Vol. 38 (Nº 37) Año 2017. Pág. 18
Marcos Roberto VASCONCELOS 1
Recibido: 08/03/2017 • Aprobado: 18/04/2017
2. Em busca de respostas à crise de 2008
3. Objetivos e instrumentos da política macroprudencial
4. Quem deve definir e executar a política macroprudencial?
RESUMO: Ciclos financeiros são fenômenos comuns nas economias capitalistas. Sua fase ascendente acompanha e proporciona expansão dos gastos em consumo e investimento, mas gera também sobre-endividamento, bolhas de preços e ampliação do risco sistêmico da economia. Como explicitou a crise global de 2008, quando o ciclo financeiro se reverte as consequências são extremas sobre toda a economia. A política macroprudencial surge como um conjunto de ações capazes de evitar, ou atenuar, os ciclos financeiros e, assim, auxiliar na estabilidade econômica. |
ABSTRACT: Financial cycles are common phenomena in capitalist economies. Its upward phase accompanies and expands spending on consumption and investment, but also generates over-indebtedness, price bubbles, and increases in the systemic risk of the economy. As explained the global crisis of 2008, when the financial cycle reverses the consequences are extreme over the entire economy. Macroprudential policy emerges as a set of actions capable of avoiding, or mitigating, financial cycles and thus assisting economic stability. |
Na outonal manhã do anúncio do colapso do banco de investimento norte-americano Lehman Brothers, o mundo encerrava sua fase de Grande Estabilidade e ingressava na fase da Grande Crise.i Passados mais de oito anos do colapso do Lehman Brothers, os efeitos da crise financeira de 2008 ainda ecoam na economia mundial. A política monetária conduzida pelos bancos centrais dos EUA, da União Europeia e do Japão persiste na manutenção de taxas de juros em patamares historicamente baixos, coadunados com mecanismos de intervenção pouco convencionais, tal como a chamada flexibilização quantitativa (quantitative easing), que ampliaram em mais de US$ 5 trilhões os balanços dos bancos centrais dos países do G-7, segundo Summers (2016). Apesar dos sucessivos prenúncios de normalização da política monetária, esta vem se mantendo neste novo "normal" nos países desenvolvidos e apenas no final de 2016 as taxas de juros começaram a se elevar nos EUA.
Já a política fiscal segue com pouca margem para gerar estímulos econômicos, dado o seu esgarçamento provocado pelos pacotes de auxilio às instituições financeiras no imediato pós-crise, caso especialmente dos EUA e da Europa, ou pelos estímulos para se contrapor ao choque de confiança provocado pela crise, caso do Brasil e de outras economias em desenvolvimento. Os níveis de dívida pública ainda elevados, quando comparados aos vigentes no período pré 2008, combinado com gestores de ativos financeiros mais rigorosos na sua seleção de portfólios, restringem as opções de gastos dos governos. Mesmo o refinanciamento das dívidas soberanas está mais suscetível a momentos de estresse, como mostraram as restrições de acesso aos mercados financeiros dos governos da Espanha e da Itália em 2012, o que exigiu do BCE, por meio da execução do programa Outright Monetary Transactions, a compra de títulos emitidos por estes países no mercado secundário. A rota à frente da política fiscal nos próximos anos converge para os movimentos de consolidação fiscal.ii
Diante deste quadro de estresse das políticas econômicas convencionais e do próprio entendimento dos mecanismos que engendraram e propagaram a crise financeira de 2008, se reacendeu e se colocou em outro patamar o conjunto de medidas agrupadas na denominada política macroprudencial. Se foram revigoradas e reembaladas no calor da crise, sua adoção nos países desenvolvidos também respondeu ao ambiente de desregulamentação financeira, volatilidade de capital e integração econômica, segundo Kohn (2016).
Há muito conhecidas e utilizadas no Brasil, em especial aquelas voltadas a mitigar desequilíbrios causados pelo acúmulo de excessivos passivos em moeda externa, as medidas ou instrumentos macroprudenciais passaram a receber um status de política e a atenção de diversos economistas, formuladores de política econômica e instituições multilaterais. Embora ainda em desenvolvimento, o arcabouço da política macroprudencial vai se consolidando tanto em função de sua aplicação prática em diversos países quanto pelas discussões acadêmicas. Gradativamente, a política macroprudencial se firma como essencial para que a política monetária sob regime de meta de inflação possa combinar baixa volatilidade do produto e da inflação sem produzir um excesso de posições alavancados e espirais ascendentes de preços de ativos capazes de induzir a formação de bolhas na economia.
Com a política macroprudencial vem ocorrendo a institucionalização da intervenção governamental nas relações financeiras empreendidas pelos bancos, pois a utilização dos instrumentos macroprudenciais representam uma interferência governamental direta na relações de mercado, em especial nas decisões de ofertantes e demandantes de crédito. As instituições bancárias têm restringidos seus graus de atuação, com, por exemplo, maiores exigências de capital para determinadas modalidades de financiamento; já os tomadores podem ter limitado ex-ante sua capacidade de endividamento pela imposição de percentuais máximos que podem comprometer de sua renda. Isso não é pouco coisa dado que os bancos e seus satélites estão entre os maiores defensores da racionalidade do livre mercado e das medidas de liberalização e desregulamentação econômica observadas desde os anos 1980.
