ISSN 0798 1015

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Vol. 39 (Nº 43) Ano 2018. Pág. 5

Dislexia e formação de professores

Dyslexia and teacher formation

Débora Cristina PRZYBYSZ 1; Fábio André HAHN 2

Recebido: 18/04/2018 • Aprovado: 03/06/2018


Conteúdo

1. Introdução

2. Metodologia

3. Resultados

4. Conclusões

Referências bibliográficas


RESUMO:

A dislexia é um transtorno de aprendizagem caracterizado pela dificuldade no desempenho de leitura e escrita, identificado, na maior parte vezes, na escola. Por esse motivo, a pesquisa procurou investigar se os acadêmicos dos cursos de licenciatura em seu último ano de formação estão preparados para identificar o aluno disléxico no ambiente escolar. A investigação foi realizada com aplicação de questionários, os quais revelaram dados sobre a deficiência na formação de professores, especialmente na identificação dos problemas de aprendizagem.
Palavras chiave: Dislexia, formação de professores, ambiente escolar.

ABSTRACT:

Dyslexia is a learning disorder characterized by difficulty in reading and writing performance, often identified at school. For this reason, the research sought to investigate whether undergraduate students in their senior year of formation are prepared to identify the dyslexic student in the school environment. The research was carried out with the application of questionnaires, which revealed data on the deficiency in teacher formation, especially in the identification of learning problems.
Keywords: Dyslexia, teacher formation, school environment.

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1. Introdução

A dislexia é considerada um distúrbio de leitura e escrita que interfere no processo de aprendizagem, sendo este um importante tema de estudo na área da fonoaudiologia educacional e que tem sido objeto de pesquisas de profissionais de diferentes áreas de formação nas últimas décadas, como pedagogos, psicólogos, psicopedagogos e neurologistas (Silva, 2009).

Apesar do amplo debate já realizado, a dislexia ainda é uma área que necessita de investigações aprofundadas, especialmente no campo da educação, que associe os conhecimentos sobre dislexia e a formação docente, pois essa dificuldade de aprendizagem está presente no dia a dia do professor e, conforme a International Dyslexia Association – IDA (2016), pode ser considerada uma das causas mais frequêntes de baixo rendimento escolar.

O Manual diagnóstico e estatístico de transtorno – DSM-5 (2014), pontua que a dislexia é uma das dificuldades de aprendizagem mais comuns e que uma parcela significativa da população apresenta tais dificuldades.

Para a maior parte das alunos, o processo de aprendizagem de leitura e escrita acontece com êxito, entretanto, em alguns casos, em decorrência de vários fatores, esse processo pode ser prejudicado e alterado. Teles (2004) aponta que é justamente nesse período da aquisição de conhecimentos de leitura e escrita que são notados os primeiros sinais das dificuldades específicas de aprendizagem.

Entretanto, a dislexia não é uma dificuldade presente apenas na fase de alfabetização, mas é uma condição que continua por toda a vida do indivíduo (Manual diagnóstico e estatístico de transtorno DSM-5, 2014; Almeida, 2017; Carvalho, 2013).

Atualmente se sabe que são representativos os casos de alunos com dislexia que vão desde o processo de alfabetização ao ensino superior sem que sejam diagnosticadas as suas dificuldades de aprendizagem ao longo dos anos escolares. A demora no diagnóstico possui relação com a limitação quanto aos processos de identificação e de encaminhamento precoce dos alunos disléxicos à acompanhamento especializado. Nesse sentido, Cabral (2013, p.6) afirma que os sinais da dislexia devem ser atentamente observados pelos familiares dos alunos e pelos profissionais da escola. Um dos fatores determinantes para o desenvolvimento escolar do aluno disléxico é que, quando haja a suspeita da dificuldade de aprendizagem, seja realizado o encaminhamento para atendimento especializado, de modo a oportunizar um diagnóstico precoce, ampliando as possibilidades de reduzir os impactos negativos de tal dificuldade de aprendizagem.

