ISSN 0798 1015

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Vol. 39 (Nº 18) Ano 2018 • Página 36

Cidadania organizacional: o papel preditor dos direitos e deveres do trabalhador no estresse ocupacional

Organizational citizenship: the predictor role of worker rights and duties in occupational stress

Cristiane Vaz PASTRE 1; Pricila de Sousa ZARIFE 2

Recebido: 27/12/2017 • Aprovado: 13/01/2018


Conteúdo

1. Introdução

2. Procedimentos metodológicos

3. Resultados e discussão

4. Considerações finais

Referências


RESUMO:

O presente estudo investigou a relação entre cidadania organizacional, na perspectiva dos direitos e deveres do trabalhador, e estresse ocupacional. Tratou-se de um estudo quantitativo, correlacional e de corte transversal. Participaram 116 trabalhadores brasileiros de organizações privadas. Os resultados possibilitaram identificar que as correlações entre as dimensões de cidadania organizacional e o estresse ocupacional foram negativas e significativas. Análises de regressão indicaram que apenas o direito de recompensa foi preditor significativo do estresse ocupacional, explicando 15% da variância.
Palavras-Chiave: Cidadania organizacional. Direitos e deveres do trabalhador. Estresse ocupacional.

ABSTRACT:

The present study investigated the relationship between organizational citizenship, in the perspective of worker rights and duties, and occupational stress. It was a quantitative, correlational and cross-sectional study. The sample comprised of 116 Brazilian workers from private organizations. The results allowed to identify that correlations between dimensions of organizational citizenship and occupational stress were negative and significant. Regression analysis indicated that only the right of reward was a significant predictor of occupational stress, explaining 15% of the variance.
Keywords: Organizational citizenship. Worker rights and duties. Occupational stress.

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1. Introdução

Com as intensas discussões atuais acerca das reformas previdenciária e trabalhista brasileiras e suas possíveis consequências, é importante que a Psicologia apresente contribuições que auxiliem para um maior entendimento sobre a questão da cidadania. Compreendida como exercício dos direitos e deveres do cidadão numa sociedade, sua construção esteve intimamente ligada a processos de lutas e conquistas de direitos civis, políticos e sociais (Ávila & Pereira, 2016). Assim como na sociedade, nas organizações, os trabalhadores têm deveres a cumprir e direitos a serem respeitados pelas mesmas, o que, numa perspectiva atual, deve ser entendido como cidadania organizacional (Zarife, 2016).

Algumas mudanças ocasionadas pela reforma trabalhista envolvem a possibilidade de ampliação da terceirização para todas as atividades de uma empresa (anteriormente restrita às atividades-meio), redução do tempo de intervalo de descanso e parcelamento de férias anuais em até três vezes (Brasil, 2017). Diante disso, boa parte da população acredita que o trabalhador será o maior prejudicado, ao passo que perderá importantes direitos já conquistados. A reforma previdenciária e o ajuste fiscal da PEC 55 submetem o trabalhador a um poder descomunal, possibilitando retornar a um tempo em que patrões detinham todo o poder na relação de trabalho (Borges, 2016).

Frente a tantas mudanças, é imprescindível considerar suas consequências. Uma possibilidade inicial é a geração de contratos de trabalho com critérios inferiores se comparados aos direitos trabalhistas anteriormente garantidos, como o aumento de contratos mais flexíveis, temporários e/ou com prazos determinados. Isto também pode influenciar o aumento da rotatividade, a diminuição salarial e as dificuldades na obtenção da aposentadoria (Mazzini, 2017).

Neste novo contexto, o ambiente de trabalho pode se tornar ainda mais estressor, trazendo consequências negativas não somente para o indivíduo, mas também para a organização em que ele trabalha. Dentre elas, o excesso de faltas e atrasos, o aumento de acidentes de trabalho e licenças médicas, a alta rotatividade, a falta de envolvimento com o trabalho, o baixo desempenho e o aumento de absenteísmo (Sadir, Bignotto, & Lipp, 2010).

