ISSN 0798 1015

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Vol. 39 (Nº 25) Ano 2018. Pág. 26

A Educação Inclusiva no Sistema Colégio Militar do Brasil: o estudo de caso sobre o Atendimento Educacional Especializado

Inclusive Education in the Military College System of Brazil: the case study on Specialized Educational Assistance

Letícia Aparecida Alves de LIMA 1; Flávia Moraes SIMÕES 2; Thaynara Carvalho de LIMA 3; Gisele Panconte de Lima BOING 4; Maria da Glória Lima Pereira VERNICK 5; Marcus Vinicius Gonçalves da SILVA 6

Recebido: 17/02/2018 • Aprovado: 20/03/2018


Conteúdo

1. Introdução

2. Referencial teórico

3. Metodologia

4. Resultados

5. Considerações Finais

Referências bibliográficas


RESUMO:

Esta pesquisa tem por objetivo descrever as propostas fundamentadas para a implantação da Educação Inclusiva no Sistema Colégio Militar do Brasil (SCMB), motivada pelo Plano Estratégico do Exército e pelas orientações da Diretoria de Ensino Preparatório e Assistencial (DEPA), ambas do ano de 2015. Para cumprir tal objetivo, metodologicamente, realizou-se um estudo de caso, por meio de uma abordagem qualitativa, na análise dos alunos matriculados e diagnosticados com transtornos funcionais específicos nos doze Colégios Militares, bem como as deficiências, síndromes, transtornos globais de desenvolvimento e altas habilidades. Depreende-se dos resultados apurados que há uma série de medidas a serem adotadas a fim de se incluir efetivamente o aluno com Necessidades Educacionais Especiais (NEE) no Sistema do Colégio Militar do Brasil.
Palavras chiave: Educação Inclusiva; Colégio Militar; Atendimento Educacional Especializado

ABSTRACT:

This research aims to describe the proposals to the establishments of Inclusive Education in the Military College System of Brazil, motivated by the Army Strategic Plan and by the Preparatory Education and Assistance Board, both in 2015. To accomplish this goal, methodologically, a case study took place using a qualitative research in the analysis of students enrolled and diagnosed with specific functional disorders identified in the twelve Military Colleges, as well as deficiencies, syndromes, development global disorders and high skills. There are a range of measures to be taken to effectively include the student with Special Educational Needs (SEN) in the Military College System of Brazil.
Keywords: Inclusive Education; Colégio Militar; Specialized Educational Service.

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1. Introdução

O Sistema Colégio Militar do Brasil (SCMB) é constituído por treze instituições alocadas em diversas regiões brasileiras. O ensino é público, com subordinação federal. Ao buscar a similaridade com a política pública da Educação Inclusiva, o SCMB propôs estar preparado para receber, até 2021, discentes com necessidades especiais, reestruturando seu projeto pedagógico e toda estrutura física com objetivo de viabilizar a inclusão escolar (DEPA, 2015).

No Brasil, a Educação Inclusiva não é um projeto educacional recente, contudo a sua efetivação é incipiente. O governo brasileiro determinou à rede pública de ensino de todos os entes federativos que incorporassem a proposta inclusiva, tornando obrigatória, dentre outros aspectos, a matrícula escolar de portadores de necessidades especiais físicas, sensoriais, mentais e psicológicas e os avaliados com altas habilidades/superdotação no sistema regular comum de aprendizagem (Brasil, 2007; 2008).

O SCMB, tido como núcleo aglutinador dos Colégios Militares (CM) distribuídos por várias regiões do país, precisou desta forma, pensar na concretização da inclusão escolar até o ano letivo de 2020, segundos prazos a serem cumpridos como meta nacional do Ministério da Educação e Cultura (DEPA, 2015).

O aluno que apresente essas condições, segundo o projeto do governo federal, deverá ser matriculado em dois turnos. Em um primeiro momento, incorporado à sua turma no ensino regular e, em turno complementar, no Atendimento Educacional Especializado (AEE), onde será acompanhado por profissionais das áreas da saúde e da educação, a fim de proporcionar a inclusão do aluno, trabalhando com as especificidades de cada deficiência, no intuito de desenvolver as potencialidades de cada sujeito.

