Vol. 39 (Nº 06) Ano 2018 Pág. 12
Fernando Antonio de Castro GONÇALVES 1; Everton Leandro Santos AMARAL 2; Jucelio Lima LOPES JUNIOR 3; Bruno Leonardy Sousa LOPES 4; Lourival da Silva RIBEIRO JUNIOR 5; David Rodrigues BRABO 6; Cristine Bastos do AMARANTE 7
Recebido: 03/10/2017 • Aprovado: 23/10/2017
2. Características químicas e estruturais das fibras vegetais
4. Pesquisas em desenvolvimento utilizando fibras naturais (compósitos/ biomateriais)
5. Fibras Naturais da Flora Brasileira e Amazônica e suas atuais aplicações
6. Perspectivas para as fibras vegetais
RESUMO: O presente trabalho tem como enfoque as fibras vegetais, usos e proficuidades a explorar das mesmas. Das fibras como material de modelagem do homem, é dada uma breve exposição de sua presença e usos desde a Pré-história até a época atual, juntamente com a evolução que as mesmas geraram nesse mesmo homem e em sua sociedade. Adiante, as fibras são apontadas não apenas como matéria bruta primitiva a respeito de sua presença desde sempre no cotidiano humano, mas promessa revolucionária em praticamente todos os ramos do conhecimento da espécie, desde industrial básico, passando pelo médico e farmacêutico, como em tecnologias revolucionárias e ainda a despontar. |
ABSTRACT: The present work focuses on the vegetal fibers, uses and proficuities to explore from them. From the fibers as a modeling material of man, a brief exposition of its presence and uses is given from prehistory to the present time, along with the evolution that they have generated in the same man and in his society. Ahead, fibers are pointed not only as primitive raw matter as to their presence in human daily life, but as a revolutionary promise in virtually every branch of knowledge of the species, from basic industrial, medical and pharmaceutical, to revolutionary technologies And still to rise. |
O desenvolvimento tecnológico atual está caminhando no sentido inverso ao modelo de civilização imposto pela Revolução Industrial. Modelo este alicerçado na industrialização, com sua forma de produção e organização do trabalho, a mecanização da agricultura e a utilização de matérias primas não renováveis. Ao longo do último meio século, fibras naturais foram substituídas por fibras artificiais tais como o acrílico, o náilon, poliéster e polipropileno e o sucesso destes produtos sintéticos se deve principalmente ao custo.
Entretanto, com o crescimento da humanidade, sua capacidade de intervir na natureza para satisfazer suas necessidades e desejos crescentes, surgiram também questões referentes ao uso e esgotamento dos recursos e, por conseguinte, surgiram os movimentos que refletem a crescente conscientização ambiental da população.
Nesse sentido, a busca de novos materiais, preferencialmente os de origem natural, é crescente. Esse movimento está fazendo com que a indústria agora priorize a utilização dos materiais naturais; porém com muito mais conhecimento e avanço tecnológico, o que pode permitir o seu melhor aproveitamento, juntamente com a constante busca por novas metodologias e processos menos poluentes e eficazes.
Nesse contexto, as fibras vegetais são um recurso renovável por excelência com as mais diversas aplicações tais como na construção civil, naval, indústria têxtil, na área da saúde, entre muitas outras. As fibras vegetais podem ser utilizadas não somente para tecidos, mas também para fabricação de fios, cordames, não tecidos, compósitos em substituição aos fabricados em madeira ou materiais sintéticos, sendo que o Brasil possui uma grande variedade de fibras naturais.
Fibras vegetais, tais como juta, sisal, fibra de bananeira, coco e outras constituem materiais sustentáveis, já possuindo aplicações correntes e outras aplicações ainda sendo pesquisadas. Por outro lado, de muitas outras espécies vegetais brasileiras e suas respectivas fibras, pouco ou nada é conhecido sobre suas características e possíveis aplicações.
Diante disto, esta revisão pretende mostrar os aspectos gerais das fibras naturais, desde um breve histórico de sua utilização na antiguidade, suas características e propriedades, às mais variadas aplicações e o mercado atual deste insumo.
As fibras naturais são um recurso renovável por excelência, onde absorvem a mesma quantidade de dióxido de carbono que produzem. Durante seu processamento, geram resíduos essencialmente orgânicos e deixam escórias que podem ser utilizados na geração de energia elétrica e, ao final de seu ciclo de vida, são 100% biodegradáveis (BRITO; ARAÚJO, 2011).
Fibras naturais, também chamadas de fibras lignocelulósicas ou vegetais, morfologicamente são células esclerenquimatosas de forma tipicamente prosenquimatosa, ou seja, de comprimento igual a muitas vezes a largura (MEDINA, 1959).
