ISSN 0798 1015

logo

Vol. 38 (Nº 39) Año 2017. Pág. 14

Desertificação no Nordeste brasileiro: uma análise das vulnerabilidades socioeconómicas do municipio de Irauçuba/CE

Desertification in northeastern Brazil: An analysis of socio-economic vulnerabilities of the municipality of Irauçuba/CE

Francisco Aquiles de Oliveira CAETANO 1; Djane de Souza Lima GONÇALVES 2; Milena Monteiro FEITOSA 3; Raquel Neris TEIXEIRA 4; José de Jesus Sousa LEMOS 5

Recibido: 26/03/2017 • Aprobado: 10/04/2017


Conteúdo

1. Introdução

2. Marco conceitual

3. Material e métodos

4. Resultados e discussão

5. Considerações Finais

Referências bibliográficas


RESUMO:

O estudo pretende analisar a vulnerabilidade socioeconômica, de produção e ambiental em Irauçuba/Ceará, um dos municípios mais afetados pelo processo de desertificação na região Nordeste do Brasil. Além da pobreza, a análise constatou que 66% da população não tem qualquer tipo de coleta de lixo, 30% não tem onde colocar os seus dejetos e 72% dos entrevistados não sabe o que é desertificação. Conclui-se que as práticas agrícolas predatórias e a elevada vulnerabilidade socioeconômica implicam em aumento da desertificação.
Palavras chave Vulnerabilidade socioeconômica; Desertificação; Irauçuba.

ABSTRACT:

The study aims to analyze the socio-economic, production and environmental vulnerability in Irauçuba/Ceará, one of the municipalities most affected by the desertification process in the Northeast region of Brazil. In addition to poverty, the analysis found that 66% of the population does not have any type of garbage collection, 30% does not have where to put their waste and 72% of respondents do not know what desertification is. It is concluded that predatory farming practices and high socioeconomic vulnerability involve increasing desertification.
Keywords socioeconomic vulnerability; Desertification; Irauçuba.

1. Introdução

A degradação progressiva de ambientes áridos, semiáridos e subúmidos secos resulta em desertificação, que é um dos fenômenos ambientais mais danosos em escala global, incorrendo em agravamento dos quadros social e econômico, no desaparecimento da fauna nativa e na mudança da paisagem. O agravamento do quadro climático, juntamente com as intensas e indevidas intervenções antrópicas em ambientes frágeis, causa uma série de impactos que levam a diminuição da qualidade de vida e a redução considerável dos ativos ambientais nas áreas suscetíveis à desertificação (ASD).

A desertificação é multifacetada, é resultante de uma combinação de processos socioeconômicos e ambientais, ocorrendo simultaneamente em escalas temporais e espaciais distintas, acionando uma variedade de manifestações e impactos biofísicos (Bauer e Stringer, 2009). A magnitude e a intensidade desses impactos acarretam danos que ultrapassam a esfera ambiental e que exigirão uma grande mobilização financeira e técnica, além do apoio institucional, para a sua recuperação.

A visão do problema da desertificação, como argumentam Herrmann e Hutchinson (2006), deixou de ser estreitamente vinculada à ecologia e passou a apresentar contornos estratégicos, se aproximando de uma visão política de desenvolvimento. Dessa forma, reconhecendo que a desertificação é um processo de âmbito socioeconômico e ambiental de alcance mundial, a Organização das Nações Unidas (ONU) realizou, a partir de 1977, uma série convenções que trataram do tema desertificação. Esse esforço resultou na Convenção Internacional das Nações Unidas de Combate à Desertificação (CCD) que, após muitas negociações, entrou em vigor em 26 de dezembro de 1996, com a anuência de 176 países e compromisso da elaboração dos Programas de Ação Nacional de Combate à Desertificação (PAN).

O PAN-Brasil foi elaborado visando identificar as ASD e especificar o papel do Governo, da sociedade civil e de organizações não-governamentais no contexto do combate à desertificação e do desenvolvimento sustentável, bem como estabelecer diretrizes e instrumentos legais e institucionais visando a formulação e execução de políticas públicas (BRASIL, 2004).