Diante da importância dos construtos supracitados, é necessário investigar a relação entre a percepção de respeito aos direitos e deveres na relação trabalhador-organização, aqui entendido como cidadania organizacional, e estresse ocupacional. Para tanto, este artigo foi estruturado em quatro seções: (1) introdução dos construtos investigados; (2) procedimentos metodológicos empregados no estudo; (3) apresentação e discussão dos resultados; (4) considerações finais apresentando as implicações e limitações do estudo.

1.1. Cidadania organizacional

Katz e Kahn (1974) propuseram o termo cidadão organizacional, referindo-se àquele que emite comportamentos não prescritos formalmente, caracterizados como inovadores e espontâneos, e tidos como importantes para manutenção das organizações. Os autores consideraram que tais comportamentos englobariam cinco elementos: (1) atividades de cooperação com os demais membros da organização; (2) ações protetoras do sistema ou subsistema; (3) sugestões criativas para melhoria organizacional; (4) autotreinamento para maior responsabilidade organizacional; e (5) criação de clima favorável para a organização no ambiente externo.

O termo comportamentos de cidadania organizacional (CCO) foi proposto por Bateman e Organ (1983), no mesmo estudo em que apresentaram o primeiro suporte empírico à relação entre a cidadania e a satisfação no trabalho. Uma definição clássica de CCO envolve comportamentos concebidos espontaneamente que não fazem parte das funções dos trabalhadores e que não são formalmente recompensados, mas que em conjunto podem contribuir para um funcionamento eficaz das organizações (Organ, 1988).

Apesar de bastante investigado na literatura, o termo cidadania organizacional recebe muitas críticas em se tratando de seu desajustamento para explicar os comportamentos espontâneos dos trabalhadores, culminando na proposta de utilização do termo civismo nas organizações em tais casos (Porto & Tamayo, 2002, 2003, Zarife, 2016; Zarife & Paz, 2017). Isto porque a palavra cidadania envolve direitos e deveres, mais especificamente submissão à autoridade e exercício do direito (Porto & Tamayo, 2002), enquanto civismo significa “dedicação e fidelidade ao interesse público” (Houaiss, 2001, p. 734) ou “compromisso do indivíduo com os interesses da sua comunidade” (Lima, 1980, p.19), que se referem às práticas do cotidiano que contribuem para um bem-estar coletivo.

Mesmo com as mudanças de nomenclatura propostas, muitos estudos ainda confundem os construtos, adotando o termo cidadania de forma inadequada. Uma possível explicação para isso é que, em meio a essa discussão, propôs-se uma definição para civismo nas organizações, mas não uma definição posterior para o termo cidadania organizacional (Zarife, 2016).

Frente a esta lacuna, foi proposto um novo conceito para cidadania organizacional, baseado na etimologia da palavra. Nesta nova perspectiva, cidadania organizacional pode ser entendida como um conjunto de práticas baseado no respeito aos direitos e deveres do trabalhador na relação com a empresa, buscando a manutenção do bem-estar coletivo (Zarife, 2016; Zarife & Paz, 2017).

Neste sentindo, o cidadão organizacional passa a ser compreendido como o membro de uma organização que deve reconhecer seus direitos e deveres nesta relação, respeitando e cumprindo as normas instituídas pela organização, e, da mesma forma, requerendo que a organização respeite seus direitos. Assim, ser um cidadão organizacional requer o gozo de direitos e de deveres na relação trabalhador e organização (Zarife, 2016).

A Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT), documento que rege as relações de trabalho no Brasil, apresenta 922 artigos que tratam, em sua grande maioria, dos direitos do trabalhador. Isto ocorre porque é necessário equilibrar a relação entre empregador e trabalhador, ao passo que historicamente o primeiro detinha mais poder sobre o segundo. São direitos do trabalhador brasileiro: receber salário pago como contraprestação do serviço (envolvendo ainda gorjetas, comissões, percentagens, gratificações ajustadas, diárias para viagens e abonos), férias, 13° salário, adicionais noturnos e de horas extras (Brasil, 2017).

Todavia, os deveres do trabalhador também são importantes para a manutenção de uma relação de trabalho saudável. O não cumprimento dos deveres, como assiduidade, pontualidade e não praticar injúria, calúnia e/ou difamação do empregador, superior ou terceiros, pode ocasionar sua demissão por justa causa (Brasil, 2017).

