Vol. 38 (Nº 32) Año 2017. Pág. 14
CHECHI, Leticia Andrea 1; SCHULTZ, Glauco 2
Recibido: 07/02/2017 • Aprobado: 03/03/2017
3. Estrutura produtiva das organizações processadoras de erva-mate
RESUMO: A proximidade espacial de organizações vem sendo explorada por diferentes pesquisadores ao longo do tempo. A produção e beneficiamento da erva-mate no sul do Brasil está concentrado em algumas regiões. O objetivo deste trabalho é caracterizar as organizações processadoras de erva-mate e compreender a dinâmica das relações estabelecidas em dois arranjos produtivos de erva-mate no sul do Brasil. Para isso, foram entrevistados 33 gestores de organizações beneficiadoras de erva-mate e 13 agentes locais, em dois APLs no sul do Brasil. |
ABSTRACT: The spatial proximity of organizations has been explored by different researchers over the time. The production and processing of yerba mate in southern Brazil are concentrated in some regions. The objective of this study is to characterize the organizations that process yerba mate and to understand the dynamics of the relations established in two productive arrangements of yerba mate in southern Brazil. For this, thirty-three managers of organizations that process yerba mate and 13 local agents were interviewed in two APLs in the south of Brazil. |
Os benefícios da proximidade espacial de organizações têm sido discutidos desde os estudos de Marshall sobre os distritos industriais ingleses. As características das aglomerações produtivas, também denominados clusters, milieu inovativos, sistemas produtivos, arranjos produtivos locais, cada um com suas especificidades, convergem referente a dimensão localizada da competitividade e da inovação (LEMOS, 1997).
A aglomeração de organizações gerava externalidades positivas, como a localização concentrada de fornecedores e clientes, competitividade, a propagação do conhecimento, relações de troca de informações, desenvolvimento de inovações, dentro outras. De acordo com Schmitz (1995), a eficiência coletiva é uma das vantagens competitivas das aglomerações, contudo, isso não exclui a competitividade entre elas, somente torna o mercado mais transparente.
Recentemente, pesquisas sobre a proximidade espacial de organizações vem sendo desenvolvidas por Cassiolato e Lastres (2003) através dos denominados Arranjos Produtivos Locais (APLs). Com foco na relação entre as organizações, os autores destacam que a formação de APLs é reforçada por processos de aprendizagem coletiva, onde estão presentes laços de confiança e resultam em uma maior especialização e cooperação local.
No caso da erva-mate, pode-se observar no sul do Brasil, que a produção e beneficiamento do produto está concentrado em algumas regiões. No Rio Grande do Sul, por exemplo, foram instituídos através de decreto estadual os Polos Ervateiros, caracterizando a produção em algumas regiões específicas do estado. No Paraná e em Santa Catarina, não há essa denominação, mas a dinâmica produtiva da erva-mate também é localizada. Essa característica da cadeia produtiva envolve questões históricas e culturais, envolvendo desde a colonização, seguido pelo processo de desenvolvimento desses estados.
Nesse contexto, o objetivo deste trabalho é caracterizar as organizações processadoras de erva-mate e compreender a dinâmica das relações estabelecidas em dois arranjos produtivos de erva-mate no sul do Brasil. O trabalho está estruturado em quatro seções principais, além desta introdução. A primeira apresenta um referencial sobre APLs e a importância da dimensão local, seguido pela descrição da metodologia de trabalho. A terceira parte contempla a discussão da estrutura produtiva das organizações processadoras de erva-mate, enquanto a outra seção dos resultados trata das relações estabelecidas nos arranjos produtivos. Por fim são apresentadas algumas considerações sobre a proximidade espacial de organizações, tendo como base o caso da erva-mate.
A discussão sobre aglomerações de empresas beneficiadas pela proximidade espacial provém dos estudos de Alfred Marshall sobre os distritos industriais ingleses, no final do século XIX. A vantagem da concentração geográfica das empresas, de acordo com Marshall (1982), decorreria da concentração convergente de atividades produtivas; do movimento contínuo de trocas de informações; da localização concentrada de fornecedores e de clientes; da transmissão e propagação do conhecimento científico e tecnológico; na notoriedade e à reputação alcançadas pelo local ou região. Essas características não encontravam amparo nas teorias econômicas tradicionais, assim como o caso do desempenho das indústrias espacialmente concentradas nas regiões do nordeste e centro da Itália, conhecidas por “Terceira Itália”, como já mencionado (MELO, J., 1995).
Outro autor que segue a abordagem marshalliana é Schmitz (1989), que caracteriza as aglomerações como a concentração geográfica de um setor ou cadeia de produção. Nestas, a desverticalização do processo produtivo favoreceria a formação de redes de cooperação, gerando uma complementaridade entre as organizações, que contemplam também instituições de pesquisa, de capacitação e de coordenação local (RABELLOTTI, 1995).
Um cluster, termo utilizado pela primeira vez por Michael Porter, no livro “The Competitive Advantage of Nations” (1990) concentra-se mais na capacidade competitiva das aglomerações, caracterizando-as como concentrações geográficas de um setor específico, sem necessariamente visualizar-se o desenvolvimento de cooperação entre os agentes (PORTER, 1999).
Outra linha de abordagem das aglomerações foi desenvolvida por pesquisadores franceses, tendo como principal representante Courlet. Desenvolveram a noção de sistemas industriais localizados ou sistemas produtivos locais embasados nas relações de colaboração, de médio e longo prazo, entre empresas que trabalham conjuntamente conforme acordos específicos (COURLET, 1993).
Nomenclaturas como distritos industriais, clusters, milieu inovativos, sistemas produtivos, sistemas locais de inovação, arranjos produtivos locais, dentre outras, mesmo com origem em abordagens teóricas diversas, apresentam considerável convergência principalmente da dimensão localizada de inovação e da competitividade, como aponta Lemos (1997) ao resumir as características básicas de arranjos produtivos locais presentes na literatura.
