Vol. 39 (Nº 10) Ano 2018. Pág. 11
Adriana Augusta Benigno dos Santos LUZ 1; Anderson Roges Teixeira GÓES 2
Recebido: 25/10/2017 • Aprovado: 25/11/2017
2. A Expressão Gráfica e a Tecnologia Educacional e sua indissociabilidade
3. A Expressão Gráfica como Tecnologia Educacional
RESUMO: As considerações aqui expendidas advêm de quatorze anos de pesquisas desenvolvidas pelo Grupo de Estudos e Pesquisas das Relações Interdisciplinares da Expressão Gráfica (GEPRIEG), da Universidade Federal do Paraná, Brasil. As tecnologias utilizadas nas metodologias e práticas pedagógicas vão do lápis aos robôs, mostrando o quão importante é a diversidade de recursos no ambiente escolar e procurando evidenciar a importância de resgatar a Expressão Gráfica no processo de ensino-aprendizagem como um instrumento facilitador na construção do conhecimento. |
ABSTRACT: The considerations discussed here derive from fourteen years of research developed by the Group of Studies and Research of Interdisciplinary Relations of Graphic Expression (GEPRIEG), Federal University of Paraná, Brazil. The technologies used in pedagogical methodologies and practices go from pencil to robots, showing how important is the diversity of resources in the school environment and seeking to highlight the importance of rescuing Graphic Expression in the teaching-learning process as a facilitator in the construction of knowledge . |
As mudanças de valores, de hábitos e de culturas impostas à sociedade, advindas do desenvolvimento científico e tecnológico, são responsáveis pelas transformações que vêm ocorrendo na atualidade. É evidente que a educação não fica aquém destas mudanças. Os sujeitos, imersos em cenários que não acompanham estas transformações, perdem a noção do desenvolvimento, principalmente pelo fato do sistema educacional não proporcionar uma educação crítica, em que o profissional é o agente na construção de seu conhecimento.
Em todas as atividades produtivas, os profissionais se tornam dependentes destas mudanças e, com isso, se necessitam se adaptar às mudanças tecnológicas para sua própria sobrevivência. Esse fato reflete na produtividade e na qualidade do trabalho, seja pelo grupo de profissionais ou pelo indivíduo. É na educação formal, sobretudo na universidade, que o homem deveria encontrar soluções que envolvessem as tecnologias emergentes, mas para isto tais conhecimentos não podem ser abordados de forma linear e fragmentados, nem em nível curricular, nem no programa didático-pedagógico das disciplinas. É necessário um trabalho interdisciplinar que transcenda os limites da sala de aula, “um fazer diferente”, pois, como afirma Luz (2004)
A educação trata de uma ação, de um movimento intencional que se realiza em um contexto histórico e pode ser entendida como uma prática inserida em uma realidade social. Tal ação poderá ser uma prática progressista e libertadora ou ainda conservadora, dependendo do direcionamento tomado. O que irá determinar uma ou outra direção é o objetivo e, decorrente dele, a opção metodológica, pois é a maneira de fazer a educação que irá caracterizá-la. Não é o conteúdo do saber, mas o objetivo e o método que irá reelaborá-lo, transformando-o em saber libertador e progressista. (LUZ, 2004, p.68)
As discussões realizadas no âmbito de diversas universidades não se atentam para o fato de que as possíveis soluções devem passar necessariamente pela análise da relação universidade/processo produtivo, pois seria redundante afirmar que as relações sociais de produção imprimem seu carimbo na prática acadêmica a qual envolve tanto professores como alunos, em sua vivência diária (LUZ, 2004). À medida que a sociedade se transforma, a instituição universitária é afetada por mudanças decorrentes das transformações de natureza política, econômica, social, tecnológica, cultural, legal e espiritual. No entanto, tais mudanças demoram a acontecer no currículo, principalmente, ao engessamento deste e a burocracia interna das instituições educacionais.
