ISSN 0798 1015

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Vol. 39 (Nº 25) Ano 2018. Pág. 34

Análise sociocrítica da política nacional de educação ambiental brasileira e as implicações no ensino de ciências

Sociocritical analysis of national environmental education policy and its implications for science teaching

Carlos Eduardo Fortes GONZALEZ 1; Luiz Alberto PILATTI 2

Recebido: 13/02/2018 • Aprovado: 15/03/2018


Conteúdo

1. Introdução e procedimentos metodológicos

2. Elementos da política nacional de educação ambiental e as implicações no ensino de ciências

3. Considerações finais

Referências bibliográficas


RESUMO:

A análise sociocrítica da política nacional de educação ambiental brasileira e as suas implicações para o ensino de ciências, empreendida neste estudo, objetiva ao aperfeiçoamento dos processos de ensino e aprendizagem da Educação em Ciências, por meio das resultantes da crítica sociológica aos conteúdos da lei de Educação Ambiental. Os achados das interpretações sociocríticas desta investigação proporcionam subsídios ao desenvolvimento do ensino de ciências no que concerne à Educação ambiental, por meio de potenciais melhorias dos procedimentos didático-pedagógicos.
Palavras chiave: Ensino de ciências. Educação Ambiental. Análise sociocrítica.

ABSTRACT:

The sociocritical analysis of the Brazilian national environmental education policy and its implications for the teaching of science, undertaken in this study, aims to improve the teaching and learning processes of Science Education, through the results of sociological criticism to the contents of the law of Environmental education. The findings of the sociocritical interpretations of this research provide support for the development of science teaching in environmental education, through potential improvements in didactic-pedagogical procedures.
Keywords: Science teaching, environmental education, sociocritical analysis.

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1. Introdução e procedimentos metodológicos

Análise sociocrítica, dentre outras possibilidades conceituais, é o estudo dos aspectos e impactos sociológicos de algo que se reflete na realidade; que implica ou pode implicar em impactos sociais no mundo real, segundo Charlot (2000). Estudos de perspectiva sociocrítica podem servir como instrumentos metodológicos de investigação científica em diversos campos do conhecimento, conforme Fernandez (2002). Este é o caso desta pesquisa sobre a Política Nacional de Educação Ambiental brasileira e as implicações resultantes no Ensino de Ciências.

A análise sociocrítica em relação a uma legislação tem como ponto de partida a própria letra da lei, podendo considerar-se também a expectativa de suas decorrências ou eficácias no meio social (no caso em tela, “meio social” se refere principalmente às instituições de ensino, visto se tratar de uma política educacional). Pela compreensão de que a apreciação resultará mais rica se considerar além da letra da legislação a expectativa de sua eficácia no tecido social, inclusive no que concerne ao Ensino de Ciências, é deste modo que será procedido neste estudo.

O estudo sociocrítico empreendido aqui não abrange a integralidade da “Política Nacional de Educação Ambiental” (Brasil, 1999); ao invés disso, foca nos pontos em que possa apresentar implicações mais concatenadas com o Ensino de Ciências (Educação em Ciências), já que esta é a tipologia educativa em evidência nesta investigação. Ainda, importante aclarar que o estudo em pauta se reporta ao Ensino de Ciências no âmbito da Educação formal, isto é, a Educação oficial que é dividida, essencialmente, na Educação básica e no Ensino superior.

A Política Nacional de Educação Ambiental (PNEA) é a principal lei brasileira no que se refere à Educação Ambiental (EA) no ensino formal. A letra da lei assevera que a EA formal deve estar presente nos diversos sistemas de ensino, ao enquadrar esta responsabilidade em diversos artigos, parágrafos e incisos (Brasil, 1999). Tais condições trazem implicações ao Ensino de Ciências na Educação formal, visto que esta legislação é referencial para a Educação Ambiental interdisciplinar e considerando-se que a EA é uma dimensão da Educação, na percepção de Guimarães (2007). Tais implicações serão discutidas no estudo em tela, onde se apontarão também as possibilidades (bem como as dificuldades) da Educação em Ciências para a efetividade da Educação Ambiental (EA) que a PNEA quer fomentar.

