Vol. 38 (Nº 31) Año 2017. Pág. 10
Rodolfo Belchior Fernandes de PAULA 1
Recibido: 19/01/2017 • Aprobado: 12/02/2017
2. Por uma discussão sobre o conceito de Estado
4. Estatuto da Terra: algumas abordagens
RESUMO: O presente artigo objetiva debater, com um proposta interdisciplinar, a relação entre Estado e Agricultura no Brasil, tendo como foco o Estado de Goiás, a fim de perceber quais as ações do Estado Militarizado implantado em 1964 possibilitaram a concretização de um projeto de modernização conservadora no campo. Na tentativa de melhor entendimento buscamos dividir a análise em três momentos. No primeiro deles pretendemos discutir sobre o conceito de Estado. Em seguida, faz-se necessário debatermos sobre o papel e atuação deste Estado Autoritário no sentido de promover o desenvolvimento do setor agrário nacional, tendo como referência o Estatuto da Terra. Finalmente, em um terceiro momento consiste, justamente, em analisar as implicações do Estatuto da Terra para este processo de modernização agrícola focando, como dissemos, o território do Estado de Goiás. |
ABSTRACT: The present article aims to discuss, with an interdisciplinary proposal, the relationship between State and Agriculture in Brazil, focusing on the State of Goiás, In order to understand what the actions of the Militarized State implemented in 1964 made possible the realization of a conservative modernization project in the countryside. In trying of better understanding We seek to divide the analysis in three moments. In the fisrt one, we intend to discuss about the concept of State. Then, it is necessary to discuss about the role and performance of this Authoritarian State int the sense to promote the development of the national agrarian sector, having as reference the Estatuto da Terra. Finally, n a third moment consist, justly, in to analyze the implications of the Land Statute for this process of agricultural modernization focusing, as we have said, the territory of the State of Goiás |
Em 31 de abril de 1964 o país se distanciava à força de um período de expansão da democracia. Apesar das turbulências que se seguiram à queda de João Goulart os militares trataram logo de colocar “ordem na casa” e se firmarem no poder. Com a implantação do golpe estava posto o cenário político propício para toda e qualquer medida política que visassem o “bem para a Nação”. Para o setor agrário nem se esperou o fim de 64 para que fosse promulgada uma das principais leis para o setor agrícola brasileiro: o Estatuto da Terra. Aqui neste artigo buscamos apresentar uma discussão desse contexto, de caráter interdisciplinar, que abrange as ciências humanas e sociais e visa compreender a relação entre o Estado e Sociedade com foco na atuação do Estado na questão agrária brasileira e goiana.
Pensar no debate sobre o conceito de Estado é entrar em um terreno nada estável. Para SCHWARTZMAN (2007), nem mesmo Marx produziu uma conceitualização aceitável e consistente da complexidade que é o Estado. Ao citar as interpretações de Nettl, Schwartzman destaca que a mudança de Marx para a Inglaterra o influenciou a se preocupar com um enfoque das relações econômicas mais do que com as questões de poder e política.
Podemos perceber na obra de Marx, duas noções do que vem a ser o Estado. De maneira geral, “o Estado é a ‘forma política’ da sociedade burguesa e o ‘poder de Estado’ identifica-se plenamente com o poder de classes” (CODATO & PERISSINOTTO, 2001, p.17). Nesse sentido o aparelho estatal nada mais é, ou tem a função de expressão dos interesses da classe dominante, um estado classista, onde o embate ideológico o movimenta e o rege. Os “atores estatais” são, no caso do capitalismo, agentes do e para o capital. Em contraposição, os mesmos autores defendem que se aproximarmos um pouco mais e percebermos análises conjunturais feitas por Marx veremos que
é possível perceber o Estado como uma “instituição” dotada de “recursos organizacionais” próprios, recursos esses que lhe conferem “capacidade de iniciativa” e “capacidade de decisão”. Na luta política concreta, os grupos políticos e as classes sociais percebem o Estado como uma poderosa instituição capaz de definir a distribuição de recursos diversos (ideológicos, econômicos, políticos) no interior da sociedade. Em função disso, lutam entre si para controlar diretamente ou influenciar à distância os diferentes ramos do aparelho estatal. Nesse nível de análise é possível admitir o Estado, de um lado, e a classe, de outro, como realidades distintas e autônomas; é possível, portanto, pensar o “poder de Estado” como distinto do “poder de classe” e em relação conflituosa com ele. (CODATO & PERISSINOTTO, 2001, p.17).