Comparadas às fibras artificiais, apresentam vantagens ecológicas (são biodegradáveis, renováveis e carbono “free”, isto é, quando são compostadas ou incineradas liberam a mesma quantidade de dióxido de carbono consumida durante seu desenvolvimento), vantagens sociais (geram empregos rurais), mecânicas (mais leves e resistentes) e econômicas (são mais baratas, já que sua produção requer pouca energia) (JACOB, THOMAS, 2002).
A crescente conscientização em relação ao meio ambiente fez com que a indústria priorizasse a utilização de materiais naturais, entre eles, as fibras vegetais; entretanto com muito mais conhecimento das mesmas e com o avanço da tecnologia, o que permite seu melhor aproveitamento, juntamente com a constante busca por novas metodologias e por processos não poluentes e eficazes (COIMBRA; OLIVEIRA, 2005).
A molécula da celulose é o principal constituinte da parede das células vegetais (cerca de 33% da massa total da planta) e é, quantitativamente, o composto orgânico mais abundante no planeta; estima-se que mais de 50% do carbono da biosfera esteja presente nas molécular de celulose. Quimicamente, a celulose também é um polímero de glicose, mas que se une através de ligações do tipo beta 1 – 4. Este tipo de ligação é que confere à celulose a propriedade de não ser digerível, uma vez que a torna insolúvel em água e confere resistência da mesma a reações químicas.
A estrutura da celulose se forma pela união de moléculas de β-glicose (uma hexosana) através de ligações β-1,4-glicosídicas. Sua hidrólise completa produz glicose. A celulose é um polímero de cadeia longa de peso molecular variável, com fórmula empírica (C6H10O5)n, com um valor mínimo de n=200 (tipicamente 300 a 700, podendo passar de 7.000).
A celulose tem uma estrutura linear, fibrosa e úmida, na qual se estabelecem múltiplas ligações de hidrogênio entre os grupos hidroxilas das distintas cadeias juntapostas de glicose, fazendo-as impenetráveis a água e, portanto, insolúveis, originando fibras compactas que constituem a parede celular dos vegetais (WIKIPEDIA, 2017).
A molécula de celulose é um polímero linear formado por Unidades Anidras de Glicose (AGU, na sigla em inglês), ou seja, um polissacarídeo. Uma das unidades terminais da molécula de celulose tem estrutura redutora (hemiacetal no carbono 1), enquanto a outra, não (hidroxila alcoólica no carbono 4). As unidades presentes na cadeia da molécula de celulose têm três grupos hidroxilas livres (ligados aos carbonos 2, 3 e 6) (KLEMM et al., 1998a).
Diversos produtos feitos com fibras vegetais atualmente estão disponíveis no mercado, principalmente os de fibra de coco, como mantas, telhas ecológicas, vasos, tapetes e utensílios em geral.
Pesquisas estão sendo conduzidas no mundo inteiro para desenvolver materiais ecológicos para diversos fins. No Brasil, a Coordenação de Pós-Graduação em Engenharia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (Coppe - UFRJ) desenvolveu alternativas ecológicas para matérias-primas do concreto e de produtos de fibrocimento, como caixas d’água e telhas com o objetivo de reduzir ou até mesmo substituir os materiais tradicionais utilizados na construção civil (ABDALA, 2012).
Nos dias de hoje, concretos são os materiais mais produzidos e consumidos da construção civil em todo o mundo (MEHTA; MONTEIRO, 2014). Formados a partir da mistura estratégica de outros materiais simples, como as fibras, suas propriedades finais são uma resultante das características de interação entre cada destes elementos de constituição (GOODIER, 2003).
Fácil confecção e flexibilidade de produção são características fortes destes materiais, podendo ser produzidos no local de aplicação ou ser processados industrialmente fora do canteiro de obras (BERNARDI, 2003). A capacidade de manuseá-los no seu estado fresco possibilita assumir inúmeros formatos, como solicitam os projetos específicos e direcionados. Entretanto, a flexibilidade do manuseio destes materiais é perdida quando os mesmos encontram-se endurecidos, ganhando rigidez e considerável resistência (TUTIKIAN; HELENE, 2011). Entretanto, sendo materiais não homogêneos e, predominantemente frágeis, os concretos possuem baixa resistência à tração, não tendo a capacidade de suportar grandes deformações, podendo levá-los, caso elas ocorram, à ruptura. (HAMOUSH; ABU-LEBDEH; CUMMINS, 2010; DESNERCK; LEES; MORLEY, 2015).
A melhoria das características físicas dos concretos à tração reduze a necessidade de ferragem adicional, assim como a diminuição da seção das peças. Nesse sentido, pesquisas são conduzidas com finalidade da criação de um novo concreto com a adição de fibras vegetais conferindo-lhe leveza estrutural e melhoria de suas características de resistência.