As razões para a atenção despertada à política macroprudencial, seus objetivos e instrumentos, e por que deve a política macroprudencial se consolidar em patamar similar aos das políticas monetária e fiscal é o que buscaremos discutir neste trabalho. Além desta introdução, o presente trabalho é composto por mais três seções e pelas considerações finais. Na seção 2, discutimos como ciclos financeiros levam a crises econômicas e como o entendimento desta dinâmica abriu espaço para a introdução da política macroprudencial. Em seguida, na seção 3, apresentamos os objetivos e os instrumentos macroprudenciais e, na seção 4, a discussão sobre a quem caberia definir e executar a política macroprudencial. Alguns desafios e potenciais efeitos colaterais da utilização desta política são destacados nas considerações finais.
A parte mais visível do colapso de 2008 foi a falência ou quase falência de instituições financeiras e a descoberta de que as empresas e famílias estavam com níveis de endividamento muito superiores à sua capacidade de renda. Mas um dos muitos efeitos colaterais da crise financeira e econômica de 2008 ocorreu no campo da teoria econômica. O fato de os preceitos desta terem alimentado, ou pelo menos liberado o espaço, para as políticas que resultaram na crise econômica levou a própria macroeconomia à crise. Assim, ainda no calor da crise e na busca por formulações que a explicasse e auxiliasse na elaboração de medidas capazes de combater seus efeitos, começa um debate em torno da necessidade de uma reformulação da macroeconomia.
Principal corrente macroeconômica à época, a chamada escola Nova-Keynesiana alicerçava modelos nos quais não havia espaço para o setor que detonou a mais grave crise econômica nos países desenvolvidos desde 1929, nem para situações de endividamento dos agentes econômicos. A versão padrão do modelo Novo Keynesiano pode ser sintetizado em um sistema com três equações para três variáveis independentes, taxa de inflação, produto agregado e taxa de juros, formulado a partir dos trabalhos de Rotemberg e Woodford (1997) e Goodfriend e King (1997), no qual inexiste moeda e, muito menos, relações credoras e devedoras. De fato, tal ausência já se verificava na síntese neoclássica de Keynes exposta na formulação do modelo IS-LM. A curva LM, ao representar o equilíbrio do mercado monetário, escamoteia as complexas relações subjacentes ao mercado bancário e financeiro. Bancos seriam meros intermediários entre poupadores e investidores, uma engrenagem que auxilia no equilíbrio entre o investimento (I) e a poupança (S). Eggertsson e Krugman (2012) afirmam ser surpreendente que os modelos macroeconômicos do mainstrean ignorassem a importância da dívida para o entendimento da dinâmica econômica.iii
Portanto, tornou-se urgente incorporar o sistema financeiro na macroeconomia, pois a crise de 2008 mostrava ele como gerador de desequilíbrios nas posições financeiras dos agentes capazes de alimentar risco sistêmico com externalidades concretas sobre a produção e o emprego, ou seja, sobre o mundo da produção. Os bancos deixam de ser vistos como uma mera roldana na engrenagem econômica e passam a ser considerados verdadeiros propulsores de diversas decisões e posições dos agentes econômicas.
Nesta busca, muitos economistas recuperam a formulação teórica de Hyman P. Minsky. Em um discurso feito em 2010, Janet Yellen (2010), atual presidente do FED, banco central dos EUA, declarou que para compreender os erros geradores da crise norte-americana de 2007 "...I refer you to Hyman Minsky's path-breaking work on speculative financial booms and busts. As Minsky showed, success can lead to excess, and excess to ruin." (Yellen, 2010, p.2). Mervyn King (2012), que por mais de duas décadas foi alto funcionário do Banco da Inglaterra, foi outro reconhecido policy marker a também reconhecer Minsky como importante teórico para a compreensão das crises econômicas modernas.
Seguidor da tradição keynesiana, Minsky (1992) assumiu que as economias capitalistas eram inerentemente instáveis e que a fonte desta instabilidade se encontrava nas relações creditícias, conforme formulou em sua Hipótese da Fragilidade Financeira. Nas modernas economias capitalistas, períodos de estabilidade estimulariam os agentes a buscarem inovações financeiras de forma a realizarem investimentos em níveis superiores aos permitidos pela renda corrente, pois a própria estabilidade impulsionaria comportamentos de maior assunção ao risco, que se refletiriam, por exemplo, nos bancos afrouxando suas exigências de garantias nas operações de empréstimo ou empreendedores reduzindo a margem de segurança (cushion of safety, na expressão de Minsky) necessária para cobrir erros ou frustrações nas projeções da diferença entre o fluxo esperado de receitas de um projeto e o seu custo de financiamento. Ao terem seus gastos com investimentos ampliados e a sequência de financiamento mantida, os agentes observariam aumento em seus lucros e rendas, o que sancionaria o acerto de suas decisões passadas e estimularia otimismo ou a confiança em relação ao futuro. Nesta tendência, a cada novo ciclo os agentes aumentariam os seus níveis de alavancagem a fim de capturar mais ganhos futuros, minimizando os riscos assumidos em seus investimentos e em suas posições alavancadas. Ao fim do ciclo, causado por frustração nos lucros esperados ou pelo aumento das dívidas não pagas, os agentes credores e devedores se encontrariam em posições de balanço fragilizados: os primeiros, com muitos ativos de crédito não performados e cujas as garantias se mostram insuficientes para sua liquidação; os segundos, com passivos vincendos sem que os ativos gerem o fluxo de receita necessário para honrá-los ou mesmo em valor inferior à dívida.