Considerando, de modo geral, que os professores são os primeiros profissionais a se depararem com as dificuldades de aprendizagem do aluno, isso nos faz questionar se os professores estão de fato preparados para identificar a dislexia e realizar procedimentos e encaminhamentos adequados para os alunos com dislexia.

Scoz (2002) destaca a existência de obstáculos por parte dos professores quanto ao conhecimento sobre as dificuldades de aprendizagem. Scoz identificou, em sua pesquisa, que os professores avaliados não conseguiam expressar com clareza o que entendiam como dificuldade de aprendizagem. Afirmou ainda que esse fato pode estar relacionado ao desconhecimento do tema e pela complexidade da questão. Na mesma linha de pensamento, Smith & Strick (2001) afirmaram que há um impasse no conhecimento dos professores quanto às dificuldades de aprendizagem, sejam eles professores atuantes no Ensino Fundamental ou no Ensino Médio. Para essas autoras, no campo das dificuldades de aprendizagem existem lacunas evidentes sobre o conhecimento pedagógico dos professores e de outros profissionais da educação.

Portanto, a questão investigada é saber o quanto os acadêmicos dos cursos de licenciatura em seu último ano de formação conhecem sobre a dislexia, de modo que sejam capazes de identificar e encaminhar o aluno disléxico para acompanhamento de profissional habilitado.

2. Metodologia

Para compreender melhor o que os acadêmicos dos cursos de licenciatura conhecem sobre dislexia, elaboramos um questionário para a realização da investigação, de modo a fundamentar as proposições levantadas.

O questionário aplicado com acadêmicos foi criado com base nos dados sobre dislexia usados pela Associação Brasileira de Dislexia e com dados que objetivamos para este estudo. O questionário foi composto por 29 questões, entre abertas e fechadas, distribuídas em três blocos, sendo eles:

– Bloco I, intitulado como “Perfil”, contendo 11 perguntas de identificação dos participantes;

– Bloco II, intitulado “Universidade”, contou com 7 questões com o foco na abordagem de questões relativas à formação universitária;

– Bloco III, com título de “Dislexia”, composto por 10 perguntas relativas ao assunto da dislexia propriamente dita.

Para a realização da aplicação dos questionários foi utilizado um instrumento eletrônico de coleta de dados a partir do software disponibilizado pela SurveyMonkey, que possibilitou a partir de um endereço eletrônico para acesso por meio da internet a obtenção de descrições e comparações dos dados dos participantes, agilizando o processo de análise preliminar e utilização das informações para cruzamento de variáveis em outros programas. O questionário segue uma pesquisa de metodologia mista, por ter abordagens quantitativas e qualitativas. Possibilitando, portanto, abordagens tanto de representações, detalhamentos e significados das informações, quanto indicadores estatísticos (Minayo; Sanches, 1993; Godoy, 1995).

A aplicação do questionário foi precedida de testes, sendo avaliado o instrumento de pesquisa por professores e acadêmicos da Unespar,  uma forma de avaliar em um universo menor da amostragem antes da aplicação definitiva, visando evitar resultados equivocados, questões que não funcionam ou que estejam mal formuladas, evitando possíveis erros.

O grupo da amostra é composto por acadêmicos de licenciatura dos cursos de Geografia, de História, de Letras e de Matemática. A definição dos grupos de coleta ocorreu com base na oferta de cursos de licenciatura da Universidade Estadual do Paraná – Unespar, campus de Campo Mourão. A pesquisa realizada com esse grupo procurou identificar o perfil dos participantes e verificar a compreensão sobre a dislexia e os seus encaminhamentos, entre outras questões socioeducativas. Foi elaborado um conjunto de variáveis e indicadores de mensuração usados na elaboração de algunas perguntas dos blocos II e III segundo a escala Likert (1932) de 1 a 5, mas que não serão exploradas neste artigo.