2. Elementos da política nacional de educação ambiental e as implicações no ensino de ciências

O primeiro artigo da Lei, ao definir a Educação Ambiental legal Brasileira a determina como antropocêntrica; preconiza Furtado (2009). Isto porque entende o meio ambiente como algo que precisa ser conservado porque é “bem de uso comum do povo”. Significa asseverar, implicitamente, que o maior valor do ambiente é a sua propriedade utilitária, conforme anuncia Menger (2007). Ao invés de valorizar o ambiente como imprescindível para a continuidade da vida sobre o planeta, denota que é “útil” à humanidade. Não se trata de afirmar que o ambiente não tenha utilidade; obviamente tem do ponto de vista dos recursos materiais e energéticos. O problema é ressaltar esta característica em detrimento de salientar valores muito mais relevantes do meio ambiente, como a continuidade da biodiversidade e da nossa própria espécie. Obviamente, esta noção concernente à continuidade da vida precisa se sobrepor à noção utilitarista, pois é mais relevante do que o utilitarismo, que não garante a perpetuação da biosfera e por extensão de ideias, da humanidade. Estas discussões precisam ser levadas a cabo no Ensino de Ciências na Educação básica, pois a Ecologia integra os conteúdos de Ciências em vários momentos deste nível educacional, que abrange o Ensino fundamental e o Ensino médio; explicita Krasilchik (2004).

Além disso, a expressão “bem de uso comum ao povo”, se usada de modo descontextualizado, pode mascarar as desigualdades socioambientais, como se todos os seres humanos tivessem as mesmas possibilidades de acesso ao convívio e ao usufruto dos bens da natureza. Deiró (2005) analisa estas questões da distribuição da riqueza de maneira minuciosa no estudo publicado no livro “As belas mentiras: a ideologia subjacente aos textos didáticos”. Portanto, as questões atinentes aos recursos naturais e as eventuais injustiças socioambientais quanto ao acesso aos recursos podem ser debatidas na Educação em Ciências. 

Do mesmo modo, ao conceituar a Educação Ambiental (EA) como “os processos por meio dos quais o indivíduo e a coletividade constroem valores sociais, conhecimentos, habilidades, atitudes e competências voltadas para a conservação do meio ambiente...” (Brasil, 1999), não são claros quais seriam os valores sociais a que o texto se refere. Depreende-se que estes valores seriam aqueles que importam para a manutenção da sociedade tal qual se encontra, sem transformações estruturais significativas na dinâmica social. Assim a EA, por ser Educação, funciona como um aparelho ideológico de Estado, enfatizando os processos de ensino e aprendizagem em consonância com os interesses de controle social do Estado, de quem controla o Estado; conforme Althusser (2001).

A partir destas ideias, é possível discutir com os discentes das unidades curriculares de Ciências que valores sociais e ambientais devem ser considerados para a conservação ambiental que a sociedade necessita para a manutenção da biodiversidade.

Ademais, o restante do conceito de EA presente no primeiro artigo, ao expressar que “o indivíduo e a coletividade constroem valores sociais, conhecimentos, habilidades, atitudes e competências voltadas para a conservação do meio ambiente...” (Brasil, 1999) é, ideologicamente, comportamentalista. Ou seja, segundo esta percepção, basta ao indivíduo e à coletividade deter “conhecimentos, habilidades, atitudes e competências” para serem ambientalmente educados; em conformidade com Tristão (2008). Isto pode descentralizar o Estado da responsabilidade pela Educação Ambiental, pois o indivíduo (que no conjunto constitui a “coletividade”) é a unidade de trabalho para a efetividade da EA. Não importa neste esquema o funcionamento essencial da sociedade, as estruturações sociais; pois posto desta maneira a mesma não precisa ser transformada para a efetividade da Educação para o meio ambiente. Apenas precisa de “reformas superficiais”, pois tudo se resume em “conhecimentos, habilidades, atitudes e competências”. Estas ponderações têm apoio direto nos pensamentos de Deiró (2005); por extensão de ideários, guarda também relação com os desenvolvimentos teóricos de Althusser (2001) quanto ao fato de a Educação fazer parte dos aparatos ideológicos de Estado, isto é, o controle social de acordo com os interesses de certos grupos sociais.

No que tange ao Ensino de Ciências, faz-se imprescindível explicitar aos estudantes que a mera adoção de posturas comportamentalistas em âmbito individual não muda de modo satisfatório o que precisa ser modificado no funcionamento da sociedade para a manutenção adequada dos ecossistemas. Em outros termos, o ativismo individual é importante, mas isoladamente não é capaz de promover as alterações necessárias para o reequilíbrio das relações entre a sociedade e natureza; interpreta Tarrow (2009). 

