ISSN 0798 1015

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Vol. 38 (Nº 30) Año 2017. Pág. 11

Da integração à inclusão: trajetórias das políticas de educação especial no Brasil e em Portugal

From integration to inclusion: pathways of special education policies in Brazil and Portugal

HOEPERS, Idorlene da Silva 1; SIMÃO. Valdirene Stiegler 2

Recibido: 01/03/2017 • Aprobado: 28/03/2017


Conteúdo

1. Introdução

2. A trajetória do Brasil

3. A Trajetória de Portugal

4. Considerações Finais

Referências


RESUMO:

Este ensaio teórico contextualiza as políticas de Educação Especial no Brasil e em Portugal a partir da década de 1970, destacando o movimento realizado da integração à inclusão, por meio dos dispositivos legais. Como metodologia, utilizou-se consulta aos documentos sobre a legislação nacional e aos documentos internacionais norteadores da Educação Especial, em diálogo com os autores. Nos dois países, há contextos históricos determinantes para o desencadeamento das ações e para a criação de políticas voltadas à inclusão. Percebemos significativo avanço quanto à obrigatoriedade da escolarização e democratização do ensino, nas políticas dos dois países em questão.
Palavras chiave: Educação Especial. Integração. Inclusão. Políticas Educacionais.

ABSTRACT:

This theoretical essay contextualizes the policies of Special Education in Brazil and Portugal from the 1970s, highlighting the movement of integration to inclusion, through legal provisions. As a methodology it was used a consultation with the documents on the national legislation and the international documents guiding the Special Education, in dialogue with the authors. In both countries, there are historical contexts that are decisive for triggering actions and for the creation of policies aimed at inclusion. We perceive a significant advance in the compulsory education and democratization of education in the policies of the two countries in question.
Keywords: Special Education. Integration. Inclusion. Educational Policies.

1. Introdução

A ocorrência comum global na história da Educação Especial foi a prática da rejeição e exclusão das pessoas com deficiência, o que as situava em uma condição de não existência perante a sociedade, razão pela qual eram entregues às instituições asilares. Não existiam porque não eram vistos. Em linhas gerais, em período posterior a essa prática, ocorreu a segregação cuja preocupação estava voltada à assistência. Assim, esses indivíduos deveriam permanecer afastados do convívio social e, como doentes, medicalizados. A ênfase estava na identificação e na classificação para tratamento e convívio com seus iguais. Isso significa que essas pessoas não usufruíam os mesmos direitos que as demais.

Nessa direção, a Declaração Mundial dos Direitos Humanos (1948), adotada pela Organização das Nações Unidas para Educação, Ciência e Cultura (UNESCO), delineou os direitos básicos e a dignidade estendida a todos. Especificamente no campo da educação, em seu Artigo 26, item I, encontramos:

Toda a pessoa tem direito à educação. A educação deve ser gratuita, pelo menos a correspondente ao ensino elementar fundamental. O ensino elementar é obrigatório. O ensino técnico e profissional deve ser generalizado; o acesso aos estudos superiores deve estar aberto a todos em plena igualdade, em função do seu mérito (França, 1948, p. 5).

Contudo, a educação inclusiva, que tem o objetivo de assegurar o direito de igualdade há muito prescrito na Declaração da UNESCO, é uma discussão recente, do ponto de vista histórico. No âmbito internacional, as discussões somente tiveram avanços significativos nas décadas de 1980 e de 1990, quando vários documentos foram publicados. Entre eles, pode ser citada a Declaração de Salamanca (1994), que continua a ser referência no âmbito da educação inclusiva e que vem provocando desdobramentos nas políticas dos estados ao recomendar que, nos planejamentos das políticas, sejam consideradas a diversidade das características e as necessidades de todos os alunos. À escola é atribuído o papel central como instituição capaz de alcançar práticas centradas na criança.

Os documentos das políticas produzidos individualmente pelas Nações, ao referenciarem o documento de Salamanca, indiretamente fazem inferência a outros documentos, como, por exemplo, à Conferência Mundial sobre a Educação para Todos (1990) e às Normas das Nações Unidas sobre a Igualdade para as Pessoas com Deficiência (1993), ambas inseridas no rol de ações que têm como objetivo maior a garantia de direitos e a redução da discriminação em todos as fases da vida.