Além da importância dos deveres do sujeito enquanto trabalhador de uma organização para a manutenção da relação de trabalho, caso seus direitos não sejam respeitados, estima-se que isto poderá influenciar negativamente diferentes aspectos do contexto individual e organizacional. Todavia, tendo em vista a recenticidade da proposição de cidadania organizacional como respeito aos direitos e deveres do trabalhador, poucos estudos foram realizados sobre esta nova perspectiva de cidadania organizacional.

O primeiro estudo empírico identificou o papel preditor das percepções de justiça distributiva, de procedimentos e interacional na percepção de respeito aos direitos e deveres. Também, constatou que as percepções de respeito aos direitos do trabalhador se mostraram preditoras de estresse organizacional, cujas dimensões envolvem características da organização tidas como potencialmente estressoras, independente da ocupação do trabalhador, como decisões organizacionais, suporte, incentivo à competição e entraves ao crescimento profissional (Zarife, 2016).

Um instrumento de medida de cidadania organizacional nesta nova perspectiva foi proposto, envolvendo direitos (recompensas e promoção de relacionamentos positivos) e deveres do trabalhador (cumprimento das normas da organização e comportamento
moral nas relações interpessoais), e apresentou parâmetros psicométricos satisfatórios (Zarife & Paz, 2017). Outro estudo, realizado com operadores de um call center paulistano, identificou que os trabalhadores que possuem menos tempo na empresa tendem a apresentar percepções mais elevadas de respeito às recompensas, bem como aqueles alocados na filial do interior do estado perceberam mais respeito à promoção de relacionamentos positivos (Garcez, Antunes, & Zarife, 2017).

A recente proposição da cidadania na perspectiva dos direitos e deveres demanda mais estudos sobre sua relação com outras variáveis. Diante disso, a presente pesquisa investigou o papel preditor das dimensões de cidadania organizacional no estresse ocupacional.

1.2. Estresse ocupacional

O conceito de estresse foi desenvolvido por Hans Selye (1946), como um estado que se manifesta por meio da Síndrome Geral de Adaptação (SAG). Tal síndrome seria constituída por três fases: (1) fase de alarme – quando o indivíduo se depara com situações de estressantes, que causam desiquilíbrio; (2) fase de resistência – tentativa do organismo de reestabelecer o equilíbrio perdido na fase de alarme; (3) estágio de exaustão – ocorre quando não há a volta do equilíbrio na fase anterior, causando efeitos indesejáveis, como doenças e até a morte.

Pesquisas brasileiras acerca de estresse propuseram a existência de um quarto estágio no modelo de Selye, denominando “quase exaustão” por estar localizado entre fases de resistência e exaustão (Lipp, 2003). Nesta perspectiva, o sujeito não chega ao estágio de exaustão de forma instantânea, havendo antes um estágio de transição, em que ele não mais apresenta capacidade de resistência, mas também não se encontra no estágio de exaustão. A quase exaustão ocorreria quando o sujeito não consegue ter adaptação ou resistência ao evento estressor, podendo dar início a quadros patológicos, não tão graves como na fase de exaustão.

Muitos autores propuseram conceitos de estresse, contudo não existe uma definição consensual para o construto. Uma compilação de estudos indica que as definições propostas para o estresse ocupacional podem ser agrupadas em três perspectivas: (1) estímulos estressores – estresse ocupacional se refere a estímulos do ambiente de trabalho que exigem respostas adaptativas por parte do trabalhador; (2) respostas aos eventos estressores – estresse ocupacional referente às respostas psicológicas, fisiológicas e comportamentais que os indivíduos apresentam quando expostos a fatores do trabalho que excedem as suas habilidade de enfrentamento; (3) estímulos estressores-respostas – estresse ocupacional referente aos processos gerais em que demandas do trabalho têm impacto nos trabalhadores (Jex & Britt, 2014). Apesar da falta de consenso, a terceira perspectiva se caracteriza como a mais utilizada pela literatura (Jex & Britt, 2014; Paschoal & Tamayo, 2004).

