Vol. 39 (Nº 49) Ano 2018. Pág. 14
Philippe Barbosa SILVA 1; Magali FERNANDES 2; Augusto Barbosa SILVA 3; Gustavo Henrique Almeida QUIRINO 4; Monnike Yasmin Rodrigues do VALE 5; Vilmar Domingos da Silva NETO 6
Recebido: 19/06/2018 • Aprovado: 03/08/2018 • Publicado 08/12/2018
3. Disciplinas de formação pedagógica dos cursos de mestrado em Engenharia Civil do Centro-Oeste
RESUMO: O trabalho avalia, de forma comparativa, a ação didática de professores bacharéis (engenheiros e tecnólogos) e professores licenciados, na percepção dos alunos da área de Construção Civil do IFMT. Para tanto foi desenvolvido (e validado) e aplicado um questionário (instrumento da pesquisa). Contrariamente ao que se esperava, os professores bacharéis obtiveram maior pontuação na avaliação do que os professores licenciados. Ainda assim, reitera-se a importância de programas de formação continuada de professores com vistas à qualificação pedagógica e didática. |
ABSTRACT: This study evaluates, in a comparative manner, the didacts action of bachelor (engineers and technologists) and licentiate professors, under the perspective of the students from the Civil Construction Area at IFMT. Therefore, a questionnaire was developed, validated and applied (research instrument). On the contrary of what was expected, the bachelor professors achieved a greater score than the licentiate ones. Nevertheless, it is important to highlight the importance of continuous formation programs for professors in order to improve their teaching and didacts qualification. |
O presente trabalho apresenta a percepção dos alunos quanto aos atributos didáticos dos professores bacharéis da Área de Construção Civil do Instituto Federal de Mato Grosso (IFMT), em busca de delinear e refletir sobre o panorama da formação pedagógica de bacharéis, nomeadamente engenheiros, no ensino superior e de que forma esta é impactada pelos programas de mestrado em Engenharia Civil do Centro-Oeste, região que, majoritariamente, atende às demandas de capacitação dos docentes do IFMT.
Para Pinto et al. (2010), a maioria dos docentes de engenharia, até tempos recentes, eram profissionais que atuavam no mercado de trabalho e exerciam a docência, em grande parte das vezes, como “passatempo” ou por possuir espírito altruísta. Também eram recorrentes os casos em que eles eram convidados a ser docentes e, devido ao prestigio associado, aceitavam o pedido. Não havia, no entanto, um compromisso sólido com a docência, o foco era a formação de novos engenheiros que poderiam vir a ocupar cargos subordinados em empresas que eram donos ou trabalhavam.
Àquela época, a titulação acadêmica e experiência profissional docente não eram as exigências mandatórias para o ingresso na carreira docente. Em geral, bastava ser bom aluno de graduação na concepção dos professores “efetivos” do curso e ter interesse pelo exercício do magistério. Nestes casos, restava ao professor, sem formação pedagógica, começar pela reprodução dos caminhos que fez (Silveira, 2001). Para Pinto e Oliveira (2012), em geral, procurava-se reproduzir aquilo que entendeu como mais adequado na própria formação ou repetia-se os passos do professor pelo qual teve mais empatia ou maior respeito, buscando alcançar o mesmo patamar.
Ao longo dos anos, a carreira docente foi se transformando, passando a assumir um papel mais importante na vida de profissionais com experiência. Diversos profissionais trocaram a empresa pelas Instituições de Educação Superior (IES), especialmente devido à valorização da dedicação exclusiva e do incentivo ao desenvolvimento de pesquisas, principalmente no caso das IES públicas. Desta forma, hoje predominam nos cursos os que ingressaram na carreira a partir de cursos de mestrado ou doutorado, no entanto, a formação para o exercício da docência continua relegada ou inexistente. Pode-se observar que a partir da década de 80, houve uma grande busca por qualificação, então, professores, dentre os quais se incluem os de engenharia, buscaram se qualificar devido aos incentivos dos programas de capacitação e, muitas vezes, pelo acréscimo nos vencimentos em função da gratificação devida à titulação (Pinto e Oliveira, 2012).
