Vol. 38 (Nº 52) Ano 2017. Pág. 1
DINIZ, Márcia C.C. 2; LIMA, Reginaldo de J.C. 3; SILVA, Silvana A. da 4; BAETA, Adelaide M.C. 5
Recebido: 22/06/2017 • Aprovado: 12/07/2017
RESUMO: Este artigo tem como objetivo contribuir para a temática da gestão da inovação, sua importância para a consolidação da organização inovadora. Na literatura não se identificam perspectivas ou modelos que busquem analisar o desenvolvimento desses programas, incluindo, simultaneamente, as implicações da adoção da gestão da inovação e a efetividade desses programas. A pesquisa permitiu observar que as empresas demonstraram eficiência na utilização dos recursos e práticas de gestão voltadas para o aprimoramento do processo de inovação, assumindo configurações estratégicas. |
ABSTRACT: This paper intends a contribution to the subject of innovation management and its relevance to the consolidation of innovative organizations. In the literature on Programs to Foster Innovation we have not identified perspectives or models aimed to review the development of such programs or the implications for the adoption of innovative management and the effectiveness of such processes. Such research demonstrated that companies used resources and management practices aiming to improve the innovation process effectively by adopting strategic configurations which characterize the innovative organization. |
É crescente o reconhecimento nos círculos acadêmicos, empresariais e de formuladores de políticas públicas que a dinâmica institucional baseada na criação de riquezas e desenvolvimento sustentável ocorre através da geração de conhecimento e sua efetiva aplicação. O mercado requer empresas mais competitivas e estas passam a exigir profissionais mais bem qualificados com vistas a acelerar os processos de mudança e inovação. (Baêta, Paiva, Giroletti & Lima, 2012).
O processo de globalização dos mercados e as rápidas mudanças tecnológicas, nomeadas de revolução da tecnologia da informação e da digitalização, exigem das empresas maior capacidade de competição. Para se tornarem competitivas, as empresas precisam desenvolver sua capacidade de inovação, o que passa, em grande medida, pelas competências organizacionais. O alto nível de competitividade dos mercados exige das empresas alterações nos requisitos de competências, cujas maiores demandas são de habilidades cognitivas de alto nível, para que elas consigam desenvolver vantagens sustentáveis que as deixarão em condições de se manterem no mercado. A Organização de Cooperação e de Desenvolvimento Econômico (OECD) (2016) qualifica e inclui elementos a este entendimento ao afirmar que a construção de competências adequadas e o desenvolvimento dessas competências ao longo da vida da empresa aumentam sua taxa de lucro, bem como as oportunidades de emprego e bem-estar. Desse modo, ações que visem à melhoria das competências vão responder às necessidades das empresas de estarem em condições de competirem no mercado e dos trabalhadores de terem sua capacidade de trabalho adequada ao novo contexto econômico e social.
Nos países desenvolvidos, as mudanças vivenciadas pelas universidades em suas relações com organizações empresariais, nas décadas de 1980-1990, levaram vários pesquisadores a estudar em profundidade o papel das universidades e sua relação na solução de problemas da sociedade (Gibbons et al.,1994). Os trabalhos de Leydesdorff e Etzkowitz (1997, 1998) assinalam que a universidade passa a assumir uma função econômica na sociedade utilizando o conceito teórico-metodológico da Triple Helix(hélice tríplice). Através da metáfora da Triple Helix, os autores buscaram interpretar as relações de interação entre os atores da inovação: academia-empresa-governo.
No Brasil, a Triple Helix é evidenciada nos seguintes eixos. As universidades e demais instituições de ensino e pesquisa compõem o eixo acadêmico. As empresas, as associações comerciais, industriais, tais como o Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (SEBRAE) e as Federações das Indústrias e do Comércio compõem o eixo empresarial e os governos municipais, estaduais, federal e as instituições e fundações públicas de financiamento compõem o eixo governamental (Vedovatto, Pastre & Tibola, 2015). Existem também as redes formadas por agentes dos três eixos que incentivam a atividade de inovação, denominadas por Tremblay, Klein, Dossou-Yovo e Hassen (2012) de redes de inovação ou atores intermediários. Como afirma Etzkowitz (2015) a interação desses três atores, ou eixos, é cada vez mais a base da estratégia para o desenvolvimento social e econômico nas sociedades industriais desenvolvidas e, também, naquelas em desenvolvimento.
