Vol. 38 (Nº 41) Año 2017. Pág. 19
Gilberto FREITAS 1; Thiago Beniz BIEGER 2; Pâmela Andrade de MORAES 3; Nelson José THESING 4; Mauro Alberto NÜSKE 5
Recibido: 06/04/2017 • Aprobado: 05/05/2017
2. Procedimentos Metodológicos
3. Gestão em arranjos produtivos
RESUMO: A conquista de espaços públicos poderá ser mediada pela gestão, em um ambiente de cooperação? Questionamos se é possível sua efetivação, especialmente, na Governança dos Arranjos Produtivos Locais (APLs), em cooperativas e associações nas regiões Noroeste Colonial e Celeiro no Rio Grande do Sul, Brasil. Se buscou compreender o trabalho cooperativo, que instigou verificações, nas teorias da gestão social e da gestão estratégica, para interpretar a manifestação do fenômeno associativista na conquista de espaços, públicos ou não, em organizações regionais. |
ABSTRACT: Can the achievement of public spaces be mediated by management in a cooperative environment? We question whether it is possible to implement them, especially in the Local Productive Arrangements (APLs), in cooperatives and associations in two regions of Rio Grande do Sul, Brazil. It was sought to understand the cooperative work, which instigated verifications, in theories of social management and strategic management, to interpret the manifestation of the associative phenomenon in the conquest of spaces, public or not, in regional organizations. |
O objetivo central deste artigo é investigar a cooperação, como um mecanismo capaz ou não, em um ambiente coletivo, público não estatal, construir soluções, para amplas dificuldades, em associações, cooperativas e Arranjos Produtivos Locais. Portanto, a cooperação pode instigar sócios, dirigentes, colaboradores, estudantes, professores como um promotor de inclusão social, não só enquanto atenuante da pobreza, mas sim, a cooperação em um ambiente de trabalho coletivo e público, como um direito e um componente no processo de formação da identidade associativa e como fundamento indispensável no processo de trabalho na gestão, em empreendimentos empresariais ou sociais, na Região Celeiro [6] e na Região Noroeste Colonial, nos municípios de Panambi e Condor (Thesing; Kohler, 2012, p. 129), frente ao mercado altamente competitivo, que alimenta a lógica individualista, egoísta.
No entender de Frantz (2006), o termo cooperação contém em sua raiz etimológica a noção de trabalho, que qualifica o movimento cooperativo, uma vez que, nasceu das lutas pela valorização do trabalho humano. Por isso, a noção de cooperação é mais ampla que um simples espaço de instrumentação técnica, mas possui uma dimensão política vinculada aos interesses do trabalho das pessoas. Portanto, trata-se de um movimento político e, como tal, constitui a identificação, a associação, a comunicação entre os que trabalham com seus instrumentos, em um processo de apropriação dos resultados da produção.
Assim, o processo de cooperação, formado por pessoas e não essencialmente de capitais, busca atuar na perspectiva de seus componentes, pela ajuda mútua, de forma democrática e participativa, construindo um espaço público, ao responder os desafios econômicos e sociais de seus empreendimentos. A cooperação poderá vir a ser um espaço para desenvolver uma atitude ética, uma percepção de conjunto. No dizer de Thesing (2015) “ser humano é viver e atuar em conjunto” (p. 97). Ainda o autor sustenta que essa força gregária, o esforço coletivo, o que possibilita a marca de humano, onde a arte de cooperar possa somar em cada homem e em cada mulher uma atitude de desprendimento, vontade de partilha, persistência dedicada à alteridade e solidariedade, onde tenhamos presente o ditado “se quiser ir apenas rápido, vá sozinho; se quiser ir longe, vá com alguém”, o poderá facilitar um ambiente coletivo e público no processo de organização do trabalho.