Com o desenvolvimento da indústria farmacêutica e a observância do tratamento dado aos diversos males de saúde, exemplificadamente o câncer, tem-se observado que os métodos de aplicação de drogas inibidoras, seja pela forma de injetáveis ou na administração oral, não são ideais. Tais métodos costumam fornecer doseamento de quase toda a droga de um modo inicial e em muito curto espaço de tempo, elevando os potenciais níveis tóxicos de seu uso e causando sérios efeitos aos pacientes submetidos aos tratamentos oncológicos. Assim há a necessidade do desenvolvimento de um novo método de liberação não imediata, mas gradual, de drogas inibidoras aos organismos em tratamento, e nesse aspecto as fibras estão desempenhando novo papel quando da liberação parcimoniosa de drogas ao organismo em níveis eficazes, não agressivos e em dosagens ideias, como nos “patchs” extradérmicos.
Fibras impregnadas com drogas utilizam um método de distribuição no intuito de atingir uma dosagem melhor ao longo de um determinado tempo, onde tal liberação parcimoniosa costuma ser avaliada por meio de espectrofotometria, a qual é utilizada para medir a percentagem da droga libertada ao longo do tempo, e da cromatografia líquida de alta eficiência (HPLC), realizada para garantir que o princípio químico retenha sua integridade. Os dados obtidos são comparados com métodos de entrega da droga rotineiramente utilizado (injetável ou via oral) para comparar a sua eficácia aos tratamentos atuais (DYLAN MCEVILLY, BHAVIKA PATEL, 2014).
Apenas em 2009, foi estimado que a prevalência de câncer fosse de 12.549.000 atingidos nos Estados Unidos, sendo o câncer de próstata e de mama os mais comuns, com 2.500.000 e 2.762.000, respectivamente (WORLD CANCER DAY, 2017). A quimioterapia é eficazmente utilizada em combinação com outras técnicas para tratar câncer, no entanto, existem muitos efeitos secundários, tais como vómitos e náuseas, perda de apetite e fadiga. As náuseas e vômitos induzidos pela quimioterapia, ou CINV – “Chemotherapy-Induced Nausea and Vomiting” (CINV, 2017), têm impacto na qualidade de vida do paciente. Além de ser muito debilitante para aqueles submetidos aos tratamentos, é freqüentemente apontado como um fator principal para o abandono dos cuidados oncológicos (SUPPORT CARE CANCER, 2011).
Embora o mecanismo fisiológico do CINV ainda esteja sob minucioso exame, em meados da década de 1980, foi descoberto pela primeira vez que a serotonina (5-hidroxitriptamina; 5-HT) fazia parte deste processo. A introdução do receptor 5-HT3 antagonista, no início dos anos 90 tem sido um dos avanços mais significativos no pacientes com câncer. Desde então, vários fármacos antieméticos têm sido estudados na tentativa de Controle CINV. Os quatro principais medicamentos aprovados para controlar CINV são o Ondansetron, o Granisetron, o Dolasetron e o Palonosetron. Eles são geralmente apresentados na forma de comprimidos, comprimidos solúveis, injeções ou patches transdérmicos. Estas formas de administração de drogas possuem uma concentração inicial alta da mesma, que diminui ao longo do tempo a níveis que se tornam em grande parte ineficazes (R.J. GRALLA, 1989).
Um novo projeto de entrega de drogas consiste de um remendo que é feito fora do organismo e com uso de fibras embutidas com as drogas. Um dos materiais inicialmente utilizados é o polímero sintético PCL, escolhido devido à sua taxa de degradação lenta. O outro material é o polímero natural colágeno, escolhido porque tem uma taxa de degradação muito mais rápida. Outros projetos utilizam uma combinação dos dois materiais.
Nesse contexto, as fibras vegetais com alta porosidade podem apresentar uma solução alternativa devido a serem favoráveis à absorção dos componentes diversos das drogas quando em sua fase têxtil pois outros estudos estão sendo realizados nesse intuito de fabricação e utilização.
Para garantir que o estudo reflita os efeitos do material (fibra), todos os outros fatores que afetam a administração das drogas, tais como o diâmetro da fibra e a sua porosidade deverão ser constantes. Entretanto, há a necessidade de estudos aprofundados do quanto a fibra escolhida é biocompatível e, com segurança, se degrada no corpo. Desse modo, o elemento têxtil criado terá a capacidade de ser colocado sob a pele. Isto permitirá uma libertação da droga de forma mais eficaz e mais próxima do perfil de libertação. Por causa da natureza biodegradável ou não, a remoção posterior do materiais pode não ser necessária e pode permanecer no paciente até que se degrade e seja excretado do corpo.