Os governos, por meio de políticas públicas de estímulo à inovação, passam a favorecer a transferência de conhecimento e tecnologia entre a academia e empresas, com vistas ao desenvolvimento de pesquisas orientadas para a solução dos problemas da sociedade. As universidades deixam de ter a exclusividade da produção de conhecimento. É crescente o número de indivíduos que têm acesso a conhecimentos nos laboratórios públicos e centros de pesquisa, nas empresas ou onde quer que se desenvolvam suas atividades. É nesse contexto que surgem, no Brasil, os programas de incentivo à inovação, criando novos espaços de pesquisa e promovendo a articulação de diferentes organizações e áreas do conhecimento.
Na literatura sobre os Programas de Incentivo à Inovação, não se identificam perspectivas ou modelos que, busquem analisar o desenvolvimento desses programas, incluindo, simultaneamente, as implicações da adoção da gestão de processos inovadores e a efetividade dos mesmos na articulação entre os diferentes agentes de inovação.
Considerando especificamente a formação de organizações inovadoras voltadas para o desenvolvimento de produtos e processos oriundos de conhecimentos tecnológicos, o Núcleo de Estudos em Ciência, Tecnologia e Inovação (NCiTI) realizou uma pesquisa sobre o Programa de Apoio à Pesquisa nas Empresas (PAPPE) e suas possibilidades como uma das formas de ancoragem do processo de inovação. Isso implica dizer que o desenvolvimento ou fortalecimento das organizações é um vetor de importância substancial na prática do ciclo inovativo para a competitividade das empresas.
Tidd, Bessant e Pavitt (2008) consideram que o processo de inovação compreende graus diferentes de incerteza e necessita da integração de ações gerenciais e rotineiras com atividades de projetos e de criação de conhecimento. O gerenciamento do processo de inovação é uma condição primordial para a formação de uma cultura empreendedora e inovadora nas organizações. Nesse sentido, pode se constituir um desafio para as micro e pequenas empresas de base tecnológica estabelecer um conjunto de comportamentos e ações de gerenciamento, que auxiliem na formação de um ambiente organizacional propício à criatividade e aprendizagem para formar as condições que definem o que se denomina de “organização inovadora”.
O objetivo deste trabalho é contribuir para o debate sobre o papel dos programas de incentivo à inovação, na consolidação de uma cultura empreendedora voltada para a capacidade de inovar das micro e pequenas empresas. O presente artigo divide-se em quatro seções, além desta introdução, que inclui o conceito de organização inovadora, têm-se a seção de metodologia, a avaliação do PAPPE e as considerações finais.
A transformação contínua da oferta de produtos e serviços, de maior ou menor complexidade, representa uma oportunidade para uma organização empresarial criar novos negócios, a partir de novas ideias, com o intuito de gerar vantagem competitiva e sustentabilidade empresarial. Essa capacidade de inovação em modelos de negócios pode ser traduzida em novos produtos e serviços ou sua melhoria, redefinição ou implantação de processos mais eficientes, bem como a abertura ou criação de novos mercados ou concepção de novas formas de atender os mercados já estabelecidos (Schumpeter, 1984, 1997). A inovação depende de que haja um ecossistema de inovação e um contexto organizacional sustentador, no qual ideias criativas possam emergir e serem efetivamente implantadas e inseridas no mercado e na sociedade.
A construção e manutenção de condições organizacionais é fundamental para uma gestão inovadora e envolve trabalho com estruturas, equipe, comunicação e sistemas de recompensas. O foco é criar, dentro do sistema organizacional, uma condição de compartilhamento de informações que possam redundar na capacidade de capturar e acumular aprendizagem sobre tecnologia e gestão do processo de inovação. A questão central das organizações inovadoras é encontrar formas de assegurar que os indivíduos com boas ideias sejam capazes de tirá-las do papel e levá-las para a prática efetiva, com resultados concretos para a organização e para os indivíduos, sem necessitar que eles deixem a organização (Hashimoto, 2006).