Tem-se presente que a sociedade contemporânea está passando por profundas mudanças, em sua forma tanto individual como social. Isso significa que o conflito está presente em função das profundas transformações tecnológicas e científicas que apontam novos processos produtivos, novo sistema de organização do trabalho, que necessita de novos perfis profissionais, novas competências comunicativas. Esse conjunto de desafios produz pressões sobre nossas vidas, apontam novas necessidades, indicam novos espaços e formas de organização do trabalho.
Configura-se um cenário desafiador, especialmente ao ter presente à cooperação como mecanismo de organização e estruturação de ambientes de trabalho, o que potencializa o ser humano em uma característica peculiar, a de produzir conhecimento que fortalece o espírito público. Essa qualidade poder´ser transmitida de geração para geração, mediante a capacidade do homem de criar sistemas de símbolos, entre eles a linguagem, por meio da qual dá significado às suas experiências vividas e as transmite a seus semelhantes. A transmissão da aprendizagem dá-se em todos os lugares e processos concretos da vida nos quais o ser humano realiza sua natureza social.
[…] a aprendizagem não é conformação ao que existe nem pura construção a partir do nada; é reconstrução autotranscendente, em que se ampliam e se ressignificam os horizontes de sentido desde o significado que o sujeito a si mesmo atribui (…) no sucederem-se as gerações reassumem eles e reconstroem o mundo da vida. Nela se reinterpreta a experiência cultural dos grupos e se insere em novas totalidades de sentido; ressignifica-se cada um de seus elementos (Marques, 1995, p. 15-16).
Assim, ao interpretar as práticas de cooperação é possível registrar que elas não se apresentam como práticas neutras, livres de interesses e intenções e sim “politizam-se” em atividades de poder. Um poder que o quadro associativo, pode conquistar em uma sociedade altamente competitiva e concentradora da riqueza, ao valorizar seu trabalho, nos processos produtivo, comercial, industrial ou de serviços, uma vez que, a cooperação pode ser um mecanismo de organização e estruturação de empreendimentos empresariais ou sociais.
Portanto, ao estudar gestão em empreendimentos coletivos, tem-se presente o sistema econômico hegemônico, que se orienta por relações competitivas e concorrenciais, dominado pelas grandes corporações. Trata-se de uma economia que busca a produção, pela lógica da acumulação capitalista. Portanto, a lógica do trabalho é submetida à racionalidade econômica do capital.
Assim, a cooperação assume um papel desafiador, ao tratar a dimensão associativa em um processo de reconstrução das relações humanas, onde a gestão social no entender de Cançado, Pereira e Tenório (2013) pode ser delimitada como uma ação gerencial dialógica voltada para o interesse público não estatal e para a realização do bem comum.
No entanto, para Tenório (2008a, p. 147-148), a gestão social tem sido objeto de estudo e prática muito mais associado à gestão de políticas sociais, do que à discussão e possibilidade de uma gestão democrática sejam para questões públicas ou de caráter produtivo.
Nessa perspectiva a organização associativa, mediante a gestão social, poderá assumir um espaço de poder, fazer a mediação entre o sistema político de um lado, e os setores privados de outro, o que significa a construção de um ambiente de gerenciamento dialógico e compartilhado entre os participantes para evitar a confusão, como alerta Carrion (2007, p. 159), entre os termos gestão social e gestão do social “[…] gestão social não é sinônimo de transposição de princípios e postulados de gestão de negócios para o campo social”. Assim, busca-se a compreensão da organização do trabalho em um ambiente coletivo e público, nos APLs, cooperativas e associações.