A proximidade ou concentração geográfica é a característica da localização. Os atores são grupos de pequenas empresas, sendo estas nucleadas por grande empresa, associações, instituições de suporte, serviços, ensino e pesquisa, fomento, financiamento. As características desses arranjos, sintetizadas por Lemos (1997), são: mão de obra qualificada, estreita colaboração entre firmas e demais agentes, fluxo intenso de informações, identidade cultural entre os agentes, relações de confiança entre os agentes, complementaridades e sinergias, dentre outras.
Devido às características locais consideradas no processo de aprendizagem e inovação, a corrente neo-schumpeteriana ou neo-evolucionista vai tratar sobre o termo arranjo produtivo local a partir da definição de sistemas de inovação. Este conceito surgiu por volta de 1980, principalmente através dos trabalhos de Freeman, Lundvall e Dick Nelson, difundindo-se rapidamente.
Esta abordagem é seguida nas pesquisas desenvolvidas pela RedeSist, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e outras universidades e pesquisadores colaboradores, sob coordenação de Cassiolato e Lastres, procurando analisar as características dos países em desenvolvimento, como o Brasil (LASTRES; CASSIOLATO, 2003).
Considerar o conceito de sistema de inovação nas pesquisas desta rede está embasado em alguns elementos, a saber: a possibilidade de análise das diferentes dimensões e nas estruturas econômico, social e política; o reconhecimento de que os processos de desenvolvimento e geração, uso e difusão de conhecimento não podem ser analisados de forma isolada, mas dentro de um contexto que é também influenciado por questões culturais e históricas específicas; coerência com o aparato conceitual e histórico elaborado na América Latina para compreender o desenvolvimento e o subdesenvolvimento e uma rápida difusão na academia, empresas e órgãos públicos (LASTRES; CASSIOLATO, 2005).
Para Cassiolato e Lastres (2003), a formação de APLs é reforçada pelos processos de aprendizagem coletiva e de dinâmica inovativa, verificando-se neste contexto a origem de laços coesos de confiança, desencadeando em uma maior especialização e cooperação aliada à competição e troca de informações no arranjo.
Geralmente, as aglomerações envolvem localmente algum tipo de especialização produtiva. Para isso, podem envolver diferentes atores, agentes econômicos, políticos e sociais, além de refletir formas diferenciadas de articulação, governança e enraizamento. Nesta perspectiva, Cassiolato e Lastres (2003) chamam atenção para as relações e as características do ambiente local na análise:
O foco de análise deixa de centrar-se exclusivamente na empresa individual, e passa incidir sobre as relações entre empresas e entre estas e as demais instituições dentro de um espaço geograficamente definido, assim como privilegiar o entendimento das características do ambiente onde se inserem (CASSIOLATO; LASTRES, 2003, p. 23).
Alguns autores mencionam atributos organizacionais que viabilizam o êxito das ações implementadas em um APL, como a diversidade de atividade e atores econômicos, políticos e sociais; proximidade territorial; conhecimento tácito; existência real ou potencial de processos de inovação e aprendizados interativos e; formas de governança inerentes às relações entre diferentes segmentos de atores (CASSIOLATO; SZAPIRO, 2003; VARGAS, 2002).
Algumas condições locais como a oferta de matéria-prima e outros insumos, existência de capacitação nas áreas em que estão sendo utilizadas, bem como a disponibilidade de capital social adequado, relações de confiança mútua, redução dos custos de transação e o reforço do desenvolvimento em nível local, também são mencionadas (MACHADO, 2003). Muitas destas características são intrínsecas da própria região, como a existência de matéria-prima, mão de obra qualificada e proximidade de mercados consumidores, o que favorece a formação espontânea de um APL (SUZIGAN; GARCIA; FURTADO, 2002).
No contexto de relações sociais construídas, considerando-se os aspectos históricos do local o conceito de arranjos produtivos locais se aproxima fortemente da contextualização de território devido a caracterização como um espaço resultante de uma construção sociopolítica, mas sinalizando pela necessidade de um acordo territorial em prol do desenvolvimento da localidade e da região. Com isso, os APLs vão além das tradicionais visões baseadas na empresa individual, no setor produtivo ou na cadeia produtiva, estabelecendo um nexo efetivo entre as atividades produtivas e o território (COSTA, 2010).
Para caracterizar a estrutura produtiva de organizações processadoras de erva-mate e compreender a dinâmica das relações estabelecidas em dois arranjos produtivos de erva-mate no sul do Brasil, realizou-se uma pesquisa de campo em duas etapas. O estudo exploratório foi realizado em março de 2015 permitindo um contato inicial com o objeto de pesquisa, auxiliando na delimitação da amostra e pertinência do estudo. O contato inicial foi realizado com os sindicatos do mate de cada estado, sendo que estes indicaram informantes-chave a serem entrevistados. Através da amostragem não–probabilística snowball foram sendo identificados outros informantes-chave. Ao todo foram entrevistados nove informantes-chave, sendo estes representantes de sindicato, associação, instituto, entidades de Ater e gestores de ervateiras.
A partir do estudo exploratório e com auxílio de dados secundários definiram-se dois arranjos produtivos de importância na produção de erva-mate para o desenvolvimento do estudo. O denominado Arranjo Rio Grande do Sul, compreendeu os municípios de Ilópolis, Arvorezinha e Putinga. Nestes municípios há presença de grandes áreas de ervais plantados; a produção representa 43,3% da erva-mate produzida no estado, com foco no mercado interno (erva-mate fina e verde). O arranjo Paraná e Santa Catarina, compreendeu os municípios de São Mateus do Sul e Cruz Machado, do Paraná e Canoinhas, de Santa Catarina. Com predominância de ervas nativos, estes municípios representam 38,1% da erva-mate produzida nos dois estados, com foco no mercado externo (erva-mate envelhecida), principalmente para o Uruguai (Figura 1).