Com isso, os novos valores que deveriam orientar a formação acadêmica dos novos profissionais e serem assimilados criticamente, ocorrem em tempos tardios devido ao embate com métodos tradicionais, baseados em posturas acadêmicas rígidas, que não acompanham a evolução social. O que está em jogo, portanto, não é a descoberta de técnicas didáticas ou de providências administrativas que melhorem ou até reformem o ensino universitário. O problema exige o aprofundamento da relação entre universidade e processo produtivo, já que essa relação perpassa o cotidiano acadêmico e caracteriza tanto o corpo discente quanto o docente.
Essa situação vigente levanta questionamentos que exigem reflexões mais aprofundadas. Devemos ponderar se aceitamos como normal uma formação profissional incompleta, fruto de um currículo fragmentado, de disciplinas e professores desvinculados dos objetivos reais dos cursos de graduação, tal como vem acontecendo há muitos anos em nossas universidades, ou, ainda, se aceitamos o desafio de tentar superar essa situação, repensando e reavaliando nosso papel na formação de um novo modelo profissional (LUZ, 2004).
Esta reflexão acerca do tema desse artigo propõe ao futuro professor a elaboração e utilização de recursos por meio da interface existente entre Expressão Gráfica e tecnologias educacionais. Isto posto, irá gerar possibilidades para novos caminhos, redescobrindo aqueles esquecidos por uma sociedade que supervaloriza cada vez mais os recursos tecnológicos atuais e se esquecem de recursos eficazes de outrora, principalmente em relação ao processo de ensino-aprendizagem.
Ao discutimos o estado da ciência e propormos a utilização de recursos que criem possibilidades de novos caminhos para a aprendizagem, reestruturamos, através dos trabalhos desenvolvidos pelo grupo, o ensino da Expressão Gráfica e das Tecnologias Educacionais através da construção do conhecimento solidificado de forma dialética. Assim, surge um novo significado para essas áreas como apoio filosófico e epistemológico (LUZ et al, 2005) na formação dos agentes sociais, sujeitos na construção do seu conhecimento, levando a uma aprendizagem autêntica.
É nesse sentido que apresentamos na seção seguinte a indissociabilidade entre os campos de estudos Expressão Gráfica e Tecnologia Educacional, conceituando cada um deles. Na sequencia apresentamos três trabalhos desenvolvidos no Grupo de Estudos e Pesquisas das Relações Interdisciplinares da Expressão Gráfica (GEPRIEG) da Universidade Federal do Paraná (UFPR), Brasil, que mostram como recursos como a folha de papel ao robô podem ser facilitadores na construção do conhecimento, desde que a metodologia do professor seja ativa. Tais práticas e temas vêm sendo estudos e desenvolvidos no GEPRIEG há 14 anos e, nesta caminhada, podemos comprovar que a qualidade da educação passa sobretudo pela metodologia do professor com a potencialização dos recursos disponíveis no ambiente escolar.
Antes de discutirmos sobre a Expressão Gráfica e como ela aparece no ambiente escolar, precisamos indicar o que entendemos sobre este campo de estudos. Assim, recorremos ao início desta seção ao seguinte questionamento: quem já não precisou de uma representação gráfica, por exemplo, para explicar algo que apenas com palavras não era entendível?
Provavelmente, em algum momento de nossas vidas nos deparamos com a situação indicada no questionamento acima. Este fato é tão comum que se tornou uma pergunta corriqueira, até uma brincadeira em conversas de pessoas de diversas faixas etárias: quer que eu desenhe?
A representação gráfica presente nos questionamentos acima indica um dos elementos do campo de estudos Expressão Gráfica. No entanto, este campo é amplo, pois como define Góes (2013)
Expressão Gráfica é um campo de estudo que utiliza elementos de desenho, imagens, modelos, materiais manipuláveis e recursos computacionais aplicados às diversas áreas do conhecimento, com a finalidade de apresentar, representar, exemplificar, aplicar, analisar, formalizar e visualizar conceitos. Dessa forma, a Expressão Gráfica pode auxiliar na solução de problemas, na transmissão de ideias, de concepções e de pontos de vista relacionados a tais conceitos. (GÓES, 2013, p. 20)
Considerando o afirmado por Vygotsky (1984, p. 134), que o desenho é um “estágio preparatório ao desenvolvimento da linguagem escrita das crianças”, podemos perceber que a Expressão Gráfica é inata ao ser humano. Ainda, ao olhamos para a história da evolução humana, o homem já se expressava e transmitia informações através da Expressão Gráfica por meio das pinturas rupestres encontradas nas paredes de antigas cavernas. Tais pinturas traziam a representação simbólica da forma de viver do homem primitivo, seus conhecimentos, seus medos, suas divindades (CAMPOS, 2000).