É neste ponto que buscamos o nosso referencial teórico nas obras de Poulantzas, para percebermos uma configuração estatal marcada pela possibilidade de autonomia, mesmo que parcial, fundamentada em uma base conflituosa: tanto das classes que buscam seu controle, quanto das frações destas mesmas classes que em algum momento o sustentam. Esta, por exemplo, foi a difícil tarefa realizado pelos militares, promover um desenvolvimento econômico sem ferir os interesses da burguesia, ou mais especificamente do capital. “O governo procurou ajustar o problema da terra, aos objetivos do desenvolvimento econômico e, ao mesmo tempo, aos objetivos da segurança nacional,(...)” (MARTINS, 1985, p.31)
Poulantzas discutiu estas questões e apresentou quatro noções na análise do papel do Estado, ou, em outras palavras, dois elementos chaves e duas outras funções: “autonomia relativa” e “unidade política”; “acumulação” e “legitimidade”, como nos mostra BORGES (1999). Os dois primeiros conceitos estão relacionados à configuração do Estado, como autonomia relativa deve-se entender a postura do Estado em se manter aparentemente deslocado dos interesses de classe, se colocando como um mediador dos conflitos existente, claro, sempre imparcial. A sua estrutura jurídico-política lhe garante certa exterioridade nas suas ações e decisões frente à disputa entre ou dentro das classes sócias. “Tendemos todos a considerá-lo um complexo de instituições e leis, às quais, em situação de litígio, permitem, aos diferentes indivíduos em igualdade de condições, recorrer e expectar tratamento parcial” (BORGES, 1999, p.35). A aparência da lei, da justiça garante a autonomia deste Estado, todavia ele é relativa. Mas por quê? Ora, a motivação de sua estrutura jurídico-política é, em essência, de caráter capitalista. Neste sentido o Estado pode até estar além do capitalista, mas não está além das relações capitalistas.
O outro elemento chave a se perceber é a unidade política, um acordo instável onde se sustenta o Estado. BORGES (1999) observa que para entendermos o conteúdo da unidade política é necessário percebermos duas outras categorias: bloco de poder e hegemonia. A questão é que apesar dos interesses gerados pela dominação capitalistas serem diversos e tenderem ao exclusivismo, são, entretanto, obrigados a forjarem uma unidade política precária que consiste no bloco de poder. Há que se deixar claro que este sempre é pautado por uma instabilidade e fragilidade, afinal “os militares dormiram janguistas, mas acordaram revolucionários”. Todavia, dentro deste bloco de poder, se evidencia a hegemonia grupos específicos, “que conseguem traduzir como gerais os interesses específicos. As instituições e os recursos do Estado (cargos, verbas, favores, prestígio, etc) traduzem, simultaneamente, a finalidade e a condição desta unidade política.” (BORGES, 1999, p.36)
Já as duas funções que assume o Estado consistem na “acumulação” e na “legitimação”. Na concepção marxista a acumulação deve ser entendida como processo de reprodução do capital. Assim temos que entender que o desenvolvimento econômico, tão divulgado antes e hoje pelo governo, visa promover uma expansão na capacidade produtiva.