Os planos, programas e políticas de combate à desertificação objetivam, em síntese, reduzir os grandes déficits sociais, econômicos e ambientais. Para isso, as estratégias de implementação do PAN-Brasil foram pautadas pelo desenvolvimento de ações articuladas, em torno de quatro eixos temáticos, especificados a seguir: Redução da pobreza e da desigualdade; ampliação sustentável da capacidade produtiva; conservação, preservação e manejo sustentável dos recursos naturais; e gestão democrática e fortalecimento institucional (BRASIL, 2004).

Segundo o MMA, o estado do Ceará, localizado na região Nordeste do Brasil, é o que possui o maior número de municípios inseridos em Áreas Suscetíveis à Desertificação (ASD), com 100% dos seus municípios inseridos em ASD, e possui um dos núcleos de desertificação do Brasil, o núcleo de Irauçuba (BRASIL, 2004; SANTANA, 2007). Diante disso, inferindo-se que o combate à desertificação incorre na melhoria dos eixos temáticos do PAN-Brasil, recorrentes nos documentos norteadores de combate à desertificação, o presente estudo tem o objetivo de aferir e analisar indicadores socioeconômicos, ambientais e de produção no município de Irauçuba/CE, e sua relação com os processos de desertificação.

Com base em estudos anteriores, como os de Lemos (2000), Hazell et al. (2002), Brasil (2004), Winslow et al. (2004) e Araújo, Nunes e Souza Filho (2016), parte-se da hipótese de que os indicadores socioeconômicos e de produção possuem influência sobre a degradação das terras secas, ou seja, sobre a desertificação no município de Irauçuba, Ceará.

A relevância de se verificar a relação entre indicadores socioeconômicos e de produção, a nível municipal, e seu estágio de desertificação facilita o entendimento do problema em seu íntimo e contribui para que os governos possam elaborar uma melhor avaliação de suas ações, justificando a realização deste estudo. Segundo Wilson et al. (2016), inicialmente é importante compreender esse fenômeno ambiental a nível local, antes dos processos de tomada de decisão regional, nacional e global. Dessa forma, a presente análise contribui para o melhor desenvolvimento de políticas públicas, visto que há particularidades na desertificação de cada localidade, facilitando a identificação de medidas adequadas a essas adversidades.

2. Marco conceitual

2.1. Desertificação: Um breve histórico

A desertificação é um fenômeno que provoca, além de impactos sociais, ambientais e econômicos, o deslocamento de milhares de pessoas em busca de oportunidades e melhores condições de vida. Um dos primeiros registros de preocupação com esse tema no Brasil se deu no ano de 1956, quando aconteceu o XVIII Congresso Internacional de Geografia, no Rio de Janeiro, que decorreu na criação da Comissão Especial para Estudo da Desertificação em Terras Áridas (CONTI, 2009). Contudo, apenas em 1977, na Conferência de Nairóbi, no Quênia, sob coordenação da ONU, a temática extrapolou a esfera geográfica, passando a assumir um caráter global e interdisciplinar.

O conceito de desertificação atualmente válido e internacionalmente aceito foi elaborado pela Convenção Internacional de Combate à Desertificação (CCD), fundada na França em 1994. Após alguns anos de estudos e discussão e com a efetiva contribuição da Agenda 21 global, a CCD conceituou desertificação como “a degradação das terras nas zonas áridas, semiáridas e subúmidas secas resultantes de fatores diversos tais como as variações climáticas e as atividades humanas” (UNCCD, 1994).

No Brasil, as mais importantes políticas públicas de combate à desertificação surgiram após os compromissos assumidos por ocasião da CCD e das diretrizes propostas pela Agenda 21 global, importante documento norteador lançado pela RIO-92, que dedica todo o Capítulo 12 (Manejo de Ecossistemas Frágeis: a luta contra a desertificação e a seca) a ações de desenvolvimento sustentável e proteção ambiental recomendadas para regiões áridas, semiáridas e subúmidas secas.

O Brasil elaborou o seu programa de combate à desertificação (PAN-Brasil), concluído em 2004, com base nos pressupostos da CCD, estabelecendo o direcionamento para as políticas públicas e abrindo o caminho para a discussão de políticas regionais. A elaboração do PAN-Brasil prenunciou uma cooperação das diversas esferas governamentais, de forma a reconhecer as particularidades da desertificação em cada ASD, fortalecer as relações institucionais e a ampliar a capilaridade de suas ações. Com esse direcionamento, foram elaborados os Programas de Ação Estadual de Combate à Desertificação (PAE) para todos os estados da região Nordeste e para os estados de Minas Gerais e Espírito Santo.