Por sua vez a Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, no ano de 2007, reafirmou a necessidade de garantir os direitos das pessoas nas várias dimensões da deficiência e no combate à discriminação de todas as formas de acesso. Essa Convenção, ao entender “[...] que a deficiência é um conceito em evolução e que [...] resulta da interação entre pessoas com incapacidades e barreiras comportamentais e ambientais que impedem a sua participação plena e efetiva na sociedade em condições de igualdade com as outras pessoas [...]” (ONU, 2007, p. 1), reconheceu explicitamente que a evolução das tecnologias, entre outras, deve ser utilizada para ampliar as condições de vida de todos. No documento, também são esclarecidas as definições de comunicação, linguagem, discriminação com base na deficiência, adaptação razoável e desenho universal.

No âmbito das mudanças internacionais, a ideia de integração teve origem nos países nórdicos (Suécia, Dinamarca e Noruega), com implantação progressiva a partir dos anos de 1960. Esses países iniciaram o movimento de inserção das crianças e jovens com deficiências nas classes regulares sob o acompanhamento de professores formados para essa finalidade (Sanches; Teodoro, 2006) (Bairrão, et all, 1998).

Antes, porém, de prosseguirmos com as discussões, é necessário que esclareçamos quais são as diferenças entre integração e inclusão. Para tanto, utilizamos contribuições de Rodrigues (2006):

A integração pressupõe uma ‘participação tutelada’ numa estrutura com valores próprios e aos quais o aluno ‘integrado’ tem que se adaptar. Diferentemente a EI [Educação Inclusiva] pressupõe uma participação plena numa estrutura em que os valores e práticas são delineados tendo em conta todas as características, interesses, objectivos e direitos de todos os participantes no acto educativo (Rodrigues, 2006, p. 77) (grifos do autor).

O que fica evidente entre uma prática integrativa e uma prática inclusiva é que, na primeira, cabe ao aluno se adaptar à estrutura da escola e, na segunda, cabe à escola olhar para todos os alunos, independente de sua condição. Rodrigues (2006) ainda esclarece que, equivocadamente, a inclusão é considerada uma evolução da integração. Para o autor, as três principais razões para o “não” ser são:

- Com a integração, os valores menos inclusivos das escolas não sofreram alteração, e o insucesso e o abandono escolar também não foram reduzidos. Novas formas de gestão da sala de aula continuaram fora de questão e, paralelamente à escola regular, foram criadas escolas especiais para os deficientes.

- Os alunos eram classificados em normais e deficientes. Para aqueles, o currículo mantinha-se inalterado e seguia a lógica padrão; para estes, condições especiais que não alteravam os aspectos centrais do currículo. “A escola integrativa ‘via’ a diferença só quando ela assumia o caráter de uma deficiência e neste aspecto encontrava-se bem longe de uma concepção inclusiva.” (Rodrigues, 2006, p. 77).

- O lugar do aluno com deficiência era condicionado, pois ele somente poderia frequentar a escola se o seu padrão comportamental fosse julgado adequado. “[...] não era um membro de pleno direito da escola, mas tão somente uma ‘benesse’ que a escola condicionalmente lhe outorgava” (Rodrigues, 2006, p. 78) (grifos do autor).

Assim, evidencia-se que a escola da perspectiva integrativa é muito próxima daquela tradicional em que os alunos eram tratados de modo especial, enquanto que, na escola inclusiva, prima-se, ou dever-se-ia primar, pelo sucesso de todos indistintamente, porque todos são diferentes e plenos de direitos.

Frente a esse cenário, este ensaio teórico tem por objetivo contextualizar as políticas de Educação Especial brasileira e portuguesa a partir da década de 1970, destacando o movimento realizado, por meio dos dispositivos legais, da integração à inclusão, nas políticas dos dois países.