A agroindústria brasileira apresenta inúmeros resíduos com potencialidades de aproveitamento para fabricação de novos materiais, tais como os caroços do açaí, que são produzidos em grandes quantidades no processo de extração da polpa do fruto e são descartados muitas vezes de forma inadequada diariamente, causando problemas ambientais e elevando os custos municipais para coleta de lixo, e com o devido acondicionamento em aterros sanitários, quando a eles são devidamente destinados. Uma das formas de aproveitamento é a extração das fibras no desenvolvimento de painéis (MESQUITA, 2013), em placas para utilização na construção civil, da confecção de móveis, de divisórias e painéis acústicos (BASTOS, 2009). Outra forma é o desenvolvimento de compósito de matriz polimérica resinosa sintética com adição de fibra do caroço do açaí em substituição à madeira natural (GÓES, 2016). E o desenvolvimento de painéis com as fibras do caroço do açaí produzidos a partir de Partículas de Média Densidade (MDP) apresentam grande potencialidade tecnológica (MESQUITA, 2013). Também o desenvolvimento de painéis acústicos fabricados a partir de fibras vegetais com os caroços do açaí, apresentando uma boa capacidade de absorção sonora, com preços mais acessíveis que os fabricados com materiais sintéticos (BASTOS, 2009) e de compósitos com finalidades de atenuação térmica para aplicação em telhados produzidos em resinas poliméricas bi componentes à base de mamona, reforçados com partículas de caroço de açaí (BARBOSA, 2016).
A fibra das folhas do curauá (Ananas erectifolius) possui boas qualidades mecânicas e, devido a isso, seu uso em materiais compósitos é bastante utilizado. Estudo de viabilidade de produção e avaliação de painéis do curauá, sem e com resíduos de madeiras amazônicas, vem sendo promissores por aproveitarem suas propriedades como a da densidade de 1,43g/cm³, a resistência de ruptura à tração de 571,64MPa e seu módulo de elasticidade de 20,86GPa. Quanto aos painéis desenvolvidos com fibras do curauá, os mesmos apresentaram características mecânicas já superiores ao estabelecido pela Norma ABNT NBR 14.810/2 – “PAINÉIS DE PARTÍCULAS DE MÉDIA DENSIDADE: REQUISITOS E MÉTODOS DE ENSAIO’’, que estabelece valor desejável de 18MPa, obtendo, nos mesmos ensaios, valores de 33,37MPa com somente fibras do curauá. Quando produzidos de forma híbrida de fibras do curauá e resíduos de madeira, obteve os seguintes resultados: madeira de amapá = 24,48MPa; madeira de louro = 26,62MPa. Desta forma, os dados apresentados mostram que o uso das fibras do curauá é aplicável industrialmente, proporcionando o aproveitamento de resíduos de madeira em grandes volumes para produção de painéis industriais (SANTOS, 2013). Outra forma de utilização de fibras do curauá é para a produção de elementos estruturais como placas e telhas de fibrocimento. Com a aplicação de 1% em fração volumétrica e comprimento de fibra de 10mm, obteve-se resultados de aumento em 46% na resistência aos ensaios à flexão da placa, com relação às mesmas sem fibra e aumentou também a carga de ruptura da telha em 49%, com relação a telha sem fibra. Demonstrando que há grandes possibilidades para o desenvolvimento industriais desses produtos (SALES, 2015). A adição de fibras do curauá em matriz cimentícia também produz melhora de forma notável às propriedades mecânicas quanto à deformação, a resistência à flexão e a tenacidade das peças, atingindo valores próximo a 7MPa em relação a peças de controle moldadas sem a fibra. As fibras foram responsáveis por maior ductibilidade dos compósitos (PEDRO, 2016).
Os compósitos são materiais heterogêneos que possuem pelo menos duas fases distintas: uma das fases é chamada de reforço e é responsável por gerar resistência ao material, à outra é chamada de matriz que corresponde ao meio que recebe esse reforço (MANO, 1991).
Sendo assim, esses materiais tem suas propriedades diretamente ligadas aos seus constituintes logo a matriz pode sofrer a troca desse reforço com o objetivo promover características especificas ao material para cada aplicação desejada.
Nos últimos anos houve um rápido desenvolvimento na Engenharia de Materiais, visando à fabricação de compósitos reforçados por fibras vegetais (DE PAULA, P. G., 2011) impulsionado pela necessidade crescente de um maior aproveitamento dos recursos naturais, isto é, troca de recursos não renováveis por recursos renováveis.