2.2. Os núcleos de desertificação no Nordeste brasileiro

Vasconcelos Sobrinho (1971), em estudo que analisa indicadores de desertificação no Nordeste, apontou a cidade de Irauçuba/CE como um dos núcleos de desertificação do Brasil, junto a Gilbués/PI, Cabrobró/PE e Seridó/RN (Figura 1). O mapeamento das áreas mais afetadas por processos de desertificação, realizado por Soares, Leite e Martins (1992) e apresentado na primeira Conferência Internacional sobre Impactos de Variações Climáticas e Desenvolvimento Sustentável em Regiões Semiáridas (ICID 92), também indicou Irauçuba e municípios vizinhos como pertencentes às áreas mais impactadas por desertificação, juntamente com as microrregiões do Médio Jaguaribe e do Sertão de Inhamuns. Mais recentemente, o MMA reconheceu que o estado do Ceará possui todo o seu território, 184 municípios, classificado como suscetível à desertificação, além de reconhecer os quatro núcleos de desertificação identificados por Vasconcelos Sobrinho (1971). Os municípios pertencentes a esses núcleos compartilham, além de secas e solos degradados, altos índices de pobreza e exclusão social (LEMOS, 2012).

Figura 1. Mapa das Áreas Suscetíveis à Desertificação e Núcleos de Desertificação

O Nordeste brasileiro, por encontrar-se em grande parte inserido nos climas semiárido e subúmido seco, apresenta um baixo índice pluviométrico, além de precipitações irregulares concentradas no início do ano e altas taxas de evapotranspiração, ou seja, fatos que obstaculizam o desenvolvimento de práticas agrícolas (ANGELOTTI et al., 2009).

A região semiárida brasileira possui mais de 10% de seu território com alto grau de degradação (COLLADO, 2001; SANTANA, 2007). A população pobre dessas áreas tem uma grande dependência dos recursos naturais para o consumo de subsistência e, diante das necessidades fisiológicas básicas, extrai de um ambiente que já é frágil, contribuindo para o incremento dessas dificuldades. Devido à matriz energética regional ser predominantemente preenchida pelo uso de madeira na forma de lenha ou de carvão, o bioma da caatinga é fortemente atingido pela extração desordenada do recobrimento vegetal primário (CEARÁ, 2010).

2.3. Pobreza e desertificação: um processo retroalimentado

O entendimento atual da comunidade científica é que a degradação da terra deve ser observada como um fenômeno socioambiental complexo resultado de uma densa interação entre forças biofísicas e sociais, distribuídas em diversos níveis espaciais (IMESON, 2012). A exploração de recursos naturais por atividades humanas, em condições biofísicas adversas, é impulsionada por combinações específicas tempo-espaço de forças sociais, movimentando os processos de degradação da terra (WILSON et al., 2016)

É importante destacar que a grande maioria das ações invasivas do homem tem origem na pobreza e na insegurança alimentar (PAN BRASIL, 2005). Logo, é possível inferir que as fragilidades socioeconômicas são as causas e, simultaneamente, as consequências da desertificação (CEARÁ, 2010). Considera-se que a busca por extrair cada vez mais de um bioma fragilizado acarreta no esgotamento dos serviços ecossistêmicos e em desertificação.

A relação cíclica entre pobreza e degradação começou a ser evidenciada a partir do relatório de Brundtland, publicado em 1987, conhecido como Nosso Futuro Comum. Esse relatório debateu a ideia de crescimento econômico ligado à preservação ambiental (BRUNDTLAND, 1987). Percebeu-se que a pobreza rural acelera os processos de degradação e cria um círculo vicioso, composto por diversos fatores econômicos, sociais e ambientais.