2.1. Caracterização da amostra

O recorte foi realizado objetivando pesquisar acadêmicos em fase de conclusão de curso, portanto futuros professores que atuarão no Ensino Fundamental II e Ensino Médio. A amostra inicial da investigação era composta por 114 acadêmicos matriculados no último ano dos cursos selecionados. Dessa amostra inicial, excluímos os acadêmicos que não iriam concluir a graduação no ano de 2016 por motivo de reprovação, disciplinas de dependência, desistência, trancamento de matrícula ou não comparecimento nos dias de coleta de dados. Dessa maneira, a amostra final foi composta por 52 participantes. Entretanto, nem todos os 52 participantes preencheram totalmente o questionário, o que ficará explicitado na análise dos dados.

A coleta foi realizada nos dias 8, 9 e 22 de dezembro de 2016, por intermédio dos questionários digitais, que foram tabulados no software gerenciador da pesquisa, dando início ao tratamento estatístico e análise dos resultados.

Na análise e exposição dos dados, optou-se por utilizar a sigla “A” para todos os acadêmicos. Essa sigla foi seguida da numeração que corresponde à ordem de participação, para diferenciar cada um deles e, ao mesmo tempo, manter em sigilo as identidades pessoais. Como mencionado anteriormente, o questionário aplicado com os acadêmicos contou com um total de 29 questões, sendo, daqui em diante, no texto, utilizada a letra “Q”, seguida da numeração da questão, para referenciar cada uma das perguntas.

Para a visualização dos participantes por curso, apresentamos sequencialmente uma tabela com a distribuição desses acadêmicos.

Tabela 1
Acadêmicos dos cursos selecionados que participaram do estudo

Descrição da amostra por curso

Curso

Geografia

História

Letras

Matemática

Participantes

12

21

11

8

% amostra

23,1%

40,4%

21,1%

15,4%

Fonte: Dados da pesquisa, 2016

Os acadêmicos pesquisados nessa amostra foram 53,8% do sexo feminino e 46,2% do sexo masculino, com idade entre 20 e 55 anos.

3. Resultados

Visando o processo de aprendizagem do aluno em sala de aula, é fundamental que o professor esteja preparado para identificar a dislexia na escola, uma vez que, em geral, esse é o primeiro profissional a se deparar com essa dificuldade de aprendizagem. Em relação à importância do conhecimento docente sobre o processo de aprendizagem de leitura e escrita, normal ou alterado, corroboramos o entendimento de Scoz (2002), ao concluir sua pesquisa reafirmando a necessidade da melhoria na capacitação de professores objetivando uma melhor compreensão do processo de aprendizagem, para que o professor esteja apto a reconhecer a dislexia quando se deparar com uma dificuldade de aprendizagem. A autora afirma ainda que a ausência desse conhecimento tem feito com que problemas de aprendizagem sejam confundidos com dificuldades comuns que fazem parte do processo de aprendizagem, com fatos isolados ou atribuindo ao aluno a culpa pela dificuldade de aprender. Nessa direção, apresentamos a tabela com os dados quantitativos sobre o conhecimento dos licenciandos quanto à dislexia e à identificação dessa dificuldade de aprendizagem.

Tabela 2
Questões objetivas sobre dislexia

Pergunta

Sim

%

Não

%

Q20

Você já ouviu falar em dislexia?

45

93,8%

3

6,2 %

Q21

Acredita que consegue identificar alunos com dislexia?

20

41,7%

28

58,3%

Q24

Você sabe quais profissionais atuam em casos com dislexia?

5

10,4%

43

89,6%

Fonte: Dados da pesquisa, 2016

Os dados da tabela acima (Tabela 2), referentes ao conhecimento sobre dislexia, chamam atenção, pois ainda que quase a metade dos acadêmicos tenha sido contundentes ao afirmarem acreditar conseguir identificar alunos com dislexia, em contraponto, não sabem os encaminhamentos necessários a esses casos. Cabe mencionar que, nas questões apresentadas na Tabela 2, foram 48 os participantes que responderam e quatro não responderam a tais questionamentos.