Kregel (1997) fez uma complementação interessante sobre a evolução deste ciclo, tornando prescindível de que seja estimulado por ondas de euforia ou otimismo dos agentes econômicos. Segundo Kregel, os bancos avaliam a capacidade de pagamento de seus clientes muito pelo comportamento de pagamento pretérito destes. Assim, em um período de crescimento estável, as dívidas tendem a ser majoritariamente pagas e, portanto, os erros ex-post nas concessões de crédito (inadimplência) se tornam decrescentes, com os tomadores de recursos consolidando históricos de crédito cada vez melhores. A experiência de crédito se torna positiva e com isso os bancos ampliam suas concessões, sancionando as demandas por crédito, mesmo sem estarem menos rigorosos ou menos prudentes em suas avaliações ou mais otimistas, até mesmo eufóricos, com o desempenho futuro da economia.
De fato, para o credor, a instituição bancária, não há nem mesmo a percepção de redução de sua margem de segurança, pois o comportamento de pagamentos vem se mostrando cada vez mais positivo, ou seja, a distribuição estatística dos empréstimos vai se concentrando na média dos honrados, afinando a cauda na qual estão distribuídos os eventos com inadimplência. A fissura neste quadro surge quando os bancos começam a perceber uma mudança de trajetória no comportamento de pagamentos dos seus tomadores, com a elevação de atrasos e solicitações de renegociações de dividas. A convenção dissiminada de que o sistema é formado basicamente por bons pagadores se quebra. Acendida a luz amarela mostrando que a distribuição passada de inadimplência deixou de ser descrescente ou estável, os bancos buscam rapidamente a ser mais seletivos nas concessões e, dependendo do tamanho, velocidade e disseminação deste ajuste, introduzem força contracionista na dinâmica econômica. O impacto deste movimento será tão mais forte quanto mais os agentes econômicos estiverem carregando posições alavancadas e os preços de alguns ativos econômicos relevantes sobrevalorizados, ou seja, quanto mais o crédito, inclusive por meio de inovações financeiras, tiver se disseminado pela economia.
De acordo com Koo (2009), quando a economia passa por um crise de estouro de bolha de ativos, configurando um crise de balanço patrimonial, os agentes estão mais preocupados em resolver os danos em seus balanços patrimoniais do que em maximizarem os seus lucros. Nesta situação, até a política monetária pode deixar de ter efetividade. O problema vai além de uma questão de oferta de fundos ou crédito. Passa a ser sim de disposição de os agentes se alavancarem na busca de lucros. Os agentes não querem ampliar o seu endividamento. De fato, após um período de exuberância encerrado por uma deflação de ativos, os agentes, sejam empresas ou famílias, vão evitar tomarem novos recursos emprestados, concentrando os seus esforços no pagamento das dívidas já contraídas. Com isso o fluxo de caixa gerado por eles não se destina à realização de novos investimentos ou gastos de consumo, mas sim para o pagamento de dívidas preteritamente assumidas, o que contrai a demanda da produção corrente.
Koo (2009) mostra que isso aconteceu no Japão quando da crise do início dos anos 1990. Ao longo da década de 1980, as empresas japonesas se alavancaram fortemente e parte dos recursos foi destinado para a compra de ativos com histórico de valorização. Em contraparte, bancos japoneses emergiam nas listas das maiores instituições financeiras mundiais. Quando ocorreu a crise e a deflação de ativos, muitas empresas ficaram com seus balanços patrimoniais com riqueza líquida negativa, embora continuassem conseguindo gerar fluxos de caixa positivo pela venda de seus produtos ou serviços. Todavia, a posição de um total de passivo em valor superior ao total de ativo pode resultar em problemas para a empresa se não for rapidamente enfrentado, pois não só linhas de financiamento podem ser cortadas mas também os fornecedores de insumos podem relutar em vender para a companhia em questão por temer a falta de pagamentos. Isso pressiona para que a empresa use o seu caixa na amortização das dívidas. Se muitas empresas estiverem nesta situação e tomarem a mesma medida, ocorrerá acentuada contração da demanda. Koo (2009) calculou que a deflação de ativos no Japão ocorrida de 1990 a 2002 provocou uma destruição de riqueza equivalente a três anos de PIB do país.
Se a experiência do anos 1990 da economia japonesa não tinha ainda sido inteiramente compreendida, a crise de 2008 explicitou aos gestores e pesquisadores macroeconômicos norte-americanos e europeus os efeitos perversos e os custos elevados da ruptura de um movimento de excessivo endividamento, evento típico da fase ascendente do ciclo financeiro. Os desenvolvimentos do sistema financeiro, estimulados pela busca de lucros dos seus agentes, gestaram a situação de risco sistêmico enquanto os policy makers dos países desenvolvidos celebravam a estabilidade da inflação e do PIB alcançado com o uso de arranjos e políticas macroeconômicas aprumadas em regimes de metas de inflação e ambiente de liberalização econômica e financeira. Aliás, tal ambiente econômico era utilizado como sustentação e justificativa para o ciclo financeiro ascendente que se verificava desde o início dos anos 2000. A exuberância aparentava ser racional, pois resultado dos bons fundamentos econômicos alcançados.