Os desafios para a formação de uma organização inovadora podem ser definidos através de quatro vertentes, que se apresentam como fatores relevantes para uma organização que, segundo Hashimoto (2006), aprende e se define como inovadora: a estrutura, a equipe, a comunicação e os sistemas de recompensa.
No que concerne a estrutura, a organização inovadora busca privilegiar a criatividade, mas com regras eficientes para o uso dos recursos. Controles adequados, regras claras e flexibilidade permitem maior proximidade e troca de informações e compartilhamento de ações dentro das equipes e entre os níveis diferentes da estrutura organizacional. Esse ambiente pode mudar radicalmente, na medida em que a empresa cresce e constitui novas formas de controle, na busca de maior eficiência operacional. O desafio, neste momento, não é criar regras essenciais para estabelecer limites para as ações, mas evitar controles burocráticos, que possam servir de inibidores ao processo de inovação (Hashimoto, 2006).
Recorrendo a Tidd et al. (2008, p.487) a estrutura adequada para uma organização inovadora requer “um projeto de organização que permite criatividade, aprendizagem e interação [...] a questão chave é encontrar o equilíbrio necessário”, isto é, adotar normas e regras sem prejuízo da flexibilidade e da inventividade.
Ao possibilitar uma condição mais fluida entre controle e ação, organizações de menor porte têm maior facilidade para transmitir valores, usando a burocracia de forma menos perniciosa e com possibilidades mais abrangentes de criar uma cultura colaborativa (Hashimoto, 2006). Daí o interesse de analisar o processo de inovação em micro e pequenas empresas nos programas de incentivo à inovação.
A formação de uma equipe competente e colaborativa pode contribuir para amenizar os riscos da atividade inovadora, considerando que a inovação é incerta, sendo falhas inerentes ao processo de inovar (Tidd et al., 2008). As competências específicas desenvolvidas pelos indivíduos e pela equipe em conjunto, sobre como conduzir processos de inovação, são recursos que caracterizam positivamente as organizações inovadoras. Como esses recursos são de difícil imitação, eles podem assegurar vantagens competitivas a essas organizações (Brush, Greene & Hart, 2001). A equipe, portanto, é um dos fatores relevantes para a formação de uma organização inovadora, desempenha importante papel na construção do ambiente voltado para a inovação.
Para MacComarck, Forbath, Brooks e Kalaher (2007), empresas inovadoras devem se estruturar efetivamente para favorecer ações colaborativas. Ao contrário de muitas organizações que vêem a colaboração apenas como um modelo para reduzir custos, nas organizações inovadoras a colaboração visa, sobretudo, melhorar sua competência, sua capacidade de inovar e de ampliar o acesso a novos conhecimentos em áreas diferentes.
A colaboração coletiva sem comportamentos oportunistas, por parte dos integrantes da organização, é fator importante para a formação de ambientes de confiança e, portanto, facilitadores do processo de gestão da inovação. Ambiente colaborativo é um dos pressupostos fundamentais em uma organização empreendedora e inovadora (Hashimoto, 2006; Zanini, 2007).
Burgelman, Christensen e Wheelwright (2012) afirmam que, ao definir uma equipe para um processo de inovação, busca-se combinar as exigências do trabalho com as capacidades individuais para realizar as ações necessárias. Frequentemente os líderes pressupõem que, se as pessoas têm capacidade para desenvolver a inovação, consequentemente a empresa na qual se inserem também terá a mesma capacidade inovadora. Essa suposição pode ser precipitada, pois nem sempre identificar e formar grupos com competências adequadas ao projeto os fará trabalhar em conjunto, ou de forma articulada. Por isso, uma organização inovadora se caracteriza não só pela sua capacidade de agregar conhecimentos de diferentes áreas, mas sim por escolher, treinar, motivar e preparar um ambiente de trabalho para que as pessoas possam executar ideias novas sem precisar deixar a organização.