Além dessa necessidade de conservação do meio ambiente essas fibras apresentam uma serie de vantagens sobre as fibras de origem sintéticas, que são elas: baixo custo, baixa densidade, resistência específica e módulo elevados, não são abrasivas (portanto não desgastam os equipamentos de processo), não são tóxicas, podem ser facilmente modificadas por agentes químicos, são um material de fonte renovável e sua disponibilidade é praticamente ilimitada (PRASAD, S. V. et AL, 2001).
Em relação às propriedades mecânicas que é o principal ponto quando se trata de reforço de estruturas, as fibras vegetais (BARBOSA, A. P., 2011) possuem essas propriedades com níveis superiores a várias fibras sintéticas comumente empregadas na indústria, aliando isso ao seu baixo custo como já citado, temos um somatório de fatores que referenciam a substituição das fibras sintéticas pelas de origem vegetal para fabricação de compósitos, como já ocorre hoje em vários setores industriais dentre essa fibras já utilizadas se destacam: juta, sisal, coco, abacaxi e curauá, ambas utilizadas como reforço em matrizes poliméricas (DE PAOLI, M. A., 2002; JOSEPH et al., 1999).
Na Tabela 1 encontram-se valores de densidade e propriedades mecânicas de algumas fibras vegetais e artificiais para comparação termos de caracterização e comparação entre suas respectivas tensões de ruptura e Módulo de Young (ou módulo de elasticidade).
Tabela 1
Valores de densidade e propriedades mecânicas de fibras naturais e
fibras convencionalmente utilizadas como reforço em compósitos.
Fibra |
Densidade (g/cm³) |
Alongamento (%) |
Tensão de ruptura (Mpa) |
Módulo de Young (Mpa) |
Algodão |
1,5 - 1,6 |
7,0 - 8,0 |
287 - 597 |
5,5 - 12,6 |
Juta |
1,3 |
1,5 - 1,8 |
393 - 773 |
26,5 |
Rami |
- |
3,6 - 3,8 |
400 - 938 |
61,4 - 128,0 |
Linho |
1,5 |
2,7 - 3,2 |
345 - 1.035 |
27,6 |
Sisal |
1,5 |
2,0 - 2,5 |
5.511 - 6.350 |
9,4 - 22,0 |
Fibra de coco |
1,2 |
3,0 |
175 |
4,0 - 6,0 |
Vidro-E |
2,5 |
2,5 |
2.000 - 3.500 |
70,0 |
Vidro-S |
2,5 |
2,8 |
4.750 |
86,0 |
Aramida (normal) |
1,4 |
3,3 - 3,7 |
3.000 - 3.150 |
63,0 - 67,0 |
Carbono (padrão) |
1,4 |
1,4 - 1,8 |
4.000 |
230,0 - 240,0 |
Curauá |
1,4 |
4,2 |
890 - 4.200 |
50,4 |
Fonte: DE PAOLI, M. A (2002, pág.7)
As fibras vegetais podem também ser denominadas fibras celulósicas, visto que a celulose é o seu principal componente químico, ou ainda por fibras lignocelulósicas quando levamos em consideração que a maioria das fibras contém lignina, um polímero polifenólico natural (PUKANSKY, 2005). As fibras de juta, linho, rami e sisal (convencionais) são fibras com percentuais altos de celulose, sendo indicadas para uso como material de reforço em compósitos, os percentuais elevados de lignina nas fibras de juta e sisal habilitam os compósitos reforçados por elas a aplicações em componentes submetidos a processos de variações térmicas.
Esses compósitos reforçados por fibras vegetais já são utilizados em peças de acabamento interno de veículos, onde as propriedades mecânicas, térmicas e acústicas são relevantes e também em aplicações militares como coletes balísticos e componente bélicos.
A Euterpe oleracea Mart. É uma palmeira abundante nos estuários de rios, em terrenos de várzea, igapós e terra firme da região Norte e na parte Amazônica Nordestina, na transição da área de divisa territorial dos estados do Pará e Maranhão, tendo suas maiores reservas naturais no estado do Pará. O açaizeiro pertence à família Arecaceae, que engloba, aproximadamente, 200 gêneros e cerca de 2.600 espécies, cuja distribuição é predominantemente tropical e subtropical (JONES, 1995).
A extração da polpa comercial do fruto para consumo como alimento humano é efetuada por meio do esmagamento. O suco, ou vinho de açaí, é um alimento muito comum semi-industrializado em mesorregiões do Norte. Existem máquinas mecânicas de pequeno porte em vários pontos comerciais de todos os bairros de Belém (PA) (JUNIOR LIMA, 2017).