A pobreza rural, em um quadro onde são escassas as alternativas de subsistência, potencializa o mau uso dos recursos disponíveis e encontra como única saída a extração do ambiente ecologicamente frágil, perpetuando o círculo vicioso, como evidenciado a seguir:

A combinação desses elementos (pobreza e desigualdade) promove nas Áreas Susceptíveis à Desertificação (ASD) uma evidente aceleração dos processos de degradação. Uma imensa massa de pequenos agricultores descapitalizados, confinados em pequenas parcelas de terras de tais áreas (via de regra, de média ou baixa fertilidade natural), dependentes de seu trabalho para a produção de alimentos para autoconsumo, de forragens para seus animais, mas necessitando produzir excedentes comercializáveis, tenderá, naturalmente, a sobreutilizar os recursos naturais, contribuindo dessa forma para agravar os processos de degradação (BRASIL, 2004)

Denota-se como forte a contribuição das intervenções humanas nesse processo que ocorre, principalmente, pela retirada da cobertura vegetal do solo e pelas práticas agropecuárias predatórias que induzem o uso inadequado do solo. A utilização excessiva de agroquímicos, as queimadas, a pecuária extensiva, a lavoura itinerante, o reduzido tempo de pousio entre as áreas cultivadas e as práticas inadequadas de irrigação, que provocam salinização dos solos, são fatores agravantes do processo de desertificação.

No que se refere às causas naturais, destacam-se os eventos climáticos que influenciam as precipitações na região Nordeste, como o El Niño – Oscilação Sul (ENOS) e a Zona de Convergência Intertropical (ZCIT) (UVO e BERNDTSSON, 1996). A seca, que é responsável por níveis de precipitação pluviométrica abaixo da média, compromete o desenvolvimento da vegetação local e as práticas agrícolas. As fortes chuvas também contribuem para o agravamento da desertificação removendo os sedimentos da camada superficial do solo (erosão laminar), especialmente em áreas onde o solo se encontra desprotegido da cobertura vegetal.

2.4. Caracterização de Irauçuba

Irauçuba é um município localizado no estado do Ceará, na região Noroeste, distante 150 km da capital Fortaleza. Segundo o Censo Demográfico de 2010, o município possuía 22.324 moradores residentes, sendo 64% pertencentes à área urbana e 36% à área rural (IBGE, 2012).

Irauçuba encontra-se na zona sertaneja, inserida no clima semiárido, com pluviosidade média anual de 540 mm e com temperaturas médias que giram em torno de 27ºC, com umidade relativa do ar que varia de 50% a 80%, a depender do período. A vegetação predominante no município é a Caatinga, bioma exclusivamente brasileiro, composta por árvores de pequeno porte, cactáceas e arbustos tortuosos. De acordo com o Instituto de Pesquisa Econômica do Ceará, IPECE (2016), predominam em Irauçuba solos rasos ou pouco profundos, com prevalência dos Planossolos. Nestes solos acentua-se as texturas arenosa e argilosa, características que favorecem os processos erosivos do vento e da chuva.

Há a predominância da agricultura de sequeiro por grande parte da população rural, uma técnica agrícola de cultivo de terrenos em áreas de baixa pluviosidade. As lavouras, que em sua maioria são temporárias, são cultivadas para a subsistência e dependem fortemente da quadra chuvosa, que é intermitente ao longo dos anos e concentrada em alguns poucos meses do ano. As culturas mais observadas são milho, feijão e mandioca. A pecuária e a criação de outros animais também são comuns nas propriedades rurais de Irauçuba, constantemente praticadas com baixo nível tecnológico.

O relevo, o clima e a vegetação de Irauçuba evidenciam um perfil edafoclimático de alta propensão à desertificação, convergindo para uma maior vulnerabilidade ambiental desse município. Além das limitações climáticas e ambientais, a população rural do município enfrenta uma série de limitações e fragilidades sociais, econômicas e estruturais como saneamento básico limitado, não acesso a água tratada e desemprego elevado.

3. Material e métodos

Trata-se de estudo transversal, do tipo descritivo, onde são enfatizados os aspectos referentes aos níveis de desertificação e pobreza, através de pesquisa de campo, documental e bibliográfica. No trabalho são analisados dados primários e secundários referentes ao município de Irauçuba no Estado do Ceará. Os dados primários foram obtidos através de pesquisa de campo, com aplicação de questionários e entrevistas realizadas na zona rural do município. De forma complementar, foi realizado um levantamento de dados secundários do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e do Instituto de Pesquisa e Estratégia Econômica do Ceará (IPECE).

O presente estudo avaliou cinquenta (50) famílias que vivem na zona rural do município. Os entrevistados foram escolhidos de forma aleatória, de acordo com representatividade da população de cada distrito na população total do município.