Diante da estrutura histórica meritocrática dos Colégios Militares, em que o desempenho individual é o principal meio de avaliação e seleção do aluno, a inclusão de estudantes com Necessidades Educacionais Especiais (NEE) variadas, exigirá reestruturação na parte física, curricular e pedagógica da instituição (Brasil, 2013; DEPA, 2015).

Diante desse quadro, este estudo tem como objetivo compreender o desafio da inclusão no SCMB e, para que isso fosse possível, procurou-se entender como a educação inclusiva vem sendo implementada no público-alvo atendido; e, qual o perfil dos alunos com necessidades especiais.

Privilegiou-se uma pesquisa de cunho qualitativo devido às suas especificidades.          Após uma revisão bibliográfica consistente capaz de explanar o panorama da Educação Inclusiva e também o que se entende por NEE, o procedimento metodológico foi baseado nas concepções de Appolinário (2006), com a aplicação de um questionário submetido à DEPA, o qual teve finalidade diagnóstica, ou seja, procurava fornecer um panorama das necessidades educacionais nos referidos colégios.

Nesse sentido, se propõem contribuir com a nova fase dos Colégios Militares brasileiros, os quais, reforçando seu caráter assistencialista, abrirão suas portas ainda mais à sociedade, proporcionando aos alunos com necessidades educacionais especiais, o privilégio de desfrutar de sua educação tradicionalmente de qualidade, e de seu ambiente formativo caracterizado pelas singularidades que o colocam como baluarte do ensino brasileiro.

Desse modo, o estudo conta com esta introdução em seu primeiro capítulo. No capítulo 2, elaborou-se uma revisão tradicional da literatura e uma fundamentação teórica que atendesse aos anseios do trabalho, bem como se revisitou a legislação específica da área. No capítulo 3, a questão metodológica foi posta, ressaltando seus percursos e suas etapas. O capítulo 4 é destinado à apresentação e discussão dos resultados, onde é possível encontrar os diagnósticos realizados e os perfis traçados dos alunos com necessidades especiais. Por fim, são apresentadas as considerações finais do trabalho no capítulo 5.

2. Referencial teórico

Este capítulo tem o intuito de oferecer uma base teórica para a compreensão do panorama da educação inclusiva no Sistema Colégio Militar do Brasil, bem como a estrutura e os profissionais que atuam no Atendimento Educacional Especializado nesse mesmo Sistema.

2.1. Breve Histórico da Educação Inclusiva no Sistema Colégio Militar do Brasil

As iniciativas oficiais por parte do Exército Brasileiro em relação à educação inclusiva teve início com a constituição de um Grupo de Trabalho (GT), a fim de se estudar e propor medidas referentes o ingresso de alunos com deficiência no SCMB por meio da Portaria nº 122-EME, de 26 de junho de 2013 (EME, 2013), seguida da Diretriz Reguladora das atividades a serem desenvolvidas pelo GT, instituída por meio da Portaria nº 183-EME, de 6 de setembro de 2013 (EME, 2013a).

Este documento determinou que o GT multidisciplinar, em face da complexidade do tema, redigisse um Relatório Final “apresentando um estudo de viabilidade e uma proposta de diretriz que orientarão a elaboração de um projeto específico para o ingresso de pessoas com deficiência no SCMB” (EME, 2013).

A partir desta iniciativa, a Portaria nº 246-EME, de 16 de outubro de 2014, aprovou a Diretriz de Implantação do Projeto Educação Inclusiva no SCMB e regula as medidas necessárias ao processo de implantação.

 Em 4 de fevereiro de 2015, é aprovada a Portaria nº 061-Cmt Ex, que inclui o Parágrafo único no art. 44 do Regulamento dos Colégios Militares (R-69) com a seguinte redação:

Parágrafo único. O SCMB admitirá, a partir de 2016, o ingresso de candidatos com necessidades educacionais especiais, oriundos de processo seletivo ou não, conforme definido nas Normas para o Ingresso de Candidatos com Necessidades Educacionais Especiais nos Colégios Militares Integrantes do Projeto Educação Inclusiva no Sistema Colégio Militar do Brasil, a serem propostas pelo Departamento de Educação e Cultura do Exército e respeitando as demais condicionantes previstas neste Regulamento (Brasil, 2015).