É necessário, pois, aumentar a produção agrícola do Brasil, mas é preciso também que a porcentagem da população rural seja reduzida (...) Disto se deduz que, além de aumentar a produção agrícola por área é indispensável aumentar a capacidade de produção do nosso homem do campo, e tal objetivo é conseguido pela tratorizaçao da agricultura. (Diário da Tarde, 7 de março de 1960)
É dentro desta função que podemos entender que a “ação desenvolvida pelo regime militar, recém-chegado ao poder foi a de orientar a crise econômica, que se iniciou em 1961, a fim de permitir uma reorganização do capital na direção de uma maior concentração e centralização. (SORJ, 1980, p. 68)
A outra função destaca para o Estado consiste na “legitimação”. Aqui se encontra a culminância de um processo de dominação, é na legitimação que se encontra o bom desempenho dos elementos e função citados anteriormente.
Em essência, a legitimidade consiste na função ideológica em cuja base repousa a crença de que tanto o Estado quanto a estrutura econômica da sociedade (...) são movimentados por ações individuais, que não se agregam nem se manifestam enquanto grupo ou classe social. São cidadãos livres e iguais e assim devem ser definidos e tratados na formalidade da lei e da estrutura jurídica, pois é neste plano – mesclado de iniciativa individual e formalismo jurídico – que vem edificada toda estrutura dos direitos políticos e suas implicações na consciência coletiva. (BORGES, 1999, p. 37)
Não queremos apresentar um determinismo, mas, defendemos que se não colarmos esta formação sócio-política dentro de seu contexto histórico específico, poderemos cair em um vazio conceitual. Isto porque sem esta compreensão das condições concretas em que se desenvolvem as ações políticas, administrativas, jurídicas, etc., do Estado não poderíamos descrevê-lo e, conseqüentemente, defini-lo satisfatoriamente. Afinal os interesses são mutáveis, as alianças são feitas, refeitas, desfeitas; projetos são aceitos, modificados ou mesmo desconsiderados; blocos de poder são construídos, destruídos; além das questões partidárias, ou classistas, enfim, uma infinidade de possibilidades que devem ser posta à prova pelo crivo historiográfico.
Outro elemento chave para compreensão desta formação histórica, que é o Estado, diz respeito a sua relação com a sociedade, no nosso caso com os agropecuaristas. Não obstante cabe adiantar que a discussão gira em torno da posição do Estado como dissociado ou não da sociedade civil. Ao considerar o Estado como uma formação histórica, logo, entende-se que este está associado à sociedade, como parte dela mesma. Se existe alguma autonomia, ou supremacia do Estado sobre a sociedade é porque aquele busca refletir – pelo menos teoricamente – os interesses desta coletividade, mas, acima desta relação de superioridade ou subordinação está a manutenção do sistema capitalista, onde tanto um quanto o outro, são elementos participantes deste sistema.
Por conseguinte não dissociamos sociedade política de sociedade econômica. Estado e Sociedade Civil se fundem e se confundem nas tramas políticas pelo controle do poder, provavelmente, os representantes diretos da política possuem uma posição de privilégio em detrimento das demais classes, ou frações de sua própria classe, assim se cumpre um dos elementos básicos do capitalismo: a expropriação.
Logo temos elementos constitutivos da definição de Estado que queremos: uma formação histórico-política que é fruto de um contexto social próprio. Pensar o Estado é pensar na forma como a sociedade por ele representada se articula politicamente, juridicamente, socialmente e economicamente, enfim, é entender um dos aspectos centrais das sociedades modernas: o grau de desenvolvimento e complexidade das relações capitalistas.
Assim, no processo de luta, a classe vencedora quererá a manutenção de seus privilégios daí implica que “esses mecanismos comporão o Estado o qual terá por função a guarda da ordem dominante, no caso a burguesia” (GONÇALVES NETO, 1997, p.117) Estas lutas pelo controle do Estado são fruto de uma disputa que, muitas vezes, vai além da disputa inter-classes, estando contida, principalmente, em uma disputa intra-classes. Ou seja, o domínio do aparelho estatal estará sendo definido pelo embate entre burguesia urbano-industrial e a burguesia agrária (se assim podemos denominar o setor agrário nacional) que objetivam tomar o poder do Estado.