Todavia, com a eclosão da crise e com o debate que se seguiu, foi ficando evidente que as políticas macroeconômicas já consolidadas, a monetária e a fiscal, se mostraram incapazes de se contrapor à geração de desequilíbrios no setor financeiro caracterizados por expansão excessiva do crédito e inflação nos preços dos ativos. E tais desequilíbrios foram gerados e desenvolvidos em situação de tranquilidade macroeconômica, com inflação baixa e produto em seu nível potencial. A crise de 2008 indicou que a oferta descontrolada de crédito, em especial do crédito imobiliário e hipotecário, era capaz de produzir aspiral ascendente de preços em ativos descolados de fundamentos, ou seja, produzir bolhas. Durante o ciclo expansivo, os agentes econômicos, estimulados pela valorização de seus ativos, elevavam seu padrão de consumo para níveis incompatíveis a sua renda corrente, bem como assumiam posições patrimoniais alavancadas estimulados tanto pela abundante oferta de crédito quanto pela suposto ganho de riqueza em função da valorização dos ativos. Diante da explosão da bolha e a consequente deflação de preços dos ativos, os agentes rapidamente percebiam-se com situações patrimoniais descobertas. E o ajuste a tal situação, que consiste em venda de ativos para fazer frente aos passivos requeridos no curto prazo, alimentou o processo de deflação de ativos e, assim, o aprofundamento da crise. Ou seja, os mercados foram inundados por pontas vendedoras.
Entre os desdobramentos da discussão sobre a dinâmica de ajuste e de como evitar que novas crises surgissem aparecem as políticas macroprudenciais, que rapidamente passam a ser alçadas ao mesmo nível de importância das políticas monetárias, fiscal e cambial, faltando, porém, àquela alcançar o mesmo grau de maturidade e entendimento destas.
Como já exposto, o objetivo da política macroprudencial é proporcionar a estabilidade financeira, atenuando as fases ascendentes e descendentes dos ciclos financeiros. Mas por qual razão é importante perseguir a estabilidade financeira? Como a crise de 2008 bem evidenciou, crises econômicas de grandes proporções podem ser geradas mesmo em uma conjuntura na qual a economia esteja com inflação e taxa de desemprego em patamares baixos e alinhados aos objetivos da política macroeconômica. Se tirarmos as diversas camadas que envolvem uma crise financeira podemos chegar ao seu cerne e verificar que ele surge quando um grande e representativo conjunto de agentes econômicos assumem posições de alavancagem, ou seja assumem dívidas, insustentáveis ao longo do tempo, quando considerado as flutuações dos ciclos econômicos, elevando o risco sistêmico. Aliás, como indicado por Minsky (1982), nas modernas economias capitalistas conjunturas de estabilidade macroeconômica são manjedouras adequadas para o desenvolvimento de ciclos financeiros capazes de aumentar o risco sistêmico e, com isso, de futuras crises econômicas. Evitar ciclos de endividamento passa a ser um meio para se alcançar a estabilidade econômica.
Deste ponto de vista, o objetivo da política macroprudencial ganha uma dimensão mais ampla e ela passa, tal qual as políticas monetária e fiscal, a ter a finalidade última de auxiliar na busca por estabilidade macroeconômica, passando a estabilidade financeira a ser um meio para tal. Há também os objetivos intermediários e operacionais (primeiros nas sequências de causa e efeito que liga os instrumentos aos objetivos). Assim, uma mudança na exigência de capital tem como objetivo operacional alterar a relação capital/ativos dos bancos. Desta interferência segue o objetivo intermediário de reduzir a capacidade e velocidade de concessão de crédito na economia. Ao fim, se busca que os agentes econômicos sejam mais prudentes nas suas interações credor-devedor.
A diferenciação entre a política macroprudencial e a regulamentação microprudencial pode ser bem definida por meio da analogia entre a floresta e as arvores que a compõem. A regulamentação microprudencial foca, monitora e intervém sobre cada instituição específica, analisando a sua situação patrimonial e financeira. O objetivo final é avaliar o risco específico de cada instituição. Já a política macroprudencial deve se atentar para as interações e interconexões entre as instituições financeiras, buscando inferir o risco sistêmico do setor financeiro e suas potenciais consequências e interações com o restante da economia. Assim, se os problemas de uma instituição financeira se circunscreverem aos seus acionistas, credores e clientes são eles escopo da regulamentação microprudencial, mas se tais problemas tiverem também o condão de afetar o risco de outras instituições, portanto de todo o sistema financeiro, passam a ser alvo de atenção da regulamentação macroprudencial.IV
Seguindo Blanchard et alli (2014), podemos subdividir as políticas macroprudenciais em três grandes grupos: 1) as atuantes sobre as relações de crédito pelo lado da oferta, capazes de delimitar as condições e propensões dos bancos em emprestar os seus recursos; 2) as capazes de influenciarem as decisões do lado da demanda de crédito, restringindo os montantes e as condições que os tomadores de crédito podem acessar os financiamentos; e 3) as destinadas a administrar os fluxos de capitais no balanço de pagamentos. Fischer (2014) é um dos raros economistas que discordam de se considerar qualquer tipo de intervenção no mercado cambial como escopo genuíno de política macroprudencial.