E, por meio da Portaria nº 098-Cmt Ex, de 13 de fevereiro de 2015, são aprovadas, então, as Normas para o Ingresso de Candidatos com Necessidades Educacionais Especiais nos Colégios Militares, integrantes do Projeto Educação Inclusiva no SCMB. Este documento foi instituído com a finalidade de:

[...] estabelecer as condições para admitir, em caráter de transição, a matrícula de candidatos com necessidades educacionais especiais nos Colégios Militares (CM) que se enquadrarem, a partir de 2016, no Projeto Educação Inclusiva no Sistema Colégio Militar do Brasil (SCMB), em conformidade com as fases de implantação do Plano Estratégico do Exército (Brasil, 2015a).

Desta forma, a inserção da educação inclusiva no SCMB passou a ser implantada de forma paulatina e adaptada. Em razão da complexidade e o custo das ações elencadas no relatório final do GT, e do fato de o SCMB ser composto por treze Colégios Militares, distribuídos ao longo do território nacional, optou-se pelo faseamento no desenvolvimento do Projeto de Educação Inclusiva no SCMB, de modo que a cada ano dois colégios serão incluídos, conforme cronograma inicialmente apresentado pelo GT verificado no Quadro 1.

Quadro 1
Cronograma de ingresso de alunos com deficiência nos Colégios Militares

CM

Ano de ingresso de alunos com deficiência

CMB e CMBH

2016

CMRJ e CMPA

2017

CMF e CMR

2018

CMJF e CMCG

2019

CMS e CMSM

2010

CMC e CMM

2021

Fonte: Brasil (2014)

Assim, a partir desses dispositivos legais, tem início a trajetória oficial da política de educação especial e inclusão no SCMB, visando adequar-se a legislação nacional.

2.2. Atendimento Educacional Especializado (AEE)

Nos documentos oficiais que abordam o tema educação inclusiva do Brasil é evidente o grande enfoque no Atendimento Educacional Especializado (AEE). Tais documentos destacam a obrigatoriedade da oferta gratuita do AEE pelas redes de ensino de caráter não mais substitutivo, mas sim, complementar ou suplementar, ao que é proposto no ensino regular, sendo realizado no contraturno das aulas regulares, como se observa no trecho abaixo retirado da Resolução nº 4, de 2 de outubro de 2009, do Ministério da Educação, que Institui Diretrizes Operacionais para o Atendimento Educacional Especializado na Educação Básica, modalidade Educação Especial.

O AEE tem como função complementar ou suplementar a formação do aluno por meio da disponibilização de serviços, recursos de acessibilidade e estratégias que eliminem as barreiras para sua plena participação na sociedade e desenvolvimento de sua aprendizagem (Brasil, 2009).

Segundo o Decreto nº 7.611, de 17 de novembro de 2011, a oferta do AEE deve ser realizada de tal forma a eliminar as barreiras que possam obstruir o processo de escolarização de estudantes com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades ou superdotação e define que os objetivos do AEE são:

I - prover condições de acesso, participação e aprendizagem no ensino regular e garantir serviços de apoio especializados de acordo com as necessidades individuais dos estudantes;

II - garantir a transversalidade das ações da educação especial no ensino regular;

III - fomentar o desenvolvimento de recursos didáticos e pedagógicos que eliminem as barreiras no processo de ensino e aprendizagem; e

IV - assegurar condições para a continuidade de estudos nos demais níveis, etapas e modalidades de ensino (Brasil, 2011).

Dessa forma, o apoio prestado aos alunos com Necessidades Educacionais Especiais (NEE) matriculados no AEE leva ao desenvolvimento de habilidades, transversalmente ao estudo regular, que não seriam articuladas tão facilmente em outras instituições.

O acompanhamento e auxílio de profissionais e os instrumentos da sala de recursos devem, assim, auxiliar e possibilitar a aprendizagem desse aluno em uma turma regular, na qual também estará matriculado. Essa inclusão será feita com o auxílio direto do AEE que deve, segundo o decreto acima, prover as condições necessárias, como recursos humanos e materiais específicos, para a continuidade do estudo e aprendizagem do aluno atendido. Essa visão de AEE corrobora a Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva.