Essa forma de registro de comunicação jamais deixou de ser utilizada, ela é universal, uma vez que símbolo e suas representações são entendidos e reconhecidos por qualquer sujeito no mundo. Góes e Góes (2015) exemplificam este fato por meio das placas de sinalização de trânsito, essas possuem uma simbologia de formas, cores e traços as quais são compreendidas em qualquer parte do mundo, por pessoas das mais diversas faixas etárias.
Disso há diversas contribuições deste campo de estudo para o ambiente escolar, sendo uma delas a apontada por Luz (2004) em relação o desenvolvimento da inteligência espacial da teoria de Gardner (1995), interpretada pela autora como inteligência visuo-espacial, indicando que
é importante para o ser humano desde os primórdios da humanidade, prova disso são os desenhos feitos pelo homem pré-histórico, encontrados em diversas cavernas espalhadas pelo mundo. Nas universidades, como nas escolas de todos os níveis, a ideia de apresentar informações aos alunos de modo visual vem se resumindo a apresentações escritas no quadro negro ou através de transparências escritas e apresentadas no retro-projetor. (LUZ, 2004, p. 69-70)
O ensino da Expressão Gráfica, se bem direcionado, se comprova como um formador do pensamento, facilitando sua representação. Nele, conhecer um objeto ou determinado problema, é agir sobre ele e transformá-lo, aprendendo os mecanismos dessa transformação e vinculando-os às ações transformadoras. Podemos assim associá-lo a um método dialético que começa no abstrato e se transforma em concreto pensado, contribuindo na construção do pensamento crítico e compromissado socialmente. A capacidade de abstração reflexiva é fundamental para o desenvolvimento humano (LUZ, 2004).
Apesar da destacada importância da Expressão Gráfica na formação humana, Poi, Luz e Góes (2011) mostram, em seu trabalho, como esse campo de estudo vem sendo excluído das grades curriculares dos cursos de licenciatura. Demonstrando, assim, que os profissionais de educação obtêm seus títulos sem conhecer seus conteúdos e, ainda, a importância que possui em todo o processo pedagógico. É importante resgatá-la no processo de ensino-aprendizagem, por meio de formação continuada, mostrando suas relações interdisciplinares como um instrumento facilitador na construção do conhecimento (LUZ, 2004).
Por outro lado, com o passar do tempo novos recursos foram agregados a este campo de estudo pelos pesquisadores e, dentre eles, está a interface com a Tecnologia Educacional, aqui entendida como tecnologias físicas para a produção de imagens, sejam bidimensionais ou tridimensionais, reais ou virtuais. (GÓES; GÓES, 2015)
Luz (2016, p. 68) faz a seguinte afirmação:
Nessa era tecnológica que vivemos é indiscutível que o uso das tecnologias na educação, ou tecnologias educacionais, auxilia o educador no processo de ensino-aprendizagem, cabendo a este profissional o papel de mediação para o uso significativo desses recursos.
Para esclarecimento de nosso entendimento sobre “tecnologia”, nos baseamos nas afirmações de Kenski (2012, p. 23) a respeito da tecnologia “engloba a totalidade de coisas que a engenhosidade do cérebro humano conseguiu criar em todas as épocas, suas formas de uso, suas aplicações”, em Kalinke (1999, p. 101) que diz que tecnologia é "todo o conjunto de recursos, máquinas e equipamentos disponíveis para uso em qualquer atividade produtiva" e nas classificações de tecnologias de Sancho (2001) descritas por Brito e Purificação (2006),
Tecnologias físicas: são as inovações de instrumentais físicos; Tecnologias organizadoras: são as formas de como nos relacionamos com o mundo e como os diversos sistemas produtivos estão organizados; Tecnologias simbólicas: estão relacionados com a forma de comunicação entre as pessoas, desde o modo como estão estruturados os idiomas escritos e falados até como as pessoas se comunicam (BRITO; PURIFICAÇÃO, 2006, p. 19 apud SANCHO, 2001).