Após a delimitação dos arranjos produtivos a serem estudados, procedeu-se com o cálculo da amostra das organizações processadoras de erva-mate que fariam parte da pesquisa. Com 33 organizações processadoras de erva-mate no arranjo RS, o cálculo da amostra aleatória simples resultou em um n de 12, enquanto que no arranjo PR e SC, o n resultante foi de 11.
Figura 1 - Municípios que compõem os arranjos produtivos RS e PR/SC delimitados na pesquisa e a localização nos estados.
Fonte: Elaborado pela autora (2015).
O primeiro critério de seleção foi a indicação pelos informantes-chave durante o estudo exploratório, sendo seis no arranjo RS e quatro no arranjo PR e SC. O segundo critério foi o sorteio aleatório, garantindo a representatividade da amostra. Os agentes locais foram selecionados de maneira intencional não probabilística, sendo entrevistados 13 agentes locais.
Foi realizada entrevista face a face com os gestores das ervateiras utilizando-se de roteiro semiestruturado, com perguntas abertas e fechadas, elaborado com base em roteiro disponibilizado pela Rede de Pesquisa em Sistemas Produtivos e Inovativos Locais (RedeSist) da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Com os agentes locais foram realizadas entrevistas face a face utilizando-se de um roteiro com perguntas abertas. A pesquisa de campo, com os gestores e agentes locais, foi realizada em dois momentos: julho de 2015 no arranjo RS e agosto de 2015 no arranjo PR e SC, envolvendo cinco dias de pesquisa em cada arranjo.
A análise e interpretação dos resultados foi realizada com auxílio dos programas Microsoft Office Excel e o software SPSS (Statistical Package for Social Sciences). A análise de conteúdo realizada foi do tipo categorial, onde criaram-se categorias de análise reduzindo o volume de dados, sendo então descritas as narrativas dos entrevistados e interpretação do seu conteúdo.
A produção de erva-mate mostra-se como uma atividade, desde a produção até o beneficiamento, representada por pequenas propriedades familiares e também por pequenas empresas. As ervateiras presentes neste estudo são, quase em sua totalidade, empresas familiares. Em um dos casos estudados, o gestor da ervateira mencionou já ser a sexta geração da família que está administrando a empresa (Gestor 15). A única organização que não caracterizou-se como empresa familiar é do arranjo RS, onde sócios empreendedores observaram na erva-mate, uma potencialidade local, como uma oportunidade de negócio.
Referente ao porte, o número de funcionários nas ervateiras presentes no estudo variou de 4 até 380, sendo que a média foi de 40 (Tabela 1). Entretanto, pode-se observar que 36,3% das ervateiras têm até 10 funcionários, 63,6% têm até 20 funcionários e 81,8% têm até 50 funcionários, caracterizando-se como organizações de pequeno porte. Essa característica do setor foi descrita na década de 90 por Antoni (1995) onde, de acordo com o mesmo, 70% das ervateiras eram de pequeno porte, com até 50 funcionários e produção anual de até 3.000 toneladas de erva-mate. Apenas uma das organizações ervateiras presentes neste estudo tem mais de 100 funcionários, no total de 380, o que eleva o valor da média.
Tabela 1 - Representação do porte das ervateiras a partir
do número de funcionários e representações percentuais
Número de funcionários |
Arranjo RS e PR-SC |
Arranjo RS |
Arranjo PR e SC |
Média |
40 |
24 |
56 |
Mínimo |
4,0 |
4,0 |
6,0 |
Máximo |
380 |
80,0 |
380,0 |
|
Frequência (%) |
||
Até 10 funcionários |
36,3 |
45,45 |
27,27 |
De 11 a 20 funcionários |
27,27 |
27,27 |
27,27 |
De 21 a 50 funcionários |
18,18 |
9,09 |
27,27 |
Mais de 50 funcionários |
18,18 |
18,18 |
18,18 |
Fonte: Pesquisa de campo (2015).
Outro elemento importante para caracterização das ervateiras é o volume de produção. O volume de erva-mate beneficiado mensalmente nas ervateiras é em média de 270,9 toneladas, variando de 10 a 1.500 toneladas. É possível observar que metade das ervateiras beneficiam até 100 toneladas de erva-mate mensalmente. Somente três ervateiras beneficiam mais de 500 toneladas de erva-mate por mês, sendo as três pertencentes ao arranjo produtivo PR e SC.
O volume de produção beneficiada mensalmente é maior no arranjo PR e SC, com uma média de 419,09 ton, sendo que quase metade destas beneficiam de 100 a 500 toneladas. As organizações com o maior e o menor volume de beneficiamento de erva-mate desta pesquisa, 1.500 ton/men e 10,0 ton/men, respectivamente, estão presentes no arranjo produtivo PR e SC. No arranjo produtivo RS, a média é de 122,7 ton de erva-mate beneficiadas mensalmente, variando de 20 a 350 toneladas, sendo que metade das ervateiras beneficiam até 100 toneladas de erva-mate mensalmente. Esta característica pode estar relacionada ao tipo de mercado, pois no arranjo PR e SC o foco das ervateiras está no mercado externo.
O foco no mercado externo pelas ervateiras do arranjo PR e SC fica evidente nos tipos de erva-mate produzidos. Como o principal destino desta erva-mate é o Uruguai, este que já era o principal destino deste produto na década de 90, principalmente erva-mate para chimarrão e chá mate tostado, como retrata Antoni (1995). A principal produção para exportação é de erva-mate moída grossa e envelhecida, entretanto, algumas ervateiras desenvolvem blends de acordo com o solicitado pelo mercado. A Organização 15 já desenvolveu 13 blends de erva-mate para exportação, sendo este o seu principal mercado. Em média, as ervateiras produzem quatro tipos de erva-mate, sendo as mais citadas a moída fina com e sem açúcar, a moída grossa e a erva-mate envelhecida.