Tendo presente o objeto de estudo, a estratégia de pesquisa mais adequada para sua abordagem é a qualitativa. A pesquisa qualitativa pode ser entendida como, de acordo com Vieira (2004) “a que se fundamenta principalmente em análises qualitativas, caracterizando-se, em princípio, pela não utilização de instrumental estatístico na análise dos dados” (p.17). A pesquisa tem por base conhecimentos teóricos e empíricos que permitem conferir-lhe cientificidade. No entender de Denzin e Lincoln (2006), a pesquisa qualitativa consiste num conjunto de práticas materiais e interpretativas que dão visibilidade ao objeto de estudo, na tentativa de entender ou interpretar os fenômenos. Ainda, contemplam os objetivos nos campos explicativo e descritivo, documental, de campo para identificar as contribuições do ambiente de cooperação, na gestão administrativa em empreendimentos coletivos, estudos de caso, nas experiências associativas. Conforme Yin (2005), o estudo de caso é a metodologia apropriada quando se busca explicar o “como e porque” de certos acontecimentos sociais já que “lidam com ligações operacionais que necessitam ser traçadas ao longo do tempo, em vez de serem encaradas como meras repetições ou incidências” (p. 25).
Assim sendo, para este estudo, a população abrangeu os Arranjos Produtos Locais, cooperativas e associações nas regiões do Noroeste Colonial e Celeiro do Rio Grande do Sul, Brasil. A escolha da referida amostra foi do tipo não probabilística intencional, no que concerne às organizações na região de atuação de profissionais vinculados a Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul (UNIJUÍ), ao elaborar Planejamento Estratégico do Arranjo Produtivo Pós-Colheita, que produz produtos, sistemas e processos para armazenagem, secagem, limpeza, movimentação e controle de cereais e contempla 80 empresas de Panambi e Condor.
Já o Arranjo Produtivo Local, na Agricultura Familiar, tendo como campos de pesquisa 37 agroindústrias pertencentes a duas cooperativas que desenvolvem atividades de transformação, produzindo pães, cucas, bolachas e outros derivados, produtos de origem animal, como salames, queijos e bebidas lácteas, além de melado, mel e ainda, hortigranjeiros. Sete cooperativas, tendo como atividade principal produção de leite in natura. Outro grupo que contempla uma associação que posteriormente se transformou em cooperativa de produção de leite, que fornece insumos e presta serviços para seus associados. O terceiro grupo, duas cooperativas que adotam estratégias de diversificação de atividades, produção de leite, supermercado e casa agropecuária, abatedouro de animais (gado bovino).
Investigar o ambiente de cooperação, como possibilidade de construção de espaço público, não estatal, é um campo complexo de práticas sociais e empresariais, é um exercício mais do que instigante e que desafia várias áreas do conhecimento, em uma sociedade de competição, que segundo Marilena Chauí (2001), neste ambiente os mecanismos de mercado são divinizados, de modo que podem por si mesmos, organizar a vida econômica, política e social, dando total liberdade ao mercado que pode estabelecer as regras comerciais, onde os desejos não racionais por mercadorias podem levar as pessoas a se preocuparem mais com os bens do que os demais seres humanos, o que desafia a governança em Arranjos Produtivos.
Assim, ao buscar a compreensão da gestão na governança nos Arranjos Produtivos Locais – APLs, que para Suzigan, et al. (2007) a questão da governança só merece destaque quando os agentes buscam aproveitar as vantagens competitivas decorrentes de economias externas de aglomerações e tentam tomar iniciativas coletivas ou desenvolver ações conjuntas.
Esse entendimento possibilita observar diferentes formas de governança, alimentadas por várias áreas do conhecimento, em um sistema produtivo local, embora se centralize o objetivo de estimular ações conjuntas na direção de incrementar a competitividade através da cooperação, do conjunto dos cooperantes. Porém, a governança de APLs não poderá ser compreendida como uma “receita de bolo”, pelo contrário, é fruto de um processo de gestão planejada, com visão de futuro.
A gestão da governança recebe influências do contexto social-cultural e político local, talvez seja o condicionante mais importante da possibilidade e da forma de governança em APLs. Faz-se essa referência para simplesmente pontuar, mais uma vez, a complexidade da gestão de um Arranjo, o que implica, por outro lado, a constituição de uma equipe técnica e diretiva com competências específicas para atuar no processo administrativo do APL.