Aliado a isto, o Brasil se viu diante da expansão expressiva da Rede Federal de Educação Tecnológica nos últimos anos e grande ampliação de oferta de vagas na Educação Profissional, incorrendo no fato de que centenas de profissionais têm assumido cargos em concursos públicos como docentes em todo o país. Em termos de educação profissional, vultuosos têm sido os investimentos governamentais, atuando com políticas públicas em favor da criação de novas instituições profissionalizantes, dado o impacto dos investimentos e da importância da interiorização das unidades federais espalhadas por todo o território brasileiro (Bonilaure e Resende, 2013).
Os Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia nasceram recentemente (Lei 11.892/2008) com uma proposta de inclusão social diferenciada, apoiados no ensino, na pesquisa e na extensão, totalmente articulados com o desenvolvimento regional local. Os desafios são de grandes proporções, tanto do pronto de vista da infraestrutura quanto do ponto de vista político-pedagógico. Diante de uma série de necessidades que são estabelecidas, no sentido de se construir uma proposta de desenvolvimento institucional consistente, destaca-se a formação pedagógica dos professores que ingressam na carreira docente (Bonilaure e Resende, 2013).
Diante de tais circunstâncias de ampliação de vagas de docentes no ensino superior, nomeadamente na Rede Federal de Educação Tecnológica, interesse e investimento em capacitação docente e necessidade de assegurar um ensino de qualidade, pautado na formação pedagógica de professores, este estudo se propõe a traçar o cenário da qualidade didática de docentes não licenciados (engenheiros e tecnólogos) nos cursos da Área de Construção Civil do IFMT, por meio da percepção dos discentes. Tenciona-se ainda, traçar o panorama dos programas de mestrado em Engenharia Civil quanto à formação pedagógica e sua relação com as constatações realizadas.
Algumas lacunas na formação com vistas à docência são evidenciadas em concursos públicos ou processos seletivos. Em geral a seleção exige na primeira fase conhecimento técnico e, numa segunda fase, é exigido além do conhecimento técnico, conhecimento didático. Pelo fato de serem bacharéis, alguns questionamentos se impõem: “como devo abordar o tema”, “como elaborar um plano de aula”, “usar algum recurso didático disponível ou não” estas e outras questões fazem parte de conversas informais, mas existe todo um grupo de valores e técnicas exigidas do candidato que transcendem as preocupações corriqueiras acima externadas, conhecimento técnico e metodológico. Aspectos relacionados à aula como a entonação, altura e velocidade da voz de forma que seja agradável ao ouvido, passam por avaliação mesmo que imperceptível aos examinadores (Cargnin-Stieler e Teixeira, 2012). Cientistas engenheiros bem-sucedidos apresentam outras habilidades, além de tecnicamente competentes e executivos esperam indivíduos capazes de boas apresentações orais, também é importante o sujeito gravar uma apresentação em áudio ou vídeo para saber como é sua apresentação de forma em geral (dicção, a velocidade, a ênfase) como se apresenta durante a explanação incluindo postura e linguagem corporal (Hissey, 2000). Tais características também são esperadas do professor pesquisador, tendo em conta que ele passa boa parte do tempo ministrando aulas/palestras ou divulgando o resultado de suas pesquisas.
O processo de discussão didática pedagógica, o qual inclui as descobertas de pesquisas da ciência cognitiva e aspectos didáticos do processo de ensino e aprendizagem é explicitamente abordada na preparação dos acadêmicos nas faculdades de educação, inexistindo, no entanto, nos cursos de Engenharia. Esse fato pode estar entrelaçado aos questionamentos relacionados aos aspectos didáticos da carreira acadêmica levantados pelos professores pesquisadores mais jovens, uma vez que aprender em serviço é a maneira mais difícil de aprender (Mohan et al., 2010). Cargnin-Stieler e Teixeira (2012), ainda ressaltam que, o candidato aprovado num concurso ou vaga temporária para professor vai para sala de aula, não por um curto período como na seleção, e sim por um bom tempo, ou seja, geralmente as pessoas que ingressam na academia dedicam sua vida a ensinar e formar outros profissionais.