No arranjo RS não há produção de erva-mate envelhecida, mas existem outros tipos de erva-mate que surgem como forma de diferenciar-se em um mercado tão competitivo. Erva-mate para tereré de vários sabores, erva-mate orgânica e erva-mate com certificação florestal, são tipos que podem ser citados, além dos diferentes tipos de embalagens, como a vácuo, laminado, papel, e diversos tamanhos disponíveis, fornecendo diferentes tipos de produto ao consumidor.
No geral, a maioria das ervateiras fabricam outros produtos além da erva-mate para chimarrão, sendo que o composto de chás é um destes principais produtos, bem como chás de modo geral. Um produto que também vem ganhando evidência nas ervateiras é a erva para tereré, buscando superar a baixa de vendas nos meses quentes do ano.
A matéria-prima utilizada pelas ervateiras, são em grande parte, de origem do próprio arranjo produtivo a qual pertencem, em um percentual que varia de 50% a 100% da erva-mate beneficiada. Mais de 80% da erva-mate beneficiada pelas ervateiras presentes no estudo é proveniente dos próprios arranjos produtivos, 16,0% é da região e somente 0,9% é de outro estado. Nenhuma das organizações processadoras beneficia erva-mate de outra região do estado e de outro país.
No arranjo produtivo RS especificamente, quase 90% da erva-mate beneficiada pelas ervateiras é proveniente do arranjo e pouco mais de 10% da região. No arranjo PR e SC registra-se o caso de uma ervateira que adquire uma pequena quantidade de erva-mate de outro estado. Estes dados representam um dos principais elementos dos arranjos produtivos locais, como é relatado por Machado (2003) e Suzigan, Garcia e Furtado (2002), que é a disponibilidade de matéria-prima no arranjo, sendo neste caso, uma característica intrínseca da região. A proximidade das organizações processadoras de erva-mate com a matéria-prima gera um ambiente favorável para interação entre produtor e gestor, no estabelecimento de relações de confiança e troca de informações sobre o setor, sobre a qualidade da matéria-prima e do produto final.
A rapidez na entrega da matéria-prima é uma das vantagens destacadas como muito importante para os entrevistados de ambos arranjos produtivos. De acordo com os entrevistados, a folha da erva-mate perde qualidade quando fica muito tempo no campo após sua colheita, sofrendo inclusive um processo de oxidação e escurecimento das folhas. Desta maneira, a redução do tempo entre colheita e beneficiamento preserva características de sabor e qualidade da erva-mate. Essa vantagem está relacionada à qualidade do produto final. Os atributos de qualidade foram considerados como uma vantagem muito importante da origem local da matéria-prima.
De acordo com os entrevistados, a matéria-prima estar próxima permite que a ervateira tenha maior controle sobre a sua qualidade, realizando visitas e verificando sempre a qualidade da erva-mate antes de adquiri-la. Ainda, com esta proximidade e a relação de confiança criada entre produtor e ervateira, já sabe-se o tipo de produto que é fornecido pelo produtor, sendo adquirido muitas vezes, sem visitar a propriedade, como menciona o Agente Local 5: Se a gente já conhece o produtor, sabe que tipo de erva-mate vem de lá e nem precisa ir verificar.
Um dos entrevistados coloca a importância da origem local da erva-mate para a rastreabilidade do produto, principalmente devido às exigências do mercado que atendem, e ainda devido às iniciativas recentes de indicação geográfica da erva-mate. De acordo com o entrevistado, para obtenção deste reconhecimento de qualidade o controle da origem, a rastreabilidade do produto é fundamental.
As condições de pagamento diferenciadas foram ressaltadas como uma vantagem muito importante por quase todos os entrevistados no que refere-se à erva-mate adquirida localmente. São estabelecidas relações de confiança entre produtor e ervateira possibilitando que as transações de compra e venda sejam realizadas sem nenhum tipo de contrato, bem como o parcelamento e prazo do pagamento. Existem também muitos casos onde os produtores precisam de dinheiro e pedem um adiantamento para a ervateira, para pagar com a colheita da erva-mate. Relações de confiança estabelecidas são mencionadas como característica de arranjos produtivos por Lemos (1997) e Machado (2003).
Os entrevistados consideram muito importante as relações de confiança estabelecidas com os produtores de erva-mate locais. De acordo com estes, as relações de confiança são estabelecidas com o tempo e permite ter certeza sobre a qualidade do produto que está se ofertando aos consumidores através de sua marca. As relações de confiança estabelecidas entre produtor e ervateira permeiam outras vantagens, como as condições diferenciadas de pagamento e os atributos de qualidade.
De acordo com Oliveira (2014) há cinco tipos básicos de transações na atual configuração da cadeia produtiva da erva-mate no Rio Grande do Sul, a saber: T1) entre representantes da indústria de insumos e os produtores rurais; T2) de produtores rurais e ervateiras; T3) das ervateiras com o atacado e o varejo; T3.1) das ervateiras com o consumidor final e T4) do atacado e varejo com o consumidor final.
Referente às transações para aquisição da folha da erva-mate, em 19 dos casos estudados estas são realizadas mediante contratos informais, sem nenhum tipo de registro. Pode-se observar que existe uma relação de confiança criada entre produtor e ervateira, de casos onde o produtor ou a família fornece erva-mate para a mesma ervateira durante muitos anos. A proximidade entre os agentes, as relações de confiança e a redução dos custos de transação são características relatadas por Machado (2003) na caracterização de arranjos produtivos, e presentes no caso da erva-mate.
Todavia, o fornecimento da erva-mate para somente uma empresa é prejudicado pelo melhor período para a colheita da erva-mate, onde muitas vezes as ervateiras não têm capacidade para receber todo o volume que o produtor quer fornecer. A relação de confiança existente entre produtor e ervateira é reforçada com a disponibilidade de assistência técnica e valorização do produtor, e abalada com o aumento ou queda brusca do preço.