No caso específico da gestão na governança do APL Agricultura Familiar Celeiro (Plano Estratégico de Desenvolvimento do Arranjo Produtivo Local, elaborado em 2014, por uma equipe da Unijuí), e que em pesquisa de campo, ainda, confirma esse estágio, onde o processo de organização da gestão no Arranjo está em estágio inicial, embrionário. Já o APL Metalmecânico – Pós-Colheita – Panambi/Condor, quando foi elaborado o Plano Estratégico, em 2013, se verifica ainda, uma importante trajetória administrativa, visto que possui diversas experiências de cooperação entre empresas na direção da consolidação do Arranjo, entre elas: troca na prestação de serviços (utilização de máquinas), prospecção de mercado, visita e exposição em feiras nacionais e internacionais, desenvolvimento de produtos via a Financiadora de Estudos e Projetos (FINEP), cursos de formação e capacitação profissional.
Ao verificar a governança dos agentes integrantes dos APLs, através de Projetos de Extensão da Unijuí, constata-se a necessidade de ampliar ações de integração e cooperação, quer por avançar nas parcerias público-privado, com as instituições de ensino superior, centros tecnológicos, entre empresas, na formação e capacitação dos trabalhadores e proprietários, na consolidação de uma central de negócios, de projetos financeiros e tecnológicos, quer por novas ações tipo Cooperativa Garantidora de Créditos, melhoria da infraestrutura local, dinamização da ação política e desenvolvimento e/ou adoção coletiva de novas tecnologias e a busca de uma nova forma de gestão nos empreendimentos coletivos ou empresariais.
A gestão estratégica caracteriza-se pela busca da maximização dos interesses privados, trabalha com a racionalidade utilitária e instrumental, mesmo em um ambiente de governança dos APLs, o agir racional é orientado para um fim específico, o lucro. Por outro lado, a gestão social, pautada pela racionalidade substantiva, busca uma governança participativa e dialógica, que segundo Tenório (2008b) apresenta a racionalidade comunicativa de Habermas como uma perspectiva mais próxima do social.
Porém, a gestão social é uma prática que não conquistou um consenso conceitual para Pinho (2010), mas existem elementos que ultrapassam as organizações públicas, que desenvolvem condições nas mais diversas organizações, proporcionando espaço e ações para a emancipação dos agentes da governança. No entender de Tenório (2008a) existe uma diferença ente as ações:
A diferença entre os dois tipos de ação é que, enquanto racionalidade instrumental desenvolve uma mediação entre teoria e prática a partir de postulados técnico-formais, a racionalidade comunicativa promove esta mesma mediação por meio do diálogo entre os agentes sociais do processo.(p. 36)
Entende-se que a gestão social é coordenada por um processo coletivo, de interesse comum, ou seja, um grupo busca o que for da vontade da maioria em um ambiente público. Essa caminhada deverá fortalecer o entendimento construído e não pelo processo de negociação, que é uma das características da gestão estratégica, instrumental. Portanto, na gestão social os consensos são construídos, já na gestão instrumental são obedecidos. Por fim, cabe mais um registro diante da reflexão: o espaço onde se desenvolve cada tipo de gestão apresenta diferenças – a gestão estratégica encontra seu espaço na esfera privada, enquanto a gestão social se torna mais efetiva na esfera pública (público não estatal).
Ao fazer uma reflexão histórica, constata-se que o APL Pós-Colheita Metalmecânico – Panambi/Condor criou, em 2003, seu Comitê Gestor, integrado pelas Prefeituras Municipais – Panambi e Condor, Associações de Classe – ACI-Panambi e ACI-Condor, Associação Centro de Inovação Tecnológica – ACITEC e Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas – SEBRAE/RS, Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul – UNIJUI, Colégio Evangélico de Panambi – CEP, Serviço Nacional de Aprendizagem Técnica – SENAI e o Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia Farroupilha – Campus Panambi. Semelhante processo é identificado no APL – Celeiro que integra a agricultura familiar, as associações/cooperativas, tendo como seu principal produto, a produção de leite, sua industrialização e comercialização.