Cooper (1983) propôs a tipologia mais conhecida de estressores ocupacionais, relatando a existência de seis grupos de variáveis que se configuram como fontes de estresse no trabalho são elas: (1) fatores intrínsecos ao trabalho: que dizem respeito às tarefas desempenhadas pelo trabalhador, ambiente físico, carga de trabalho e atividades exercidas; (2) relações interpessoais no trabalho: relacionamento entre colegas e os conflitos gerados; (3) papéis na organização: descrição de cargos e modo de atuação do trabalhador; (4) desenvolvimento de carreira: falta de oportunidades de crescimento; (5) clima e cultura organizacional: envolvendo estilos de liderança, falta de autonomia, tomada de decisão; (6) Interface família-trabalho: conflitos domésticos que se refletem no trabalho, falta de apoio de cônjuge e familiares.

É importante destacar que um elemento pode ser considerado estressor ou não em decorrência de diferenças de percepção individual, ou seja, nem todas as pessoas classificam algumas demandas de trabalho como estressoras, ao passo que está intimamente ligado às experiências individuais. Para alguns, o grau de sensibilidade e tolerância ao estresse pode ser maior ou menor, e, por esse motivo, elas podem responder de modo diferente a ele. Aquilo que é extremamente estressante para uns, pode não ser um problema para outros, porque envolve elementos como adaptação do sujeito, hereditariedade, vulnerável ao estresse, hábitos e modo de perceber suas experiências (Pereira & Mello, 2014).

Uma série de estudos empíricos vem investigando a incidência do estresse em diferentes categorias profissionais e a relação do fenômeno com outras variáveis. Um estudo realizado com funcionários de uma instituição bancária investigou a relação entre estresse ocupacional e interferência família-trabalho. Os resultados indicaram níveis moderados de estresse ocupacional (M = 2,59; DP = 0,77) e que a interferência família-trabalho influencia positivamente o estresse ocupacional, sendo que quanto maior o escore de interferência, maior os níveis de estresse (Paschoal & Tamayo, 2005). Outro estudo realizado com bancários constatou a prevalência de sintomas de estresse em 47% dos participantes (Koltermann, Tomasi, Horta, & Koltermann, 2011).

Um estudo com policiais militares gaúchos identificou que a maioria (72,39%) apresentou nível médio/moderado de estresse ocupacional, sendo que as variáveis tempo de atuação e faixa de renda estavam associadas negativamente a níveis de estresse (Almeida, Lopes, Costa, Santos, Corrêa, & Balsan, 2016). Uma investigação sobre o papel preditor da cultura organizacional nos níveis de estresse ocupacional em técnicos de enfermagem encontrou níveis moderados de estresse ocupacional (M = 2,36; DP = 0,60) e que, apesar da baixa magnitude, cultura organizacional predisse o índice de estresse ocupacional (Feitosa, Belo, & Silva, 2014).

Um estudo sobre o estresse em equipes de trabalho identificou que a percepção de promoção, recompensa e benefícios foi o preditor mais forte do estresse ocupacional. Mais especificamente, este resultado indica que a percepção de respeito a tais elementos influencia negativamente os níveis de estresse nas equipes de trabalho (Puente-Palacios, Pacheco, & Severino, 2013).

Frente à necessidade de novos estudos sobre a perspectiva de cidadania organizacional recentemente proposta, bem como das consequências nocivas do estresse para pessoas e organizações, a presente pesquisa buscou investigar a relação entre cidadania organizacional e estresse ocupacional. Como cidadania organizacional envolve percepção do respeito aos direitos e deveres dos trabalhadores, baseados na legislação vigente, acredita-se que o sujeito tende a criar uma expectativa de que eles serão respeitados por ambas as partes. Considerando que a quebra dessas expectativas pode afetar negativamente o sujeito, a hipótese levantada neste estudo sugere que cidadania organizacional se configure como preditor negativo de estresse ocupacional.