Somente em três casos (organizações 7, 11 e 13) verificou-se a existência de contratos formais para aquisição da erva-mate, sendo dois destes no arranjo RS e um no arranjo PR e SC. Estes casos relacionam-se a um controle mais rigoroso referente a matéria-prima disponível, distribuída durante todos os meses do ano, controle de qualidade da erva-mate produzida e rastreabilidade.
Ainda, em um dos casos, os contratos formais referem-se à iniciativa de integração, onde a ervateira fornece os insumos para produção e a assistência técnica, garantindo a qualidade e a compra desta matéria-prima. Mesmo tendo a compra garantida, o Agente Local 11 declara não ter preferência por essa modalidade de contrato.
Os contratos de integração que vêm sendo realizados pela Organização 13 trata-se de uma inovação organizacional, entretanto são iniciativas ainda incipientes, foram poucos os contratos realizados nessa modalidade. O técnico da organização de processamento de erva-mate 13 menciona que tratam-se, principalmente, de trabalhadores e moradores urbanos que decidem investir, adquirem uma área de terra e efetivam essa modalidade de contrato.
No que concerne às relações de negociação de compra e venda da folha de erva-mate entre produtores e ervateiros, observaram-se iniciativas recentes da criação de um preço referência por arroba de erva-mate, de acordo com os padrões de qualidade, sendo este estabelecido através de uma proposta de “Nova Política para Gestão da Cadeia Produtiva da Erva-Mate”. Ser ou não nativa, sombreada, a utilização de produtos químicos e certificação orgânica, são atributos de qualidade presentes nesta proposta. Entretanto, de acordo com os agentes territoriais entrevistados, esta é uma iniciativa ainda incipiente e ainda de pouca aderência. Quando o panorama é favorável às ervateiras, estas não abrem muito espaço para negociação com os produtores, já quando o quadro inverte-se, os produtores também não são muito flexíveis e acabam mudando de ervateira pelo melhor preço.
O beneficiamento é realizado nas próprias ervateiras, como se pode observar são pequenas e familiares. Em grande parte dos casos os próprios produtores adquirem uma estrutura de beneficiamento e colocam sua própria marca no mercado. No arranjo PR e SC ocorreram muito no passado casos onde os produtores realizam a primeira etapa de beneficiamento, fornecendo a erva-mate cancheada às ervateiras.
No que se refere às etapas de produção, a maioria das ervateiras, de ambos os arranjos estudados, internalizam todo o processo. No setor ervateiro existem poucos casos de terceirização de serviços, um destes é de uma ervateira que alugou sua estrutura de beneficiamento para os funcionários, que fundaram uma empresa com CNPJ e fornecem a erva-mate embalada para a ervateira, já com sua marca, sendo remunerados por quilo de erva-mate beneficiada. Trata-se de uma nova transação na cadeia produtiva da erva-mate, transações estas que foram descritas no trabalho Oliveira (2014).
Buscando compreender a capacidade de suporte existente nos arranjos produtivos estudados, verificou-se a origem dos equipamentos utilizados nas ervateiras (secadores, atritores, moedores e embaladoras). De modo geral, a maioria das ervateiras possuem equipamentos antigos, observando-se em alguns casos equipamentos novos para secagem e embalagem da erva-mate.
As organizações processadoras de erva-mate no arranjo produtivo RS adquirem a maioria dos seus equipamentos no estado, porque existem empresas-referências na fabricação neste tipo de equipamento, localizadas nos municípios de Erechim, Arvorezinha e Ijuí. Enquanto que no arranjo PR e SC não foram identificadas empresas-referências na fabricação de equipamentos para ervateiras, devendo estas buscar equipamentos no Rio Grande do Sul.
A principal empresa que fornece equipamentos, e realiza estudos para o desenvolvimento de equipamentos para o setor ervateiro é do município de Erechim – RS, um dos municípios que já foi destaque na produção de erva-mate no estado. Esta empresa não fabrica somente equipamentos para o setor da erva-mate, mas procura visualizar em outros setores o que pode ser aplicado na erva-mate e busca realizar testes nas ervateiras para aprimorar o equipamento.
Quando os gestores foram questionados sobre vantagens dos equipamentos cuja origem é o arranjo produtivo, a assistência técnica oferecida foi a mais citada pelos, seguida pela vantagem de informação sobre os equipamentos. De acordo com os entrevistados, a proximidade com o fornecedor do equipamento, neste caso o próprio arranjo produtivo, favorece a ervateira no caso de qualquer eventual problema que venha a ocorrer, pois a assistência técnica será rápida, não prejudicando o beneficiamento, como tendo que parar a produção. A proximidade local entre ervateiros e os fornecedores de equipamentos gera uma sinergia, uma relação de confiança enraizada na história do local e destas organizações, como relatam Cassiolato e Lastres (2003) em seu trabalho.
As demais vantagens como garantia de prazo de entrega, condições de financiamento, vantagens de preço e atributos de qualidade, dividiram a opinião dos gestores, não tendo destaque na visão dos mesmos. A proximidade com os fornecedores de equipamentos é um elemento importante para a dinâmica inovativa de um arranjo produtivo, como de erva-mate. A proximidade facilita a interação entre as partes e estimula os gestores das organizações processadoras de erva-mate, como usuário dos equipamentos, a trocar informações sobre possíveis mudanças a serem realizadas nos mesmos, visando a eficiência do processo produtivo. Da mesma forma, o fornecedor busca entender quais são os principais problemas ou dificuldades que os gestores estão encontrando no beneficiamento da erva-mate.
Referente às vantagens de localização das ervateiras nestes arranjos, a proximidade com os fornecedores da matéria-prima, os produtores de erva-mate, foi a característica que mais se destacou, sendo considerada muito importante quase pela totalidade dos entrevistados (Tabela 2). De acordo com os mesmos, estar próximo aos fornecedores facilita o trabalho para a ervateira, pois a matéria-prima está disponível, próxima, onde consegue-se manter uma relação com os produtores e, muitas vezes, o acompanhamento do erval e da qualidade da erva-mate.