O atendimento educacional especializado identifica, elabora e organiza recursos pedagógicos e de acessibilidade que eliminem as barreiras para a plena participação dos alunos considerando suas necessidades específicas. As atividades desenvolvidas no atendimento educacional especializado diferenciam-se daquelas realizadas na sala de aula comum, não sendo substitutivas à escolarização. Esse atendimento complementa e/ou suplementa a formação dos alunos com vistas à autonomia e independência na escola e fora dela (...). Ao longo de todo o processo de escolarização, esse atendimento deve estar articulado com a proposta pedagógica do ensino comum (Brasil, 2008a, p. 16).

Deve-se atentar para a importância que o AEE, quando ofertado da maneira como descrita nos documentos oficiais, tem na vida desse aluno que será contemplado. Os benefícios obtidos no decorrer de sua vida escolar o ajudarão em seu desenvolvimento não só no ambiente escolar, mas também na sociedade, fazendo com que este indivíduo seja cada vez mais autônomo e realmente incluído, não somente integrado.

De acordo com a proposta da Resolução nº 4, supracitada, o projeto pedagógico da escola de ensino regular para institucionalizar a oferta do AEE deve prever em sua organização:

I – sala de recursos multifuncionais: espaço físico, mobiliário, materiais didáticos, recursos pedagógicos e de acessibilidade e equipamentos específicos;

II – matrícula no AEE de alunos matriculados no ensino regular da própria escola ou de outra escola;

III – cronograma de atendimento aos alunos;

IV – plano do AEE: identificação das necessidades educacionais específicas dos alunos, definição dos recursos necessários e das atividades a serem desenvolvidas;

V – professores para o exercício da docência do AEE;

VI – outros profissionais da educação: tradutor e intérprete de Língua Brasileira de Sinais, guia-intérprete e outros que atuem no apoio, principalmente às atividades de alimentação, higiene e locomoção; e,

VII – redes de apoio no âmbito da atuação profissional, da formação, do desenvolvimento da pesquisa, do acesso a recursos, serviços e equipamentos, entre outros que maximizem o AEE (Brasil, 2009).

Ainda seguindo o mesmo documento, esse atendimento deve ser oferecido em Salas de Recursos Multifuncionais (SRMF) ou em centros de Atendimento Educacional Especializado. A elaboração e execução são de competência dos professores que atuarem nesses locais em permanente integração com os professores do ensino regular, família, profissionais da saúde e os demais auxiliadores do processo de inclusão.

Os profissionais mencionados acima, no inciso VI da Resolução nº 4, devem ter formação inicial que os habilite para a docência e ainda formação específica para a Educação Inclusiva. Cabe a esses docentes: organizar o tipo e o número de atendimentos aos alunos da SRMF; elaborar, executar, produzir, e organizar serviços, recursos pedagógicos e de acessibilidade e estratégia de acordo com o público que será atendido pelo AEE; elaborar e executar o AEE; avaliar e acompanhar a funcionalidade e aplicabilidade dos recursos pedagógicos e de acessibilidade inclusive na sala de aula do ensino regular; estabelecer parcerias com as áreas intersetoriais; orientar professores e famílias; ensinar a usar a tecnologia assistiva e; estabelecer contato com os professores da sala de aula comum.

Na prática, o espaço destinado ao AEE não deve ser o único espaço responsável pela formação dos alunos com NEE matriculados, sendo imperiosa a criação de uma rede de saberes que proporcionem uma melhor aprendizagem, eliminando as barreiras em relação à inclusão escolar. Para que isto ocorra, é necessária mais mão de obra especializada em educação inclusiva. Os professores das turmas regulares devem sempre ter uma visão completa do que está ocorrendo na SRMF e devem conhecer procedimentos básicos em relação às necessidades específicas de seus alunos com NEE orientados pelos profissionais da AEE.

Para que esses profissionais possam exercer suas atividades satisfatoriamente, é preciso que a SRMF seja bem elaborada e que possua material adequado disponível para uso. Este grande desafio é auxiliado pelo Manual de Orientação do Programa Implantação de Salas de Recursos Multifuncionais de 2010 produzido pela Secretaria de Educação Especial do Ministério da Educação e Cultura (Brasil, 2010b).

Desse modo, a Educação Inclusiva no SCMB deve seguir principalmente tais diretrizes para que seja implantado o AEE em seu meio educacional visando manter a qualidade de ensino que já possui e podendo oferecer tal qualidade aos alunos que já estão e serão matriculados.