O segundo artigo explana que a EA é um componente fundamental e constante da Educação Brasileira e deve constar de modo articulado, em todos os níveis e modalidades do processo educativo, formal e não formal (Brasil, 1999). Este artigo explicita a presença da EA formal em todos os níveis e modalidades; consequentemente, também no Ensino de Ciências e inclusive nele, visto que é uma das disciplinas mais próximas às questões ambientais, em função da natureza dos seus conteúdos curriculares.

O terceiro artigo, no seu segundo inciso, indica que “cabe às instituições educativas promover a educação ambiental de maneira integrada aos programas educacionais que mantém”. No seu quinto inciso, entre outros atores institucionais, explicita que “as organizações públicas e privadas são responsáveis pelos ambientes de trabalho e pelas repercussões do processo produtivo no meio ambiente” (Brasil, 1999). Entre outras organizações públicas e privadas, existem as instituições de ensino. Destarte, também este inciso convoca a responsabilidade da Educação formal a promover a Educação Ambiental. Assim, a Educação em Ciências está também inclusa neste cenário, devendo trabalhar com a EA. 

O quarto artigo proclama os princípios básicos da Educação Ambiental. No seu terceiro inciso, avoca o pluralismo de ideias e concepções pedagógicas, nas perspectivas da interdisciplinaridade, da multidisciplinaridade e da transdisciplinaridade (Brasil, 1999). Isto quer dizer que as diversas tendências pedagógicas devem coexistir em equilíbrio dinâmico para o empreendimento da Educação Ambiental, pois todas as compreensões pedagógicas devem ter espaço na EA. Isto implica na composição das visões pedagógicas liberais (conservadoras) e progressistas ou sociocríticas, em consonância com as classificações de Libâneo (2003), estimulando ao debate escolar e acadêmico. Entretanto, não é o que se verifica contemporaneamente nas práticas educacionais, havendo um quadro educacional de predominância das pedagogias liberais em oposição às tendências sociocríticas, nos argumentos de Wachowicz (2001). Libâneo (2003) também coaduna com esta percepção da história educacional, esclarecendo que a Educação representa os interesses do liberalismo. Saviani (2007, 2008) também disserta sobre esta questão em congruência com esta interpretação sociocrítica da história da Educação nacional (quanto à predominância das pedagogias liberais). Portanto, a maioria do professorado de Ciências acaba praticando as pedagogias liberais, em função de não perceberem que os seus procedimentos didático-pedagógicos, ao não apontarem a necessidade de modificações estruturais mais profundas no tecido social, favorecem a continuidade da dinâmica social tal qual se encontra, com as suas injustiças socioambientais. Isto significa que a formação pedagógica dos docentes deve atentar para os estudos das tendências pedagógicas de modo mais eficaz.

No atinente às perspectivas multidisciplinares, interdisciplinares e transdisciplinares, aponta-se a não efetividade destes conceitos na maioria das situações da Educação formal Brasileira. Destarte, deste mesmo modo trabalha a maioria dos professores de Ciências, sem maiores interações interdisciplinares com as outras unidades curriculares. Isto é compreensível, devido ao caráter disciplinar do modelo educacional Brasileiro, embasado na segregação dos campos do conhecimento, conforme teoriza Becker (2003). Todo o funcionamento da Educação Brasileira é nitidamente subdividido. Os alunos têm acesso ao processo de ensino e aprendizagem por meio de uma coleção de disciplinas que não se intercomunicam. Assim também é demonstrado explicitamente pelos planos de ensino; pelos ementários das disciplinas e por outros elementos da superestrutura educacional Brasileira. Nas palavras de Becker (2000) esta é uma questão difícil de sobrepujar, dado o sistema de ensino e aprendizagem vigente. Nos termos de Burke (2003), seria preciso um professor revolucionário quanto às concepções metodológicas e pedagógicas do processo de ensino e aprendizagem. A disciplinaridade do conhecimento, promovida pelo sistema, acaba por dificultar o aprendizado; informam as considerações de Lakomy (2008).