A localização das ervateiras não possui vantagens relacionadas a programas governamentais e proximidade com universidades e centros de pesquisa. Estas duas características foram consideradas sem importância e pouco importante por parte dos entrevistados de ambos os arranjos. De acordo com os mesmos existem poucos programas governamentais voltados ao setor ervateiro, mesmo que movimente a economia de uma região específica. Ainda que as universidades e centros de pesquisa estejam distantes do setor ervateiro, referindo-se mais do que a distância física, mas das diferentes realidades do dia a dia do setor com a pesquisa.
Tabela 2 - Vantagens associadas à localização da ervateira no arranjo produtivo
Característica |
Sem importância (%) |
Pouco importante (%) |
Importante (%) |
Muito importante (%) |
||||
RS |
PR-SC |
RS |
PR-SC |
RS |
PR-SC |
RS |
PR-SC |
|
Infraestrutura disponível |
0 |
18,2 |
9,1 |
9,1 |
45,4 |
72,7 |
45,4 |
0 |
Disponibilidade de mão de obra |
0 |
9,1 |
36,4 |
36,3 |
45,4 |
36,3 |
18,2 |
18,2 |
Qualidade da mão de obra |
0 |
27,3 |
18,2 |
18,2 |
18,2 |
36,3 |
63,6 |
18,2 |
Custo da mão de obra |
9,1 |
9,1 |
54,5 |
27,3 |
9,1 |
36,3 |
18,2 |
27,3 |
Existência de programas governamentais |
54,5 |
36,3 |
27,3 |
54,5 |
9,1 |
9,1 |
9,1 |
0 |
Proximidade com universidades e centros de pesquisa |
54,5 |
45,4 |
18,2 |
45,4 |
9,1 |
9,1 |
18,2 |
0 |
Proximidade com os fornecedores de matéria-prima/insumos |
0 |
0 |
0 |
9,1 |
0 |
9,1 |
100 |
81,8 |
Proximidade com os clientes/consumidores |
0 |
9,1 |
18,2 |
36,3 |
27,3 |
27,3 |
54,5 |
27,3 |
Fonte: Pesquisa de campo (2015).
No que concerne a mão de obra nos aglomerados onde estão localizadas as ervateiras, a qualidade desta foi considerada como muito importante por 63,6% dos entrevistados do arranjo RS e importante para 36,3% dos gestores do arranjo PR e SC. A disponibilidade da mão de obra foi considerada importante por parte dos entrevistados de ambos os arranjos, já o custo da mão de obra foi considerado pouco importante. A mão de obra qualificada é uma das características mencionadas por Lemos (1997) e Suzigan, Garcia e Furtado (2002) para definição de um arranjo produtivo local, visto que ali há um conhecimento enraizado e um intenso fluxo de informações.
De acordo com os entrevistados, na atividade ervateira a escolaridade formal faz diferença na produção, quando adquire-se um equipamento novo e mais complexo, que exige habilidades diferenciadas dos funcionários. Normalmente, o conhecimento é repassado de funcionários mais experientes ou até dos proprietários das ervateiras, aos novos funcionários. Lembrando que muitas vezes o funcionário já pode ter trabalhado em outras ervateiras, trazendo conhecimento acumulado daquela experiência. A mobilidade da mão de obra é relatada por Malerba (1992), possibilitando o fluxo de informação, o que pode facilitar a cópia de uma para outra.
Ainda, versando sobre as vantagens associadas à localização das ervateiras nos arranjos, a infraestrutura disponível foi considerada importante por 72,7% dos participantes da pesquisa do arranjo PR e SC, enquanto que no arranjo RS, referente a este quesito, as respostas se dividiram entre importante e muito importante. A proximidade com clientes e consumidores foi mencionada como uma característica muito importante pelos gestores do arranjo RS.
Em uma questão específica sobre a infraestrutura física e serviços públicos nos arranjos produtivos, os gestores entrevistados mencionam ser satisfatória, principalmente no que concerne a área para instalação de empreendimentos e energia elétrica. Já estradas são consideradas insuficientes, principalmente para os entrevistados do arranjo PR e SC, enquanto no arranjo RS as telecomunicações são consideradas insuficientes na percepção dos gestores.
Uma caraterística relacionada à localização da ervateira mencionada por um dos entrevistados do arranjo PR e SC é a qualidade do produto para o mercado externo. De acordo com o entrevistado a erva-mate produzida na região possui características específicas e favoráveis ao mercado externo.
A presença da matéria-prima, fornecedores de equipamentos, mão de obra qualificada e interação entre diversos atores locais, construindo relações de confiança, são as principais características dos arranjos produtivos de erva-mate estudados. Estas características condicionam as diversas relações estabelecidas nos arranjos, tema que se discute na próxima seção.
As interações estabelecidas no arranjo produtivo são de importância para os processos de aprendizado e construção do conhecimento. Pode-se observar que estas estão em aumento e forte aumento principalmente com os produtores, de ambos os arranjos. Além dos produtores, as relações com o varejo e clientes também vem aumentando de acordo com os entrevistados das ervateiras presentes no estudo. Já as relações com os concorrentes estão estáveis.
De acordo com Cassiolato e Lastres (2003), na análise de um arranjo produtivo local, é importante o estudo das relações entre empresas e entre estas e as demais organizações dentro de um espaço geograficamente definido, bem como entender as características do ambiente onde estão inseridas, e como este influencia no fluxo de informações e relações estabelecidas. As relações ocorrem pelo contato entre as organizações que podem ocorrer através de visitas, reuniões, participação em seminários, eventos, troca de e-mails, telefone, dentre outros.