Em reuniões, relatórios nos APLs, foi possível identificar um grau de fragilidade na capacidade instalada para gestar o Arranjo Produtivo, seja para a pesquisa e promoção de ações microeconômicas (voltada aos agentes), seja pela produção de indicadores de desenvolvimento macroeconômico (do conjunto do APL).
Nas reuniões, encontros, visitas em propriedades, ao efetuar o diagnóstico, durante o ano de 2014, no APL Celeiro, foi possível ouvir e registrar, algumas manifestações, entre os agricultores, frente ao cenário individualista: “o individualismo diminui as pessoas, se isola, tem menos força”; “quem não participa não tem relações com ninguém, fica de fora de tudo”; “não é suficiente produzir com técnicas, devemos trabalhar em família, em comunidade, participar das coisas, sozinho não sobrevive mais, sozinho não chega a lugar nenhum”; “tenho necessidade de ouvir e falar, trocar ideias, viver na comunidade, viver só em casa não dá muito certo”.
Por isso, pode-se afirmar que a prática na gestão da governança é uma experiência ainda não suficientemente amadurecida e instiga investigações, se por um lado existe uma manifestação diante do espírito individualista, alimentado pela gestão estratégica, de outro, existe a presença do espírito de cooperação, fortalecida pela gestão social. A prática dos agricultores e de seus familiares não pode ser reduzida simplesmente a um conteúdo econômico, de compra e venda de produtos agrícolas. As práticas dos agricultores, que são comunitárias, contêm um alto grau de aspetos culturais, políticos, sociais e até psicológicos, com raízes na colonização, no entender de Frantz (2002a), o que cria condições para a efetivação da gestão social, compartilhada com a gestão estratégica.
Nesse sentido, deve-se destacar que a partir de diferentes recortes em APLs, a importância da governança foi discutida em vários estudos. Para Storper e Harrison (1991), o estudo da governança permite conhecer os atores, que podem definir os rumos do desenvolvimento de um APL. Porter (1999); Humphrey e Schmitz (2002) dão destaque ao papel que a governança local tem para exercer a coordenação de atividades interfirmas, para o aumento da competitividade coletiva. Para Schmitz e Knorringa (2000), o tipo de governança local permite avaliar o potencial das ações conjuntas no APL, ou no seu grau de institucionalização. Cassiolato e Szapiro (2003) salientam também o papel da governança privada, especificamente a existência de uma empresa-líder que poderá exercer algum tipo de coordenação de caráter local.
Entende-se que existe uma experiência em construção de um novo espaço público a ser efetivado através da governança do APL Celeiro, onde poderá surgir uma estrutura descentralizada, onde a ordem é oriunda dos consensos das diferentes partes envolvidas. Em reuniões e relatório, por vezes foi possível identificar certa desconfiança no processo de participação, mesmo assim, ainda, subsiste a esperança de que seja esse horizonte que contenha os mecanismos que levam os agricultores e seus familiares a superar as profundas contradições e carências que caracterizam a agricultura familiar e suas organizações.
Talvez as expectativas, no campo da participação, em determinado momento na história, frustrem o processo de compartilhamento, que atualmente parece estar mais a serviço da área tecnológica, liderada pelo mercado, em que o movimento se concentra na produção, em detrimento da organização social. Mesmo assim, continua a esperança no processo de participação, onde os desafios passam pelas variáveis, de um lado, o movimento associativista/cooperativista, de outro, o mercado, porém existe a possibilidade de conquistar a consciência, de um desenvolvimento da agricultura familiar. Já o APL Pós-Colheita Metalmecânico – Panambi/Condor desenvolveu uma governança e instalou em 2003, um Comitê Gestor, integrado pelas prefeituras municipais de Panambi e Condor, associações de classe e instituições de ensino superior.