2. Procedimentos metodológicos

2.1. Delineamento

O delineamento deste estudo se configurou como quantitativo, correlacional e de corte transversal. A pesquisa quantitativa é centrada na objetividade e leva em consideração que a realidade pode ser compreendida com base em análises de dados brutos, coletados com auxílio de instrumentos padronizados e neutros (Silveira & Córdova, 2009). A pesquisa correlacional envolve a investigação do grau de associação entre variáveis (Rueda & Zanon, 2016). Nos estudos transversais, a coleta de dados é realizada em uma única ocasião (Breakwell & Rose, 2010).

2.2. Participantes

Participaram da pesquisa 116 profissionais de organizações privadas, dos setores de indústria e varejo, do estado do Rio Grande do Sul, Brasil. A grande maioria dos participantes era do sexo feminino (74,1%). A idade dos respondentes variou dos 17 anos a 46 anos (M = 28,67; DP =6,32). O tempo de vínculo com a organização variou de 3 meses a 22 anos (M = 4,60; DP = 4,20). A grande maioria dos participantes possuía ensino médio completo (49,1%), seguido de ensino superior completo (30,2%), pós-graduação completa (13,8%) e ensino fundamental completo (6,9%). Sendo que 51,7% dos participantes eram solteiros, 45,7% casados e 2,6% divorciados.

2.3. Instrumentos

Para a realização da pesquisa, foram utilizados dois instrumentos de coleta de dados: Instrumento de Cidadania Organizacional e Escala de Estresse no Trabalho. O Instrumento de Cidadania Organizacional (Zarife, 2016; Zarife & Paz, 2017), baseado na perspectiva mais recente do construto, considera seu caráter bilateral (direitos e deveres do trabalhador). Os 28 itens do instrumento estão distribuídos em duas escalas bidimensionais: a Escala de Direitos dos Trabalhadores (EDiT) e a Escala de Deveres dos Trabalhadores (EDeT, Tabela 1). Os respondentes foram solicitados a assinalar, numa escala tipo Likert (0-nunca a 4-sempre), a frequência com que identificava a ocorrência de cada situação na empresa a que estava vinculado.

Tabela 1
Síntese das dimensões do ICO e da EET

Escala

Dimensões

Definição

Itens

α

EDiT 

I – Recompensas

Contrapartida da empresa diante do trabalho feito pelos trabalhadores, englobando recompensas tanto materiais quanto não materiais.

7

0,88

II - Promoção de relacionamentos positivos

Incentivo à promoção de relações saudáveis no ambiente de trabalho, não ocorrendo distinção em decorrência de sexo ou crenças do empregado.

5

0,75

EDeT

I - Cumprimento das normas da organização

Respeito às regras e normas instituídas pela empresa, tais quais não negligenciar o trabalho, zelar pela organização e cumprir a carga horária determinada em contrato.

12

0,92

II - Comportamento moral nas relações interpessoais

Apresentação de respeito e honestidade no relacionamento interpessoal com colegas de trabalho, sem indisciplina, nem ofensas.

4

0,72

EET

Unifatorial

Aspectos ocupacionais potencialmente estressores associados às respectivas reações psicológicas.

23

0,91

A Escala de Estresse no Trabalho (Tamayo & Paschoal, 2004) utiliza a perspectiva de estímulos estressores-respostas para avaliar o nível de estresse de trabalhadores em diferentes contextos de trabalho. Os 23 itens da escala se agrupam em um único fator (Tabela 1). Os respondentes foram solicitados a assinalar sua resposta numa escala de concordância tipo Likert (1-discordo totalmente a 5-concordo totalmente).

2.4. Procedimentos

O presente estudo integrou um projeto de pesquisa maior, aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa (CAAE: 69858817.5.0000.5319). Foram atendidas todas as exigências contempladas na Resolução 466/2012, do Conselho Nacional da Saúde (CNS) e na Resolução do Conselho Federal de Psicologia 016/2000, que dispõem sobre a realização de pesquisa envolvendo seres humanos.

As empresas foram contatadas pelas pesquisadoras para participar do estudo. Após o aceite das mesmas, foi agendada e realizada a pesquisa no local de trabalho, durante o expediente. Os trabalhadores foram informados de que a pesquisa não possuía vínculo com a organização, o caráter voluntário e sigiloso da pesquisa, os mesmos não iriam ser identificados e apenas as pesquisadoras teriam acesso aos questionários respondidos. Aqueles que aceitaram participar da pesquisa, foram instruídos a assinar o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE).