Para a coleta das informações foi utilizado um questionário semiestruturado subdivido em quatro partes: a primeira se refere a identificação do entrevistado, a segunda aborda os indicadores socioeconômicos da população estudada, a terceira retrata os indicadores de produção e a quarta se refere aos indicadores de recursos naturais.

4. Resultados e discussão

4.1. Indicadores Socioeconômicos

Nota-se, inicialmente, que há uma predominância do gênero feminino na liderança das famílias estudadas (56%) e uma idade média de 48 anos. Credita-se a esse fato, o credenciamento das mulheres como beneficiárias dos programas sociais de distribuição de renda e a garantia da aposentadoria de mulheres trabalhadoras rurais garantida na constituição de 1988, antes restrita a chefes ou arrimos de família.

Foram pesquisadas, juntamente com os líderes familiares, quais as principais fontes de renda do grupo familiar, e constatou-se que a maior parte dos moradores (38%) dependia de aposentadoria. Esta informação é um indicativo do envelhecimento da população que permanece no município, um sintoma claro de desertificação, haja vista que os jovens tendem a emigrar. Observou-se também que 18% das famílias entrevistadas participavam de programas de assistência social (Bolsa família), 14% da população dependia de atividades da agricultura, 12% tinham algum tipo de trabalho assalariado, 16% apresentavam outras fontes de renda e 2% não tinha, sequer, renda familiar.

O envelhecimento da população rural de Irauçuba reflete nos índices de educação da população rural. A análise da escolaridade dos moradores e seus agregados, mostra que 46% da população avaliada maior de quinze anos é analfabeta, 26% têm até quatro anos de estudo, 12% completou o ensino médio e nenhum dos indivíduos analisados tinha o ensino superior (Figura 2). Parte da população maior de quinze anos que indicou ter até 4 anos de estudo pode ser considerada analfabeta ou analfabeta funcional, pelo pouco contato que tiveram com a escola e por saberem apenas desenhar o nome.

Figura 2. Escolaridade de todos os moradores dos domicílios analisados.

Das cinquenta famílias entrevistadas, 92% disseram ter energia elétrica em casa, 46% água encanada, 70% disseram possuir esgoto ou fossa séptica e 66% apresentam em sua casa um banheiro privado (Tabela 2).

É importante destacar que, apesar de 46% da população apresentar encanamento de distribuição de água, devido às constantes secas da região é comum a não disponibilidade de água para a população. O município é abastecido pelo açude Jerimum que não possui grande capacidade de armazenamento e, durante a maior parte do ano, o abastecimento de água do município é feito através de caminhões pipa com água baixa qualidade, muitas vezes insalubre, vindos de cidades vizinhas.

Variáveis Socio

Moradores de Irauçuba (N=50)

Possui Energia Elétrica em casa (%)

92

Possui água encanada no domicílio (%)

46

Possui Esgoto ou fossa séptica em casa (%)

70

Possui Banheiro privado em casa (%)

66

Coleta de lixo (%)

 

Nenhuma vez/semana

66

De uma a duas vezes/semana

32

Mais de duas vezes/semana

2

Tabela 1. Dados sociais da população estudada (N=50)
Fonte: Dados da pesquisa. Elaboração dos autores.

Os moradores foram questionados sobre a coleta de lixo semanal e observou-se que 33 famílias (66%) não tinham acesso a este serviço essencial; outras 16 residências (32%) tinham coleta de lixo de uma a duas vezes por semana e uma família declarou ter mais de duas vezes/semana (Tabela 1).

Apesar de haver a presença de um lixão na cidade, a coleta de lixo nas áreas rurais de Irauçuba é bastante deficitária. Os distritos mais distantes que possuem coleta sistemática, comumente, a tem devido a existência de escolas-modelo estaduais, como é o caso da localidade de Juá, onde a população deixa o lixo ao lado da escola para que seja recolhido.

Ademais, perguntados sobre qual destino é dado ao lixo doméstico, apenas 32% afirma destinar o lixo à coleta sistemática, 56% afirmam que queimam todo o lixo e outros 12% utilizam outros meios para se desfazer do lixo, como enterrar ou abandonar a céu aberto.