2. A trajetória do Brasil

Há dez anos, depois da primeira Lei de Diretrizes e Bases da Educação (Lei nº 4.024, de 20 de dezembro de 1961), passou a vigorar a Lei nº 5.692, de 11 de agosto de 1971. Essa Lei, em seu Artigo 9º, definiu que os alunos com deficiência física ou mental, os que se encontravam em atraso considerável em relação à idade/matrícula e os superdotados deveriam “receber tratamento especial, de acordo com as normas fixadas pelos competentes Conselhos de Educação” (Brasil, 1971, p. 4). 

A Lei nº 5.692/71, que alterou a LDB de 1961, ao definir “tratamento especial”, colaborou para a não promoção da organização de um sistema de ensino capaz de atender às necessidades educacionais especiais e acabou reforçando o encaminhamento dos alunos para as classes e escolas especiais (Brasil, 2008). Essa mudança na legislação, de acordo com Aranha (2005, p. 30), introduziu “a visão do tecnicismo para o trato da deficiência no contexto escolar”.

Para Jannuzzi (1997, p. 196), a década de 1970 pode ser considerada um “marco divisor” da Educação Especial, “porque até então ela esteve sujeita à sensibilidade das associações, principalmente filantrópicas”, o que contribuiu para propagar “uma tendência de configuração da Educação Especial no campo terapêutico (preventiva/corretiva) e não no pedagógico ou mais especificamente escolar” (Mazzota, 2011, p. 79).

A partir dos anos de 1980, segundo apontamentos feitos por Jannuzzi (2004), o discurso pedagógico passou a ressaltar a integração ou normalização.  Embora a organização escolar enfatizasse as semelhanças com os normais, o “atendimento se fazia em etapas, isto é, a escola especializada e a classe especial seriam degraus, preparadores para a escola regular [...]” (Jannuzzi, 2004, p. 3).

Desse modo, o discurso predominante, nos anos de 1970 e de 1980, era o da integração e da normalização. Segundo Santos (1980, p. 241), “os deficientes, como também os superdotados, necessitam de Educação Especial para que, num sistema de ensino regular e com apoio técnico, tenham condições de se integrar estes excepcionais nas classes comuns”. A orientação que provinha dos documentos legais, até então, era ao de integrar às escolas regulares somente os alunos que conseguiam acompanhar o ritmo ou então aqueles que tinham sido preparados pelas instituições especializadas e estavam “aptos” e em condições o mais próximo possível da normalidade, de frequentar as classes comuns de ensino.

Em meio às reestruturações e modificações sofridas pelo Ministério da Educação no que concerne à definição da secretaria que estaria responsável pelas questões da Educação Especial no Brasil, foi promulgada, no ano de 1988, a nova Constituição Federal. A Lei preconizou a educação como “direito de todos e dever do Estado e da família” [...] (Artigo 205), que o ensino seria ministrado com base na “igualdade de condições de acesso e permanência na escola” [...] (Artigo 206, inciso I) e oferecido “atendimento educacional especializado aos portadores de deficiência, preferencialmente na rede regular de ensino” [...] (Artigo 208, inciso III) (Brasil, 1988).

Conforme assinalado por Mazzota (2011, p. 144),

[...] o sentido assistencial e terapêutico atribuído à educação especial, pelo MEC, permaneceu explícito até 1990, quando, em documento oficial, se reconheceu que ‘pela primeira vez, o MEC começa a encarar a educação especial inserida no contexto global da proposta de educação para todos’. Daí em adiante há alguns indicadores da busca de sua interpretação como educação escolar (grifos do autor).

A partir dos anos de 1990, com a reforma da educação e dos amplos debates em torno da democratização do ensino, o Brasil assinou e ratificou documentos internacionais, a exemplo da Declaração Mundial de Educação para Todos (1990), da Declaração de Salamanca (1994) e da Declaração de Guatemala (1999), que passaram a influenciar, a conduzir e a delinear as políticas educacionais brasileiras. Atendendo aos objetivos de ampliar o debate sobre o direito de todos à educação e de atender às necessidades básicas de aprendizagem dos alunos, foi publicada, no Brasil, ainda no ano de 1994, a Política Nacional de Educação Especial e, dois anos depois, sancionada a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, LDBEN nº 9.394/96.

