br/projetos/relevobr/download/). As imagens vetoriais (shapefile) foram baixadas do portal do IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, em IBGE Downloads (https://downloads.ibge.gov.br/). Para um melhor entendimento dos procedimentos de geoprocessamento, foi desenvolvido um esquema (Figura 2).

Fig. 2
Esquema Simplificado de Armazenamento,
Integração e Análise de Dados em Ambiente SIG.

Fonte: Elaborado pelos Autores (2018).

3. Resultados

3.1. Caracterização Geológica e Hidrográfica

Geologia

O município de Guarulhos tem a sua geologia inserida (compartimento geológico) no Embasamento Cristalino, e quanto ao aspecto geomorfológico no Planalto Atlântico, apresentando uma altitude média de 750m, e com uma declividade predominantemente entre plano e suave-ondulado, sobre o domínio litográfico Formação Resende, Depósitos Aluvionares e com predomínio para Paragnáissica (Figura 3).

Fig. 3
Área de Estudo
a) Perfil Topográfico e Geológico do Estado de São Paulo;
b)
Declividade; c) Litografia.

Fonte: a) Ferreira; Campos; Oliveira (2011);
b) e c) Elaborado pelos Autores (2018).

O município de Guarulhos, é composto, de um modo geral, por dois tipos de rochas, as sedimentares, de idade entre 65 e 1,8 milhão de anos, e as cristalinas, mais antigas, de até 1,5 bilhão de anos, resultantes dos processos vulcânicos (FERREIRA; CAMPOS; OLIVEIRA, 2011).

Segundo os autores supracitados, na porção norte do município predominam as rochas cristalinas. O limite das rochas cristalinas e sedimentares, entre norte e sul, é marcado por uma falha geológica, denominada Falha do Jaguari, bem marcada no sentido Leste-Oeste. Na porção sul do território predominam as rochas sedimentares depositadas, durante o Período Terciário, sobre as rochas cristalinas antigas (embasamento cristalino) (Figura 4).

Fig. 4
Área de Estudo: Rochas.

Fonte: Elaborado pelos Autores (2018).

Hidrografia

A densidade da rede hidrográfica, definida por Horton (1945), ela expressa a relação entre o comprimento total dos cursos d’água em quilômetros (sejam eles efêmeros, intermitentes ou perenes) de uma determinada bacia hidrográfica e a sua área total em quilômetros quadrados.   

A hidrografia do município de Guarulhos apresenta um arranjo no padrão de drenagem do tipo Dendrítica, com grande densidade de rios de 1ª ordem, que correspondem às áreas de nascentes, caracterizadas mais elevadas e de maiores declividades.

Sobre a Bacia Sedimentar, durante o Período Quaternário, há 1,8 milhão de anos, formaram-se os rios, córregos e ribeirões tais como os conhecemos hoje, entre eles os rios Tietê, Baquirivu-Guaçu e Cabuçu de Cima (Figura 5).

Fig. 5
Área de Estudo: a) Hidrografia; b) Principais Rios.

Fonte: Elaborado pelos Autores (2018)

3.2. Geoespacialização das Emergências Químicas

Os acidentes registrados contabilizaram um total de onde, na série histórica: 2014 a 2017. Onde, notou-se uma grande ocorrência ao longo do dia (90,8%), com predominância para o período da tarde que representou 54,5%, seguido da manhã com 36,3% e noite com 9,2% (Gráfico 1 – Figura 6). Para a quantidade de vítimas, destaca-se os anos de 2015 e 2016, com 34 e 21 respectivamente, e 2014 e 2017 com zero e uma respectivamente (Gráfico 2 – Figura 6).                                                                                  b)                                                               

Fig. 6
a) Gráfico 1 - dos Períodos do Dia (em %);
b) Gráfico 2 - Número de Vítimas.

Fonte: Baseado em Cetesb (2017). Elaborado pelos Autores (2018).