Outro fato que merece destaque é o alto percentual de moradores sem acesso a qualquer tipo de esgotamento sanitário, 30% da população entrevistada. Os dejetos humanos dessa população são descartados sem qualquer preocupação sanitária, com o único intuito de descartá-los, aumentando a percepção de pobreza e degradação dos recursos naturais.

Segundo Lemos (2012), com a privação de coleta e inadequadas condições de esgotamento sanitário, as famílias pobres irão tentar se desfazer desses resíduos, ainda que de forma inadequada, destinando-os a córregos, ruas, ou a outros lugares não apropriados. O autor complementa:

Ao agirem dessa forma, acabam contribuindo para a poluição e para a degradação do ambiente em que sobrevivem. Em assim agindo, tornam-se mais pobres e incrementam o seu nível de exclusão social, num verdadeiro processo de ciclo vicioso. Pobreza causa mais pobreza e causa mais depredação dos recursos naturais e do ambiente. Ciclo que se torna difícil de ser rompido na medida em que aumentar o contingente de famílias que estejam obrigadas a viverem em semelhantes situações (LEMOS, 2012).

4.2. Indicadores de Produção

Ao avaliar as principais atividades produtivas da população zona rural de Irauçuba, constatou-se que 58% tinham atividade na agricultura, 10% na pecuária, 14% na área de serviços, 3% tinham outras fontes de renda e 12% não tinham qualquer fonte de renda monetária.

As famílias que extraem renda das atividades agrícolas o fazem através do uso de uma agricultura de sequeiro, em que predominam as culturas de milho e feijão, onde se produz apenas para a subsistência. A maioria (52%) não detém a propriedade da terra e a utiliza como meeiro, ou seja, utiliza a terra de terceiros para plantar no período chuvoso. Quando as chuvas são mais intensas e a produção rende mais que o esperado, o excedente geralmente é compartilhado com vizinhos e familiares. No geral, esses moradores não vendem o que produziram ou os eventuais excedentes de produção agrícola, que são utilizados para o autoconsumo.

Dos moradores que praticam pecuária em sua propriedade (10%), grande parte cria animais de pequeno porte como aves, caprinos e ovinos, destinados à alimentação da própria família.

4.3. Indicadores de recursos ambientais

Após questionar os moradores sobre a existência de mata nativa em sua propriedade e sobre o sumiço de espécies vegetais em sua região, observou-se que 86% das propriedades não apresentava mata nativa em seus domínios e 61% dos entrevistados conheciam espécies vegetais que tinham sumido, o que sugere uma perda consistente da flora nativa local (Tabela 2).

Um dado alarmante desse estudo foi a desinformação de grande parte da população. Dos entrevistados, 76% não conheciam os problemas ambientais de seu município e 72% não sabiam o que é desertificação e nem mesmo as maneiras de a evitar (76%).

Tabela 2. Indicadores de recursos ambientais dos moradores da Zona rural de Irauçuba (N=50)

Variáveis ambientais

Sim (%)

Existência de mata nativa na sua propriedade

14

Espécie vegetal que tenha sumido

61

Animais que não existam mais em sua propriedade

46

Conhecimento de problemas ambientais em seu município?

24

Sabem o que é desertificação

28

Conhecem Maneiras de evitar a desertificação

24

Utiliza queimadas

60

Derruba e queima a vegetação para limpar o terreno

60

Fonte: Dados da pesquisa. Elaboração dos autores.
Tabela 2. Indicadores de recursos ambientais dos moradores da Zona rural de Irauçuba.

Um dos objetivos do Plano de Ação Municipal de Combate à Desertificação de Irauçuba, lançado em 2009, foi o de criar meios para popularizar as informações sobre esse tema. Segundo a Lei Municipal 645/2009, que criou a Política Municipal de Combate à Desertificação, é objetivo “Promover a educação ambiental, para formar pessoas capazes de atuar na pesquisa, controle e recuperação das áreas degradadas, bem como na conscientização e sensibilização da população”. Foram colocadas em prática iniciativas nesse sentido, como o lançamento do Folha Educativa Irauçuba, um pequeno jornal com informações como causas, consequências e formas de evitar a desertificação. Porém, a iniciativa não teve muito alcance, visto que a maioria da população rural tem mínimo grau de instrução, muitos não sabem ler.