O que a ciência administrativa pode contribuir no processo em gestão de cooperativas? Administrar mediante um olhar estratégico, voltado para o mercado ou uma gestão social, mais dialógica? Que lógica administrativa poderia ser aconselhada para a gestão das cooperativas?
No entender de França Filho (2004) existe um conjunto de técnicas gerenciais que se referem “ao conjunto de ideais voltadas ao auxílio do trabalho do gerente, num sentido muito prático e aplicado” (p. 122). Esse modelo trabalha com técnicas gerenciais que buscam a eficácia e a eficiência administrativa.
Em um segundo momento, França Filho (2004) aponta que a gestão pode ser trilhar por áreas funcionais, cuja fundamentação nasce da noção de divisão do trabalho proposta por Fayol (2003) que desenvolveu o princípio universal da administração, a divisão do trabalho, as funções básicas das empresas, as várias especializações da prática administrativa, como: marketing, finanças, logística, gestão de pessoas, da produção.
O terceiro momento é o campo da Teoria das Organizações (TO) ou dos Estudos Organizacionais (EO), que apresenta a gestão como uma organização, uma unidade de análise. Apresenta a organização como algo essencial e indispensável como objeto de estudo. Segundo França Filho (2004) são duas bases: o comportamento organizacional mediante influências de psicólogos americanos e a sociologia das organizações, desenvolvida por sociólogos americanos de inspiração funcionalista.
Portanto, questionam-se os processos de busca do conhecimento do administrador, da gestão administrativa, especialmente dos estudos organizacionais para a formação do empreendimento cooperativado.
Certamente, a gestão necessita de um olhar interdisciplinar, de diversos saberes, de várias disciplinas para subsidiar a compreensão do apreciado por diversos conhecimentos para o exercício pleno do processo administrativo.
A cooperativa é administrada por associados eleitos em assembleia geral, com um mandato que varia de três a quatro anos, de acordo com a legislação cooperativista e o estatuto social vigente. Portanto, é um empreendimento autônomo e administrado de forma democrática, o que aponta a necessidade da busca do conhecimento por meio de um processo de aprendizagem permanente e que poderá contar com profissionais de várias áreas.
O empreendimento cooperativado seja social ou empresarial, segundo Frantz, (2002b), “abriga um complexo sistema de relações sociais que se estruturam a partir das necessidades, das intenções e interesses das pessoas que cooperam. Da dinâmica dessas relações nascem ações no espaço da economia, da política”(p.22). Essa dinâmica produz práticas que necessitam ser investigadas, uma vez que, esse complexo campo de práticas, poderá gerar processos de poder.
Uma organização cooperativa é, antes de mais nada, uma associação de pessoas (não de capitais) que se propõe atuar na perspectiva da economia dos componentes dessa associação, isto é, na perspectiva de sua racionalidade econômica enquanto economias individuais. Porém, ao fazê-lo, essa associação cria, organiza e estrutura um instrumento adequado que vem a ser a empresa cooperativa: uma empresa comum com o objetivo de apoiar e complementar a administração das economias individuais, dando-lhes suporte no jogo competitivo do mercado. Essa característica diferenciada – como associação e como empresa – remete a duas questões fundamentais para o sucesso do empreendimento cooperativo. Primeiro, da natureza associativa decorre a necessidade da participação política de seus associados na condução do empreendimento e, segundo, da natureza empresarial decorre a necessidade da participação econômica dos associados na cooperativa (Frantz, 1985, p. 57-58).
Esse olhar entre a associação e a empresa aponta a necessidade de verificar a gestão como uma práxis do empreendimento cooperativado, autônomo, autogestionário e solidário, que ultrapassa a visão instrumental e tecnológica e que dialoga com o mundo associativo, ao oportunizar relações sociais complexas, em um espaço de poder, que entender de Irion (1997) a associação deverá ser autônoma, para fazer frente as necessidades e aspirações econômicas, sociais e culturais por meio de uma empresa de propriedade comum e democraticamente controlada.