Zanini (2007) destaca ainda que um estilo de gestão baseado em confiança favorece o desempenho da equipe, portanto, a sua cooperação para o processo de inovação. Um ambiente onde os indivíduos são estimulados a compartilhar normas e valores que reforçam ganhos e benefícios mútuos favorece os interesses coletivos, em detrimento dos interesses individuais, tem maior possibilidade de promover ações inovadoras de forma consistente e com resultados favoráveis para a organização, a equipe, a sociedade e o mercado.
Tidd et al. (2008, p.485) assinalam que “cada vez mais, a inovação tem a ver com o trabalho em equipe e com a combinação criativa de diferentes disciplinas e perspectivas”. A organização inovadora é mais do que uma estrutura organizacional, é um conjunto interativo de fatores, indivíduos e comportamentos que permitem a criação e o fortalecimento de um ambiente de confiança propício para a inovação.
O ambiente de confiança implica integração e colaboração entre os membros da equipe e valorização do trabalho pela direção superior o que supõe um sistema de comunicação ágil e adequado. MacComarck et al. (2007) ressaltam que ao invés de foco simplesmente no conhecimento técnico, o alto desempenho requer um conjunto mais amplo de habilidades, como a colaboração e a comunicação. O sistema de comunicação é um fator importante e contribui para a relação de cooperação institucional, interdepartamental e o trabalho em equipe.
Tidd et al. (2008) entendem que a comunicação deve ser multilateral e utilizar variados meios e canais, considerando os elementos técnicos e funcionais do processo de inovação. Para os autores, os mecanismos de solução de conflitos e maior clareza e frequência da comunicação são fundamentais para o sucesso da inovação, considerando que “... muito da resolução dos problemas depende da combinação de diferentes conjuntos de conhecimento que podem estar amplamente distribuídos pela organização” (p.519).
A criatividade e a inovação se baseiam na combinação de ideias e esforços que necessitam de conhecimentos multiculturais e técnicas de diferentes áreas de estudo. A comunicação interdepartamental e multilateral é condição primordial para o fortalecimento do processo de gestão da inovação, pois o entendimento do processo de recompensa e reconhecimento do esforço da atividade leva equipes e indivíduos a se arriscarem na busca de novas oportunidades de crescimento individual e organizacional (Trias de Bes e Kotler, 2011).
Na formação de uma equipe colaborativa a implantação de sistemas de recompensa e reconhecimento dos indivíduos envolvidos nos processos de inovação é fundamental. Fleury e Fleury (2004) destacam essa necessidade afirmando a relevância de políticas pertinentes para a atração, retenção e desenvolvimento de talentos que direcionem o desenvolvimento organizacional.
As empresas inovadoras de sucesso reconhecem a necessidade de avaliar aspectos do desempenho e desenvolvem métricas que tornem visível a contribuição individual, destacando e recompensando o esforço de cada colaborador. MacComarck et al. (2007) entendem ainda que as empresas devem ver na colaboração uma habilidade a ser aprendida e adotar ações para desenvolver tal capacidade entre todos colaboradores.
Hashimoto (2006) destaca formas de recompensa que envolvem mais do que salário para a efetivação de um processo empreendedor e, portanto, inovador. Fatores como bônus sobre resultados, participação societária, aspectos motivacionais como reconhecimento público, prêmios não monetários, prêmios e benefícios exclusivos, autonomia sobre o projeto, símbolos de poder, novas oportunidades na estrutura e no sistema organizacional, aprendizado, liberdade de ação, assim como novos desafios.
Nesse sentido, organizações inovadoras procuram formas de recompensar o comportamento criativo, de forma que estimule as equipes e indivíduos a desenvolver ideias com suporte e estímulo do sistema. Esses sistemas podem compreender tempo disponível para dedicação exclusiva a projetos inovadores, recursos para empreendimentos externos, delegação da responsabilidade pelo projeto.
Os autores Trias de Bes e Kotler (2011) alertam para a controvérsia a respeito dos incentivos financeiros como forma de recompensa por ideias e inovação. A presença do valor monetário pode não ser suficientemente justo pela criatividade, tanto quanto a ausência do dinheiro pode suscitar o fim do estímulo para novas ideias por parte da equipe. Os autores destacam que, em estudo da McKinsey e Company de 2009, como citado em Trias de Bes e Kotler (2011), três tipos de incentivos e recompensas não financeiras são apreciadas acima de outros: reconhecimento formal da alta direção, oportunidade de liderar novos projetos e equipes e prêmios pelos resultados da inovação proposta.