Ainda neste contexto, constata-se que nos cursos de graduação não existe grande preocupação em formar docentes, tem-se por foco a formação para o exercício profissional, desconsiderando a docência como uma possibilidade profissional, embora seja inclusive uma atribuição profissional conferida pelo conselho de classe, o CREA. Ainda neste ensejo, os cursos de mestrado e doutorado que qualificam (titulam) os engenheiros e que acabam por habilitá-los para a docência, também não têm essa preocupação e não formam propriamente docentes. Embora sejam latentes as características acadêmicas dos cursos de pós-graduação do Brasil, eles se preocupam apenas com a formação de pesquisadores, visando o aprimoramento técnico na área de atuação, supondo que o exercício da docência seria uma simples decorrência dessa formação. Prova disso é que, somente em 2002 o estágio de docência se torna obrigatório para os bolsistas do Programa de Demanda Social da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) como parte integrante da formação do pós-graduando, objetivando a preparação para a docência e a qualificação do ensino de graduação (Pinto e Oliveira, 2012).
Para Pereira et al. (2012), a docência no ensino de engenharia exige não apenas um domínio de conhecimentos teóricos e práticos, mas também um compromisso semelhante ao exigido para o exercício de qualquer profissão. O que causa grande preocupação, porém, é que pouco se privilegia o papel do docente de engenharia como um dos principais agentes do processo de formação dos futuros engenheiros.
Pinto e Oliveira (2012) relatam que tempos atrás, tinha-se a ideia que caso um engenheiro fosse bem-sucedido profissionalmente, por consequência ele seria um bom professor. Hoje, essa crença migrou para a titulação, da qual depreende-se que se um engenheiro é doutor ou um pesquisador reconhecido, logo será um bom professor. Na verdade, para ser docente é necessário, além de dominar os conhecimentos específicos da área tecnológica de atuação, também conhecer os aspectos didáticos pedagógicos que permeiam o exercício da docência. Entretanto, não há uma ação efetiva e institucionalizada que vise estruturar uma mudança da prática docente nos cursos de engenharia do país.
Pinto et al. (2010) complementa:
“Faz-se necessário que o docente conheça e aplique métodos e técnicas de ensino/aprendizagem estruturados e consistentes que pressuponham a apropriação do conhecimento, sem o que não conseguirá contribuir para a formação de profissionais em condições de atualizar-se continuamente e de atender às demandas da sociedade.”
Em se tratando dos Institutos Federais, a formação inicial dos docentes é o ponto principal dessa discussão, uma vez que, dado o caráter tecnológico e profissionalizante são abarcados nestas instituições grande contingente de não licenciados, caracteristicamente engenheiros ou bacharéis, sem formação pedagógica. Para além disso, grande parte desses professores ingressantes tem pouca ou nenhuma experiência docente, recebendo, no entanto, como demanda de trabalho, a necessidade de apresentar amplas competências ante aos objetivos e missão da instituição (Bonilaure e Resende, 2012).
Os Institutos Federais, desde sua concepção, abrangem atividades de qualificação profissional (formação inicial e continuada de trabalhadores), aulas na Educação Básica (Ensino Médio Integrado e PROEJA), aulas nos cursos técnicos subsequentes, aulas nos cursos de graduação e pós-graduação. Bonilaure e Resende (2013) destacam que tais características são desafiadoras, provocando a necessidade de mobilizar novas competências e novos saberes, tornando-se um grande desafio, seja para profissionais com formação pedagógica e com experiência docente, e muito maior ainda para aqueles iniciantes na carreira docente e sem qualquer formação pedagógica.
Na educação formal, o exercício docente exige o emprego de técnicas específicas, que encaminham as atividades discentes para constituir, em relações com diferentes pessoas e fontes, seus próprios conceitos, integrando simultaneamente o novo (para ele) nas amplas teias do conhecimento historicamente acumulado. Por isso, é preciso afirmar que não há transmissão de saberes, nem aceleração de aprendizagem possível, o processo exige observação, reflexão, práticas, leituras e experimentação, entre outros, para construir o percurso educativo. Cada um tem necessidade de um certo tempo para percorrer as atividades que o levarão a apropriar-se de um tema, essa é a zona de desenvolvimento proximal ou aproximativa (Z.D.P.) de que fala Vigotsky (Vyugotsky, 1987). Nesse período se garante um direito inalienável de aprender a incluir, excluir, conectar, ordenar, distinguir, deslocar, projetar, corrigir, manipular, classificar, intercalar, identificar – operar sobre o que se quer conhecer. Não basta ouvir/anotar (Silveira, 2001).