Realizamos tal esclarecimento sobre tecnologias, pois percebemos em nossa caminha profissional frente aos cursos de formação docente realizados no GEPERIEG, diversos equívocos pelos participantes, dentre eles a compreensão de que “tecnologias” são somente os recursos tecnológicos (computador, smartphone, tablet e outros). Esta falha na compreensão talvez ocorra pelo fato que a tecnologia é algo tão natural que passa despercebida para a maioria das pessoas, pois seu uso está internalizado pelo ser humano (KENSKI, 2012).
Neste viés podemos afirmar que o ambiente escolar está repleto de tecnologias, sejam as incorporados a educação há muito tempo ou as mais recentes, classificadas como novas tecnologias. Dentre eles pode-se citar: quadro de giz; livros; gibis; cadernos; lápis; computadores; vídeo; rádio; cartazes; projetores; murais; TV; jornais; DVD; revistas; entre outros (GÓES; GÓES, 2015). Ainda, a organização do ensino pode ser considerada como uma tecnologia, como exemplo, a seriação escolar que pode ser classificada como uma tecnologia organizacional.
É necessário ter clareza que somente inserir uma nova tecnologia no ambiente escolar não faz a diferença necessária para um processo de ensino-aprendizagem eficaz, é necessário muito mais, e isto passa pela metodologia do professor. Para exemplificar este fato, podemos fazer o exercício de nos remeter a alguns de nossos professores que utilizavam, muitas vezes, apenas o giz e a lousa e, ainda, temos a lembrança dos conhecimentos apropriados naquela época. As imagens impressas em nossas mentes mostram que é possível uma educação com a utilização de diversos recursos. Recursos estes que muitas vezes são provenientes do campo de estudos Expressão Gráfica e ao serem utilizados no ambiente escolar, também são considerados Tecnologia Educacional.
É evidente que a escola deve acompanhar o desenvolvimento do que se passa fora de seus muros, e as novas tecnologias precisam ser integradas e potencializadas neste ambiente. No entanto, não se pode admitir, por exemplo, a utilização de software de geometria (denominado de geometria dinâmica) para apenas construir Figuras geométricas sem o planejamento de utilizá-lo para explorar propriedades geométricas das Figuras construídas. Se objetivo é a construção da Figura, os recursos provenientes do desenho geométrico são suficientes para o trabalho em sala de aula.
Ainda existem várias polêmicas acerca do assunto “tecnologia educacional” como afirma Luz (2016, p. 69), ao citar como exemplo o uso de celulares em sala de aula. Por outro lado afirma:
Ferramentas e estratégias de ensino e aprendizagem com apelo tecnológico têm recebido grande atenção por parte dos estudiosos da educação. Há muito tempo não havia tantos debates acerca de recursos didáticos e suas aplicações.
Isso corrobora com Selva e Borba (2010) ao sugerirem que a introdução de novas tecnologias na escola deve levar a reflexões sobre mudanças curriculares, novas dinâmicas em sala de aula e novos papéis a serem desempenhados pelo professor. Eles ainda defendem que estes recursos não devem substituir ou complementar as atividades, mas sim reorganizar a sala de aula.
Neste sentido, apresentamos na próxima seção três metodologias e práticas pedagógicas que demonstram os benefícios da Expressão Gráfica como Tecnologia Educacional. Nessas práticas pode-se verificar a indissociabilidade entre Expressão Gráfica e as tecnologias educacionais por meio dos recursos visuoespaciais e/ou tecnológicos que fazem parte do mundo no qual vivemos. Portanto, levá-lo para sala de aula tem que ser algo simples sem a resistência de docentes em reconhecer que esses recursos fazem parte de prática diária em sala de aula.
Apresentamos nesta seção três práticas pedagógicas que utilizam da Expressão Gráfica como Tecnologia Educacional. Tais práticas foram desenvolvidas no Grupo de Estudos e Pesquisas das Relações Interdisciplinares da Expressão Gráfica (GEPRIEG) da Universidade Federal do Paraná (UFPR), Brasil, por acadêmicos participantes do projeto institucional LICENCIAR, em uma caminhada de pesquisas que vem ocorrendo há 14 anos.