É importante que a escola possibilite apoio pedagógico aos alunos e se preocupe com a aprendizagem deles, ainda que o professor precise buscar por novas formas de ensinar para dar conta dessa demanda. Logo, observamos que tais assertivas se direcionam também aos acadêmicos em processo de formação docente, pois esses serão os futuros professores em atuação.

Ainda nesse eixo, apresentamos abaixo o quadro comparando participantes deste estudo que disseram que acreditam conseguir identificar alunos com dislexia, isto é, resposta sim em Q21 e respostas nas perguntas Q24 e Q25 que investigam de forma mais aprofundada o conhecimento desses acadêmicos sobre a dislexia.

Quadro 1
Comparação dos participantes que disseram "SIM" em Q21 com Q24 e Q25

Respostas dos formandos que consideram que sabem identificar um aluno com dislexia (disseram SIM para Q21 - 20 Acadêmicos)

(Q24) Você sabe que profissionais atuam em casos com dislexia?

(Q25) Quem frequentemente faz a primeira identificação da dislexia?

Resposta

Acadêmicos

%

Resposta

Acadêmicos

%

Não

15

75%

Corretos

19

95%

Sim

5

25%

Errados

1

5%

Fonte: Dados da pesquisa, 2016

Nas respostas coletadas, ao relacionarmos a resposta SIM da Q21 (Acreditam que conseguem identificar alunos com dislexia?) com as demais questões do Quadro 1, ficou explicitado que, dos acadêmicos que afirmaram saber identificar a dislexia (resposta sim na Q21), 75% afirmaram não saber quais profissionais atuam em casos com dislexia (Q24). Paradoxalmente, 95% dos participantes acertaram quem faz a primeira identificação da dislexia em sala de aula, que é justamente o professor.

No Quadro 2, em sequência, apresentamos uma correlação entre as respostas dadas na mesma questão 21 (Acredita que consegue identificar alunos com dislexia?) e a questão 29 (No seu entendimento, quais são as principais características indicativas de dislexia?). Para a Q29, em que os participantes precisavam assinalar as principais características indicativas de dislexia, seguimos os sinais considerados pela Associação Brasileira de Dislexia ─ ABD (2016), que são:

─ dificuldade na aquisição e automação da leitura e da escrita;

─ conhecimento limitado de rima (sons iguais no final das palavras) e aliteração (sons iguais no início das palavras);

─ desatenção e dispersão;

─ dificuldade em copiar de livros e da lousa;

─ dificuldade na coordenação motora fina (letras, desenhos, pinturas, etc.) e/ou grossa (ginástica, dança, etc.);

─ dificuldade em diferenciar fonemas e grafemas;

─ dificuldade na matemática e confusão com sinais;

─ desorganização geral, constantes atrasos na entrega de trabalho escolares e perda de seus pertences;

─ confusão para nomear entre esquerda e direita;

─ vocabulário limitado, com sentenças curtas e imaturas, ou longas e vagas.

Consideramos como válidas apenas as respostas que fossem compatíveis com os sinais de dislexia utilizados pela Associação Brasileira de Dislexia – ABD.

No quadro, utilizamos a cor cinza para respostas consideradas válidas conforme a literatura e a cor branca para respostas não válidas.

Quadro 2
Correlação entre resposta SIM em Q21 e respostas em Q29

Correlação entre acadêmicos que acreditam que conseguem identificar dislexia e acertos/erros em sinais de dislexia

Opções de resposta sobre os sinais (ou não) de dislexia

Número de acadêmicos que acreditam que esse é um sinal de dislexia

% de respostas

Dificuldade na aquisição e automação da leitura e da escrita

14

73,6%

Trocas na fala

12

63,1%

Trocas na escrita

16

84,2%

Pobre conhecimento de rima (sons iguais no final das palavras) e aliteração (sons iguais no início das palavras)

3

15,7%

Desatenção e dispersão

14

73,6%

Dificuldade em copiar de livros e da lousa

11

57,8%

Disfluência

4

21,0%

Aluno não aprende a ler

6

31,5%

Dificuldade de realizar trabalho em grupo

5

26,3%

Deficiência auditiva comprobada

0

0,0%

Déficit intelectual

5

26,3%

Dificuldade na coordenação motora fina (letras, desenhos, pinturas, etc.) e/ou grossa (ginástica, dança, etc.)