Ainda em 1994, a Política Nacional de Educação Especial definiu que teriam acesso às classes regulares de ensino os alunos com “condições de acompanhar e desenvolver as atividades curriculares programadas do ensino comum, no mesmo ritmo que os alunos ditos normais” (Brasil, 1994, p.19). Por sua vez, o documento Expansão e Melhoria da Educação Especial nos Municípios Brasileiros, que contém subsídios para a implantação e implementação da Educação Especial em municípios brasileiros, destacou:

A questão da integração nas salas de aula do ensino regular, entretanto, não deve ser encarada como algo impositivo, devendo-se respeitar, se possível, a vontade dos portadores de necessidades especiais e de seus familiares que devem ter o direito de escolha. Só devem ser integrados na sala comum, aqueles alunos que tenham condições de acompanhar a proposta curricular do ensino comum (MEC/SEESP, 1994). 

A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBEN/1996) destinou o Capítulo V – Artigos 58, 59 e 60– à Educação Especial que, mesmo com “determinadas imprecisões e indefinições, sinaliza como espaço preferencial do atendimento educacional dos alunos com necessidades especiais as escolas do ensino comum” (Beyer, 2006, p. 7). Para os efeitos dessa Lei, a Educação Especial (Artigo 58) passou a ser entendida como uma “modalidade de educação escolar, oferecida preferencialmente na rede regular de ensino para educandos portadores de necessidades especiais” (Brasil, 1996, p. 26).

Em relação ao proposto pela LDB de 1996, de acordo com Minto (2000), há dois aspectos positivos a serem destacados: “o primeiro diz respeito ao fato de a Educação Especial ser considerada como modalidade de educação escolar; o segundo refere-se ao ‘local’ onde tal atendimento deve ocorrer – na rede regular de ensino” (Minto, 2000, p. 9). Porém, conforme destacado pelo mesmo autor, o uso dos termos “portadores” e “preferencialmente” causa preocupação. O primeiro “traz implícita a ideia de carregar algo que, por ser ‘especial’, não cabe no ‘lugar comum’” [...], e o segundo “pode ser o termo-chave para o não cumprimento do artigo, pois quem ‘dá primazia a’ já tem arbitrada legalmente a porta da exceção” (Minto, 1996, p. 9).

Ainda na década de 1990, foi aprovada, por meio do Decreto nº 3.298/1999, a Política Nacional para a Integração da Pessoa Portadora de Deficiência (1999), segundo a qual a matrícula, em cursos regulares, deveria ser efetivada somente aos alunos capazes de se integrar na rede regular de ensino. A Educação Especial passou a ser definida como uma modalidade transversal a todos os níveis e modalidades de ensino a ser ofertada, preferencialmente, na rede regular de ensino para educandos com necessidades educacionais especiais.

No ano de 2001, foi aprovado, pela Lei nº 10.172, o Plano Nacional de Educação. O documento apresenta 28 objetivos e metas para a Educação Especial. Fundado na vertente da “plena integração” das pessoas com necessidades especiais nas diferentes áreas da sociedade, explicita que todos têm o “direito à educação comum” e o “direito de receber essa educação sempre que possível junto com as demais pessoas nas escolas regulares” (Brasil, 2001).

As Diretrizes Nacionais para a Educação Especial na Educação Básica, documento instituído pela Resolução CNE/CEB nº 2, de 11 de setembro de 2001, definiu, em seu Artigo 2º, que “os sistemas de ensino devem matricular todos os alunos, cabendo às escolas organizar-se para o atendimento aos educandos com necessidades educacionais especiais, assegurando as condições necessárias para uma educação de qualidade para todos” (Brasil, 2001, p. 1).

A Educação Especial passou a ser definida como modalidade da educação escolar organizada  para “[...] apoiar, complementar, suplementar e, em alguns casos, substituir os serviços educacionais comuns, de modo a garantir a educação escolar e promover o desenvolvimento das potencialidades dos educandos [...], passando a atender os alunos com “necessidades educacionais especiais” (Brasil, 2001, p. 39).