3. Metodologia

O presente estudo compreende uma pesquisa de campo, a qual, de acordo com Vergara (2009) é uma investigação empírica realizada no local onde ocorre ou ocorreu o fenômeno ou que dispõe de elementos para explicá-lo. Esse tipo de investigação pode incluir entrevistas, aplicação de questionários, teste e observação participante ou não.

Para pautar o estudo, foi adotada a metodologia qualitativa, a qual de acordo com Appolinário (2006) não busca generalização, e na análise dos dados, teve por objetivo compreender um fenômeno de modo stricto sensu, em vez de produzir inferências que levem a leis gerais.

Inicialmente, foi realizada uma revisão bibliográfica no intuito de fazer um levantamento sobre o histórico da origem do SCMB, a fim de contextualizar este sistema para entender suas atuais demandas. Para tanto, foram consultados documentos constantes no site da DEPA.

Ademais, foram apresentados alguns conceitos referentes à Educação Inclusiva, como o Atendimento Educacional Especializado, tendo como fonte de consulta as Diretrizes da Política Educacional atual do Brasil; Diretrizes Operacionais para atendimento educacional especializado; o Decreto nº 7.611 que dispõe sobre a Educação Especial, além de livro atual sobre o tema. No que tange ao tópico referente aos profissionais de apoio ao AEE, foram consultados o Manual de Orientação do Programa de Implantação de salas de recursos multifuncionais e o relatório produzido pela DEPA que aponta um diagnóstico sobre a atual conjuntura dos Colégios Militares do Brasil frente à inclusão de alunos com necessidades especiais. Finalmente, quanto ao tópico de Público-Alvo da Educação Inclusiva, foram utilizados como fonte de consulta as Diretrizes Nacionais para a Educação Especial na Educação Básica, a Política Nacional de Educação especial na Perspectiva da Educação Inclusiva e conceitos extraídos do Programa Nacional de Educação.

Ainda, durante a fase inicial da pesquisa de campo, para atender o objetivo de realizar um diagnóstico sobre a inclusão de alunos com necessidades especiais nos 12(doze) Estabelecimentos de Ensino que compõem o Sistema Colégio Militar do Brasil, foi elaborado um questionário que abrangeu questões referentes aos tipos de deficiências diagnosticadas nos colégios; a identificação das deficiências mais prevalentes; e, quais profissionais estão envolvidos no manejo desses alunos.

Appolinário (2006) define que o questionário é um documento contendo uma série ordenada de perguntas que devem ser respondidas pelos sujeitos por escrito, geralmente sem a presença do pesquisador, e podem ser entregues via e-mail, como foi o caso desta pesquisa.

O questionário foi encaminhado à DEPA, o qual foi preenchido com base nos documentos dos alunos matriculados com deficiência nos doze Colégios Militares, gerando um relatório que possibilitou visualizar o atual panorama da Educação Inclusiva no SCMB, em 2015, os quais serão apresentados no capítulo seguinte.

4. Resultados

A fim de enriquecer a discussão dos dados e não tornar a leitura repetitiva, a apresentação dos resultados da pesquisa é feita concomitante à discussão e reflexão sobre os mesmos.

4.1. Situação Diagnóstica dos Alunos com NEE no SCMB

Em alinhamento com a Política Nacional de Educação Inclusiva, os Colégios Militares brasileiros encontram-se em constante readaptação de seus processos educacionais para uma melhor inserção de crianças com necessidades especiais em um processo de aprendizagem de excelência que respeite as limitações individuais.

No ano de 2015, a Diretoria de Educação Preparatória Assistencial (DEPA), do Exército Brasileiro, realizou um levantamento dos alunos com laudos de necessidades especiais que se encontram matriculados no Sistema Colégio Militar do Brasil. De forma geral, constatou-se que devido ao grande leque de possibilidades diagnósticas, bem como à subjetividade da interpretação profissional especializada, há uma grande diversidade de situações especiais detectadas em cada um dos doze Colégios Militares. Por outro lado, algumas disfunções cognitivas, motoras ou de desenvolvimento mostram-se constantemente presentes nestas instituições.