Como é de se notar, lacunas existem na formação do professor engenheiro, tendo isto em vista, na próxima seção estão apresentados os aspectos de formação pedagógica abrangidos nos cursos de mestrado, com vistas à verificação de saneamento ou minimização da ineficácia na formação docente.
Nesta seção serão apresentados os aspectos ligados à formação pedagógica que são fornecidos pelos cursos de mestrado em Engenharia Civil na região Centro-Oeste, considerando-se a relevância destes programas para a capacitação dos docentes do IFMT.
Na região Centro-Oeste, conforme Catálogo de Cursos da CAPES, possui quatro instituições com cursos de mestrado reconhecidos e recomendados na grande área “ENGENHARIAS I” ligados à “ENGENHARIA CIVIL”, “ENGENHARIA DE TRANSPORTES” e “ENGENHARIA SANITÁRIA”, áreas de atuação de profissionais da engenharia civil.
A Universidade de Brasília (UnB) é a que possui a maior quantidade de cursos recomendados, são quatro. O Programa de Pós-Graduação em Estruturas e Construção Civil possui apenas uma disciplina, a nível de mestrado, que tem caráter de formação pedagógica, a disciplina denomina-se “Estágio Docência 1” e é obrigatória apenas para alunos bolsistas. O Programa de Pós-Graduação em Geotecnia também apenas uma disciplina de cunho pedagógico, a “Estágio Docente de Ensino em Geotecnia 1”, sendo de curso obrigatório apenas para bolsistas. À semelhança, o Programa de Pós-Graduação em Tecnologia Ambiental e Recursos Hídricos possui apenas a disciplina “Estágio de Docência 1”. Por fim, o Programa de Pós-Graduação em Transportes tem por disciplina caracteristicamente pedagógica, apenas “Estágio de Docência em Transportes 1” e, como os demais programas, obrigatória apenas para alunos detentores de bolsas de estudo.
A Universidade Federal de Goiás (UFG) possui dois cursos de mestrado recomendados pela CAPES. O Programa de Pós-Graduação em Geotecnia, Estruturas e Construção Civil, que abrange três grandes áreas da engenharia civil, possui a disciplina “Estágio em Docência” como responsável pela formação didática dos mestrandos, sendo, no entanto, obrigatória apenas para alunos portadores de bolsa de estudo. Similarmente, o Programa de Pós-Graduação em Engenharia do Meio Ambiente, possui a disciplina “Estágio à Docência”, de cunho pedagógico e obrigatória para alunos bolsistas.
A Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT) possui apenas um programa de mestrado em engenharia civil recomendado pela CAPES. O Programa de Pós-Graduação em Engenharia de Edificações e Ambiental contém uma disciplina de viés pedagógico obrigatória apenas para bolsistas, a “Estágio de Docência”.
Por fim, a Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS) possui dois cursos de mestrado recomendados pela CAPES. O Programa de Pós-Graduação em Tecnologias Ambientais, possui, em caráter obrigatório para bolsistas, a disciplina “Estágio de Docência I”. De forma análoga, o Programa de Pós-Graduação em Eficiência Energética e Sustentabilidade, possui a disciplina “Estágio de Docência”, obrigatória aos portadores de bolsa de estudo, mesmo sendo um curso de mestrado profissional.
Visando avaliar a qualidade didático-pedagógica dos docentes da Área de Construção Civil do IFMT, recorreu-se à utilização de questionário. Tal instrumento baseou-se no proposto por Pinent, Silveira e Moraes (1993), constituindo-se de uma adaptação do questionário apresentado no artigo para avaliar as questões da presente pesquisa.
O instrumento então, se valeu do objetivo de, comparativamente, avaliar segundo a ótica do aluno, a ação didática de professores licenciados e não licenciados (bacharéis).
O questionário contém 25 questões que podem ser respondidas utilizando-se uma escala de conceitos que varia de “A” (correspondente à “Nunca”) até “E” (correspondente à “Sempre”), além do conceito “N” que indica que o aluno não sabe responder.