Este ocupa um largo espaço na vida amazônica, principalmente no estuário do rio Amazonas. É um alimento abundante, barato, de consumo diário e tradicional. Tornou-se um símbolo da cultura nortista e está presente no cotidiano tanto do ribeirinho como do citadino, independente das posses. Esta influência é refletida na economia, nas paisagens, nos cartões postais, nos dizeres populares, nas manifestações artísticas, nas estratégias de ocupação do solo (CANTO, 2001). Conforme dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), somente no ano de 2009 foram produzidas 115.947 toneladas de açaí nos estados do Pará e Maranhão, sendo o estado do Pará responsável por 87,4% da produção nacional (IBGE, 2009; MARANHO, et al., 2012; OLIVEIRA, et al., 2007).
O fruto do açaizeiro é uma drupa globosa ou levemente depressa, apresentando resíduo do estigma lateralmente, com diâmetro variando entre 1 a 2cm e pesando, em média, 1,5g. As fibras da semente do açaizeiro encontram-se fixadas ao redor da semente do fruto do açaí após o beneficiamento do suco, pois elas se localizam no mesocarpo do fruto, justamente onde se localiza a polpa. São um subproduto da extração do suco ou polpa do açaí (JUNIOR LIMA, 2017).
Pesquisas foram elaboradas com intuito de destinar os resíduos fibrosos do açaí. Dentre elas estão o aproveitamento em materiais e produtos para geração de energia, produção de adubo, fabricações de papeis e aplicação de artesanato. De acordo com MARTINS et al., (2009) as fibras e o caroço do açaí apresentam comportamento térmico compatível com aplicações na indústria de materiais e automobilística, assim como as fibras de sisal e coco que já vêm sendo empregadas. Deste modo, geram-se perspectivas para o emprego das fibras do açaí no desenvolvimento de novos materiais (MARTINS, et al., 2005; OLIVEIRA, et al., 2007; VALENÇA, et al., 2011).
A utilização da fibra do curauá vem desde a antiguidade no período Pré-colombiano, onde os primitivos da floresta já usavam esta fibra para amarrar embarcações, produzir redes e balaios (cestas). De acordo com MEDINA (1959), a planta do curauá sempre foi preferida pelos índios da Amazônia, pois delas eram obtidas as fibras que depois seriam utilizadas em sua indústria doméstica de redes e linhas de pescar, sendo de ótima qualidade, indicada especialmente para a fabricação de barbantes e cordas finas.
O curauá (Ananaserectifolius L. B. Smith) é uma bromélia característica da Amazônia paraense. Segundo GOMES et al. (2007) as folhas, são rígidas e eretas, têm superfície plana e com espinhos e seus frutos, semelhante a um abacaxi, não é consumido, pois é muito fibroso. Conforme cita MEDINA (1959), o curauá encontra-se nas regiões do rio Xingu, Tocantins, Tapajós, Marcuru, Trombetas, Paru, Acará e Guamá, nas partes altas da Ilha do Marajó e no Amapá. É certa sua existência nos estados de Goiás e Mato Grosso no Acre. Ocorre em lugares onde a precipitação pluviométrica ultrapassa a dois mil milímetros anuais. Encontram-se pés isolados, nas margens dos rios e nas clareiras dos matos, sombreados ou não, formando agrupamento mais ou menos ralos.
Suas fibras são extraídas de suas folhas e expostas ao ar para secagem e são muito utilizadas na indústria devido a suas propriedades físicas como densidade de aproximadamente 1,4g/cm3, tensão de ruptura entre 890 e 4.200MPa, módulo de Young (ou módulo de elasticidade) a 50,4GPa. Com base na característica de resistência específica (em função da densidade), compósitos com a fibra do Curauá podem apresentar uma redução de peso de até 15% em comparação com os ma¬teriais reforçados com fibras de vidro, com a possibilidade de melhorarem ou manterem as propriedades mecânicas (KLEBA, 2004).
O curauá é uma fibra atraente do ponto de vista econômico e tecnológico, é de fácil acesso e possui mão de obra de baixo custo e não necessita de grandes equipamentos tecnológicos (da plantação a colheita), do ponto de vista científico possui baixa densidade e elevada resistência mecânica (DOS SANTOS, 2013).
Dentre as fibras vegetais com potencial de aplicação na área de polímeros reforçados o curauá possui destaque por suas propriedades mecânicas e tem recebido atenção especial dos pesquisadores. Compósitos utilizando fibra do curauá como reforços têm sido estudados com destaque em matrizes poliméricas como a poliamida, o polipropileno e o polietileno (PAOLI, 2009).
A fibra extraída de suas folhas possui resistência mecânica superior a de seus concorrentes tradicionais como o sisal, juta e linho. Sua composição depende do local de plantação, da espécie e do tempo decorrido depois da extração das folhas (BEHRENS, 1999).