Portanto, a associação e a empresa devem ser espaços de aprendizagem e de formação crítica, que no entender de Marques (1988), “a consciência estrutura-se à medida que o indivíduo se relaciona com os outros pela mediação dos procedimentos e formas elaborada” (p. 106). Essa caminhada contempla práticas associativistas e empresariais, de cooperação e de competição que podem auxiliar no processo de gestão social e estratégica, especialmente ao participar de encontros, ao acessar relatórios, da Associação Gaúcha dos Empreendimentos Lácteos (AGEL) que é a principal “vantagem competitiva” presente na Região Celeira.
A Região Celeira é um território marcado por terras dobradas, de pequenas propriedades, com produção de derivados de leite, carne, hortifrutigranjeiros. Portanto, um APL de base agroindustrial, tendo como núcleo da agregação de valor as propriedades rurais, onde as organizações produtivas são as cooperativas e associações, que apresentam desafios para a governança do Arranjo Produtivo, entre eles, a gestão da propriedade, mediante a qualificação dos produtores, agregação de valor à matéria prima no próprio território, redução dos custos e ampliação da produtividade, solidarização dos sócios em torno das associações e cooperativas, por fim, minimize os custos dos investimentos, potencializando as oportunidades e ativos disponíveis de forma mais econômica, tendo na governança do APL uma estrutura que consolide as vantagens competitivas na cadeia agroindustrial.
Já no APL Panambi e Condor se apresentam os desafios (identificado em reuniões, relatórios) no processo de formação, capacitação e de competências dos agentes, que viabilize a sustentabilidade empresarial em várias dimensões, por novas concepções de organização administrativa e produtivas, na evolução tecnológica, os trabalhadores e empreendedores necessitam adquirir novos competências, nos campos cognitivos, técnico, gestão e atitude para se tornarem mais competitivos e associativos, onde a empresa deixa de ser apenas um lugar de produção de bens ou de serviços materiais e culturais e passa a ser um ambiente de aprendizagem, em um processo de formação continuada, tendo presente a governança do APL.
Desde o início dos anos 90, as investigações têm sido ampliadas, ao participar de reuniões, encontros e nas visitas nos APLs, associações e cooperativas. Ao verificar os relatórios, ao pesquisar as produções científicas, para desenvolver um olhar especial para com a gestão social e gestão estratégica, com a possibilidade de encontrar um ambiente coletivo e público, para a tomada de decisões nos empreendimentos cooperativados de forma democrática, independente da esfera, pública ou privada. Esse ambiente requer atitudes coletivas, voltadas para o bem comum, o que desafia a gestão em direção a uma sociedade menos injusta, o que exige mais dos administradores de associações e de empresas, muito mais, da governança dos APLs.
Ao verificar o ambiente de cooperação, em várias organizações, para além de possibilitar ações de planejamento, execução, monitoramento e avaliação dos empreendimentos, promova a difusão do conhecimento, amplia a visão da cadeia produtiva, conquista vantagem na compra de matéria prima, oportuniza investimento em avanços científicos e tecnológicos.
Pelos resultados das análises empreendidas nos APLs, cooperativas e associações constata-se um bom desempenho nos empreendimentos porque a cooperação, ao despertar um espaço público, desenvolveu certo suporte, ao organizar um relacionamento eficiente e eficaz com os agentes envolvidos. Desta forma a cooperação transforma-se em mecanismo de aprendizagem, pesquisa e desenvolvimento, principalmente quando se trata de atividades que necessitam incorporar os avanços científicos e tecnológicos, ultrapassando a fronteira da gestão estratégica.