Os incentivos financeiros, como lembram Trias de Bes e Kotler (2011), poucas vezes refletem uma recompensa adequada em relação à lucratividade alcançada por uma determinada inovação, desse modo as recompensas não financeiras podem contribuir para a motivação da equipe, particularmente, porque os ganhos intangíveis são mais duradouros.
Assim a organização inovadora se constitui numa resposta ao desafio de construir ambientes favoráveis à inovação com vistas a criar e introduzir novas tecnologias no esforço de alcançar novas fontes de vantagem competitiva (Baêta e Loura, 2013).
Para a realização da pesquisa utilizou-se de uma abordagem reflexiva, com aproximações sucessivas, dada a natureza dinâmica do fenômeno, utilizando-se de métodos qualitativo e quantitativo. Na primeira aproximação com o objeto levantaram-se dados documentais exigidos das 126 empresas aprovadas nos editais de 2004, 2005, 2007 para a inscrição do projeto na Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais (FAPEMIG). Na segunda aproximação, realizada por meio de survey, adotou-se como instrumento de coleta de dados um questionário eletrônico, enviados aos 158 gestores dos projetos. O questionário continha quarenta questões que buscavam identificar aspectos gerenciais, a estrutura, os relacionamentos, as formas de aprendizagem e os processos, engendrados em cada um desses projetos, sendo oito afirmativas para cada característica. Tais afirmativas foram distribuídas de forma aleatória, utilizando uma escala Likert com uma variação de um a sete pontos, sendo um para a afirmativa mais falsa e sete para a mais verdadeira.
Em uma terceira aproximação procurou-se identificar os desdobramentos do projeto na organização e na comunidade. Foram ouvidos 48 gerentes de projetos por meio de um roteiro semiestruturado para entrevistas em profundidade, além de visitas técnicas. O objetivo maior desta etapa foi o de revelar aquilo que se coloca como subjacente, como pano de fundo na fala dos gestores, sobre o processo que eles vivenciaram.
Conforme assinalado este artigo é o resultado parcial de uma pesquisa que teve início em 2008 e que teve como projeto piloto o Programa de Apoio à Pesquisa nas Empresas - Minas Gerais (PAPPE-MG). Utilizando uma metodologia de aproximação sucessiva em conjunto com o método analítico da Triple Helix buscou-se compreender como um programa de política pública de incentivo à inovação pode contribuir para a formação de organizações inovadoras.
As políticas públicas para a promoção da inovação incentivam a transferência de conhecimento e tecnologia entre as universidades e organizações, visando desenvolver pesquisa voltada para solução de problemas sociais. A universidade já não é o único produtor de conhecimento. O número de pessoas com acesso ao conhecimento em laboratórios públicos e centros de investigação, em empresas ou em qualquer instituição, onde as atividades são desenvolvidas, está em contínuo crescimento (Baêta, Paiva, Lara & Lima, 2011).
A concepção teórica baseada no modelo da Triple Helix, ao propor a interação dos agentes de inovação como a base para a construção da capacidade de inovar, aponta para a relevância do Sistema Nacional de Inovação à medida que a parceria daqueles agentes implica condições institucionais locais e nacionais favoráveis ao processo de inovação.
Dessa perspectiva, o Brasil tem realizado diversas iniciativas que podem ser apontadas como resultado de políticas públicas na área de C,T&I (Ciência, Tecnologia e Inovação) com vistas a capacitar o setor produtivo para a inovação (Lei da Inovação, 2004; Novo Marco Legal da Ciência, Tecnologia e Inovação, aprovado em 11 de janeiro de 2016 - Lei n.13.2243/2016 ). Uma dessas iniciativas é a criação de programas de incentivo das atividades de Pesquisa e Desenvolvimento (P&D) nas empresas. Um desses programas é o objeto de análise do presente artigo - o PAPPE.