Teremos a partir de 30 e mais, acentuadamente, na década de 60 um deslocamento do setor agrário-exportador da direção do Estado para o setor urbano-industrial. Por certo não podemos querer expor uma disputa mecânica tendo em vista que, muitas vezes, as alianças políticas na disputa pelo poder vão além desta mera divisão por nós apresentadas, a colocação serve mais como exemplo e não pode ser entendida como única. Este embate se coloca, em vários momentos, tão aguerrido que dentro das próprias frações da burguesia urbana ou agrária se percebe lutas pelo controle do poder.
Diante do que foi exposto percebe-se que o aparelho estatal terá que defender a ordem capitalista, mas, contraditoriamente, não implica, necessariamente, o interesse de todos os capitalistas. O que se deve ter em mente é que o que se mantêm, em ultima instancia, é a manutenção do sistema, ou seja, o capitalismo. A manutenção do sistema se torna elemento fundamental na ação estatal, nesta tarefa configura-se uma aparente neutralidade nas ações. Apenas aparentemente. O que se vê é um embate entre dois sujeitos, o Estado como fruto das pressões dadas pela infra-estrutura econômica, mas enquanto agente da esfera política se coloca como capaz de influir nesta mesma infra-estrutura, desde que não altere o sistema. Assim, temos que a “luta de classes é transferida para o interior do Estado e este passa, igualmente, a aparecer como um mecanismo de mediação das classes e não de dominação por uma delas”. (GONÇALVES NETO, 1997, p.119).
A base aparente de mediação, na luta de classes, à qual se assenta o aparelho de Estado são as leis. Com este aparato legal aquele legitima suas decisões se colocando com catalisador nos embates extra-econômicos e se posicionando como esfera “autônoma” e “neutra”. Com esta roupagem a expropriação feita pela classe dirigente se torna ainda mais eficaz, visto que não se evidencia diretamente, mas sim se consubstancia nas ações do Estado que a representa.
DINIZ (1983) destaca a existência de interpretações que defendem uma autonomia do Estado em relação à sociedade civil, estas interpretações defendem que existe um caráter centralizador e, conseqüentemente, monolítico deste Estado. Em outras análises esta autonomia fora se fortalece devido à neutralidade da ação estatal e pelo poder exercido pelo Executivo. Com este poder a reestruturação do aparelho de Estado possibilitaria manobras, conciliações e manipulações por parte daqueles que detinham o controle.
Esta tentativa do Estado, segundo estas interpretações apresentadas, de manter certa centralização político-administrativa está fundamentada na montagem de um extenso “complexo quadro jurídico-institucional que estabelece novos padrões de governo e cria os mecanismos necessários para dar viabilidade à interferência do Estado nos diferentes setores da realidade social.” (DINIZ, 1983, p.79).
Cabe destacar, portanto, que a concepção de Estado, que aqui trabalhamos, não pressupõe um território neutro, mas marcada por interesses e preferências. Não o caracterizamos como uma “entidade” histórica, independente, com vontade própria, mas como um campo de disputa hegemônica, entre várias classes sociais. São estas classes que lhe dão configuração, o destituindo de qualquer neutralidade.
O modelo de modernização desigual instituído no Brasil, à partir de 1964, com a tomada dos militares, também é instalado em Goiás. Dentro dessa dinâmica político-econômica, que se observa no desenvolvimento agrícola nacional, cabe destacar a figura da Sociedade Goiana de Pecuária (SGP), atual SGPA (Sociedade Goiana de Pecuária e Agricultura), como entidade de classe de pressão política e econômica frente ao governo estadual e federal.
A criação da Sociedade Goiana de Pecuária (SGP), em 19 de maio de 1941, será importante no desenvolvimento da atividade pecuária em Goiás. Esta entidade de agropecuaristas atuou no sentido de pressionar o poder de Estado, via poder de classe, “como entidade representante dos interesses dos grandes proprietários de terra, a associação dos produtores rurais tornou-se um canal de acesso dessa classe às esferas de poder” (BORGES, 2005, p. 113)
Segundo GONÇALVES NETO (1997), a atuação de grupos de interesses na caracterização do modelo conservador de modernização implantado no campo foi importante. Como a disponibilidade de crédito era insuficiente frente à demanda existente, o que se observou foi uma política discriminatória onde os aliados mais próximos e/ou os grupos de maior poder de pressão foram, por conseguinte, beneficiados.