Nessas práticas e metodologias procuramos mostrar as diversas tecnologias, “novas” ou “antigas”, evidenciando que a postura do professor frente ao processo de ensino-aprendizagem é o diferencial para uma educação com qualidade. Como dito anteriormente, apenas inserir a “novas tecnologias” no ambiente escolar sem mudança de metodologia do professor não proporcional benefícios aos educandos no que diz respeito a sua aprendizagem.
Iniciamos as apresentação dos trabalhos desenvolvido apresentando a metodologia elaborada por Luz et al. (2009), onde os autores procuram criar “uma nova perspectiva para o educando e o educador no estudo da matemática no ensino fundamental das escolas públicas, uma vez que os conteúdos podem ser desenvolvidos com elementos do cotidiano do aluno” (LUZ et al., 2009, p. 2).
Tal problemática surge da análise de livros didáticos de matemática do 6º e 7º ano do ensino fundamental, em que foi possível constatar que a maioria dos livros didáticos analisados aborda os conteúdos de forma independente e não relacionam com a vivência dos alunos. Assim, houve a proposta de desenvolver uma metodologia em que o Tangram (Figura 01a) e o Origami (Figura 01b) são a base para a construção do conhecimento de conteúdos matemáticos como polígonos, ângulos, áreas, posições relativas entre retas e frações, neste nível de ensino.
Figura 01
(a) Tangram; (b) Origamis
Fonte: Luz et al. (2009)
Por trabalhar com dobraduras podemos afirmar que o trabalho desenvolvido por Luz et al. (2009) utiliza de elementos da Expressão Gráfica, uma vez que faz uso de sequência visual na construção dos objetos. Ainda, desenvolvem o pensamento geométrico e espacial, visualizando conceitos que ora podem ser considerados algébricos nos conteúdos matemáticos, ora podem ser considerados conteúdos da Expressão Gráfica: a geometria.
A fundamentação teórica para o desenvolvimento do trabalho são as pesquisas de Piaget (1970) que afirmam que os estudantes possuem mais êxito no ensino dos ramos abstratos quando a criança manipula o material, tomando consciência real e não em um conceito verbal acompanhado de exercícios formais, sem o experimental.
Diversos recursos são propostos pelos autores, como a introdução ao tema que pode ocorrer por meio da história do origami contada pelo docente ou pesquisa em livros e na internet, para posterior discussão em grupo sobre o encontrado. A partir disto, cada grupo de estudantes escolhe um origami para ser construído e após a construção é solicitado que busquem descobrir as propriedades visíveis ou elementos geométricos que surgiram durante a construção para posterior discussão em sala de aula.
É evidente que nesta discussão diversos elementos geométricos serão indicados por equipes diferentes, levando os estudantes que não indicaram tais elementos a pensar se esses conceitos geométricos também estão presentes em sua construção, tornando o estudante o agente ativo de sua aprendizagem.
Para o trabalho com o Tangram, os autores sugerem a construção de um quadrado com 16cm de lado, para então determinar as demais peças deste quebra-cabeça. Como forma de construir as demais peças Luz et al. (2009) indicam várias possibilidades desde o uso da dobradura ao desenho geométrico. Com este material o professor pode abordar conceitos de área e volume, equivalência de frações, construção de polígonos (FiguraS 02a e 02b), equivalência de áreas (Figura 02c) e outros conceitos matemáticos, seja pela visualização, sobreposição de peças ou outras forma de comparação.
Figura 02
Polígonos construídos com peças dos Tangram. (a) Dois retângulos construídos
com seis peças do Tangram; (b) Triângulo construído com quatro peças
do Tangram; (c) Relação entre áreas de triângulos e de quadrados.
Fonte: Luz et al. (2009)
Os autores sugerem que a avaliação dos estudantes ocorra por meio dos registros, das observações e das discussões. Nesta proposta o professor assume seu papel de mediador e deve ter a consciência de contribuir para que os estudantes mudem a maneira de ver a educação tipicamente fundamentada em métodos formais, pois aqui o estudante é o ator principal de sua aprendizagem ao construir conceitos geométricos.