As 25 questões, além da possibilidade de serem analisadas individualmente, são utilizadas na construção de um escore total, que deve representar, de maneira global, o desempenho de cada grupo de professor na percepção do aluno. Esse escore total é obtido da soma dos escores em cada questão; se a opção do aluno for o conceito A em qualquer item, então o escore do referido item é 1; caso tenha sido o conceito B, o escore no item é 2 e assim progressivamente até escore 5 para o conceito E. Dessa forma, o escore torna-se uma variável discreta, podendo assumir valor entre 25 e 125; quanto mais alto ele for, tanto melhor é a avaliação que o aluno fez do grupo de professor.
Adotou-se como público-alvo da pesquisa, os alunos que tivessem expressivo contato com os dois grupos de professores (licenciados e bacharéis), para que se pudesse ter equilíbrio na comparação das respostas. Posto isto, mediante análise do quadro de cursos ofertados pelo Departamento da Área de Construção Civil do IFMT, das componentes curriculares e seus respectivos docentes (observada a área de formação), decidiu-se aplicar o instrumento à duas turmas do Ensino Médio Integrado em Edificações que estavam cursando o quarto e último ano e, portanto, já tendo tido contato com todos os docentes das disciplinas básicas (licenciados) e técnicas (bacharéis).
Os questionários foram aplicados de forma a dar liberdade para a resposta dos alunos, sem causar constrangimentos ou situação que condicionasse os resultados. As duas turmas em questão, totalizaram 48 alunos, obtendo-se a resposta de 45 destes.
Após a aplicação e recolhimento dos questionários, procedeu-se ao tratamento estatístico apropriado e foram gerados os resultados que subsidiaram as discussões e considerações finais do presente trabalho.
A qualidade do instrumento proposto foi avaliada por meio de técnicas de validação de conteúdo, de critério, de constructo e consistência interna.
A validade de um instrumento ou teste refere-se ao fato de ele realmente medir aquilo a que se propõe (Lindeman, 1974). Anastasi (1988) sugere que existam três categorias de validade, denominadas: validade de conteúdo, de critério e de constructo.
A validade de conteúdo não é determinada por medidas estatísticas, visto que ela resulta do julgamento de juízes ou pessoas reconhecidas na área do estudo, que analisam a representatividade dos itens em relação aos conceitos que se pretende medir. Já a validade de critério está relacionada à capacidade de o instrumento ou teste funcionar como um preditor, presente ou futuro, de outra variável operacionalmente independente chamada critério (Fachel e Camey, 2000). Quando os resultados da aplicação de um instrumento são comparados com os de outro instrumento similar, obtidos na mesma época, procede-se à validade concorrente. No caso de resultados presentes serem utilizados na previsão de um diagnóstico futuro, o procedimento é denominado validade preditiva. Tanto esta quanto a validade concorrente são subdivisões da validade de critério. Finalmente, a validade de constructo está relacionada ao grau com que um instrumento mede o que lhe foi designado medir. Ela baseia-se no fato de que os conceitos a serem medidos são variáveis latentes não-observáveis. Para identificação dos itens que compõem cada dimensão subjacente de um instrumento, a técnica estatística multivariada amplamente utilizada é a Análise Fatorial (Bittencourt et al., 2011).
Para além da validade, outra qualidade necessária a um instrumento de medida é a sua fidedignidade, ou seja, as medidas dele derivadas devem ser consistentes, precisas e estáveis. Significa então que, um instrumento ou teste fidedigno conduziria aos mesmos resultados se aplicado ao mesmo grupo por repetidas vezes (Vianna, 1976). São diversos os coeficientes para estimar a fidedignidade; baseado na consistência interna, no presente estudo foi utilizado o coeficiente fidedignidade Alpha de Cronbach.