Em Goiás, foi a SGPA responsável direta na ação de pressão política em prol da defesa do setor agropastoril. A própria criação da entidade teve como objetivo organizar a classe rural goiana na criação de uma entidade forte que unisse e organizasse todos os produtores rurais, criando uma categoria econômica de respaldo que conseguisse, junto aos poderes constituídos, o apoio e recursos necessários ao desenvolvimento da pecuária goiana.
Entre outras finalidades a Sociedade Goiana de Pecuária e Agricultura têm prestado valiosa colaboração direta ao Governo do Estado nas realizações das grandes mostras agropecuárias, isto de forma desinteressada. Sua influência sobre a maior parte dos criadores goianos e o prestígio que seus homens de comando possuem nos vários Estados da Federação, valeu bastante para os sucessos alcançados pelas exposições estaduais e nacionais, promoções que marcaram o avanço da pecuária goiana em todo o Brasil.(Cinco de Março, 14 a 20 de março, 1971, p.2)
Nessa matéria, publicada em 1971, pelo jornal Cinco de Março, podemos perceber, mesmo que de forma desinteressada, a ação da SGPA enquanto grupo de pressão frente ao poder estadual e nacional. Valorizando sua ação, puderam reivindicar melhores condições ao produtor rural.
Outro programa que ganhou destaque na década de 70, foi o “Goiás-rural”, criado em 1973, pelo então governador Leonino Caiado. Em matéria publicada o jornal “Cinco de Março”, destacou duas páginas para descrever aspectos do programa “Goiás-rural”. Este,
(...) tem por finalidade primordial acelerar o ciclo de desenvolvimento agropecuário de Goiás, oferecendo aos produtores rurais os mais variados serviços de mecanização, a preços subsidiados pelo Governo em 50% de seu custo real. (...) sua meta básica é conquistar um milhão de hectares de novas terras que passarão a ter função econômica tanto para fins agropecuários quanto pecuários (...) Com os primeiros tratores que recebeu o Programa aproveitou em pouco mais de sete meses, 81 mil hectares de cerrados incluindo-os imediatamente no processo produtivo estadual. Construiu, ainda, 1434 quilômetros de estradas, 440 barragens e implantou 3000 hectares de culturas irrigadas de arroz. (...)
O programa Goias-rural tem uma estrutura dinâmica, operando em moldes empresariais, constituindo-se num instrumento de alta validade para a produção do desenvolvimento agrícola do Estado. (Cinco de Março, 28/01 à 03/02 de 1974, p.1, caderno 2)
Além do Goiás-rural, temos, também, o Polocentro (Programa de Desenvolvimento dos Cerrados), instituído pelo decreto nº75.720, de 29 de janeiro de 1975, previa que doze áreas seriam, prioritariamente, selecionadas nos Estados de Minas Gerais, Mato Grosso e Goiás, numa extensão de 10 milhões de hectares. São beneficiados os produtores rurais (pessoas físicas ou jurídicas) cooperativas existentes ou que venham a organizar, companhias estaduais que se dediquem a prestação de serviços mecanizados e empresários ou pessoas físicas de outros ramos de atividade que queiram iniciar na exploração agropecuária. Um dos benefícios que contou o Estado com o Polocentro, foi o crédito rural que trouxe vantagens aos agricultores, porque as taxas de juros eram subsidiadas e, assim, muitos vieram a se instalarem no cerrado, constituindo empresas rurais.(SANTOS, 1998, p.30)
Outros programas foram desenvolvidos na região, aqui destacamos apenas alguns, todavia entendemos que tanto os planos federais quanto os estaduais possuíam as características básicas do que aqui entendemos por modernização no campo: implantação de uma tecnificação, industrialização, modernização no meio rural via tecnologias modernas fortemente subsidiadas sem, necessariamente, rearticular as relações de trabalho. Tal modenização se mostra conservadora uma vez que tende a favorecer os médios e grandes produtores, não porque o projeto do Estado não previsse o apoio aos pequenos produtores rurais, mas no desenrolar do processo as políticas públicas para o setor tenderam a se concentrar nas mãos de grandes e médios produtores.