O sistema educacional é complexamente compartimentado e excludente entre as disciplinas, de acordo com Petraglia (2003). Ao dificultar o processo de ensino e aprendizagem integrado, interdisciplinar, favorece as concepções pedagógicas liberais que são, por natureza, reducionistas; nas explicações de Luckesi (2011). Em outros termos, equivale a dizer que a interdisciplinaridade facilita a compreensão da complexidade, nas aclarações de Morin (2005); por consequência, das tendências pedagógicas sociocríticas. A complexidade privilegia a visão panorâmica geral da Educação, revelando as percepções sociocríticas em relação ao sistema. O reducionismo, por meio do tratamento disciplinar, favorece a visão não crítica; corrobora Triviños (2006). Afinal, se não se abrange o todo e se evidenciam somente as partes, se esconde a complexidade do sistema; por conseguinte, restringe as possibilidades da visão social crítica, pois o desconhecimento do funcionamento dos sistemas é reduzido, a compreensão é reduzida nos dizeres de Zabala (2002). Estas observações são pertinentes não exclusivamente ao modelo Brasileiro, mas para, virtualmente, toda a Educação mundial. Os estudos da teoria da complexidade de Morin (2001, 2005) demonstram esta conjuntura. É desejável, importante e mais efetivo para a Educação o modelo que integra coerentemente todos os saberes, sem distinção hierárquica de importância entre os ramos do conhecimento; assevera Morin (2001, 2002). A Educação em Ciências, por natureza interdisciplinar nas concepções de Delizoicov, Angotti e Pernambuco (2007), promoveria maior compreensão da complexidade se a estrutura curricular não fosse excessivamente compartimentalizada nas rotinas escolares ou acadêmicas como, de fato, é.

Ainda no quarto artigo, o quinto inciso estabelece a garantia de continuidade e da permanência do processo educativo quanto à Educação Ambiental (Brasil, 1999). Isto sinaliza que para a perenidade da EA, esta não pode ser ignorada em nenhum nível ou modalidade da Educação formal. A Educação Ambiental para a vida é lógica, pois a vida ocorre no contexto do ambiente. Conforme Carvalho (2004), a Educação em Ciências cumpre papel essencial para algumas das principais ênfases da Educação Ambiental, devido aos conteúdos curriculares estudados nos processos educativos (Ecologia, Biologia, Biodiversidade; enfim, as Ciências da vida, ou ambientais).

O sexto inciso do quarto artigo orienta sobre a necessidade da permanente avaliação crítica do processo educativo ambiental (Brasil, 1999). Segundo Gadotti (2004), nenhum sistema didático-pedagógico pode negligenciar a avaliação crítica, pois há o risco de deterioração da qualidade educacional. Estas metodologias para a avaliação crítica da Educação Ambiental ainda necessitam ser desenvolvidas, por serem muito incipientes até então, conforme Tozoni-Reis (2004). De qualquer modo, a lei, ao destacar a permanente avaliação crítica, abre possibilidades ao pluralismo pedagógico, o que é muito interessante no Ensino de Ciências porque a partir da junção das diversas tendências pedagógicas se podem trabalhar melhor as questões concernentes à complexidade das Ciências e das questões socioambientais.

O quarto artigo também baliza os princípios básicos da Educação Ambiental; o inciso VII expõe entre estes princípios a abordagem integrada das questões ambientais locais, regionais, nacionais e globais (Brasil, 1999). Esta articulação entre os aspectos ou problemáticas ambientais em vários níveis topográficos constitui-se em um dos fatores da complexidade da questão ambiental; explana Leff (2003). O que ocorre em um destes níveis pode afetar ecologicamente os estratos superiores ou inferiores, refletindo negativamente em todos os ecossistemas. Justamente por ser o meio ambiente uma questão complexa, vários estudiosos da complexidade e da complexidade ambiental se valem das perspectivas teóricas da complexidade como tratamento para os problemas ambientais; por conseguinte, da Educação Ambiental. Leff (2003, 2005, 2007) e Morin (2000, 2001, 2002, 2005) são conceituados autores que, entre outros, enfatizam a questão da abordagem complexa como método compreensivo da realidade; portanto, método também para o desenvolvimento das Ciências e da Educação em Ciências.