A Análise Fatorial (AF), uma das metodologias empregada, é uma técnica estatística multivariada amplamente utilizada na área das ciências do comportamento e, em especial, na validação de construtos. Ela tem por objetivo descrever a estrutura de correlação de um conjunto de variáveis observadas na forma de um pequeno número de novas variáveis subjacentes, conhecidas como fatores. A premissa que rege a AF é a de que variáveis que tenham um significado comum entre si apresentem alto nível de correlação (Bittencourt et al., 2011). Dentro da AF podem ser executados ainda os Testes Kaiser-Meyer-Olkin (KMO) e de Esfericidade de Bartlett, os quais indicam qual é o grau de suscetibilidade ou o ajuste dos dados à análise fatorial, isto é, qual é o nível de confiança que se pode esperar dos dados quando do seu tratamento pelo método multivariado de análise fatorial seja empregada com sucesso (Hair et al, 1998). O segundo teste, segundo Pereira (2001), o de Esfericidade de Bartlett é baseado na distribuição estatística de “qui quadradro” e testa a hipótese (nula H0) de que a matriz de correlação é uma matriz identidade (cuja diagonal é 1,0 e todas as outras as outras iguais a zero), isto é, que não há correlação entre as variáveis.
Já a análise de regressão múltipla é uma técnica estatística multivariada para analisar o relacionamento entre um conjunto de variáveis independentes (Xi) com uma
única variável dependente (Y), determinando-se o nível de explicação de uma variável dependente através de seu relacionamento com variáveis independentes.
O coeficiente Alpha foi proposto em 1951 por Cronbach e é uma medida utilizada em instrumentos psicométricos para avaliar a consistência interna de dimensões ou construtos. Tal medida é baseada na correlação dos itens que compõem cada dimensão.
É de se referir que para a análise estatística foi utilizado o software SPSS.
Nesta seção são apresentados os resultados de validação e fidedignidade do questionário, bem como os resultados auferidos.
O instrumento de avaliação do docente na percepção do aluno teve sua validade de conteúdo comprovada, uma vez, inicialmente, este foi submetido à um pré-teste e teve sua estrutura e questões analisadas e revistas por docentes e especialistas em educação.
A Análise Fatorial considerou 45 instrumentos preenchidos pelos alunos. Recorreu-se à utilização do software SPSS para realização dos testes.
Para a análise estatística foram elencadas todas as questões do instrumento, possibilitando que se fizesse a extração das cargas fatoriais por item, conforme demonstrado no Quadro 1 e Quadro 2, que trazem, respectivamente, os resultados obtidos para o grupo de docentes licenciados e docentes bacharéis.
Tanto no caso da avaliação do grupo de docentes licenciados, quanto na avaliação dos docentes bacharéis, quase totalidade das cargas fatoriais revelaram-se significativas, uma vez que se considera como valor aceitável 0,7, e ainda assim, as cargas inferiores a este valor, atingiram o valor mínimo de 0,601, ainda razoável. Isto reforça a adequabilidade dos modelos, visto que as cargas fatoriais variam de -1 a 1.
Quadro 1
Cargas fatoriais por item – docentes licenciados
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Quadro 2
Cargas fatoriais por item – docentes bacharéis
Ainda em busca de validar a constatação, foram realizados os Testes Kaiser-Meyer-Olkin (KMO) e de Esfericidade de Bartlett, apresentando os resultados expressos no Quadro 3.
A primeira linha do quadro mostra qual é a proporção da variância que as variáveis (questões do instrumento) apresentam em comum ou a proporção desta que são devidas a fatores comuns. Este parâmetro varia de 0 a 1, sendo que quanto mais próximo for o valor da unidade, diz-se que o método de análise fatorial é perfeitamente adequado para o tratamento dos dados. Na primeira coluna, o valor obtido neste caso foi 0,734, o que conforme Pereira (2001), indica boa adequação de possibilidades de tratamento dos dados com o referido método. Já na segunda coluna, obteve-se o valor de 0,590, indicando uma razoável adequação de tratamento dos dados com o referido método.
Quadro 3
Testes KMO e de Bartlett – docentes licenciados e bacharéis
No segundo teste, o de Esfericidade de Bartlett, valores de significância maiores que 0,100 indicam que os dados não são adequados para o tratamento com o método em questão. No nosso caso, em ambas as situações, o valor de significância do teste de Bartlett foi 0,0001, o que nos confere subsídios para confirmar a possibilidade e adequação do método de análise fatorial para o tratamento dos dados.
Destarte, como base nos resultados da Análise Fatorial, pode-se inferir que o instrumento de avaliação foi estatisticamente validado quanto ao seu constructo.