Criado pelo Governo Federal, e realizado via convênios de cooperação técnica e científica com as Fundações de Amparo a Pesquisa (FAPs), o PAPPE tem por objetivo a promoção do desenvolvimento tecnológico das empresas, induzindo-as à aproximação com instituições de ensino e pesquisa, com o intuito de gerar inovações tecnológicas.
A análise do PAPPE aponta para o interesse do governo na implementação do sistema nacional de inovação com o objetivo de favorecer a competitividade das empresas brasileiras através da colaboração efetiva dos diferentes agentes de inovação.
O programa foi instituído em 2004 e, neste mesmo ano, foi celebrado o primeiro convênio com a Secretaria de Estado de Ciência, Tecnologia e Ensino Superior (SECTES) e a Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais (FAPEMIG), responsável pela publicação dos editais, avaliação das propostas recebidas, contração, liberação dos recursos, acompanhamento e avaliação dos resultados. O programa também se inseriu em mais dezessete Estados brasileiros, já na primeira chamada (Marrôco, 2008).
No primeiro edital de 2004, foi destinado o total de 12 milhões de reais, sendo 50% desse valor repassado pela Financiadora de Estudos e Projetos (FINEP) e o restante pela agência estadual de fomento. A empresa participante ficou responsável por 20% do valor solicitado. Neste ano, foram aprovados projetos inovadores de 49 empresas mineiras.
Com recursos remanescentes de 5,7 milhões de reais, a FAPEMIG lançou a segunda chamada focada na fase de desenvolvimento do produto, publicado em 2005. Em 2007, foi lançado o PAPPE subvenção que financiou 24 milhões de reais para 69 empresas. Ambos os editais foram lançados considerando como áreas de interesse: Fármacos e Medicamentos; Eletro-eletrônico; Tecnologia da Informação –TIC; Nanotecnologia; Biotecnologia; Bens de Capital; Cadeia do Petróleo e Gás; Cadeia Automobilística; Tecnologia Ambiental; Energia; Cadeia de Alimento e Agronegócios; Minero-Metalúrgico; Químico e Derivados.
Tabela 1
Programa de Apoio à Pesquisa em Empresa - PAPPE Subvenção - Minas
Edição |
Recurso utilizado |
Projetos inscritos |
Propostas contratadas |
1º. Edital - 2004 |
6,6 milhões |
163 |
49 |
2º. Edital 2005 |
5,7 milhões |
115 |
40 |
3º. Edital 2007 |
20 milhões |
244 |
69 |
Total |
32 milhões |
522 |
158 |
Fonte: Relatório de pesquisa NCiTI, 2011.
No terceiro edital, publicado em 2007, houve um crescimento significativo da demanda, tendo sido apresentadas 244 propostas das quais apenas 69 empresas foram contratadas. O total de recursos disponíveis foi de R$ 24 milhões e o total de recursos contratados foi de R$19.542.265,00 (portanto, aproximadamente, 20 milhões de reais).
Tabela 2
Valores financiados por região mineira e sua participação relativa
CHAMADAS |
GRANDE BELO HORIZONTE |
ZONA DA MATA |
SUL DE MINAS |
TRIANGULO |
TOTAL GERAL |
1ª Chamada |
3.244.617,38 |
438.441,04 |
926.131,54 |
1.016.208,25 |
5.625.398,21 |
58% |
8% |
16% |
18% |
100% |
|
2ª Chamada |
2.070.855,94 |
508.383,29 |
2.570.964,41 |
640.111,57 |
5.790.315,21 |
36% |
9% |
44% |
11% |
100% |
|
3ª Chamada |
9.238.117,08 |
847.563,00 |
7.560.497,00 |
1.896.088,00 |
19.542.265,08 |
47% |
4% |
39% |
10% |
100% |
|
Total Geral |
14.553.590,40 |
1.794.387,33 |
11.057.592,95 |
3.552.407,82 |
30.957.978,50 |
47% |
6% |
36% |
11% |
100% |
Fonte: Relatório da pesquisa NCiTI, 2011.