Fica evidente a intenção do governo em garantir o desenvolvimento da empresa rural deixando a reforma agrária para segundo plano. “O próprio Estatuto da Terra foi eleborado de tal forma que se orienta para estimular e privilegiar o desenvolvimento e a proliferação da empresa rural.” (MARTINS, 1985, p.33)
O processo de modernização que destacamos diz respeito às mudanças via aplicação de tecnologias modernas na agricultura e pecuária. Tais tecnologias favoreceram a exploração racional do solo: extraindo deste cada vez mais, na mesma área utilizada e com mais qualidade. Falar em modernização agropecuária significa destacar que houve uma “verticalização” – racionalização – na exploração da terra.
A modernização da agricultura estaria estritamente voltada para o aumento da produtividade, não mais se articulando a medidas de reestruturação fundiária – destinadas a resolver as tensões sociais no campo. Nesse sentido, a seção de Reforma Agrária e a seção de Política Agrícola, presentes no Estatuto, eram apresentadas como propostas díspares, uma voltada para a questão social e outra voltada para a questão econômica. Uma vez concretizada tal segmentação, tornou-se claro o privilégio de determinado “objetivo” em detrimento do outro (...) (RAMOS, 2006, p.81).
Diante disso é que destacamos as questões referentes a esta política agrícola. O Estatuto da Terra, no seu parágrafo 73, inciso I, defende que dentro das diretrizes fixadas para a política de desenvolvimento rural: prestar assistência social, técnica e fomentista e de estimular a produção agropecuária, a fim de esta produção agropecuária atenda não só às necessidades básicas, mas também gere excedentes exportáveis. A assistência técnica se coloca como requisito fundamental neste processo
Segundo SANTOS (1998), o crescimento produtivo, via inovações tecnológicas e o conseqüente aumento da produtividade, devem acarretar o crescimento da renda do Estado, onde a pesquisa assume um papel de destaque para o desenvolvimento do setor agropecuário. O programa “Goiás-Rural” previa, entre outros aspectos, o incentivo à pesquisa dentro do Estado de Goiás.
ASSISTÊNCIA TÉCNICA
A assistência técnica que o Governo dá aos produtores rurais se baseia especialmente nas estruturas da Secretaria da Agricultura, do Programa Goiás-rural (...) que dispõem, em conjunto, de 408 técnicos, entre eng. Agrônomos e médicos – veterinários. (Cinco de Março, 28/01 à 03/02 de 1974, p.1, caderno 2)
O Estatuto da Terra previa em seu artigo 86 que a rede comercial que se formava no desenvolvimento agrícola, deveria ser promovida ou expandida para atender aos interesses de lavradores e de criadores na obtenção de mercadorias e utilidades necessárias às suas atividades rurais. Isto de forma oportuna e econômica, visando à melhoria da produção e ao aumento da produtividade, logo deveria colocar à venda: I - tratores, implementos agrícolas, conjuntos de irrigação e perfuração de poços, aparelhos e utensílios para pequenas indústrias de beneficiamento da produção; II - arames, herbicidas, inseticidas, fungicidas, rações, misturas, soros, vacinas e medicamentos para animais; III - corretivo de solo, fertilizantes e adubos, sementes e mudas.