Durante o programa Um milhão de Cisternas (P1MC), a secretaria de recursos hídricos promoveu uma série de reuniões com as associações de moradores, com objetivo de conscientizar a população sobre temas como desertificação, queimadas e uso consciente da água. Porém, a maioria dos moradores sempre se mostrou resistente, principalmente os mais velhos. Um dado que reflete isso é o desconhecimento dos problemas ambientais do município por 76% da população.

Um total de 60% (30 famílias), faz uso de queimadas e derruba a vegetação para limpar o terreno. Ou seja, constantemente observa-se a retirada da cobertura vegetal do solo, agravando os processos de degradação.

Devido à matriz energética regional ser predominantemente preenchida pelo uso de madeira na forma de lenha ou de carvão, o bioma da caatinga é fortemente atingido pela extração desordenada de seus recursos. Isto se deve ao fato desse bioma ser constantemente confundido com vegetação morta, pelos troncos desfolhados e seu aspecto esbranquiçado e seco que prevalecem durante a maior parte do ano.

O presente estudo teve o objetivo de analisar os indicadores socioeconômicos, ambientais e de produção, da população rural do município de Irauçuba/CE, um dos núcleos de desertificação do Nordeste brasileiro. Através dessa pesquisa foi possível entender as especificidades do fenômeno da desertificação e a sua relação com as variáveis socioeconômicas.

5. Considerações Finais

O município de Irauçuba reúne diversas características favoráveis à desertificação pois, além das vulnerabilidades ambientais, possui elevadas fragilidades sociais, econômicas e estruturais. Foi constatado que a sua população rural é envelhecida, com baixo grau de instrução, que desconhece os problemas ambientais do município e que pratica uma agricultura insustentável, fruto da busca da subsistência. As fragilidades socioeconômicas, como a insegurança alimentar, condições sanitárias degradantes e renda insuficiente, são obstáculos aos moradores desse município e agravantes da degradação ambiental nessa região.

A pobreza é, evidentemente, um dos motivadores da ação humana interventora e modificadora no meio ambiente. O agravante se dá quando essa ação interventora ocorre em ambientes já degradados ou em ecossistemas frágeis, com forte colaboração dos fatores climáticos, como em Irauçuba ou nas demais terras degradadas do semiárido nordestino. Esse binômio pobreza/degradação causa grandes estragos, visto que sugere a presença de um círculo vicioso entre eles. A ação antrópica desordenada e imediatista, motivada pela satisfação das necessidades fisiológicas básicas, em um ambiente de fragilidades ambientais, decorre em aceleração dos processos de degradação e diminuição da área produtiva até o seu esgotamento, agravando, cada vez mais, os números de pobreza. Ambos os fatores estão presentes na zona rural de Irauçuba, fortalecendo o processo cíclico entre pobreza e degradação.

O estudo encontrou limitação na ausência de outros estudos de caso sobre este tema. Logo, torna-se necessária a ampliação da discussão sobre o impacto das vulnerabilidades socioeconômicas, ambientais e estruturais em áreas propensas à desertificação em território nordestino. A fim de aprofundar essa temática, propõe-se o desenvolvimento de pesquisas futuras com metodologias mais robustas e a expansão para diferentes recortes espaciais, visto que esse fenômeno apresenta características distintas em diversas localidades.

Referências bibliográficas

ANGELOTTI, F.; SÁ, I. B.; MENEZES, E. A.; PELLEGRINO, G. Q. Mudanças climáticas e desertificação no Semi-Árido Brasileiro. Embrapa Semi-Árido; Campinas: Embrapa Informática Agropecuária, 2009.

ARAÚJO, F. T. V.; NUNES, A. B. A.; SOUZA FILHO, F. A. Desertificação e pobreza: existe um equilíbrio de baixo nível? Revista Econômica do Nordeste, v. 45, p. 106-119, 2014.

BAUER, Steffen; STRINGER, Lindsay C. The role of science in the global governance of desertification. The Journal of Environment & Development, 2009.

BRASIL, PAN. Programa de ação nacional de combate à desertificação. Brasília, DF: Ministério do Meio Ambiente, Secretaria de Recursos Hídricos, 2004.

BRUNDTLAND, Gro Harlem. Report of the World Commission on environment and development: "our common future". United Nations, 1987.