No quarto artigo, oitavo inciso, coloca-se como princípio básico o reconhecimento e o respeito à pluralidade e à diversidade individual e cultural (Brasil, 1999). Estas ideações vêm de encontro à necessidade de abarcar as questões educativas ambientais sob o olhar interdisciplinar. Isto, por si só, favorece também ao encontro discursivo de diversos pontos de vista pedagógicos para a composição de um quadro complexo de Educação para o meio ambiente. O domínio disciplinar, ordinariamente, não privilegia pontos de vista diversos entre as várias áreas de saber, pois as bases para a produção de novos conhecimentos em um dado campo disciplinar são endógenas, no entendimento de Abbott (2004). Em outras palavras, significa que são fundamentos internalizados, de modo a não favorecer a intervenção de outros campos do conhecimento. Isto confere grau de especialização cada vez maior aos conhecimentos, de modo a se conhecer cada vez mais sobre cada vez menos; nas compreensões de Oliva (2010). Não se trata de afirmar que este reducionismo não seja interessante para as Ciências e as tecnologias, pois é muito proveitoso do ponto de vista da ciência utilitária. Trata-se tão somente de afirmar que estas reduções do conhecimento a disciplinas cada vez menores, embora importantes em variados contextos das diversas áreas das ciências, não atendem às complexas necessidades da questão ambiental, que necessita de um olhar global e integrado a partir de diversos campos científicos. Este é o pensamento de Leff (2003, 2005, 2007) e Morin (2000, 2001, 2002, 2005). O Ensino de Ciências tem a responsabilidade de aclarar estas questões sociais e ambientais aos seus discentes, nos âmbitos escolares e acadêmicos.

O oitavo artigo destaca, nos seus quatro primeiros incisos, as responsabilidades sobre as atividades vinculadas à Política Nacional de Educação Ambiental. Tais atividades devem ser desenvolvidas na educação em geral e na educação escolar por meio da capacitação de recursos humanos; desenvolvimento de estudos, pesquisas e experimentações; produção e divulgação de material educativo; acompanhamento e avaliação. Estas ações devem ocorrer de modo integrado (Brasil, 1999). No mesmo artigo, o segundo parágrafo instrui que a capacitação de recursos humanos voltar-se-á para diversos objetivos, arrolados em cinco incisos. No primeiro inciso, orienta-se sobre a incorporação da dimensão ambiental na formação, especialização e atualização dos educadores de todos os níveis e modalidades de ensino (Brasil, 1999). O segundo inciso versa sobre a incorporação da dimensão ambiental na formação, especialização e atualização dos profissionais de todas as áreas. Isto significa exatamente a consideração à complexidade e à transdisciplinaridade da Educação Ambiental. Ambos os incisos (principalmente o primeiro) aludem à necessidade da formação dos profissionais da Educação (incluído entre estes estão também, obviamente, os professores de Ensino de Ciências). O professorado necessita de preparo mais aprofundado em função da necessidade dos seus objetos de estudos (disciplinas) precisarem estar mais voltados às temáticas ambientais para o atendimento à dimensão ambiental da Educação; pelas ponderações de Penteado (2005).

Como a PNEA tem sido basicamente inoperante, estas formações dos educadores e dos profissionais em geral, bem como os sujeitos submetidos às problemáticas ambientais, têm ficado à deriva dos interesses privados e da omissão dos poderes públicos quanto aos seus deveres de subserviência aos interesses da sociedade; elucida Furtado (2009).

Loureiro (2007) corrobora as ideias da ineficácia da PNEA, expressando que a Educação Ambiental não está consolidada nacionalmente como política pública de Educação. Esta não consolidação se reflete também no Ensino de Ciências, no sentido de que a EA no contexto da Educação em Ciências fica na dependência da formação individual de cada docente, em função da falta de iniciativas no atinente à formação docente em Educação Ambiental.

Como última parte do oitavo artigo há o terceiro parágrafo, que menciona os estudos, pesquisas e experimentações em EA, como atividades vinculadas à Política Nacional de Educação Ambiental e que devem ser desenvolvidas na Educação em geral e na Educação escolar (Brasil, 1999). Em função do exposto por Furtado (2009), por Loureiro (2007) e outros estudiosos destas questões referentes à PNEA, também não se observa o funcionamento sistemático de iniciativas neste sentido quanto à última parte do oitavo artigo. Como já mencionado isto atinge ao Ensino de Ciências, que poderá ter muitos professores despreparados no que concerne à Educação Ambiental. 

O nono artigo prescreve que a Educação Ambiental pertence a todos os níveis e modalidades da Educação formal (Brasil, 1999). Logo, todo o professorado de Educação em Ciências dos vários níveis e modalidades da Educação está imbuído de trabalhar com a Educação Ambiental.

O décimo artigo contém três parágrafos e determina que a Educação Ambiental seja desenvolvida de modo integrado (isto é, interdisciplinar), contínuo e permanente em todos os níveis e modalidades do ensino formal (Brasil, 1999). Apesar do reconhecimento da complexidade como essencial à plena compreensão do conhecimento, o ensino brasileiro, como já discutido, é estruturado de forma reducionista. A disciplinaridade dá a ideia de simplificação excessiva da realidade, ao posicionar os ramos do conhecimento como independentes entre si; nas reflexões de Vasconcellos (2003). Em função da estrutura educacional predominante, torna-se muito difícil concretizar projetos educativos interdisciplinares, na avaliação de Fazenda (2011). Estas realidades da estruturação escolar e acadêmica nacional impactam negativamente na Educação Ambiental no contexto do Ensino de Ciências, pois em função do reducionismo na Educação em geral, muitas vezes não existe a vinculação dos debates socioambientais aos respectivos conteúdos curriculares da Educação em Ciências.