Para investigar a relação entre os dois construtos, foram empregadas técnicas de análise de dados compatíveis com este propósito. Inicialmente, foi realizada uma análise exploratória dos dados, buscando identificar a presença de dados ausentes. Nenhuma das variáveis apresentou índices significativos de dados ausentes (todos abaixo de 5%), sendo substituídos pela média. Em seguida, foi realizada uma análise descritiva dos dados (frequência, média e desvio padrão), de modo a caracterizar a amostra.

Foram realizadas análises de correlação entre as quatro dimensões de cidadania organizacional e o fator geral de estresse ocupacional. A interpretação da magnitude das correlações considerou suas classificações como baixa (0,10 £ r £ 0,29), moderada (0,30 £ r £ 0,49) ou alta (0,50 £ r £ 1) (Cohen, 1988).

Por fim, foram realizadas as análises de regressão múltipla linear, considerando as quatro dimensões de cidadania organizacional como variavéis antecedentes e o fator geral de estresse ocupacional como variável critério. Em decorrência da falta de informações teóricas e empíricas que auxiliassem na previsão de quais variáveis antecedentes seriam preditoras da variável critério, foi empregada a regressão stepwise,em cujaentrada de variáveis se baseia unicamente em critérios estatísticos.

3. Resultados e discussão

Inicialmente, foram calculados os escores de cidadania organizacional, para investigar a percepção de respeito aos direitos e deveres do trabalhador (Tabela 2). Os resultados indicaram que os participantes perceberam respeito aos direitos e deveres do trabalhador nas organizações, tendo em vista que os escores mostraram-se acima do ponto médio da escala. Isto sugere que, na visão dos trabalhadores, as empresas participantes e seus colaboradores tendem a estar de acordo com as leis trabalhistas.

Estes resultados se mostraram consonantes com os identificados numa amostra de profissionais de call center, que também perceberam respeito aos direitos e deveres do trabalhador na organização na qual trabalhavam (Garcez, Antunes, & Zarife, 2017). É preciso destacar o caráter equilibrador do respeito aos direitos e deveres do trabalhador na relação entre empregador e trabalhador. Isto torna essencial atentar para a promoção de ambientes que prezem pelo respeito aos direitos e deveres do trabalhador como forma de auxiliar para tornar as empresas mais saudáveis e produtivas (Zarife, 2016).

Tabela 2.
Síntese das estatísticas descritivas e correlação entre as variáveis

Variáveis

M

DP

1

2

3

4

5

1. Recompensas

3,11

0,57

-

2. Relacionamentos positivos

3,53

0,47

0,72**

3. Normas da empresa

3,27

0,45

0,52**

0,49**

4. Comportamento moral

3,26

0,61

0,32**

0,31**

0,60**

5. Estresse

2,14

0,67

-0,36**

-0,28**

-0,25**

-0,30**

-

**p<0,01

Em seguida, foi calculado o escore de estresse ocupacional dos participantes da pesquisa (Tabela 2). Os participantes do presente estudo apresentaram níveis moderados de estresse ocupacional, indicando não serem demasiadamente afetados por elementos potencialmente estressores no ambiente de trabalho. Tal resultado se mostrou semelhante aos encontrados em outras categorias profissionais reconhecidamente estressoras, como bancários, profissionais da enfermagem e policiais (Almeida, Lopes, Costa, Santos, Corrêa, & Balsan, 2016; Feitosa, Belo, & Silva, 2014; Paschoal & Tamayo, 2005). Mesmo que os níveis de estresse não tenham sido altos, o fato de serem moderados já indica a necessidade de buscar estratégias de melhoria dos ambientes organizacionais participantes da pesquisa, de modo a evitar o risco de que tal índice se intensifique e comprometa trabalhadores e organizações.