CEARÁ, SECRETARIA DOS RECURSOS HÍDRICOS DO ESTADO DO CEARÁ. Programa de ação estadual de combate à desertificação e mitigação dos efeitos da seca, PAE/CE. Fortaleza: 372 p., 2010.

COLLADO, D. Consultation on Desertification in South America. IUCN The World Conservation Union South American Regional Office. Argentina, 2001.

CONTI, José Bueno. O conceito de desertificação. CLIMEP - Climatologia e Estudos da Paisagem, v. 3, n. 2, 2009.

HAZELL, P., JANSEN, H., RUBEN, R.; KUYVENHOVEN, A. Investing in poor people in poor lands. IFAD, IFPRI, NIFP and Wageningen University and Research Centre, International Food Policy Research Institute, Washington, DC, 2002.

HERRMANN, S. M.; HUTCHINSON, C. F. The scientific basis: links between land degradation, drought and desertification, in: Johnson, P. Marc; Mayrand, K.; Paquim, Marc. (Ed.). Governing global desertification: linking environmental degradation, poverty and participation. ASHGATE, p. 11-26, 2006.

IBGE, Instituto Brasileiro de Geografia Estatística. Censo Demográfico 2010. Rio de Janeiro, 2012.

IMESON, Anton. Desertification, land degradation and sustainability. John Wiley & Sons, 2012.

IPECE. Instituto de Pesquisa e Estratégia Econômica do Ceará. Perfil Básico Municipal – Irauçuba, 2016.

LEMOS, J. J. S. Desertificação e pobreza no semi-árido do nordeste. Agricultura, sustentabilidade e o semi-árido. Minas Gerais: Editora Folha de Viçosa, p. 114-136, 2000.

LEMOS, J. J. S. Mapa da exclusão social no Brasil: radiografia de um pais assimetricamente pobre. Banco do Nordeste: 2.edição. Fortaleza: 2012.

SANTANA, Marcos Oliveira (Org.) Atlas das áreas susceptíveis à desertificação do Brasil. Brasília: MMA/SRH/UFPB, 2007.

SOARES, A. M. L.; LEITE, F. R. B. ; MARTINS, M. L. R. . Áreas degradadas susceptíveis aos processos de desertificação no Estado do Ceará. In: Impacts of Climatic Variations and Sustainable Development in Semi-Arid Regions - ICID, 1992, Fortaleza. ICID, 1992

VASCONCELOS SOBRINHO, João. Núcleos de desertificação no polígono das secas. Recife: Anais do ICB, UFPE, p. 69-73, 1971.

WILSON, G. A.; KELLY, C. L.; BRIASSOULIS, H.; FERRARA, A.; QUARANTA, G.; SALVIA, R.; DETSIS, V.; CURFS, M.; CERDA, A.; EL-AICH, A.; LIU, H.; KOSMAS, C.; ALADOS, C. L.; IMESON, A.; LANDGREBE-TRINKUNAITE, R.; SALVATI, L.; NAUMANN, S.; DANWEN, H.; IOSIFIDES, T.; KIZOS, T.; MANCINO, G.; NOLÈ, A.; JIANG, M.; ZHANG, P. Social memory and the resilience of communities affected by land degradation. Land Degradation & Development, 2016.

UVO, C.; BERNDTSSON, R. Regionalization and spatial properties of Cearfi State rainfall. In: Journal of geophysical research, v. 101, n. D2, p. 4221-4233, 1996.


1. Economista. Aluno do Mestrado de Economia Rural – UFC. E-mail: aquilescaetano@yahoo.com.br

2. Economista. Mestre de Gestão de Empresa: Planejamento e Estratégia Empresarial – Universidade Autônoma de Lisboa. E-mail: djanedesouza@yahoo.com.br

3. Economista. Aluna do Mestrado de Economia Rural – UFC. E-mail: milenamonteirofeitosa@gmail.com

4. Engenheira Agrônoma. Aluna do Mestrado de Economia Rural – UFC. E-mail: raquelneris@alu.ufc.br

5. Doutor em Economia Rural, Professor do Curso de Mestrado em Economia Rural/MAER da Universidade Federal do Ceará (UFC). E-mail: lemoslabsar@gmail.com


Revista ESPACIOS. ISSN 0798 1015
Vol. 38 (Nº 39) Año 2017

[Índice]

[En caso de encontrar algún error en este website favor enviar email a webmaster]

revistaespacios.com