Pelo programa Goiás-rural visava-se impulsionar o setor agropecuário regional, com o objetivo principal de aumentar a produção e a produtividade. “Dentre as metas esteve a de passar de 223 tratores de esteira, para 500 tratores já em 1973, ano de sua instituição, tratores estes destinados à construção de barragens, estradas, bem como a formação de novas terras agricultáveis.” (Cinco de Março, 28/01 a 03/02 de 1974, p. 1)
O principal instrumento de modernização conservadora, indubitavelmente, foi o crédito agrícola. Este, segundo GONÇALVES NETO (1997), foi instituído com a Lei de número 4.829 de 5 de novembro de 1965, sendo definido como o suprimento de recursos financeiros por entidades públicas e estabelecimentos de crédito particulares a produtores rurais ou suas cooperativas para aplicação exclusiva em atividades que se enquadrassem nos objetivos indicados na legislação em vigor.
A política agrícola atendia todo o país e visava disponibilizar recursos financeiros que favorecessem a modernização do setor agrário, vinculada aos contratos de crédito rural. Logo, percebemos, como destaca GRAZIANO DA SILVA (1982), que não houve uma modernização dinâmica e auto-sustentada, pelo contrário efetivou-se um modelo de modernização gerida pelos propósitos estatais de desenvolvimento nacional.
A oferta de crédito a nível nacional teve um significativo crescimento entre 1970 e 1980. Em escala nacional, os anos 70 e 80, foram o período mais importante no total de liberação de crédito agrícola. Segundo dados do Banco Central, convertidos para dólares, entre 1975 e 1982, foram concedidos, em média anual, crédito da ordem de U$14,25 bilhões. (ARANTES, 2001, 82)
Desta forma o Estatuto da Terra de 64, serviu como materialização legal de uma proposta de modernização no campo. Isto marca uma das características do estado brasileiro: a intervenção no desenvolvimento agrícola. Todavia, como destaca COSTA (2004) o setor agrário começaria a entrar nos planos do governo militar como uma peça fundamental na estrutura de desenvolvimento da economia nacional e não mais como um entrave, como dantes fora colocado.
Entre 1964 e 1985 tivemos à frente do país os governos militares, que na busca de atrelar o desenvolvimento rural ao urbano, procuraram uma série de mecanismos para tal empreendimento. Para o cumprimento deste objetivo o Estado instituiu o Estatuto da Terra que materializava as concepções de um novo padrão agrícola que estava em desenvolvimento.
Tivemos no país o desenvolvimento de uma série de projetos governamentais destinados ao desenvolvimento do setor agrário. Tanto no país quanto em Goiás, a implantação de programas de governo corroboraram na caracterização da denominada modernização conservadora, já que estes programas induziram a forma com que se deu o processo, numa busca de inserir a agropecuária no contexto do desenvolvimento urbano-industrial.
Crédito agrícola e tecnologias modernas (máquinas e implementos) serviram como instrumentos da política econômica governamental à agropecuária, que tendeu à favorecer grupos específicos de produtores rurais (médios e grandes) que já possuíam melhores e maiores condições junto ao governo e à rede bancária na aquisição dos subsídios liberados para produção agropecuária.
O processo de modernização conservadora favoreceu uma produção específica. Em Goiás tivemos o emprego de modernas técnicas agronômicas, ou seja, o preparo do solo, plantio e tratos culturais, realizados mecanicamente. E na pecuária regional verificamos a prevalência da pecuária de corte, não feita à solta, mas dispondo de técnicas de manejo atualizadas.
Podemos destacar, também, que em Goiás os ruralistas se organizaram na Sociedade Goiana de Pecuária e Agricultura que se posicionou enquanto representante destes frente o Estado. Não somente na busca de crédito para o setor, mas também, e principalmente, na busca de formar nos produtores rurais a cultura de buscar melhorias para o setor, melhorias estas que se definiram como aperfeiçoamento tecnológico: maquinários, melhoramento genético, entre outros.
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1. Pós-graduando pelo Mestrado Interdisciplinar em Territórios e Expressões Culturais no Cerrado (TECCER) da Universidade Estadual de Goiás (UEG), Campus de Ciências Socioeconômicas e Humanas (CSEH), Anápolis - GO, Brasil. Bolsista Pós-Graduação Stricto Sensu UEG. rodobel@gmail.com