Vale destacar que a perspectiva de estresse ocupacional investigada no presente trabalho envolve o processo estressores-respostas, o que indica que foi abordado tanto um estressor quanto uma reação ao mesmo. A escolha desta perspectiva se deve à importância da percepção enquanto mediadora do efeito do ambiente de trabalho (Jex & Britt, 2014; Paschoal & Tamayo, 2004). Apesar de ser unifatorial, o instrumento utilizado na presente pesquisa para avaliar o nível de estresse dos participantes foi construído com base na tipologia proposta por Cooper (1983) sobre estressores organizacionais de natureza psicossocial e relações psicológicas ao estresse ocupacional, e em análises de instrumentos já existentes na literatura (Paschoal & Tamayo, 2004).

Acerca das correlações entre as variáveis do modelo, todas se apresentaram negativas e significativas, variando entre baixas e moderadas (Tabela 2). A mais elevada foi identificada entre recompensas e estresse ocupacional (r = -0,36; p < 0,01), indicativo de uma relação negativa e moderada.  Assim, pode-se inferir que quanto maior a percepção de respeito ao direito de recompensa (material ou não material) dos participantes, menores os níveis de estresse ocupacional.

As variáveis estresse ocupacional e comportamento moral também apresentaram uma correlação moderada negativa (r = -0,30; p < 0,01). Isto indica que quanto mais o trabalhador percebe respeito ao dever de comportamento moral nas relações interpessoais pelos membros da empresa, menores os níveis de estresse ocupacional.

Baixas correções negativas foram constatadas entre estresse ocupacional e promoção de relacionamentos positivos (r = -0,28; p < 0,01), e estresse ocupacional e cumprimento de normas da empresa (r = -0,25; p < 0,01). Tais resultados indicam que na medida em que o trabalhador percebe promoção de relacionamentos positivos por parte da organização, bem como cumprimento das normas da empresa por parte dos membros da organização, menores os níveis de estresse ocupacional.

Em suma, os resultados das correlações investigadas neste estudo evidenciaram que quanto maiores os níveis de percepção de respeito aos direitos e deveres do trabalhador, menores os níveis de estresse ocupacional. Após a constatação de que as variáveis do modelo estavam correlacionadas, foi possível testar a hipótese desta pesquisa, a saber: as dimensões de cidadania organizacional predizem negativamente o estresse ocupacional. Para tanto, foi realizada uma regressão linear múltipla (Tabela 3).

Os resultados das análises de regressão com as dimensões de cidadania organizacional como variáveis antecedentes e o estresse ocupacional como variável critério, indicaram que apenas uma das quatro variáveis investigadas no modelo apresentou poder preditivo para o estresse ocupacional, com direção negativa.

Tabela 3.
Sumário das análises de regressão múltipla linear

 

 

Estresse ocupacional

Variáveis antecedentes

Beta

Erro padrão

t

p

(constante)

0,5

7,54

0

Recompensas

-0,31

0,15

-2,4

0,01

Relacionamentos positivos

-0,05

0,18

-0,38

0,69

Cumprimento das normas

-0,03

0,18

-0,24

0,8

Comportamento moral

-0,17

0,11

-1,64

0,1

Coeficiente de regressão

 

 

R = 0,39

 

Variância

 

R2= 0,15;

R2ajustado=

0,12

Teste estatístico

 

F (4/111) =

5,00; p =

0,01

A variável Recompensas foi a única a apresentar poder preditivo do estresse ocupacional (β = -0,31; t = -2,40; p = 0,01). É possível inferir que a percepção de respeito ao direito de recompensas (materiais ou não materiais) leva a menores níveis de estresse ocupacional, sendo que o modelo testado explicou 15% da variância dos escores de estresse ocupacional [R = 0,39; F (4/111) = 5,00; p = 0,01]. Diante disto, a hipótese proposta neste estudo foi parcialmente corroborada, ao passo que apenas esta dimensão se mostrou preditora significativa do estresse ocupacional.

O papel preditor das recompensas no estresse ocupacional está em consonância com outros achados da literatura, ao passo que um sistema adequado de recompensas colabora para baixos níveis de estresse em equipes de trabalho (Puente-Palacios, Pacheco, & Severino, 2013). É importante enfatizar que as recompensas não são apenas materiais, tendo em vista que recompensar trabalhadores abarca o atendimento de suas expectativas e necessidades, o que inclui elementos financeiros, de desenvolvimento pessoal e profissional, de reconhecimento, dentre outros (Dutra, 2014). Assim, esta variável envolve tanto recompensas materiais (remuneração e férias) quanto não materiais (qualidade de vida no trabalho, tratamento digno e crescimento profissional).