Mais do que meros intermediários entre agentes superavitárias e deficitários, os bancos são instituições que geram os seus lucros gerenciando posições alavancados, usando os recursos que captaram no mercado junto à sua base de clientes (depositantes), investidores ou mesmo outros instituições financeiras para adquirirem ativos de dívida emitidos por pessoas físicas, empresas e governos. Administrando os fluxos de liquidez destes passivos e ativos, os bancos podem usar cada unidade monetária captada para efetivar n operações de credito, isto é, adquirirem n unidades de ativos financeiros de diferentes prazos e graus de liquidez, desde um título público pos fixado com vencimento no curto prazo até um contrato de financiamento de longo prazo para um empresa. Há diferentes riscos nestes ativos e eles, além de não manterem um relação de um para um com os seus lastros, também possuem, em geral, fluxos de liquidação (maturidades) diferentes dos passivos que lhes são contrapartes. Por isso os bancos, inclusive impelidos pelos bancos centrais que os supervisionam e os regulam, mantém recursos provisionados para cobrir eventuais perdas com os ativos. No balanço das instituições financeiras, tal recurso é contabilizado no lado do ativo, deduzido do valor total (valor bruto) da carteira de credito. O percentual desta provisão para cada ativo é modelado pelo histórico de perda da classe de crédito da qual ele pertence e pela avaliação econômico-financeira do seu emissor, o tomador de crédito. Esse é o primeiro colchão de segurança formado pelos bancos e, em certo grau, dá conta dos riscos mensuráveis ou previsíveis estatisticamente. Há ainda um segundo colchão formado pelo capital do banco, que, entre outros riscos, protegeria dos riscos não mensuráveis dos ativos de crédito.
Até Basileia 2, a determinação destes parâmetros ou exigências de provisão e de capital tinham um comportamento estático e, portanto, independente do ciclo econômico. Obviamente, períodos duradouros de recessão econômica afetam a capacidade de pagamento de dívidas dos agentes e isso se reflete em aumento dos índices de inadimplência e, assim, nos níveis de provisão. Todavia, tal elevação será apenas consequencial à crise.
Ecoando a crise de 2008, Basileia 3 passou a recomendar provisões e capital cíclicos para os bancos, sendo que se passa a sugerir um comportamento contracíclico. Em períodos de aquecimento econômico acompanhado de crescimento nas operações de crédito, os bancos devem ampliar a sua relação capital/ativos. O objetivo é evitar que a própria oferta de crédito seja um alimentador adicional da expansão da economia, pois nem todas as instituições financeiras elevarão sua base de capital para continuarem o processo de alta na oferta de credito. Algumas podem até mesmo refrear seu ímpeto prestamistas e se ajustar as novas exigências reduzindo os seus ativos. Por sua vez, aquelas que decidirem aumentar a base capital estarão formando um colchão de segurança para o período de reversão do ciclo econômico, fase no qual as perdas com os ativos tendem a subir.
Ao impor tais índices cíclicos de capital e provisão, os bancos centrais lançam mão de medidas macroprudenciais capazes, potencialmente, de atenuarem os ciclos econômicos, atuando em conjunto com o instrumento tradicional da política monetária, a administração da taxa de juros básica, ou mesmo contrabalançando os efeitos desta naquelas situações nas quais uma baixa inflação no índice geral de preços implique em taxa de juros em patamares reduzidos capazes de estimular a excessiva tomada de crédito e risco. É importante ressaltar que não é objetivo primeiro da política macroprudencial gerenciar a demanda agregada,, mas sim buscar a estabilidade financeira, ou mais especificamente ainda, a resiliência do sistema financeiro.
Pelo lado da demanda por crédito, os gestores de política econômica podem impor restrições, tetos, de dívida para os tomadores, estabelecendo um percentual máximo da renda ou faturamento (DTI, índice de comprometimento da renda) que pode ser comprometido com o pagamento das dividas. Essa medida em geral vem acompanhada com o estabelecimento de prazos máximos para cada modalidade de crédito ou que a exigência de capital estará vinculada ao prazo da operação. Podem também definir percentuais mínimos das dívidas (LTV, índice de cobertura de dívida) que precisam ser cobertas com garantias de boa liquidez ou alta recuperação. Tais medidas tem o condão de evitar que os tomadores de crédito assumam posições altamente alavancadas que possam fragilizar seus balanços quando da reversão do ciclo. Protegem também os próprios agentes credores, pois reduzem as chances de eles ampliarem suas exposições em ativos com baixa garantia e emitidos por agentes mais suscetíveis às oscilações econômicas.
O terceiro grupo de políticas macroprudenciais está vinculado a medidas de controle de capitais capazes de afetar as exposições dos agentes domésticos ao endividamento em moedas estrangeiras. Ou seja, se os dois grupos anteriores focam sobre as relações domésticas de crédito, o controle de capital tem o objetivo de administrar ou regular as relações creditícias entre residentes e não residentes, principalmente aquelas geradoras de fluxos de curto prazo. Assim, os gestores de política econômica podem lançar mão de taxações sobre operações de menor prazo de forma a reduzir os ganhos esperados pelos envolvidos. Se a taxação incidir sobre a ponta tomadora do recurso, isso implica em um aumento no custo do recurso, desestimulando a demanda; se a taxação for sobre os ganhos gerados na operação, é o ofertante externo que passa a ser desestimulado. Em qualquer dos casos, ocorre um redução dos passivos dos agentes domésticos denominados ou atrelados a moedas externas. E diminui também a capacidade destes agentes em adquirirem ativos por meio de recursos de terceiros.