Os principais parceiros das indústrias ervateiras são os produtores, o varejo e os clientes, geralmente por relações estabelecidas a longo prazo. As relações de cooperação com sindicatos e associações do setor são consideradas estáveis por parte dos entrevistados, enquanto outra parte dos entrevistados acredita que estas relações estão aumentando, ou seja, se fortalecendo, em ambos os arranjos. Registra-se a mobilização das entidades de representação na promoção de momentos de profissionalização e discussão sobre o setor ervateiro. Podem-se citar os espaços discussão para a obtenção da Indicação Geográfica da erva-mate, reunião de pesquisadores da erva-mate no sul do Brasil, reuniões da Câmara Setorial no Rio Grande do Sul, dentre outros espaços de interação entre estes agentes.
Com os fornecedores de equipamentos, as relações de cooperação são consideradas estáveis e em aumento, pois os fornecedores realizam visitas nas ervateiras dos três estados, buscando levar informações para aprimoramento da planta industrial das ervateiras. Com os órgãos públicos, 36,3% dos gestores do arranjo RS declararam não ter relações com estes agentes, enquanto que no arranjo PR e SC esse percentual é de 9,1%.
As relações entre ervateiras e universidades ainda é incipiente. Os motivos apresentados referem-se principalmente à distância das pesquisas realizadas nas universidades e centros de pesquisa, da realidade do setor. Outros gestores mencionam que a ervateira não tem estrutura para desenvolver uma pesquisa. Um dos gestores menciona ainda não ter sentido necessidade disso, enquanto outro questiona os benefícios das pesquisas realizadas pelas universidades ao setor ervateiro.
No que concerne a relação estabelecida entre as organizações do setor ervateiro nos arranjos delimitados, estas ocorrem e estão aumentando para algumas atividades específicas, como a troca de informações sobre a produção, mercado, sobre o setor de modo geral. A troca de informações entre as organizações do setor são importantes para a difusão de elementos referente ao seu beneficiamento, equipamentos, qualidade do produto, exportações, e outras informações que irão favorecer o desenvolvimento de inovações no setor ervateiro, como a adoção de novos processos, técnicas organizacionais e lançamento de novos produtos.
Como pode-se observar, as relações de cooperação no setor ervateiro estão voltadas principalmente ao mercado, estratégias de comercialização e divulgação dos produtos, nos dois arranjos estudados. As relações para troca de informações, como recém mencionado estão aumentando em ambos arranjos estudados.
Relações de cooperação para atividades como ensaios para desenvolvimento e melhorias de produtos, ações conjuntas para capacitação de RH, ações de capacitação para o produtor e ações de marketing quase não existem neste setor. De acordo com os entrevistados, por ser um setor muito competitivo, a cooperação não é muito comum, o que é representado pela falta de cooperativas no setor.
As ervateiras não se unem, não cooperam, mas competem bastante [...] o setor precisa acordar e perceber que a ervateira vizinha não é sua principal concorrente, mas poderia ser sua principal parceira no desenvolvimento do setor, assim como os produtores de erva-mate (Agente Local 8).
É possível observar a partir dos dados que a relação de cooperação entre as organizações do setor para ações de marketing são praticamente inexistentes, bem como para ações conjuntas de capacitação de funcionários em ambos os arranjos.
É importante destacar os altos percentuais de inexistência de relações entre organizações do setor para desenvolvimento de novos produtos, capacitação de produtor e funcionários e para ações de marketing em ambos os arranjos estudados. Tratam-se de atividades que podem diferenciar as organizações no mercado, e neste caso, a competição ressalta-se no binômio cooperação-competição destes arranjos produtivos.
As relações institucionais são consideradas estáveis por parte dos entrevistados, enquanto outra parte acredita que estas relações vêm aumentando com o passar do tempo. Observa-se uma fraca interação das entidades de representação coletiva com as ervateiras, de ambos os arranjos, no que concerne a negociações coletivas e aquisição de matéria-prima. A interação das ervateiras com as entidades representativas do setor é considerada sem importância em negociações coletivas todos os entrevistados do arranjo RS e para mais de 50% dos entrevistados do arranjo PR e SC. No apoio para aquisição de matéria-prima, a interação com as entidades de representação coletivas são consideradas sem importância para quase a totalidade dos entrevistados, de ambos os arranjos.
Essa interação possui maior importância para realização de cursos, seminários, eventos e feiras, sendo considerada muito importante pelos entrevistados de ambos arranjos. Isso se dá porque muitas vezes as entidades de representação coletiva organizam estes momentos de divulgação, como feiras, e também de formação como seminários. As relações para troca de informações tornam-se relevante, visto que a entidade representativa é uma referência central para o setor, concentrando informações técnicas e econômicas referentes à produção ervateira, em nível local e extrapolando essa dimensão, formando as redes.
As relações existentes no setor ervateiro são enraizadas em uma cultura local. A maioria dos proprietários de ervateiras se conhece há muito tempo, e trocam informações sobre produção, sobre mercado. Todavia, quando trata-se de vendas, diferencial produtivo, capacitação de funcionário, cada um possui o “seu negócio”, competindo com seus produtos. De acordo com Schmitz (1995), uma aglomeração produtiva não é isenta de conflito ou competição, mas torna o mercado mais transparente e provoca a rivalidade local.
No mesmo sentido, para Cassiolato e Lastres (2003) verifica-se nos APLs laços coesos de confiança que desencadeiam em uma maior especialização e cooperação aliada à competição e troca de informações no arranjo. Ademais, a formação destes arranjos é reforçada pelos processos de aprendizagem coletiva e dinâmica inovativa, assunto que se trata na próxima seção.
Este trabalho teve por objetivo caracterizar a estrutura produtiva de organizações processadoras de erva-mate e compreender a dinâmica das relações estabelecidas em dois arranjos produtivos de erva-mate no sul do Brasil. Retomando os principais resultados, pode-se destacar a importância da proximidade com os fornecedores da matéria-prima nos arranjos produtivos estudados, por questões de qualidade do produto final, e também confiança no produtor. No caso da erva-mate, essa característica vai além de uma vantagem, para uma necessidade na elaboração de um produto de boa qualidade.