As Diretrizes Nacionais para a Educação Especial na Educação Básica indicaram como lócus de atendimento “as escolas públicas e privadas da rede regular do ensino, com base nos princípios da escola inclusiva” [...] e, “extraordinariamente, os serviços de Educação Especial podem ser oferecidos em classes especiais, escolas especiais, classes hospitalares e em ambiente domiciliar” (Brasil, 2001, p. 42).

De acordo com Beyer (2006, p. 56),

Parece haver, em nosso país, um certo anacronismo entre as proposições vigentes nas políticas educacionais da educação especial, instauradas com maior força a partir da LDBEN/1996, e a realidade do sistema educacional brasileiro. Há um descompasso muito forte entre o que se propõe e se quer, em termos de lei, e a viabilidade operacional do sistema escolar – público e particular – nos diferentes estados brasileiros. 

Entre os anos de 2002 e 2007, “os mecanismos institucionais federais já não visavam mais a uma transformação na forma de pensar a Educação Especial, uma vez que se optou pela Educação Inclusiva”. Nesse sentido, “os decretos, programas e resoluções subsequentes visavam à superação das limitações estruturais e funcionais encontradas” (Américo; Carniel; Takahashi, 2014, p. 384).

As resoluções, os decretos, as portarias e os documentos, aprovados após o ano de 2002, passaram a subsidiar os sistemas educacionais de ensino com vistas a atender, com qualidade, todos os alunos, ao definir diretrizes para a formação de professores para a Educação Básica (Resolução CNE/CP n°1, de 18 de fevereiro de 2002), ao reconhecerem, como meio legal de comunicação e expressão, a Língua Brasileira de Sinais (Lei nº 10.436, de 24 de abril de 2002), ao aprovar a diretriz e as normas para uso, ensino, produção e difusão do Sistema Braille em todas as modalidades de ensino (Portaria nº 2.678, de 24 de setembro de 2002), ao estabelecer normas e critérios para a promoção de acessibilidade de pessoas com deficiência e mobilidade reduzida (Decreto nº 5.296, de 2 de dezembro de 2004), ao criar o Programa de Implantação de Salas de Recursos Multifuncionais (Portaria Normativa nº 13, de 24 de abril de 2007), entre outros.

Cumpre destacar que a Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, adotada pela Organização das Nações Unidas (ONU), no ano de 2006, foi ratificada pelo Brasil por meio do Decreto nº 6.949, de 25 de agosto de 2009, com equivalência de emenda constitucional. O documento dedicou o Artigo 24 à Educação, no qual esclarece que, para efetivar o direito à educação “sem discriminação e com base na igualdade de oportunidades, os Estados Partes assegurarão sistema educacional inclusivo em todos os níveis, bem como o aprendizado ao longo de toda a vida [...]” (ONU, 2006, p. 48).

Os documentos internacionais – Declaração Mundial de Educação para Todos (1990), Declaração de Salamanca (1994), da Declaração de Guatemala (1999) e Convenção dos Direitos das Pessoas com Deficiência (2006) – foram delineando os contornos das políticas educacionais brasileiras e resultaram na aprovação, no ano de 2008, da Política de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva (2008). A Política, além de confirmar o proposto pela LDB nº. 9.394/96, ratificou o já prescrito pela Constituição Federal de 1988 de que todos os alunos deveriam frequentar as escolas de ensino regular, ao mesmo tempo em que sugeriu a reorganização do sistema de ensino de modo a assegurar o acesso, a participação e a aprendizagem escolar dos alunos, público-alvo da Educação Especial. Para Machado (2013, p. 55), o “impacto dessa inovação nas escolas brasileiras vai depender de como a Política Nacional de Educação Especial se implementa e quais as estratégias adotadas para que as escolas compreendam o novo sentido da Educação Especial”.