Pode-se verificar que as regiões da Grande Belo Horizonte e do Sul de Minas concentram 83% dos recursos liberados. Nelas também se concentram vários agentes intermediários como incubadoras de empresas de base tecnológica de destaque.
Gráfico 1
Número de propostas contratadas por chamada
Fonte: Relatório de pesquisa NCiTI, 2011.
O processo de avaliação das propostas do edital de 2007 incluiu visitas técnicas às empresas solicitantes. Além dos processos comuns de avaliação de mérito por uma comissão, 50% das propostas aprovadas foram visitadas pela FAPEMIG e FINEP. Esta fase foi incluída pela própria agência federal com base nas experiências anteriores.
Pode-se perceber o interesse crescente das empresas pelo Programa no último edital (Gráfico 1 e Tabela 2).
Dessa forma chamam a atenção a relevância do contexto relacional proporcionado pelo PAPPE ao favorecer o desenvolvimento das equipes, a aproximação com os chamados agentes intermediários de inovação e suas implicações sobre o processo inovativo, características da organização inovadora.
Alguns resultados da pesquisa realizada com 97 gestores das empresas financiadas são bastante esclarecedores da influência do Programa na organização e no fortalecimento da cultura inovadora da empresa.
Quando perguntados sobre os aspectos positivos do Programa os mais lembrados foram: geração de emprego e renda, desenvolvimento científico e tecnológico, aproximação com a academia, qualificação da mão de obra e disseminação da cultura inovadora, além do aumento do faturamento em alguns casos.
Os resultados obtidos revelam características comuns e intensa orientação à inovação, de acordo com as categorias analíticas adotadas por Tidd et al. (2008).
Pode-se inferir que, por tratar de projetos de inovação e boa parte das empresas (55%) terem se beneficiado da passagem por agentes intermediários de inovação, no caso, incubadoras de empresas, ou situarem-se em um Arranjo Produtivo Local (APL) essas empresas dispõem de uma base tecnológica forte e oferecem um perfil inovador, marcado pela habilidade de gestão colaborativa mais apurada que na maioria das pequenas empresas.
Quanto à capacitação da equipe, das respostas à entrevista realizada com 35 gestores das empresas identificadas como mais inovadoras, destaca-se:
“Nós aprendemos bastante. Aprimoramos a maneira de lidar com a Universidade (E17)”
“O projeto contribuiu, sem dúvida, para aumentar o nível de conhecimentos sobre o produto. O próprio processo de desenvolvimento também é uma aprendizagem, pois passar da escala laboratorial para uma escala semi-industrial e industrial é um desafio grande que vai evoluindo aos poucos” (E 13).
“O resultado mais evidente do projeto foi (...) o conhecimento do pessoal que veio (...). A gente teve uma mudança de plataforma de conhecimento” (E 2).
Um aspecto relevante com relação à característica inovadora das empresas financiadas foi o avanço nas relações de trabalho e cultura da empresa. A contração de bolsistas e estagiários foi bastante frequente nesse sentido. Não foram relatadas alterações radicais no fluxo ou padrão de trabalho, embora tenham sido mencionadas mudanças nas práticas em certas empresas. Segundo alguns respondentes o PAPPE afetou o posicionamento e a cultura da empresa.
[...] houve uma mudança de cultura na empresa muito grande”(E 23)
A gente já está trabalhando em cima de versões posteriores, de melhorias, para que antes de lançar a versão básica a gente já tenha outros dois projetos baseados no primeiro, que sairão disponibilizados no mercado em anos consecutivos (E24)
[...] houve mudança de cultura na empresa, com certeza . A gente, além de incluir métodos de pesquisa e desenvolvimento, a gente começou a justificar que profissionais, mesmo mais caros dão mais resultados. Isto aí foi implantado para sempre na empresa. A gente tinha um desenvolvimento básico, uma pesquisa básica, que com a inserção destes dois novos produtos a gente passou para uma pesquisa aplicada e esta rotina de pesquisa aplicada ficou incorporada, a gente desenvolveu parâmetros, processos, procedimentos, metodologias que estão institucionalizados na empresa. (E24, 50, 53)
Ainda que os resultados obtidos, até o momento, pela característica do processo, sejam parciais, algumas questões emergidas desses primeiros estudos permitem vislumbrar indicadores importantes para a análise dessas políticas que têm como foco a inovação.