A segunda prática que apresentamos neste trabalho mostra como a Expressão Gráfica pode contribuir para a inclusão de estudantes com deficiência visual, mostrando como os elementos deste campo de estudo são versáteis e contribuem para o processo de ensino-aprendizagem de todos os estudantes.
Tal prática desenvolvida por Furlan, Luz e Góes (2011) foi aplicada a estudantes com deficiência visual que cursavam o ensino fundamental (7º, 8º e 9º anos) e no contraturno frequentavam o Instituto Paranaense de Cegos (IPC) na cidade de Curitiba/PR – local este de aplicação da proposta dos autores. Assim, tendo o objetivo de fazer com que esses estudantes compreendessem os conteúdos trabalhados na escola foram adaptadas algumas atividades dos livros didáticos e desenvolvidas outras envolvendo ludicidade e Geometria. A fundamentação da pesquisa está no ensino da Geometria segundo as considerações de Pavanello (1993) e no ensino da Geometria na educação inclusiva conforme os trabalhos de Kaleff (1994) e Barbosa (2003).
Para o desenvolvimento da pesquisa foram construídos 15 sólidos geométricos entre prismas, cone, pirâmides e cilindros em que as fases continham texturas diferentes (Figura 03a) e que poderiam, ainda, ser planificados (Figura 03b). Também foram construídos o “esqueleto” geométrico de alguns destes sólidos para que os estudantes pudessem manipular e identificar arestas e vértices (Figura 03c). Cabe ressaltar que os sólidos geométricos e seus “esqueletos” são imagens tridimensionais reais, que podem ser manipulados por estudantes com deficiência visual na busca de analisarem a forma dos objetos e compreensão seu espaço.
Figura 03
Sólidos Geométricos; (a) faces com texturas; (b) planificados;
(c) Esqueleto de poliedros construídos com palitos.
Fonte: Furlan, Luz e Góes (2011)
Com os materiais elaborados a atividade teve início entregando os prismas aos estudantes e, por meio da manipulação, foram instigados a perceber diferenças e semelhanças entre os sólidos em relação às faces, às arestas e aos vértices (Figura 04a). Ainda, procuram estabelecer comparação em relação ao formato e quantidade das faces laterais, bem como o formato das bases e seu paralelismo (Figura 04b) por meio do estabelecimento de comparação entre o piso da sala de aula o tampo da mesa.
Figura 04
Estudantes analisando prismas; (a) percebendo diferença entre
as faces; (b) verificando o paralelismo entre as bases.
Fonte: Furlan, Luz e Góes (2011)
Estudo semelhante foi realizado com os demais grupos de sólidos e, ao final, foi proposto que os estudantes registrassem a percepção por meio de representação gráfica. Para este registro foram utilizados EVA (uma borracha a base de Etil, Vinil e Acetato, comumente utilizado no ambiente escolar) embaixo de folhas de papel, favorecendo o traçado em relevo necessário aos educandos com deficiência visual (FiguraS 05).
Figura 05
(a) Estudante com baixa visão desenhando a planificação do prisma;
(b) Desenho elaborado pelo estudante com baixa visão;
(c) Representação de um prisma hexagonal por estudante cego
Fonte: Furlan, Luz e Góes (2011)
A Figura 05c apresenta um trabalho realizado por um estudante cego e apresenta a planificação de um prisma hexagonal, onde o hexágono foi centralizado e dispondo as faces laterais de maneira radial. A estudante que realizou a representação gráfica explica que fez dessa maneira, pois percebeu que todas as faces laterais estão unidas à base.
Os autores concluem que os elementos da Expressão Gráfica facilitaram a compreensão de conceitos e propriedades que utilizam predominantemente o sentido da visão, contribuindo para o processo de ensino-aprendizado de estudantes com deficiência visual. Ainda, relatam que a “formação adequada e a troca de experiências contribuem para minimizar a insegurança que norteia professores e acadêmicos das licenciaturas quanto ao trabalho na Educação Especial” (FURLAN; LUZ; GÓES, 2011, p. 12).