4

21,0%

Dificuldade em diferenciar fonemas e grafemas

12

63,1%

Leitura silábica

7

36,8%

Dificuldade na matemática, confusão com sinais

9

47,3%

Desorganização geral, constantes atrasos na entrega de trabalho escolares e perda de seus pertences

6

31,5%

Hiperatividade

5

26,3%

Confusão para nomear entre esquerda e direita

7

36,8%

Problema de visão

0

0,0%

Vocabulário pobre, com sentenças curtas e imaturas ou longas e vagas

6

31,5%

Fonte: Dados da pesquisa, 2016

No Quadro 2 é possível observar que os participantes do estudo se contrariam ao afirmar saberem identificar a dislexia (resposta sim em Q21) e errarem quais são os principais sinais indicativos no momento da identificação de dislexia (Q29). Dos 20 acadêmicos que responderam acreditar que sabem identificar dislexia, apenas 3 acertaram todos os sinais.

Um dado relevante é que 26,3% deles acreditam que déficit intelectual é um sinal indicativo de dislexia. Isso se contrapõe ao que a literatura diz, afirmando que a dislexia acontece na ausência de déficit intelectual. Um dado de relevância para ser discutido ainda é que 21% acreditam que disfluência é um sinal indicativo de dislexia. Disfluência, que é a quebra de fluência na fala, pode ser um indicativo de início de gagueira, entretanto não possui relação direta com a dislexia (Merçon; Nemr, 2007).

Sobre as demais respostas não válidas, mencionamos que elas podem aparecer nos casos de dislexia, entretanto não são sinais considerados como indicativos de dislexia.

Os dados apontados no Quadro 2 evidenciaram que há uma dificuldade, por parte dos acadêmicos, em identificar e reconhecer os principais sinais de dislexia. Portanto, é preciso verificar elementos que estão atreladas a essa questão central, como por exemplo o papel da universidade e dos cursos de formação.

A distância entre a realidade das universidades e das escolas é fato fácilmente perceptível. Esse é um elemento que tem sido destacado pelos acadêmicos, pois a formação recebida na universidade parece muito distante da realidade em sala de aula na educação básica, basta observar os dados abaixo:

Tabela 3
Perguntas sobre formação de professores

Pregunta

Sim

%

Não

%

Q16

Você acredita que a universidade prepara o aluno para a realidade em sala de aula?

3

6,3%

45

93,7%

Q17

Você acredita que a sua formação durante o curso de graduação foi adequada para o processo de ensino-aprendizagem na vivência como professor?

32

66,7%

16

33,3%

Fonte: Dados da pesquisa, 2016

Observamos que, como apontado na Tabela 3, a maior parte dos acadêmicos acredita que a universidade não prepara adequadamente o futuro professor para a realidade em sala de aula. Por outro lado, 66,7% dos acadêmicos acreditam que a formação foi adequada para o processo de ensino-aprendizagem para a vivência na realidade escolar. Tais respostas revelam contradições, visto que ambas as questões buscam o mesmo tema, que é a formação de professores adequada para a realidade escolar.

O distanciamento entre a universidade e a escola também foi descrito pelos acadêmicos em questões abertas, conforme pode ser observado nos seguintes trechos:

A5: […] faltam atividades práticas e ensino que esteja mais próximo da realidade escolar. Há um grande distanciamento entre o que se estuda na universidade e a realidade escolar.