O objetivo do Programa de Apoio à Pesquisa em Empresas (PAPPE) é incentivar a geração de produtos e processos inovadores, a fim de que as empresas alcancem competitividade no mercado. Em se tratando de pequenas e médias empresas, a parceria com os vários agentes de inovação se faz imprescindível.
O primeiro aspecto positivo a ser destacado refere-se à dinâmica de interação entre os agentes (universidade, empresa e governo). Os dados informam uma demanda crescente em relação ao desenvolvimento de pesquisas transdisciplinares [6] o que indica esforço de superação de barreiras na relação entre os atores e sugere que, ainda que em ritmo inferior ao desejado, o programa vem contribuindo para esta articulação na produção de conhecimento.
O fortalecimento das organizações é um vetor de importância substancial na prática do ciclo inovativo, que permeia o conceito da Triple Helix e o processo de gestão da inovação.
Pode-se destacar ainda a importância dos agentes intermediários, como as incubadoras de empresas e os Arranjos Produtivos Locais (APLs) que interferem na formação de 55% das empresas que participaram do programa. Essas empresas dispõem de uma base tecnológica forte e oferecem um perfil inovador marcado por gestão colaborativa.
A pesquisa ainda não permite uma avaliação conclusiva do Programa quanto à análise de seu impacto no desenvolvimento socioeconômico regional. Todavia, pode-se verificar que o programa cumpriu a função de buscar uma aproximação maior do setor empresarial com centros de pesquisa e com agências de fomento governamentais. As empresas envolvidas começam a atuar junto às universidades, com vistas à realização de pesquisas transdisciplinares e, também, em conjunto com outras empresas, caracterizando traços da organização inovadora.
Além disso, é possível inferir, através dos depoimentos dos gestores, o fortalecimento da consciência de que a consolidação de uma empresa inovadora ocorre através do processo de transferência de conhecimentos e de estratégias colaborativas entre os diferentes agentes de inovação. Outro aspecto que foi possível identificar é a parceria com universidades que vai se constituindo numa prática relevante em direção ao conceito de Universidades Empreendedoras. Pesquisas futuras deverão analisar a efetividade dessa política com vistas à competitividade das empresas e ao desenvolvimento local.
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1. Mestre em Administração pela Fundação Pedro Leopoldo (FPL-MG). Professora da Faculdade Novos Horizontes, Pesquisadora do Núcleo de Estudos em Ciência, Tecnologia e Inovação (NCiTI), vinculado à Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais (FAPEMIG). marliseloura@gmail.com
2. Mestranda em Administração no Curso de Mestrado Profissional em Administração da FPL-MG. Pesquisadora do NCiTI. marcia.diniz@fdc.org.br
3. Doutor em Administração, pelo Centro de Pós-Graduação e Pesquisas em Administração da Universidade Federal de Minas Gerais (CEPEAD-UFMG). Mestre em Administração pela FPL-MG. Professor do Curso de Mestrado em Administração da FPL-MG. Pesquisador do NCiTI. regilima.jesus@gmail.com
4. Doutoranda em Administração, no CEPEAD-UFMG. Mestre em Ciências Sociais pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). Graduada em Administração pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC-MG). Administradora no Centro Federal de Educação Tecnológica de Minas Gerais (CEFET-MG). Pesquisadora do NCiTI. adm_sas@yahoo.com.br
5. Doutora em Engenharia de Produção pela Coordenação de Pós- graduação e Pesquisa da Universidade Federal do Rio de Janeiro (COPPE-UFRJ), Mestre em Ciência Política pela UFMG, bacharel em Sociologia e Política pela UFMG e em Administração Pública pela UFMG. Professora do Curso de Mestrado em Biotecnologia e Gestão da Inovação do Centro Universitário de Sete Lagoas. Pesquisadora e Coordenadora do NCiTI. adelaide.baeta@unifemm.edu.br
6. Sobre o conceito de transdisciplinaridade, ver entre outros: Morin (2000), Nicolescu (1999) e Santos (2005).