Portanto, o processo de gestão nos empreendimentos investigados, apresenta um ambiente de inovação e empreendedorismo nas organizações cooperativas e nos processos de governança, que em boa parte, recebeu uma atenção das instituições de ensino superior, dos órgãos de pesquisa e fomento, das Associações Comerciais e das administrações públicas ao disponibilizarem profissionais para atuarem nas organizações.
Ainda, o ambiente coletivo e público, construído de forma conjunta, com a presença de instituições e organizações, seja na governança dos APLs, cooperativas e associações fortaleceu a qualificação profissional, a participação em feiras e eventos, ações coletivas em processos de negociação, na busca de novos mercados, no desenvolvimento de novos produtos e processos no sistema produtivo.
Assim o ambiente de cooperação entre pessoas físicas ou jurídicas que interagem por meio de negociações formais e informais, cria com o passar do tempo, regras e estruturas que governam as suas relações e a forma como atuam ou decidem sobre os aspectos que os mantêm unidos. Esse processo permite uma rica aprendizagem, em um constante movimento que deriva das relações concretas, das relações que os seres humanos estabelecem entre si e com a natureza, em um diálogo de saberes, que ultrapassa a simples troca de informações, na busca de um compartilhamento entre os integrantes de um APL, cooperativa ou associação.
Finalmente, um ambiente de diálogo poderá facilitar o a conquista de um espaço público, coletivo, não só do ponto de vista estratégico, mas também da gestão social, ao construir um “espaço pedagógico prático” no qual se desenvolvem processos, ações educativas que permitem fazer das organizações suas práticas sociais indispensáveis para os empreendimentos coletivos. Isso significa que as gestões, estratégica e social, possam ser contempladas e administradas de acordo com o grau de amadurecimento da organização.
Essa caminhada passa a ser uma “verdadeira escola” para os integrantes dos empreendimentos, um processo social fundamentado em relações associativas pelo qual as pessoas buscam encontrar caminhos para seus problemas comuns. Acredita-se que a pesquisa nesse campo ainda necessita de mais estudos, dando continuidade a essa e outras pesquisas já desenvolvidas, especialmente ao verificar a cooperação com um ente capaz de desenvolver um espaço público de conquistas para empreendimentos coletivos, sejam sociais ou empresariais.
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VIEIRA, M. (2004) Por uma boa pesquisa (qualitativa) em administração. In: VIEIRA, M.; ZOUAIN, D. Pesquisa qualitativa em administração. Rio de Janeiro: FGV Editora.
YIN, R. K. (2005) Estudo de caso: planejamento e métodos. Porto Alegre: Bookman.
1. Mestrando em Desenvolvimento. Universidade Regional do Noroeste do Rio Grande do Sul – UNIJUÍ. gilbertofreita@gmail.com
2. Mestrando em Desenvolvimento. Universidade Regional do Noroeste do Rio Grande do Sul – UNIJUÍ. thiago@bieger.com.br
3. Mestranda em Desenvolvimento Regional. Universidade Regional do Noroeste do Rio Grande do Sul – UNIJUÍ. pamela.andrade.moraes@gmail.com
4. Doutor em Integração Regional pela Universidade Federal de Pelotas (UFPEL/RS). Professor do Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento Regional da Universidade Regional do Noroeste do Rio Grande do Sul – UNIJUÍ. nelson.thesing@unijui.edu.br
5. Doutorando em Desenvolvimento Regional pela Universidade Regional do Noroeste do Rio Grande do Sul – UNIJUÍ. mauronuske@gmail.com
6. Localiza-se na Região Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul e compreende 21 municípios: Barra do Guarita, Bom Progresso, Braga, Campos Novo, Chiapetta, Coronel Bicaco, Crissiumal, Derrubadas, Esperança do Sul, Humaitá, Inhacorá, Miraguaí, Redentora, Santo Augusto, Sede Nova, São Martinho, São Valério do Sul, Tenente Portela, Tiradentes do Sul, Três Passos e Vista Gaúcha (CENSI, et al., 2014, p. 107-108).