A18: [...] a universidade está muito distante da realidade da escola, a sociedade modifica muito rápido, com ela os alunos. Vemos a "Geografia" acadêmica e a escola como dois ramos, que em pouco se convergem.

Os dados apresentados evidenciam a importância de repensarmos os cursos de formação de professores, as disciplinas ofertadas, a grade curricular e os programas, salientando que a formação deve ser direcionada à preparação adequada dos futuros professores para a realidade escolar. Uma taxa tão alta de acadêmicos afirmando que a universidade está distante da realidade das escolas é, no mínimo, preocupante. Fagundes e Hahn (2016, p. 33) ressaltaram que “A necessidade de repensar os currículos nas universidades é uma realidade urgente e irá impactar diretamente a formação de novos professores”.

Pensando em tal questão, foi realizada análise das grades curriculares e das ementas dos cursos de graduação em licenciatura em Geografia, História, Matemática e Letras para verificar o que é abordado nos conteúdos programáticos sobre as teorias de aprendizagem e as dificuldades de aprendizagem. A análise revelou que, em todos esses cursos, a única disciplina que abordou tal temática foi a disciplina de Psicologia da Educação. No plano de ensino, a disciplina tinha como objetivo o ensino sobre as “diferentes problemáticas que permeiam o cotidiano escolar”, “fracasso escolar e dificuldades de aprendizagem”, “formação do professor e processo de ensino-aprendizagem”, “teorias de aprendizagem e do desenvolvimento e sua relação com o processo de ensino-aprendizagem”.

Em contrapartida, ao observamos os conhecimentos sobre dislexia expostos pelos acadêmicos participantes deste estudo, observamos a existência de uma lacuna nesse conhecimento que não foi elucidada por meio dos conhecimentos adquiridos na disciplina de Psicologia da Educação, indicando que falta uma vinculação de maior preparo para os cursos de licenciatura e que, apesar de haver, na proposta teórica da disciplina, a temática das dificuldades de aprendizagem, a coleta de dados revelou que o conhecimento específico sobre dislexia ainda é frágil na formação docente universitária, realidade que não pode ser negada no ambiente escolar.

Os acadêmicos entedem que a universidade não os prepara adequadamente, apresentando como principal argumento que a formação teórica é distante da realidade prática da escola. Abaixo apresentamos algumas das respostas dos acadêmicos:

A17: Não. Porque a universidade se mantém distante ou um pouco distante das questões relativas ao ensino-aprendizagem. Em todos os cursos de licenciatura, com exceção da Pedagogia, a base teórica de Psicologia [disciplina Psicologia da Educação] é muito pequena. Quando se chega à sala de aula e encontra a realidade, você acaba minimizando a solução dos problemas.

A24: Porque é mais teórico, não tem vínculo forte com a prática.

Percorrendo os meandros das discussões sobre os conhecimentos práticos e teóricos no processo de formação de professores, Pimenta e Ghedin (2002) defendem a ideia que o conhecimento do professor também não se desenvolve apenas na prática, mas necessita da base teórica para se fundamentar. Para esses autores, é justamente o embasamento teórico que possibilita ao professor a compreensão de que na escola irá se deparar com diferentes alunos, com alunos de contextos históricos, sociais e culturais distintos e que, para cada um deles, o professor deverá ter uma postura adequada. Nesse âmbito, Pimenta e Ghedin (2002) reforçam a necessidade de investimento na formação de professores. Assim como destaca Souza (2009) que defende a formação de professores como um processo contínuo, em que o professor é visto como um profissional reflexivo, que se preocupa com os aspectos pedagógicos da aprendizagem dos alunos.

Pimenta e Ghedin (2002) afirmam que a educação é a área do saber que precisa responder às necessidades específicas do seu contexto. Isto é, os professores, enquanto mediadores do processo de educação, devem estar preparados para suprir as necessidades que a escola, e seus alunos, cada um em sua particularidade, exigem.