De fato, se bem sucedidas, tanto as medidas voltadas aos ofertantes, internos e externos, quanto aos demandantes de credito seriam capazes de minimizarem os riscos de ocorrência de crises de balanço, conforme definido por Koo (2009), ou as oscilações cíclicas estimulados pela oferta de crédito, conforme previstas por Minsky. Seu objetivo final é disciplinar o uso de capital de terceiros na aquisição de bens e ativos, protegendo os principais ofertante de tal capital nas economias modernas: os bancos. E considerando que parte do crédito gerado em uma economia é utilizado para a aquisição de ativos preexistentes e com baixa elasticidade na oferta, é comum o ciclo expansivo de crédito estar vinculado à inflação de preços de classes especificas de ativos, a ponto destes mesmos ativos serem objetos de especulação e utilizados para alavancar novas operações de credito. Tal situação possui as características de uma bolha de ativos e cujo o estouro tem o potencial de provocar graves consequências para o restante da economia. Assim, ao terem a capacidade de atenuar os movimentos ascendentes de crédito, as medidas macroprudenciais acabariam também por mitigarem a ocorrência de inflação de ativos e, por conseguinte, de bolhas financeiras.
Em síntese, a política macroprudencial tem como meta reduzir a tendência prociclica do sistema financeiro por meio de maiores exigências de capital, interferências na relação entre credores e potenciais devedores e maior transparência nas posições de balanço das instituições financeiras. Com tal regulação o sistema financeiro se torna mais resiliente e, assim, menos propenso a adentrar em ciclos capazes de gerar crises econômicas a partir de suas externalidades.
A evolução da política monetária em direção ao regime de metas de inflação significou um avanço ou, ao menos, uma simplificação em sua execução. Como o próprio nome do regime induz, a meta é a inflação, a estabilidade de preços (de bens e serviços), tendo como instrumento a taxa de juros básica. Uma meta com um instrumento (obviamente, alguns países estabelecem mais que um objetivo à política monetária. Nos EUA, por exemplo, o Federal Reserve claramente tem como objetivos a estabilidade de preços e o pleno emprego), combinada com uma comunicação clara e objetiva do executor da política, descomplicou a administração monetária.
Tal arranjo ainda não parece estar no horizonte da política macroprudencial. Diferente da política monetária, nem mesmo o seu gestor está consensuado e a comunicação de quais são seus objetivos e instrumentos apresenta certa complexidade. Da mesma forma, a execução da política macroprudencial traz o desafio da transparência.
Um usual suspeito para administrar a política macroprudencial é o banco central. Aliás, Ben Bernanke (2012) admite que nos anos antecedentes a crise de 2008, o FED ficou tão absorto na consecução de seus dois objetivos, inflação e emprego, que relegou para segundo plano a estabilidade financeira, assumindo, portanto, que esta seria também tarefa do banco central. Assim, a adoção do regime de metas de inflação, ou pelo menos a adoção de seus princípios basilares, orientando o foco dos bancos centrais para a estabilidade de preços pode ter contribuído para a formação dos desequilíbrios financeiros que levaram a crise de 2008.
Mas impor aos bancos centrais a responsabilidade pela definição e execução da política macroprudencial pode se configurar um risco a sua independência na busca pela estabilidade de preços, segundo Smaghi (2014). Para ele, definir novos objetivos aos bancos centrais carrega o risco destes perderem a sua credibilidade, o que seria ruim para a condução geral da política econômica. Smaghi fez essa afirmação pensando especificamente na situação dos países europeus cujos governos desfrutavam de baixa reputação na gestão fiscal. Mas não é descabida para, por exemplo, a situação brasileira e a de outras economias latino-americanas. Significa também acrescentar o objetivo de estabilidade financeira a já tradicional meta de estabilidade de preços dos bancos centrais. E isso tende a envolver custos, pois nem sempre a busca pelo primeiro objetivo estará alinhado com a do segundo.
Imaginemos uma economia em situação de pleno emprego e inflação no centro de sua meta. Em tal situação o banco central não teria, a primeira vista, razão para impor aumento da taxa de juros. No entanto, o patamar corrente de juros e o passado recente de estabilidade podem estar induzindo os agentes a procurarem maiores ganhos com a assunção de mais riscos via o endividamento. E, neste cenário, a tendência é de os bancos sancionarem boa parte da demanda por crédito. Um banco central que passe a estar atento a evolução deste quadro pode decidir interromper o processo por meio de uma alta de juros, mesmo que a inflação corrente e as expectativas inflacionárias estejam baixas, com o objetivo de reduzir o risco da consecução de um cenário de instabilidade financeira. Ao agir assim, porém, o banco central estará produzindo um ruído de comunicação aos agentes econômicos capaz de afetar as expectativas de inflação e dificultar a execução da política monetária.
A crise de 2008 deixou claro que alcançar a composição conjuntural de baixo nível de desemprego com inflação em patamar baixo e estável, ou seja, na meta, não elimina o risco de instabilidade econômica no longo prazo. É preciso acompanhar e evitar que os agentes econômicos construam posições alavancadas e tornem suas situações patrimoniais frágeis quando da reversão do ciclo econômico. Como alinhar tais objetivos? Obviamente, passa pelo caminho de dar aos bancos centrais mais instrumentos de intervenção. Mas pode envolver também alterar em determinados momentos do tempo o peso ou relevância de cada um dos objetivos.