Com o passar do tempo, e a busca por novas alternativas, essa fibra passou a apresentar um grande potencial, pois hoje é utilizada em diferentes setores do mercado, como, por exemplo, automobilístico, geotêxtil, agrotêxtil, médico (a toxina encontrada no soro da planta é utilizada na produção de bactericidas), movelaria e construção civil. Trata-se de uma fibra altamente resistente, com longa vida e grande capacidade de absorção e sustentação (PEMATEC, 2011).
O abacaxizeiro destaca-se como a mais importante espécie da família Bromeliaceae, uma planta de clima tropical, encontrada no Brasil desde antes da colonização (DANTAS, 2010). No cenário mundial de frutas, o abacaxi ocupou o sétimo lugar em produção, e desde 2005, quando foi o maior produtor mundial da fruta, o Brasil possui larga produção voltada para atender ao mercado interno (MATOS, REINHARDT, 2005; DANTAS, 2010). Atualmente, o Brasil é o terceiro produtor mundial de abacaxi, com quase 1,5 bilhão de frutos colhidos em cerca de 60 mil hectares, sendo a quinta espécie frutífera mais cultivada no país, com importante papel econômico e social de geração de emprego e renda. No estado do Pará, os dados mostram a produção de 320 milhões de abacaxis produzidos e uma área plantada de 10.777 hectares, tornando assim o estado como maior produtor (ADEPARÁ, 2017).
O abacaxi apresenta como resíduo da produção a coroa da fruta, esta é um excedente que não apresenta nenhuma utilidade econômica e, neste contexto, as indústrias de alimentos enfrentam o desafio de encontrar formas viáveis de aproveitamento dos seus resíduos para que os mesmos possam ser revertidos em benefícios financeiros. A folha do abacaxizeiro (Ananas comosus (L). Merril) tem forma de calha e estão inseridas sobre o talo da planta, de modo a constituírem uma densa espiral dextrógira, de onde é possível obter-se também fibras de alta qualidade.
As fibras de abacaxi, assim como as fibras naturais são constituídas basicamente de celulose, lignina, e hemicelulose (SAWPAN, PICKERING, FERNYHOUGH, 2012). Seu alto teor de celulose, segundo Marcon (2009) está entre 70 a 82%, indica que essas fibras possuem boas propriedades mecânicas e, portanto, ao serem utilizadas como reforço em compósitos poliméricos, tende a melhorar as propriedades mecânicas do mesmo. Ao utilizá-la como reforço em matriz de polipropileno, ARIB et al. (2006) obteve um aumento significativo de resistência à tração e flexão comparada à matriz pura.
As folhas da planta do abacaxi, quando devidamente exploradas e processadas fornecem fibras vegetais longas, próprias para o artesanato, conferindo características e propriedades têxteis, na fabricação de fios, tecidos e malhas e dos subprodutos (à base da polpa) na fabricação de papel, além de materiais compósitos adequados à utilização industrial.
No estuário amazônico, cujos habitantes mantêm uma forte relação de dependência com os recursos naturais, Mauritia flexuosa L. f. (Arecaceae) é uma palmeira de destaque na cultura regional, especificamente empregada na alimentação, construção de casas e confecção de utensílios de trabalho e artesanato. Popularmente, é conhecida como “miriti” ou “buriti”. Seus frutos são consumidos in natura ou em forma de sucos, mingaus, sorvetes e doces (BALICK, 1986). Utilizadas na cobertura de casas, suas folhas são amplamente exploradas para a produção de cestarias e brinquedos, confeccionados pelos artesãos locais e admirados por sua beleza e originalidade (SANTOS et al., 2005; CYNERYS et al., 2005).
O buritizeiro ou miritizeiro é uma palmeira (Mauritia flexuosa L.), que pode alcançar 40m de altura e possui caule de 13 a 55cm de diâmetro. O miriti é matéria-prima proveniente da palmeira do buritizeiro da qual se extraem do revestimento externo de seu pecíolo as talas utilizadas no artesanato de brinquedos regionais e de cestaria (SANTOS, 2007).
Ensaios mecânicos com as fibras de miriti demonstraram no trabalho de SANTOS (2010) valores para as fibras de miriti não tratadas de resistência à tração de 493MPa e módulo de elasticidade de 25GPa, que estão próximos dos valores encontrados para as fibras de juta de 393 a 773MPa de resistência à tração, e módulo de elasticidade de 26,5GPa. São também comparáveis aos valores encontrados para as fibras de linho de 345 a 1.035MPa de resistência à tração e 27,6 a 45GPa de módulo elástico (MUELLER e KROBJILOWSKI, 2003).