A última prática que descrevemos neste trabalho, com a finalidade de mostrar como a Expressão Gráfica é entendida como uma tecnologia educacional, foi desenvolvida por Nogueira et al. (2015). O trabalho apresenta a interface entre a Expressão Gráfica e uma nova tecnologia, a robótica educacional, por meio da aprendizagem baseada em projetos, proporcionando desenvolvimento de habilidades intelectuais. Como fundamentação teórica os autores se apoiam na teoria das Inteligências Múltiplas (GARDNER, 1995), no Construtivismo (PIAGET, 1970), no Construcionismo (PAPERT, 1986) e em metodologias de desenvolvimento de projetos (FORCELLINI, 2002).
Considerando a definição sobre Expressão Gráfica proposta por Góes (2013), entendem que a robótica educacional possui interface com a Expressão Gráfica ao considerar o robô como um protótipo ou, mesmo, um material manipulável. Ainda, a construção do robô pode ser considerada como uma imagem tridimensional real.
Na prática desenvolvida em dois encontros com 15 estudantes do ensino fundamental, os pesquisadores utilizaram o material de robótica educacional da Lego Mindstorm. No primeiro encontro apresentaram o material e propuseram uma montagem com instruções definidas nos manuais. Já no segundo encontro foi proposto aos estudantes o desafio de construir um robô com programação básica de locomoção, em que o robô deve sair da base e ao encontrar um obstáculo desviar e recolher um objeto pré-definido (Figura 06).
Figura 06
Esquema do desafio proposto.
Fonte: Nogueira et al. (2015)
Para a resolução desse desafio os autores aplicaram simultaneamente duas metodologias de processos de Design: o brainstorm e a matriz morfológica; que auxiliaram os estudantes a “organizar o pensamento e decompor o desafio em pequenas áreas” (NOGUEIRA et al., 2015, p. 7).
A construção da matriz morfológica (Figura 07) foi realizada com todos os estudantes por meio do questionamento sobre as divisões das funções do robô e quais os componentes de resolução.
Figura 07
Matriz morfológica construída pelos alunos.
Fonte: Nogueira et al. (2015)
As equipes verificaram alguns aspectos comuns como o fato que o robô deve ter dois motores de locomoção e uma garra para capturar o objeto e, ainda, a programação deve ter relacionada a identificar o obstáculo, desviar e capturar. Os autores relatam o incomodo dos estudantes em se arriscar na busca da solução, questionando se era possível utilizar soluções ou peças diferentes das utilizadas na proposta anterior. Esse fato
“evidencia que os estudantes se sentem reprimidos a experimentar suas novas ideias por mais geniais que elas possam ser. Este comportamento foi claramente identificado quando uma equipe propôs utilizar engrenagens para fechar a garra, porém pediu permissão para utilizá-las” (NOGUEIRA et al., 2015, p. 8)
Ao final da aplicação dos estudantes conseguiram identificar conceitos e conteúdos matemáticos e físicos que se entrelaçaram, evidenciando uma abordagem interdisciplinar (FAZENDA, 1991) onde para a resolução de certo problema, ou seja, foi necessário buscar em outra(s) área(s) de conhecimento conceitos para a resolução do problema proposto.
A três pesquisas apresentadas mostram como a Expressão Gráfica está inserida no ambiente escolar como uma Tecnologia Educacional. Seus elementos vêm sendo utilizados por docentes há muitos anos, mas sem o conhecimento de tal termo.
Os autores demonstram em suas pesquisas os benefícios das metodologias ativas, em que os estudantes experimentam, pesquisam e são ativos em seu processo de aprendizagem, seja com uma folha de papel (como descrito na primeira metodologia) ao uso de robô (última prática).
Este trabalho teve o objetivo de proporcionar uma reflexão sobre os benefícios da Expressão Gráfica no ambiente escolar como uma tecnologia ou por meio de interface com tecnologias comumente utilizadas neste ambiente. Isso leva os profissionais da educação a refletir sobre a área, sua formação e sua prática, guiando-o por caminhos que lhe darão suporte para o desenvolvimento de práticas educacionais inovadoras ou resgatando práticas que são eficazes no processo de ensino-aprendizado.