A quantidade de crianças diagnosticadas com algum grau de necessidade especial, na maior parte dos colégios militares é baixa se comparada com o número de matrículas no SCMB. Em Belo Horizonte há 12 registros de crianças com NEE, Santa Maria com 11 casos, Rio de Janeiro com 22, Porto Alegre com 17, 14 casos em Juiz de Fora e Curitiba apresentando apenas quatro diagnósticos dá uma noção do que é considerado como baixa.     Tal observação pode ser resultante de uma subnotificação desses casos, do retrato de um diagnóstico ainda generalista e pouco especializado, ou ainda de um receio de pais e responsáveis em expor a situação de seus dependentes, mas ainda indefinida por falta de estudos científicos que comprovem definitivamente esta discrepância.

Contudo, há de se levar em conta a Portaria n° 014-DECEx, de 09 de março de 2010, que institui as Normas para Inspeção de Saúde dos Candidatos à Matrícula nos Estabelecimentos de Ensino Subordinados ao DECEx e nas Organizações Militares que recebem Orientação Técnico-Pedagógica, em particular, dos CM (Brasil, 2010).

Em virtude de que todos os alunos dos CM passam por esta inspeção, esta é uma possível causa do baixo número de alunos matriculados com deficiência, e, portanto, explica o baixo número de discentes com NEE. Contudo, há que se ressaltar que estas normas estão sendo modificadas para atender o princípio da inclusão e serão implantadas gradativamente nos Colégios Militares, de acordo com o cronograma apresentado anteriormente.

Ainda na avaliação dos dados dispostos a seguir, observa-se uma predominância de determinados diagnósticos tais como: Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH), Transtorno de Déficit de Atenção (TDA), Dislexia, Transtornos de Ansiedade, Deficiências visuais e auditivas, dentre outras menos expressivas.

No Colégio Militar de Belo Horizonte (CMBH) os diagnósticos identificados são os ilustrados no Gráfico 1, sendo que o Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDHA) foi o mais expressivo dentro dos transtornos funcionais específicos, com três alunos.

Gráfico 1
Situação diagnóstica – Colégio Militar de Belo Horizonte (CMBH)

Fonte: Elaborado a partir de DEPA (2015a)

No Colégio Militar de Brasília (CMB), 158 alunos apresentaram algum tipo de transtorno funcional específico, sendo que o de maior expressão foi o TDAH, com 33% dos casos, seguido de 26,5% de Transtorno de Déficit de Atenção (TDA) e 25% de Distúrbio de Processamento Auditivo Central (DPAC) (Gráfico 2).

Gráfico 2
Situação diagnóstica – Colégio Militar de Brasília (CMB)

Fonte: Elaborado a partir de DEPA (2015a)

No Colégio Militar de Campo Grande (CCG), conforme o Gráfico 3, quatro alunos apresentaram algum tipo de transtorno funcional específico, sendo que o de maior expressão foi o TDAH, com dois casos, seguido de um caso de Síndrome de Asperger e, um caso de Capacidade global intelectual médio inferior com prejuízo de funções neuropsicológicas.

Gráfico 3
Situação diagnóstica – Colégio Militar de Campo Grande (CCG)

Fonte: Elaborado a partir de DEPA (2015a)

Os dados do Colégio Militar de Curitiba (CMC) apontam um aluno diagnosticado com Altas Habilidades, um com TDAH, um com Dislexia e um aluno com Dificuldades de integração binaural (Fonoaudiologia), conforme o Gráfico 4. 

Gráfico 4
Situação diagnóstica – Colégio Militar de Curitiba (CMC)

Fonte: Elaborado a partir de DEPA (2015a)

Já no Colégio Militar de Fortaleza (CMF), verifica-se no Gráfico 5 que 11 alunos apresentaram algum transtorno, sendo que cinco foram diagnosticados com TDAH, dois com Síndrome de Asperger, um com Disgrafia, um com Lateralidade Cruzada, Dislexia, um aluno com Disortografia e um aluno com baixa visão.

Gráfico 5
Situação diagnóstica – Colégio Militar de Fortaleza (CMF)

Fonte: Elaborado a partir de DEPA (2015a)

No Colégio Militar de Juiz de Fora (CMJF), 14 alunos foram diagnosticados com algum tipo de transtorno funcional específico, sendo que o de maior expressão foi o TDAH, com quatro casos, seguido de três casos de Transtorno de Déficit de Atenção (TDA). Nesse estabelecimento, um aluno foi diagnosticado com o Transtorno de Atenção Generalizada (TAG), conforme o Gráfico 6.