Segundo PEDREIRA (2014), nos ensaios de tração com a fibra de miriti em compósitos, os valores encontrados foram em média de 50,2MPa, onde também constatou que o comprimento da fibra influenciou diretamente de forma positiva na resistência e constatou que as fibras mais longas também apresentaram menores valores de absorção de água.
O interesse na utilização de fibras vegetais por diferentes segmentos da indústria é crescente e as fibras de palmeiras amazônicas podem se tornar uma importante matéria-prima alternativa. No estado do Amazonas, por exemplo, muitas famílias que vivem ao longo da bacia do Rio Negro complementam sua renda com extrativismo de fibras vegetais, além de utilizar as fibras para confecção de artefatos e utensílios domésticos utilizados no cotidiano diário (FONSECA, 2015).
A utilização das fibras naturais amazônicas colabora tanto para diminuição do consumo de energia como também para promoção da atividade rural nas comunidades ribeirinhas da região. GOES et al. (2015) estão propondo a utilização de tecidos de fibras de malta e juta, que é natural, e não se consome energia elétrica para sua produção.
De acordo com o professor SOARES (2015), materiais alternativos têm atraído a atenção do mercado, pela reintrodução dos tijolos não-queimados e recente crescimento da utilização do bambu nas construções. Ele indica, no entanto, que ainda há uma postura muito cautelosa por parte da população no uso dessas opções e, por isso, existe o desafio de mostrar que os materiais naturais podem ser uma ótima alternativa a matérias primas não renováveis. Em síntese, existe a possibilidade de agregar valor pela adição de novas funções a esses materiais como, por exemplo, melhorar o conforto térmico, o visual e a durabilidade. Nesse sentido, a utilização de fibras vegetais na área da construção civil é bastante promissora tendo em vista que vem ao encontro dos conceitos de “Bioconstrução” e “Permacultura”.
Com base nos estudos realizados pode-se concluir que há uma variedade significativa de tipos de fibras vegetais que podem ser introduzidas do mercado industrial. O estudo demonstrou também que as fibras estudadas atualmente apresentam algumas restrições ou limitações quanto ao uso, mesmo assim não inviabiliza o uso destas. Assim, o desenvolvimento de compósitos híbridos utilizando-se as fibras citadas no trabalho e outros materiais pode minimizar o uso de fibras sintéticas, reduzindo o peso, custo do material e também promovendo aspectos econômicos e sociais. Outra premissa deste trabalho foi falar das principais fibras em estudo e que já estão sendo usadas no mercado, principalmente no cenário brasileiro, mostrando a relevância do uso destas, tanto para produção de materiais visando o estético como para a indústria civil. Além da análise do uso das fibras em caráter estrutural/mecânico, buscou-se destacar os pontos relevantes às áreas médica e farmacêutica frente aos demais subprodutos das fibras já utilizadas no mercado, propondo assim ampliar o leque de opções de materiais fibrosos para o cenário mundial, os quais por terem origem natural apresentaram características sustentáveis, ou seja, a sua produção não esgota, gera renda, conscientiza e minimiza os impactos no meio ambiente.
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1. Engenheiro Civil pela Universidade Federal do Pará (UFPA). Ex-oficial do Exército Brasileiro. Colaborador especialista em Geotecnia do Museu Paraense Emílio Goeldi (MPEG) – Belém, PA, Brasil. email de contato: fadecgoncalves@gmail.com
2. Graduando do bacharelado em Engenharia Mecânica, Universidade Estácio/IESAM – Belém, PA, Brasil. email de contato: amaralels@outlook.com
3. Graduando do bacharelado em Engenharia Florestal, Universidade do Estado do Pará – Belém, PA, Brasil. email de contato: juceliolopesjr@gmail.com
4. Bacharel em Engenharia Mecânica Industrial, Mestre em Engenharia de Materiais, Especialista em Docência do Ensino Superior e Professor do Instituto Federal do Maranhão (IFMA). Doutorando no Programa Bionorte (UFAM) – São Luís, MA, Brasil. email de contato: bruno.leonardy@ifma.edu.br
5. Engenheiro Mecânico. Secretaria de Desenvolvimento Econômico de Mineração e Energia do Pará (SEDEME) – Belem, PA, Brasil. email de contato: lourival.ribeiro@sedeme.com.br
6. Graduando do bacharelado em Engenharia Mecânica, Universidade Estácio/IESAM – Belém, PA, Brasil. email de contato: davidbrabo2014@yahoo.com.br
7. Doutora em Química, Tecnologista Sênior, Coordenadora do Laboratório de Análise Química do Museu Paraense Emílio Goeldi (MPEG), Professora do Programa de Pós-Graduação em Biodiversidade e Biotecnologia da Amazônia Legal (Rede BIONORTE) – Belem, PA, Brasil. email de contato: cbamarante@museu-goeldi.br