As práticas apresentadas sejam com dobraduras, com sólidos ou com robôs mostram a potencialidade de cada uma das tecnologias utilizadas. Isso aprofunda as relações entre Expressão Gráfica e Tecnologia Educacional, criando relações reais entre universidade e escola e propiciando ao professor um espaço aberto para diálogo junto a Universidade. Um guia para todos em busca do que chamamos “práxis revolucionária”, termo já utilizado por Luz (2004), ou seja, aquela que vem da compreensão na qual a realidade só pode ser mudada de modo revolucionário na medida em que saibamos que ela é produzida por nós.
Buscamos, também, definir o que é tecnologia para sanar o problema de definições errôneas que vem sendo utilizadas em muitos meios de comunicação quando se referem somente a equipamentos tecnológicos e emergentes. Mostramos que o desenho (um dos elementos da Expressão Gráfica) também é uma tecnologia educacional, e que muitas das tecnologias educacionais, como o robô, possuem interface com a Expressão Gráfica.
Como afirma Luz (2016, p. 51-52):
É indiscutível o papel do material didático como recurso incentivador da aprendizagem, uma vez que as mensagens que o estudante recebe por meio dele não são somente verbais; abarcam sons, cores, formas, sensações…
Por si só, os recursos e materiais didáticos exercem a função de meio de comunicação entre professor e aluno. Eles quebram a rotina e a monotonia das aulas nas quais somente o professor é o agente ativo. Ou seja, aulas exclusivamente verbais nas quais o professor fala e os alunos escutam calados.
Com Expressão Gráfica e tecnologias educacionais, juntas, é possível fazer “diferente”, prevalecendo o tempo de aprendizado do sujeito no processo de ensino-aprendizagem com práticas que são construídas e reconstruídas a cada momento. Nessas práticas, os recursos didáticos e materiais, na concepção de Luz (2016, p. 52)
além de agirem como agentes mediadores os materiais podem substituir, em o simples processo de memorização por parte do aluno, nas aulas e contribuir para o desenvolvimento de operações de análise e síntese, generalização e abstração, partindo de elementos concretos.
Entendemos que na era de avanços tecnológicos, tão presentes em nosso dia a dia, não devemos nos esquecer das “novas” tecnologias, mas antes de tudo devemos verificar se essas estão sendo potencializada ou os trabalhos desenvolvidos com elas seriam possíveis com as “velhas” tecnologias. Não devemos ficar a mercê de um modismo que muitas vezes é impossível de ser aplicado em sala de aula, sobretudo de instituições públicas, devido à falta de infraestrutura adequada. Ao dizermos modismo, queremos chamar a atenção ao fato, quando do surgimento de uma nova tecnologia, de muitos educadores procurarem relações urgentes com a escola, inserindo a tecnologia em suas aulas e não integrando. A integração de tecnologias em ambiente escolar é um grande avanço desde que o professor esteja disposto a fazer com que os alunos compreendam os conceitos escolares/científicos, incentivando e propondo atividades que levem o estudante a perceber quão importante são todos os recursos que nos rodeia.
Desta forma, reforçamos que as tecnologias por si só não modificam a educação, é necessário que a metodologia do professor também se transforme. Os professores necessitam deixar de lado aquelas folhas com suas anotações (que há anos não se atualizam) e percebam que a sociedade se transformou, sobretudo os docentes de instituições de ensino superior que estão regidos por regras rígidas, como é o caso das ementas de disciplinas dos cursos de graduação, algumas delas criadas há mais de 30 anos.
Através das práticas apresentadas se pode vislumbrar possibilidades reais de alterar a prática docente sem perder o foco do conhecimento que o estudante deve construir. É preciso querer transformar a educação e fazer a diferença no ambiente escolar.
Encerramos esta discussão com a afirmação de Luz (2016, p. 69) que nos mostra que a Expressão Gráfica e a tecnologia “fizeram tudo isso, criando todas essas relações que são acessíveis a todos e fazem parte do nosso dia a dia.
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1. Departamento de Expressão Gráfica. Universidade Federal do Paraná. Doutora. driu@ufpr.br
2. Departamento de Expressão Gráfica e Programa de Pós-graduação em Educação: Teoria e prática de ensino. Universidade Federal do Paraná. artgoes@ufpr.br