Em uma visão mais redutora, isso seria uma quebra do convencionado pelo regime de metas de inflação, embora alguns teóricos mais argutos e pragmáticos como Michael Woodford, Ben Bernanke, Lars Svensson e Frederic Mishkin defendam que o regime pode e deve ser mais flexível caso e quando outros objetivos de estabilidade se tornam mais prementes. No entanto, Woodford (2014) alerta para os riscos de se impor à política monetária o objetivo de estabilidade financeira, pois isso afetaria a sua capacidade de atingir o seu objetivo tradicional de estabilidade de preços. Ao invés de se impor mais de um objetivo para a política monetária, Woodford (2014) considera mais sensato o desenvolvimento dos instrumentos de política macroprudencial. Ou seja, medidas capazes de afetar diretamente as relações entre credores e devedores, conforme descritas na seção anterior.
Desta forma, os bancos centrais manteriam sua função de buscar a estabilidade de preços via a política monetária e assumiriam também o cargo de garantir a resiliência financeira por intermédio da política macroprudencial, sem que a busca de um objetivo se chocasse com outro. Contudo, significaria também ampliar o poder que os gestores dos bancos centrais teriam sobre a economia e levanta a seguinte questão: independência na execução da política monetária transborda automaticamente para independência na execução da política macroprudencial?
A busca por tal resposta fica mais complexa se considerarmos que diferente da política monetária, que é não segmentável, isto é, a taxa de juros definida pelo banco central incide sobre todos os agentes de um país, a política macroprudencial pode ser direcionado para diferentes agentes, regiões e modalidades de operações creditícias, tendo assim repercussões distributivas mais diretas e explícitas. Diante disso, parece que arranjos nos quais outras esferas de governo participem também da definição das políticas macroprudenciais possa ser mais adequado.
Uma dificuldade adicional à execução da política macroprudencial é que, diferente da política monetária, que combate a chaga da inflação, ele combate a inebriante sensação de riqueza que a expansão do crédito dissemina por toda a economia. Portanto, sua execução tende a receber maiores resistências políticas.
Sendo assim, o gestor da política macroprudencial necessita ser capaz de estimar e divulgar para a sociedade o nível de risco sistêmico que pode estar se formando na economia e suas potenciais consequências no caso de reversão do ciclo. A estimação dos riscos emerge tanto da observação da tendência quanto do seu patamar. Podemos estimar que determinados níveis de alavancagem, por exemplo, podem provocar fortes ajustes nos agentes quando ocorrerem choques adversos. E se tais ajustes afetarem outros agentes além daqueles diretamente envolvidos teremos o caso de um potencial risco sistêmico, justificando o uso de políticas macroprudenciais. Sob esse prisma, a adoção de tais políticas é uma forma de inserir nas relações/preços entre os agentes envolvidos em transações financeiras potenciais custos colaterais e não assumidos automaticamente pelos agentes diretamente participantes da operação. Explicitar os potenciais efeitos destas externalidades a todos os agentes por certo se traduz em maior apoio à adoção das medidas macroprudenciais.
Em suma, a execução da política macroprudencial parece encetar mais desafios que a política monetária e isso talvez não seja decorrente somente do seu estágio ainda em desenvolvimento, mas sim de que ela precisa mensurar e administrar as externalidades de comportamentos otimistas envolvidos em relações creditícias, externalidades tais que muitas vezes ainda nem mostraram sua face negativa, mas que já beneficiam a muitos com a face positiva.
Certamente, por exemplo, os empregados da construção civil percebem um aumento em seu bem estar quando mais crédito para a construção de casas ou de fábricas ocorre na economia. De maneira geral, muitos são os beneficiados na fase ascendente do ciclo financeiro, inclusive os governos. A expansão da oferta de crédito aquece o sistema econômico e eleva a arrecadação fiscal. Nem sempre estará claro que tais ciclos financeiros estão assentado sobre a difusão de certo grau de miopia e gerando níveis de produção e consumo insustentáveis. Dolorosamente, tal compreensão somente ocorre após a debacle.
Em um ciclo de crédito imobiliário as fragilidades podem ser configuradas para os financiadores ou os tomadores ou para ambos. Cabe à autoridade avaliar e utilizar as medidas mais adequadas a cada caso, ampliando os benefícios da política sobre os seus custos. Obviamente, dispor de um leque amplo de opções auxilia nesta escolha.
Políticas macroprudenciais lidam com os chamados riscos de cauda: eventos de baixa probabilidade ou mesmo imprevisíveis, por isso mesmo não precificados no mercado, mas que quando ocorrem tem grande impacto na economia. Os ciclos de crédito no mercado imobiliário são eventos comumente citados, mas eventos de cauda não se restrigem a eles. O grande desafio é como identificar e monitorar tais eventos. Por certo, isso exige o levantamento e sistematização de um grande conjunto de dados e informações referentes os mercados financeiros em busca de qualquer sinal de gestação de desequilíbrios capazes de produzir fragilidades. Se em economias desenvolvidas isso já é difícil, em países com economias menos maduras a tarefa se torna hercúlea. E é preciso fugir da armadilha de se concentrar apenas nos dados disponíveis.