O primeiro parágrafo do décimo artigo orienta que a Educação Ambiental não seja instituída como disciplina específica do currículo; porém, o segundo parágrafo permite criar disciplina específica nos cursos de pós-graduação, extensão e outras áreas dedicadas aos aspectos metodológicos da Educação Ambiental (Brasil, 1999). Para a formação professoral em Ensino de Ciências, seria interessante contar com enfoques que fomentassem o estudo de aspectos metodológicos da EA, de forma que o futuro professor de Ciências detivesse conhecimentos mais apropriados para trabalhar com a EA.

O terceiro parágrafo do décimo artigo orienta que nos cursos de formação e especialização técnico-profissional, em todos os níveis, deve ser incorporado conteúdo que trate da ética ambiental das atividades profissionais a serem desenvolvidas (Brasil, 1999). Esta determinação é aplicável também aos docentes de Ensino em Ciências; é interessante que cursos de formação e de especialização técnica e profissional para a docência contenham abordagens relativas à ética ambiental.

O décimo primeiro artigo estipula que a dimensão ambiental precisa constar dos currículos de formação docente, em todos os níveis e em todas as disciplinas (Brasil, 1999). Esta posição legal assume a relevância da interdisciplinaridade educativa ambiental para a formação docente. Para além da questão da interdisciplinaridade, cabe questionar o que se entende por dimensão ambiental. Como se concebem tais dimensões ambientais; quais as racionalidades e as tendências pedagógicas adequadas para se trabalhar nas questões ambientais de modo a contemplar ao atendimento dos interesses da maioria da população? O que se quer expressar aqui é a dimensão democrática da Educação, aludida como princípio político no Brasil e na maior parte do mundo.

Este décimo primeiro artigo conta com um parágrafo único, postulando que os professores em atividade devem ter formação complementar em suas áreas, com o propósito de cumprimento dos princípios e objetivos da Política Nacional de Educação Ambiental (Brasil, 1999). Uma eventual lacuna de formação complementar pode também prejudicar o professorado de Ciências quanto à proficiência didático-pedagógica em Educação Ambiental, portanto, é relevante o atendimento a este quesito legal. As políticas de formação continuada docente precisam de algum modo oportunizar momentos de educação continuada na temática de meio ambiente e Educação.

3. Considerações finais

As análises sociocríticas examinadas a partir da Política Nacional de Educação Ambiental, em relação às suas implicações no contexto do Ensino de Ciências, apontam muitas possibilidades (bem como dificuldades) para as conjunturas da Educação ambiental, no que compete à Educação em Ciências.

Consequentemente, este estudo pode constituir-se em referencial de ponderações sobre a melhoria do Ensino de Ciências e da formação pedagógica (tanto a inicial quanto a continuada) dos professores de Ciências, no pertinente à dimensão ambiental da Educação, a partir das análises sociológicas críticas educacionais empreendidas nesta investigação. Por exemplo, pode ser uma referência para as revisões curriculares de cursos de formação pedagógica inicial ou continuada, bem como para revisões de conteúdos e as formas de abordagens conceituais e didático-pedagógicas destes conteúdos nas disciplinas de Ciências de todos os níveis e modalidades de ensino.

Por se tratar de um estudo inicial de aproximação à temática da presente investigação - análise sociocrítica da Política Nacional de Educação Ambiental e as implicações no Ensino de Ciências - certamente cabem aqui sugestões de trabalhos futuros para o aprofundamento das questões emergentes das análises sociocríticas exploradas nesta pesquisa.

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1. Docente do Programa de Pós-Graduação em Formação Científica, Educacional e Tecnológica (PPGFCET). Universidade Tecnológica Federal do Paraná (UTFPR), Brasil. E-mail: cefortes@yahoo.com

2. Docente dos Programas de Pós-Graduação em Engenharia de Produção (PPGEP) e Ensino de Ciência e Tecnologia (PPGECT). Universidade Tecnológica Federal do Paraná (UTFPR), Brasil. E-mail: lapilatti@utfpr.edu.br


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