Com essa compreensão, os professores precisariam estar em permanente qualificação. Quando os acadêmicos foram perguntados sobre a participação em eventos científicos, declararam o seguinte:

Tabela 4
Participação em eventos científicos

Pregunta

Sim

%

Não

%

Q14

Durante a sua graduação, você participou de eventos científicos?

44

91,7%

4

8,3%

Q15

Durante a sua graduação, você participou de cursos específicos de extensão e de eventos na área pedagógica que tratassem de assuntos relacionados às dificuldades e aos distúrbios de aprendizagem?

2

4,2%

46

95,8%

Fonte: Dados da pesquisa, 2016

A taxa de participação em eventos é alta (Q14), no entanto quando questionados sobre participação em eventos científicos relacionados a dificuldades ou a distúrbios de aprendizagem durante a graduação (Q15), 95,8% dos acadêmicos responderam que não participaram de eventos relacionadas ao tema. Isto é, os acadêmicos participaram de inúmeras atividades durante a graduação, mas distantes de questões pedagógicas fundamentais para a realidade que encontrarão em sala de aula. Isso evidencia mais um problema na formação complementar dos acadêmicos da graduação, pois, para além do déficit da temática no currículo, a formação complementar também não atinge essa questão.

4. Conclusões

Com base nas discussões realizadas e no panorama dos dados coletados, ficou evidenciado que os acadêmicos apresentam reduzido conhecimento sobre dislexia, o que responde a questão proposta no início da investigação. Entretando, os acadêmicos reconhecem que é o professor o primeiro profissional a fazer a identificação da dislexia na escola, o que é um passo importante, ou seja, o reconhecimento é necessário e reforça ainda mais a nossa convicção na importância da formação docente qualificada. Para além dessa problemática central, o estudo revelou inúmeros indícios secundários e que podem interferir diretamente nos resultados acima revelados, especialmente o entendimento de que a universidade não prepara o futuro professor para a realidade escolar.

Os dados coletados evidenciaram que há uma lacuna no conhecimento dos acadêmicos sobre a dislexia, sobre fatores identificadores e sobre os encaminhamentos necessários em casos de dificuldade de aprendizagem, tendo em vista a importância e a frequência com que ocorrem no dia a dia da escola. Ficou evidenciado que há uma fragilidade na formação de professores no que tange às teorias de aprendizagem.

Frente a isso, em linhas gerais, o professor é o primeiro profissional com condições de identificar às dificuldades de aprendizagem, entretanto é necessário que esteja preparado com formação adequada para lidar com as diferentes realidades, de modo que possa intervir de maneira eficiente. O professor é quem planeja as diferentes estratégias para o melhor desempenho do processo de ensino-aprendizagem, especialmente oportunizando alternativas para os que encontram obstáculos mais representativos na aprendizagem.

Para possibilitar uma formação de professores abrangente é preciso, cada vez mais, que a universidade se aproxime das escolas, que ocorra troca de experiências e de reflexões, para que possam encontrar, de forma colaborativa, alternativas para os novos casos de dificuldades de aprendizagem que surgem com a mudança contextual que é inerente ao processo de educação. Experiências nessa direção são cada vez mais comuns, mas ainda tímidas ao considerarmos o vasto campo de possibilidades. É fundamental que a vivência e a troca de experiências entre a universidade e a educação básica se tornem mais intensas para que a universidade repense ações e possibilite, a partir da intensificação das pesquisas, apontar alternativas para a melhoria da formação dos acadêmicos e futuros professores.

Referências bibliográficas

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1. Fonoaudióloga. Mestre pelo Programa Interdisciplinar em Sociedade e Desenvolvimento da Universidade Estadual do Paraná – Unespar. E-mail: deboracprzbysz@yahoo.com.br

2. Doutor em História - UFF. Docente dos Programas de mestrado profissional em Ensino de História/ProfHistória e interdisciplinar em Sociedade e Desenvolvimento/PPGSeD – Unespar. E-mail: fabioandreh@gmail.com


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