A Educação Especial deixou de ser paralela ao ensino comum e passou a transversalizar todos os níveis, etapas e modalidades de ensino, disponibilizando recursos e serviços e realizando o atendimento educacional especializado (AEE), complementar e/ou suplementar à formação escolar dos alunos com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades, matriculados na rede regular de ensino (Brasil, 2008).

O Decreto nº 6.571, de 17 de setembro de 2008, foi incorporado pelo Decreto nº 7.611, de 17 de novembro de 2011, que, ao instituir diretrizes operacionais para o atendimento educacional especializado na Educação Básica, definiu:

I - garantia de um sistema educacional inclusivo em todos os níveis, sem discriminação e com base na igualdade de oportunidades; II - aprendizado ao longo de toda a vida; III - não exclusão do sistema educacional geral sob alegação de deficiência; IV - garantia de ensino fundamental gratuito e compulsório, asseguradas adaptações razoáveis de acordo com as necessidades individuais; V - oferta de apoio necessário, no âmbito do sistema educacional geral, com vistas a facilitar sua efetiva educação; VI - adoção de medidas de apoio individualizadas e efetivas, em ambientes que maximizem o desenvolvimento acadêmico e social, de acordo com a meta de inclusão plena; VII - oferta de educação especial preferencialmente na rede regular de ensino; e VIII - apoio técnico e financeiro pelo Poder Público às instituições privadas sem fins lucrativos, especializadas e com atuação exclusiva em educação especial (Brasil, 2011, p. 1).

Como forma de garantir e promover a oferta e a organização do atendimento educacional especializado, foi aprovado o duplo Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (FUNDEB), ou seja, os alunos, público-alvo da Educação Especial, matriculados na educação regular da rede pública de ensino que recebiam o atendimento educacional especializado, passaram a ter dupla matrícula.

A Resolução nº 4, de 2 de outubro de 2009, que trata das Diretrizes Operacionais para o Atendimento Educacional Especializado (AEE) na Educação Básica – Modalidade Educação Especial, recomendou que os alunos com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades/superdotação deveriam ser matriculados nas classes comuns do ensino regular e no AEE, podendo este ser ofertado nas salas de recursos multifuncionais da rede pública ou em instituições sem fins lucrativos (Brasil, 2009).

Embora a legislação recomendasse que o AEE fosse ofertado, prioritariamente, na rede pública de ensino, a Educação Especial, como modalidade complementar à escolarização não substitutiva ao ensino comum, continuou recomendada aos centros de atendimento especializado da rede pública, às “instituições comunitárias, confessionais ou filantrópicas sem fins lucrativos, conveniadas com a Secretaria de Educação ou órgão equivalente dos Estados, Distrito Federal ou dos Municípios” (Brasil, 2009, p. 2).

No ano de 2012, o Brasil lançou, por meio do Decreto n° 7.612, o Plano Nacional dos Direitos da Pessoa com Deficiência – Plano Viver sem Limite, destacando o compromisso assumido com as prerrogativas da Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência (ONU, 2006). Da mesma forma, apresentou diversas ações desenvolvidas pelo Plano Viver sem Limite e os investimentos em recursos e serviços voltados para as áreas de educação, inclusão social, acessibilidade e saúde. Tendo como pressuposto de que o “acesso à educação é direito de todos, sem discriminação, em igualdade de oportunidades”, as ações que compuseram o campo da educação estavam atreladas à implantação das salas de recursos multifuncionais, acessibilidade, transporte escolar acessível, formação de professores, formação de tradutores e intérpretes da Língua Brasileira de Sinais, entre outras.

Com o objetivo de “fomentar a transformação dos sistemas educacionais em sistemas educacionais inclusivos”, vários programas e projetos, entre os anos de 2004 e 2015, foram sendo desenvolvidos pelo Ministério da Educação em parceria com os sistemas de ensino. Entre eles, citamos: Programa de Formação Continuada de Professores em Educação Especial, Programa Educação Inclusiva: direito à diversidade, Programa Implantação de Salas de Recursos Multifuncionais, Programa Escola Acessível, Programa Benefício de Prestação Continuada (BPC) na Escola, Projeto Livro Acessível, Projeto Sistema FM, Programa INCLUIR – Acessibilidade na Educação Superior, Programa de Apoio à Pesquisa em Educação Especial e Projeto Escola de Todos.