De forma a conferir validade de critério, os escores derivados do instrumento deverão funcionar como preditores de outra variável, operacionalmente independente, chama de critério. No presente trabalho, a Questão 16, referente a uma avaliação geral do docente, foi considerada como critério e os escores dos quatro fatores formaram o conjunto de variáveis preditoras. O questionário divide-se em grupos de perguntas, os quais serão considerados como fatores, a saber: Fator 1 – Planejamento das atividades de ensino; Fator 2 – Trabalho em sala de aula e/ou laboratório; Fator 3 – Atitudes; e Fator 4 – Avaliação de aprendizagem.
Uma análise de regressão múltipla permitiu inferir sobre a habilidade preditiva do instrumento em relação à avaliação geral do grupo de docentes. No Quadro 4 e Quadro 5 estão apresentados os resultados.
O primeiro modelo de regressão foi significativo do ponto de vista estatístico, uma vez que 57,2% das variações na avaliação geral do grupo de docentes licenciados podem ser atribuídas aos escores obtidos nos quatro fatores, enquanto que o segundo modelo (Quadro 5), apresentou um coeficiente de determinação (R²) menor, 37,9%. Como todos os coeficientes do modelo de regressão apresentam sinais positivos, a relação entre os fatores e a avaliação geral do grupo de professores licenciados e bacharéis é direta, doutra maneira, um aumento nos escores dos fatores implica incremento da avaliação geral.
Quadro 4
Regressão Linear Múltipla – docentes licenciados
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Quadro 5
Regressão Linear Múltipla – docentes bacharéis
A Figura 1 evidencia que as diferenças entre os valores observados e estimados pelo modelo de regressão (resíduos) apresentam pequena variação em torno de zero, o que reitera a habilidade preditiva do modelo.
Diante do observado, embora com coeficiente de determinação não tão alto, corroborando com os outros testes, considera-se estatisticamente validado o instrumento de avaliação do ponto de vista de critério.
Figura 1
Histograma dos resíduos do modelo de regressão
(a) docentes licenciados; (b) docentes bacharéis
As medidas de fidedignidade utilizadas neste estudo estão apresentadas nos Quadro 6, separadamente para cada fator, sendo que todas elas excederam os limiares sugeridos na literatura (0,7).
Quadro 6
Medidas de fidedignidade Alpha de Cronbach – docentes licenciados e bacharéis
Como o instrumento mostrou-se válido, pode-se concluir que ele efetivamente mede aquilo que se propõe de maneira consistente e, portanto, o instrumento também é fidedigno. Ressalta-se que o coeficiente Alpha apresentou valor próximo à unidade (0,932) e tem alto nível de fidedignidade, no caso de professores licenciados e valor um pouco inferior, 0,858, mas extremamente favorável, na situação dos docentes bacharéis.
O questionário elaborado e aplicado para o desenvolvimento desta pesquisa, mostrou-se válido do ponto de vista do constructo, da consistência interna e do critério, além de apresentar fidedignidade. É de se ressaltar que, a validade de critério do instrumento pode ser aperfeiçoada conduzindo a valores mais significativos, no entanto, diante das demais constatações, fica evidente que o instrumento utilizado na pesquisa é válido.
Nos Quadro 7 e Quadro 8 estão apresentados os parâmetros de estatística descritiva de cada questão que compõe o questionário.
Quadro 7
Estatística descritiva do questionário – docentes licenciados
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Quadro 8
Estatística descritiva do questionário – docentes bacharéis
Foi possível perceber que os testes conduziram à variâncias e erros relativos aceitáveis, bem como uniformidade nas respostas, sem que tenha sido identificado e descartado algum outlier. A média de escore das questões respondidas relativas aos professores licenciados foi de 3,708, enquanto que para os docentes bacharéis foi de 3,823.
Em termos de escore total médio, o grupo de professores portadores de diploma de licenciatura, obteve 92,69 pontos, enquanto que os professores engenheiros e tecnólogos obtiveram 95,58 pontos.
Foi possível concluir que mediante os diversos testes, o questionário desenvolvido para o presente estudo se mostrou válido e bastante adequado, valendo a ressalva quanto a validade de critério que poderia ter apresentado melhores, no entanto, não prejudicando os demais aspectos positivos do instrumento.