Em se tratando das demais dimensões de cidadania organizacional, apesar de as predições não terem sido significativas, é necessário considerar que a direção das mesmas: negativa. Em todos os casos, esta direção mostrou-se coerente com a hipótese proposta neste estudo, indicando que quanto maiores os níveis de percepção de cidadania organizacional, menores os níveis de estresse ocupacional.

Como cidadania organizacional envolve percepção do respeito aos direitos e deveres dos trabalhadores baseados na legislação vigente (Zarife, 2016; Zarife & Paz, 2017), é possível que o sujeito, ao desempenhar seu papel como cidadão-trabalhador (cumprindo com seus deveres), crie uma expectativa de que os demais colaboradores cumpram com seus deveres e a organização respeite seus diretos. Ao não serem respeitados, as expectativas frustradas tendem a estar associadas a aspectos negativos, como o estresse, causando sofrimento.

Em caso de desrespeito aos direitos e deveres do trabalhador, estima-se possíveis consequências não somente no âmbito individual, mas também no contexto organizacional, causando prejuízos para ambos. A importância da cidadania organizacional pode ser ilustrada na relação entre justiça, cidadania e estresse organizacional. A percepção de respeito aos direitos do trabalhador mostrou-se uma variável mediadora da relação entre justiça organizacional e estresse organizacional, ou seja, diminui a magnitude da influência da justiça no estresse fruto de características da organização (Zarife, 2016).

4. Considerações finais

O objetivo do presente trabalho foi investigar o papel preditor de cidadania organizacional, na perspectiva dos direitos e deveres, no estresse ocupacional. Os resultados iniciais indicaram níveis moderados de estresse ocupacional e percepção de cidadania organizacional, sugerindo que as organizações participantes da pesquisa tendem a respeitar os direitos do trabalhador e que os trabalhadores cumprem com seus deveres.

Para testar a hipótese do estudo, foram realizadas análises de correlação e de regressão múltipla entre as dimensões dos construtos investigados. Os resultados obtidos possibilitaram corroborar parcialmente o papel preditor de cidadania organizacional no estresse ocupacional, ao passo que apenas a dimensão recomensas apresentou significância.

Ao apresentar informações inéditas sobre a relação entre estresse e cidadania organizacional em sua nova perspectiva, este trabalho apresentou importantes contribuições para o melhor entendimento da importância de ambientes que se sustentem em práticas de respeito aos direitos e deveres do trabalhador. Tendo em vista a ampla discussão sobre as recentes modificações nas leis trabalhistas brasileiras, a presente pesquisa auxilia no esclarecimento da importância dos direitos e deveres do trabalhador, por meio da investigação da relação com outra relevante variável do contexto do trabalho: estresse ocupacional.

No entanto, este estudo apresentou algumas limitações. A amostra, restrita ao estado do Rio Grande do Sul, com a participação somente de duas organizações e composta majoritariamente por mulheres, suscita cautela na generalização dos resultados. A recenticidade da proposição desta nova perspectiva de cidadania organizacional também dificultou a comparação dos resultados com outros estudos.

Diante disso, propõe-se uma agenda de pesquisa. Sugere-se a realização de novos estudos acerca destas variáveis contemplando outros estados e regiões do país, e outras categorias profissionais, afim de investigar se os resultados se sustentam. Ainda, indica-se a realização de investigações sobre a relação da nova perspectiva de cidadania organizacional com outras variáveis do contexto organizacional, bem como sua associação com variáveis pessoais e ocupacionais.

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1. Acadêmica do curso de Psicologia pela Faculdade Meridional - IMED.  email: crispastre@hotmail.com

2. Doutora em Psicologia Social, do Trabalho e das Organizações pela Universidade de Brasília - UnB. Professora da Universidade Metropolitana de Santos - UNIMES. email: profapricilazarife@gmail.com


Revista ESPACIOS. ISSN 0798 1015
Vol. 39 (Nº 18) Ano 2018

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