Quanto aos ambientes afetados, os tipos de produtos e as características dos acidentes, observou-se nas ocorrências que o ar, solo e a água sofreram danos (Quadro 1). Contudo, não é possível mensurar a dimensão dos impactos ambientais negativos, já que tal grau de detalhamento não é divulgado pela CETESB. Ainda, cabe destacar que a vegetação não é mencionada porque não há presença do seu desenvolvimento ao longo da via. Sendo assim, dos ambientes afetados, a água é o que apresenta maior risco ambiental pela sua vulnerabilidade e fragilidade quando atingida por uma pluma contaminante.

Quadro 1
Descrição dos Ambientes Afetados e Produtos Químicos

 

Ano

Ambientes Afetados

 

Tipos de Produtos

 

Características dos Acidentes

Água

Solo

Ar

2014

 

 

 

Nafta, Não classificado.

  • Caminhão tanque em L;
  • Incêndio em caminhão.

 

       2015

 

 

 

 

Estireno, Etanol, Nitrato de Amônio.

  • Veículo adernou numa valeta;
  • Pick-up tombou lateralmente;
  • Tombamento de carreta;
  • Vazamento pela tampa devido ao afundamento/colisão.

 

2016

 

 

 

 

 

GLP, Bissulfito de Sódio.

  • Movimentação de carga, frenagem brusca;
  • Queda de contentores intermediários;
  • Tombamento de caminhão.

2017

 

 

 

Inseticidas, Solvente.

  • Tombamento de caminhão baú;
  • Tombamento de caminhão.

Fonte: Baseado na Cetesb (2017). Elaborado pelos Autores (2018).

Os acidentes ao longo da BR-116, trecho do município de Guarulhos na série histórica entre os anos de 2014 e 2017, observou-se ocorrências num raio de até 1.000m da rodovia (Figura 5), tendo uma maior concentração no contato com a marginal do rio Tietê, já na cidade de São Paulo (Figura 7).

Fig. 7
Geoespacialização das Ocorrências Químicas – Densidade dos Acidentes

Fonte: Baseado em Cetesb (2017). Elaborado pelos Autores (2018)

4. Considerações finais

O estudo apresentou algumas características geológicas do município de Guarulhos e a distribuição dos acidentes químicos (denominados de ocorrências químicas pela CETESB).

Com bases nos dados levantados sugere-se a elaboração de um estudo integrado de risco e vulnerabilidade ambiental para o transporte de produtos perigosos ao longo da BR-116 no trecho do município de Guarulhos, já que mais de 90% do trajeto ocorre sobre o domínio de rochas sedimentares, que são caracterizadas por alta taxa de permeabilidade.

Os dados demonstraram que a grande maioria dos acidentes, cerca de 90%, ocorreram ao longo do dia, e que os diferentes ambientes foram afetados (ar, água e solo). Contudo, os relatórios apresentados pela CETESB não detalharam a magnitude e abrangência dos impactos ambientais negativos. Por fim, cerca de 56 pessoas foram afetadas de alguma maneira, mas não sabemos o grau de gravidade, pois o órgão não apresentou esta informação.

A partir das informações ambientais, é possível propor uma classificação do risco ambiental levando em consideração a geologia ao longo da via, apontando os trechos de maior suscetibilidade e vulnerabilidade quando expostos a uma pluma contaminante, e os terrenos mais frágeis ou suscetíveis do ponto vista ambiental. Assim como, identificar os diferentes ambientes impactados e quantidade de pessoas afetadas, pois cada sítio tem suas particularidades e singularidades, e apresentarão a sua capacidade de resiliência quanto a magnitude dos diferentes impactos ambientais negativos.

Por fim, recomenda-se um estudo de índice de vulnerabilidade ambiental ao risco do transporte de produtos perigosos na rodovia, que possa não somente apontar o risco ambiental, mas também o risco que a população está exposta. Desta forma, a abordagem deve ser socioambiental, assim as medidas mitigadoras poderão alcançar às populações que ocupam as margem da BR-116, seja para moradia ou trabalho.

Referências bibliográficas

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1. USP – Universidade de São Paulo – Professor do Instituto de Geociências, Departamento de Geologia Sedimentar e Ambiental - pissato@usp.br

2. USP – Universidade de São Paulo – Pós-Doutorando do Instituto de Geociências, Departamento de Geologia Sedimentar e Ambiental – daniel.santos80@fatec.sp.gov.br


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