Gráfico 6
Situação diagnóstica – Colégio Militar de Juiz de Fora (CMJF)

Fonte: Elaborado a partir de DEPA (2015a)

No Colégio Militar de Manaus (CMM), os diagnósticos apresentados foram: um aluno com Síncope, um aluno com Dislexia e PAC, um aluno com Dislexia e TDA e um aluno com TDAH, ilustrado no Gráfico 7.

Gráfico 7
Situação diagnóstica – Colégio Militar de Manaus (CMM)

Fonte: Elaborado a partir de DEPA (2015a)

No Colégio Militar de Porto Alegre (CMPA), dos 17 alunos diagnosticados, verificou-se um caso de transtorno hipercinético (F-90/CID-10), um caso de transtorno fóbico-ansioso (F-40/CID-10) e, um caso de autismo infantil/disfunção no processamento auditivo (F-84/CID-10), e um caso de Transtorno de Humor Bipolar (THB), observado no Gráfico 8.

Gráfico 8
Situação diagnóstica – Colégio Militar de Porto Alegre (CMPA)

Fonte: Elaborado a partir de DEPA (2015a)

Já no Colégio Militar de Recife (CMR), 10 alunos apresentaram algum transtorno, sendo que quatro foram diagnosticados com Transtorno de Ansiedade, dois com Transtorno no espectro autista leve, dois com Dislexia e, os demais conforme o Gráfico 9.

Gráfico 9
Situação diagnóstica – Colégio Militar de Recife (CMR)

Fonte: Elaborado a partir de DEPA (2015a)

No Gráfico 10, verificam-se os dados do Colégio Militar do Rio de Janeiro (CMRJ). Um diagnóstico até então não verificado nos demais colégios foi a Síndrome de Guillain-Barré e a Heterotopia Nodular. Dos 22 alunos com algum tipo de transtorno, oito apresentaram o TDAH. 

Gráfico 10
Situação diagnóstica – Colégio Militar do Rio de Janeiro (CMRJ)

Fonte: Elaborado a partir de DEPA (2015a)

Já no Gráfico 11, dos 11 alunos com algum tipo de diagnóstico no Colégio Militar de Salvador (CMS), verifica-se um caso de transtorno opositivo-desafiador (TOD) e um caso de Fobia Social. O TDAH foi diagnosticado em quatro alunos. 

Gráfico 11
Situação diagnóstica – Colégio Militar de Salvador (CMS)

Fonte: Elaborado a partir de DEPA (2015a)

E, por último, dos 12 Colégios Militares do Exército Brasileiro, o Gráfico 12 apresenta os dados do Colégio de Santa Maria (CMSM), sendo que quatro alunos foram diagnosticados com TDA, três com TDAH e dois com Dislexia. 

Gráfico 12
Situação diagnóstica – Colégio Militar de Santa Maria (CMSM)

Fonte: Elaborado a partir de DEPA (2015a)

As capitais, Brasília, Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Porto Alegre e Salvador destacam-se com a maior diversidade de casos de necessidades especiais registradas em seus CM, ambientes favoráveis ao desenvolvimento de políticas pedagógicas mais abrangentes e que podem servir de referencia para os demais estabelecimentos de ensino militares que ainda não possuam tal gama de necessidades especiais em seus cenários.

Seguindo as fases de implantação do Plano Estratégico do Exército (PEEx), o Projeto Educação Inclusiva no SCMB, implementado a partir de 2016, pode contar com dados inicialmente levantados, que esboçam a fotografia de uma população-alvo heterogênea e ainda carente de políticas de inclusão para que possam exercer seu direito pleno de cidadania, direito este defendido e sempre posto em prática pelo Exército Brasileiro.

Pode-se observar que preponderam diagnósticos relacionados a Transtornos Funcionais Específicos, denotando a necessidade de incluir esse público-alvo nas políticas de AEE.

5. Considerações Finais

A inclusão social há tempos é uma temática extremamente discutida no cenário mundial onde o homem busca, por meio de debates, planejamentos, aplicações práticas e avaliações de resultados, a maneira mais equânime de garantir o exercício de uma cidadania plena e independente de condição econômica, racial, religiosa, física e mental.