Uma robusta análise estatística e de validação do instrumento e dos resultados foi feita a fim de minimizar possíveis erros ou compreensões equivocadas dos dados. Supunha-se inicialmente, que devido às condições de formação pedagógica fornecida aos licenciados, estes sob a ótica dos estudantes, apresentariam melhor desempenho quando comparado aos professores bacharéis, hipótese que foi refutada ante aos resultados obtidos. Embora sutil, os professores engenheiros e tecnólogos tiveram melhor desempenho na ação didática em sala de aula do que os licenciados.
Uma hipótese para a ocorrência de tal fenômeno pode se dever ao fato de os alunos enxergarem as disciplinas técnicas (ministradas por engenheiros e tecnólogos) como mais atrativas e relevantes, minimizando os efeitos das eventuais falhas didáticas dos professores.
Outra hipótese bastante pertinente é a de que, os docentes bacharéis, mesmo sem formação pedagógica, foram se profissionalizando em serviço, através do domínio técnico e sedimentação de experiências em sala de aula, o que embora seja interessante, pode conduzir à perda na qualidade de ensino durante este processo de “profissionalização” do docente. Além do que, não se pode simplesmente esperar que cada docente desenvolva habilidades pedagógicas por si só sem se apoio de especialistas em educação e uma contínua discussão e reflexão coletiva.
A explicação da profissionalização em serviço é razoável, uma vez que, embora os Institutos Federais tenham sido criados em 2008, o IFMT, em especial, surgiu no ano de 1909, com denominação de “Escola de Aprendizes Artífices”, tornando-se “Escola Industrial e Técnica” em 1942, passando a ser “Escola Técnica Federal” em 1959, transformando-se em “centro Federal de Educação Tecnológica” no ano de 1996 e por fim, constituindo-se por Instituto Federal em 2009. Além disso, o Departamento da Área de Construção Civil é um departamento tradicional no Campus Cuiabá. Desta forma, atualmente, o quadro efetivo de pessoal conta com professores com décadas de experiência em docência, entretanto, o ciclo começa a ser renovar e professores estão se aposentando e dando lugar a novos e, na maioria, inexperientes professores, caracterizando-se a criticidade da temática.
Inicialmente pensou-se em estabelecer uma conexão entre o currículo dos mestrados em engenharia civil do Centro-Oeste e o resultado da pesquisa, no entanto, não é razoável se estabelecer alguma relação haja vista que, todos os programas de mestrado da região Centro-Oeste dispõem apenas de uma disciplina de cunho didático-pedagógico, o Estágio em Docência, sendo, no entanto, obrigatório apenas para alunos portadores de bolsa de estudos e mais, a existência desta disciplina no currículo dos cursos de mestrado se deu mediante uma obrigatoriedade imposta pela CAPES. Assim, é perceptível que os cursos de mestrado continuam a priorizar a formação de pesquisadores à docentes.
Reafirma-se, portanto, a necessidade de programas de formação continuada na área pedagógica e didática como forma de qualificar os docentes, em especial os neófitos neste momento de expansão do ensino superior no país, para as atividades que a eles são incumbidas. É de se referir também a importância dos programas de mestrado nesta empreitada, os quais podem incorporar disciplinas mais adequadas a formação docente e que sejam ministradas por docentes que tenham valência e expertise na área e não por professores engenheiros que também não possuem formação pedagógica.
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Vianna, H. M. (1976). Testes em educação. 2. ed. São Paulo: Ibrasa.
1. Departamento de Engenharia Civil. Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia Goiano – Campus Rio Verde. E-mail de contato: philippe.silva@ifgoiano.edu.br
2. Programa de Pós-Graduação Lato Sensu em Docência do Ensino Superior. Universidade Cândido Mendes
3. Departamento de Engenharia Civil. Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de Rondônia – Campus Vilhena. E-mail de contato: augusto.silva@ifro.edu.br
4. Departamento de Engenharia Civil. Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de Goiás – Campus Uruaçu. E-mail de contato: gustavo.quirino@ifg.edu.br
5. Departamento de Engenharia Civil. Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de Rôndonia – Campus Porto Velho. E-mail de contato: monnike.vale@ifro.edu.br
6. Departamento de Eletrotécnica. Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia Goiano – Campus Trindade. E-mail de contato: vilmar.neto@ifgoiano.edu.br