Isso faz com que os gestores das organizações beneficiadoras, quase na sua totalidade de pequeno porte, conheçam os produtores de erva-mate, e estabeleçam importantes laços de confiança. Em ambos os arranjos produtivos, as transações são realizadas a partir de contratos informais, sem nenhum tipo de registro. Além das questões de pagamento, essa relação envolve uma reciprocidade de compra e venda, e confiança referente à matéria prima que está sendo entregue na ervateira, resultando no estabelecimento de relações de longo prazo.
Como destacado por Cassiolato e Lastres (2003), o foco deixa de ser a empresa individual, para incidir sobre as relações estabelecidas no ambiente onde se inserem. De acordo com Machado (2003), condições de oferta de matéria-prima e insumos localmente, bem como capital social, relações de confiança, e redução dos custos de transação, são características importantes dos APLs.
As relações estabelecidas entre as organizações beneficiadoras, e destas com outras instituições e produtores, são importantes para os processos de aprendizado e construção do conhecimento. O conhecimento tácito proveniente da experiência dos agentes envolvidos na cadeia produtiva, como produtores e funcionários de ervateiras, impulsionam o surgimento de inovações nesse setor. Nesse sentido, destaca-se, além de outras características, a importância dos arranjos produtivos no “estoque” de conhecimento tácito sobre o setor.
ANTONI, V. L. A estrutura competitiva da indústria ervateira do Rio Grande do Sul. 1995. 110 f. Dissertação (Mestrado em Administração) – Programa de Pós-Graduação em Administração, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 1995.
CASSIOLATO, J. E.; SZAPIRO, M. Arranjos e sistemas produtivos e inovativos locais no Brasil. Rio de Janeiro: Instituto de Economia da UFRJ, set. 2003.
COSTA, E. J. M. da. Arranjos Produtivos Locais, políticas públicas e desenvolvimento regional. Brasília: Mais Gráfica, 2010.
COURLET, C. Novas dinâmicas de desenvolvimento e Sistemas Industriais Localizados (SIL). Ensaios FEE, Porto Alegre, v. 14, n. 1, p. 9-25, 1993.
LASTRES, H. M. M.; CASSIOLATO, J. E. Glossário de Arranjos e Sistemas Produtivos e Inovativos Locais. Rio de Janeiro: UFRJ, 2003. Disponível em: <http://www.mdic.gov.br/arquivos/dwnl_1289323549.pdf>. Acesso em: 4 jan. 2015.
LASTRES, H. M. M.; CASSIOLATO, J. E. Innovation systems and local productive arrangements: new strategies to promote the generation, acquisition and diffusion of knowledge. Innovation: Management, Policy & Practice, [S.l.], v. 7, n. 2-3, Apr./Aug. 2005.
LEMOS, C. Notas preliminares do projeto arranjos locais e capacidade inovativa em contexto crescentemente globalizado. Rio de Janeiro: IE/UFRJ, 1997.
MACHADO, S. A. Dinâmica dos Arranjos Produtivos Locais: um estudo de caso em Santa Gertrudes, a nova capital da cerâmica brasileira. 2003. 162 f. Tese (Doutorado em Engenharia de Produção) - Escola Politécnica, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2003.
MALERBA, F. Learning by firms and incremental technical change. The Economic Journal, [S.l.], v. 102, n. 413, p. 845-859, July 1992. Disponível em: <http://www.jstor.org/stable/pdf/2234581.pdf?_=1460653071971>. Acesso em: 12 nov. 2015.
MARSHALL, A. Princípios da economia: tratado introdutório. São Paulo: Abril Cultural, 1982.
MELO, J. A região da Marinha Grande: um distrito industrial? Provas de Aptidão Pedagógica e Capacidade Científica. Coimbra: FEUC, 1995.
OLIVEIRA, S. V. de. Arranjos de coordenação em cadeias produtivas agroindustriais: contribuições analíticas com base na abordagem fuzzy. 2014. 251 f. Tese (Doutorado em Agronegócios) - Programa de Pós-Graduação em Agronegócios, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2014.
PORTER, M. E. Competição – on competition: estratégias competitivas essenciais. Rio de Janeiro: Campus, 1999.
RABELLOTTI, R. Is there an “Industrial District Model”? Footwear districts in Italy and Mexico compared. World Development, [S.l.], v. 23, n. 1, p. 29-41, 1995. Disponível em: <http://www.sciencedirect.com/science/article/pii/0305750X94001036>. Acesso em: 10 dez. 2015.
SCHMITZ, H. Collective efficiency: growth path for small-scalle industry. The Journal of Development Studies, London, v. 31, n. 4, p. 529-566, 1995.
SCHMITZ, H. Pequenas empresas e especialização flexível em países menos desenvolvidos. São Paulo: FEA/USP, 1989.
SUZIGAN, W.; GARCIA, R.; FURTADO, J. Governança de sistemas de MPMEs em clusters industriais. Trabalho apresentado no Seminário Internacional Políticas para sistemas produtivos locais de MPMEs, Rio de Janeiro, 2002.
VARGAS, M. A. Proximidade territorial, aprendizado e inovação: um estudo sobre a dimensão local dos processos de capacitação em arranjos e sistemas produtivos locais. 2002. 256 f. Tese (Doutorado em Economia) – Programa de Pós-Graduação em Economia, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2002.
1. Engenheira Florestal, mestre e doutoranda em Desenvolvimento Rural. Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Porto Alegre, RS – Brasil. leti_chechi@hotmail.com
2. Engenheiro Agrícola, mestre e doutor em Agronegócios. Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) Porto Alegre, RS - Brasil. glauco.schultz@ufrgs.br