Outro desafio é conseguir discernir os movimentos de preços de ativos que são sustentados por mudanças em seus fundamentos daqueles que se devem por ondas especulativas ou de euforia. Por exemplo, em uma situação na qual determinado mercado ou setor estivesse pouco desenvolvido e sofresse intervenções por meio de micro reformas estruturais capazes de atrair o interesse dos agentes econômicos possivelmente passaria por um período de aquecimento. O desafio será sempre saber qual a extensão e a magnitude deste período estarão de fato alicerçados na melhora dos fundamentos.
Apesar destes desafios, os benefícios da implementação da política macroprudencial vem atraindo número crescente de gestores de política econômica. Levantamento feito em 2015 pelo Financial Stability Board (FSB), mostrou que, até aquele ano, pelo menos 24 países já tinham utilizado algum instrumento macroprudencial com o objetivo de controlar o risco sistêmico da economia, ou seja, promover a estabilidade financeira. Tais experiências possuem diferentes níveis de abrangência, sendo que alguns países de fato criaram todo um arranjo especifico para a definição e execução da política macroprudencial. Nova Zelândia, Coreia do Sul e Inglaterra são exemplos destacados.
Um dos benefícios do uso das políticas macroprudenciais é liberar a política monetária da carga de se contrapor a riscos de instabilidade financeira. Ao internalizar as potenciais externalidades das relações de dívida, as políticas macroprudenciais podem gerar impactos de longo prazo na trajetória da economia doméstica, inclusive alterando a sua composição. Por exemplo, a exigência de mais capital nas operações de longo prazo encarece o crédito voltado à realização de investimentos, mas por sua vez reduz o patamar de taxa de juros básica necessário ao controle da inflação. Isso pode incentivar as exportações líquidas, fruto de uma taxa cambial mais depreciada, a custas de menores gastos em investimentos.
Por fim, cabem alguns alertas. O uso das medidas macroprudenciais é comumente justificado para coibir ciclos expansionista. No entanto, pode ser um equívoco negligenciar os desequilíbrios e fragilidades que possam ser gerados também em ciclos contracionistas. E a tendência a tal negligência é maior quando o ciclo ocorre de forma lenta e é tratado como um novo normal da economia. Isso pode ter sido observado na economia brasileira. Após mais de uma década de crescimento expressivo do crédito, a partir de 2013 a oferta de empréstimos passou por uma desaceleração até iniciar em 2016 um movimento de efetiva contração. Embora a exigência de mais capital seja benéfica para tornar o sistema financeiro mais resiliente a choques, parte do ajuste dos bancos a tal exigência acaba ocorrendo também por meio da redução de suas exposições a operações de crédito. Isso desvirtua a adoção da política macroprudencial que busca garantir maior estabilidade e, assim, auxiliar na consecução de maiores patamares de renda e emprego.
A exigência de capital também pode alterar o comportamento dos bancos, desestimulando-os a ofertarem crédito e empurrando-os para atividades geradoras de tarifas e comissões. Se o país já dispor de um mercado de capitais desenvolvido e maduro, os tomadores poderão recorrer a ele suas necessidades de crédito, mas na ausência deste, o crédito tenderá a cair com forte impacto sobre a renda, produção, investimento e emprego.
Pode parecer óbvio, embora nem sempre reconhecido, que os instrumentos e as intervenções nos mercados financeiros precisam estar em constante atualização diante das inovações e novas formas de estruturação das relações entre credores e devedores. Portanto, a eficiência e eficácia da política macroprudencial será sempre contingencial.
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Professor do Departamento de Economia da Universidade Estadual de Maringá-Brasil. Doutor em Teoria Econômica pela Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP). E-mail: mrvasconcelos@uem.br
i "It was a tale of two epochs –in the first growth and stability, followed in the second by the worst banking crisis the industrialised world has ever witnessed. Within the space of little more than a year, between August 2007 and October 2008, what had been viewed as the age of wisdom was now seen as the age of foolishness, and belief turned into incredulity. The largest banks in the biggest financial centres in the advanced world failed, triggering a worldwide collapse of confidence and bringing about the deepest recession since the 1930s." (King, 2016, p.1).
ii. A política monetária pós crise, com seus níveis de taxas de juros nominais próximas de zero, certamente está ajudando os governos dos países desenvolvidos a administrarem suas dívidas públicas, e, portanto, diminuindo a pressão dos investidores sobre o ritmo da consolidação fiscal. Infelizmente, o contrário é observado , por exemplo, no Brasil. De certa forma, isso implica sobre quais grupos da sociedade recai o custo do ajuste da dívida pública: no primeiro caso, o ônus maior é dos detentores dos títulos públicos; no segundo pode ser dos contribuintes, caso a consolidação fiscal envolva aumento de tributos, ou da parcela da população mais dependente da oferta de serviços públicos.
iii. "Given both the prominence of debt in popular discussion of our current economic difficulties and the long tradition of invoking debt as a key factor in major economic contractions, one might have expected debt to be at the heart of most mainstream macroeconomic models– especially the analysis of monetary and fiscal policy. Perhaps somewhat surprisingly, however, it is quite common to abstract altogether from this feature of the economy." Eggertsson e Krugman (2012, p.1470).
iV. "So it is vital that macro-prudential tools and micro-prudential regulation are part of the armoury of a central bank to mitigate, if not prevent, the build up of excessive leverage and risk-taking in the banking and wider financial sector. " King (2012, p.12)