A educação como sendo alicerce para o desenvolvimento mental, físico e cognitivo do indivíduo, inserindo-o nas relações interpessoais de uma coletividade, é um instrumento que possibilita a formação de indivíduos conscientes de seus direitos e deveres. Buscando a quebra do paradigma da segregação como forma de tratamento igualitário, a Educação Inclusiva veio para transpor as barreiras na educação de indivíduos com deficiências físicas, transtornos de desenvolvimento e altas habilidades, garantindo-lhes a convivência nos espaços do ensino regular.

Diante do que foi exposto no presente estudo, percebe-se que a inclusão de alunos especiais no SCMB ainda vem enfrentando algumas barreiras na sua implantação, e o equívoco mais comum observado, foi a prática de uma educação especial paralela ao ensino comum, onde crianças especiais são segregadas do convívio das demais.

Não obstante, o ensino no SCMB tem buscado transformar essa realidade integrativa em uma inclusão educacional plena em todo o seu sentido conceitual e ideológico. Por meio da análise de dados recentes constatou-se que há um baixo índice de matrículas de alunos com algum grau de necessidade especial nos doze colégios militares em âmbito nacional.

Essa situação não pode ser explicada cientificamente pela ausência de estudos na área, mas possivelmente estejam relacionadas com o difícil diagnóstico desses casos especiais, dos altos custos iniciais para adaptação dos recursos humanos e materiais para implantação imediata da educação inclusiva no SCMB como um todo e ainda, do receio familiar na exposição da situação de seus dependentes.

Acredita-se assim que a educação na perspectiva inclusiva no âmbito do SCMB desenvolva-se a partir de uma política que modificará a organização escolar capaz de superar o modelo de integração, dada a prioridade destacada pelo Exército Brasileiro ao Projeto de Implantação da Educação Inclusiva.

Assim, a partir da reestruturação das normas de ingresso dos alunos, da adequação da estrutura física, da formação continuada dos docentes, da oferta do AEE e das modificações necessárias nas práticas pedagógicas para atender o princípio da inclusão, acredita-se que, até o ano de 2021, o SCMB já tenha condições de construir o seu próprio caminho e tornar-se também uma referência no atendimento às necessidades educacionais especiais, por meio da ampliação e da qualidade na oferta do atendimento ao público da educação especial.

No presente estudo, mesmo se deparando com a complexidade do tema ainda pouco praticado no SCMB, bem como a incipiente implantação do atendimento às necessidades educacionais especiais, para uma observação in loco, foi possível atingir os objetivos propostos no levantamento de dados situacionais que norteiam a implantação da Educação Inclusiva nos Colégios Militares do Brasil.

Referências bibliográficas

Appolinário, F. (2006). Metodologia da Ciência: filosofia e prática da pesquisa. São Paulo: Pioneira Thomson Learning.

Brasil. (2008). Decreto 6.571, de 17 de setembro de 2008. Dispõe sobre o atendimento edu­cacional especializado, regulamenta o parágrafo único do art. 60 da Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996, e acrescenta dispositivo ao Decreto n. 6.253, de 13 de novembro de 2007.

Brasil. (2008a). Ministério da Educação e Cultura. Secretaria de Educação Especial (SEESP). Política nacional de educação especial na perspectiva da educação inclusiva.Brasília: MEC.

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Vergara, S. (2009). Projetos e Relatórios de Pesquisa em Administração. São Paulo: Atlas.


1. Oficial do Magistério Militar. Colégio Militar de Curitiba. Especialista em Educação Especial (ESAP). letslima26@gmail.com

2. Oficial do Magistério Militar. Colégio Militar de Belo Horizonte. Especialista em Aplicações Complementares às Ciências Militares (EsFCEx). simoesfm@yahoo.com.br

3. Psicóloga. Academia Militar das Agulhas Negras. Mestranda em Psicologia (UFRRJ). tatacn23@hotmail.com

4. Pedagoga. Colégio Militar de Curitiba. Especialista em Psicopedagogia Clínica e Institucional (CESUMAR). gipancote@gmail.com

5. Oficial do Magistério Militar. Colégio Militar de Curitiba. Mestre em Educação (UFPR). gloriavernick@gmail.com

6. Doutorando em Gestão Urbana (PUCPR). Mestre em Planejamento e Governança Pública (UTFPR). marvin.gsilva@gmail.com


Revista ESPACIOS. ISSN 0798 1015
Vol. 39 (Nº 25) Ano 2018

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