Frente a esse cenário, foi aprovada a Lei nº 12.796, de 4 de abril de 2013, que alterou a Lei n° 9.394, de 20 de dezembro de 1996, e a Educação Especial passou a ser definida conforme proposto pela Política Nacional de Educação Especial (2008), ou seja, como “modalidade de educação escolar oferecida preferencialmente na rede regular de ensino, para educandos com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades ou superdotação”. Além disso, essa mesma Lei determinou que o “poder público adotará, como alternativa preferencial, a ampliação do atendimento” a esse público na “própria rede pública regular de ensino, independentemente do apoio às instituições [...]” (Brasil, 2013).

As ações decorrentes da legislação, a partir da década de 1970, referentes às políticas de Educação Especial, sobretudo da aprovação da Política Nacional de Educação Especial (2008), vêm contribuindo para a ampliação do debate sobre o direito de todos à educação e, ao mesmo tempo, garantindo às redes de ensino, recursos pedagógicos e de acessibilidade, de modo a auxiliar no processo de escolarização dos alunos, público-alvo da Educação Especial, no que se refere ao acesso, à participação e à aprendizagem.

3. A Trajetória de Portugal

Em Portugal, a data que pode ser entendida como um divisor de águas para as ações futuras foi a Revolução de 25 de abril de 1974, conhecida por Revolução dos Cravos e comemorada como o Dia da Liberdade, que findou com um período de quarenta anos de ditadura. Para a educação, os desdobramentos haviam iniciado com a Reforma do Ensino publicada na Lei nº 5, de julho de 1973, e não totalmente implementada quando ocorreu o desfecho da Revolução em 1974.

Essa reforma de ensino foi significativa, porque, após a Revolução, em meados da década de 1970, o Ministério da Educação assumiu a responsabilidade do Ensino Integrado, por meio das Divisões de Ensino Especial vinculadas à Direção do Ensino Básico e Secundário. Outro fator importante a considerar é que, naquele período, o sistema de ensino português apresentava considerável atraso em relação a outros países europeus. (Rodrigues; Nogueira, 2010).

Na década de 1970, a lei americana (Public Law, nº 94-142, de 1975) assegurava “[...] direitos iguais para todos os cidadãos em matéria de educação.” (Bairrão et all, 1998, p. 19). Em sintonia com as tendências oriundas de contextos externos, esses direitos também estavam expressos na Constituição da República Portuguesa de 1976. No Artigo 71, sob o título de deficientes, em seu item dois, havia referência à integração.

O Estado obriga-se a realizar uma política nacional de prevenção e de tratamento, reabilitação e integração dos deficientes, a desenvolver uma pedagogia que sensibilize a sociedade quanto aos deveres de respeito e solidariedade para com eles e a assumir o encargo da efectiva realização dos seus direitos, sem prejuízo dos direitos e deveres dos pais ou tutores. (Portugal, 1976, s/p).

Na sequência, outra legislação que teve repercussões notáveis, por também apresentar avanços, foi a do Reino Unido (Warnok Report, 1978) que, ao utilizar a expressão necessidades educativas especiais, conduziu a “[...] uma mudança de enfoque na análise da problemática da criança passando-se a privilegiar a vertente educacional.” (Bairrão et all, 1998, p. 23). As duas leis influenciaram decisivamente muitos países europeus, entre eles, Portugal, quanto aos direcionamentos das ações referentes à Educação Especial. (Rodrigues et all, 2007).

No caso português, as ações iniciais da política que se desenhava visavam integrar, nos âmbitos familiar, social e escolar, as crianças e os jovens com deficiências sensoriais ou motoras que apresentavam condições de frequentar a escola e acompanhar os conteúdos. Na sequência, nessa integração à escola regular foram incluídas também as crianças com deficiências mentais e a formação de equipes mistas de profissionais que incluíam outras áreas, a exemplo da psicologia. Porém, no plano da legislação portuguesa específica para a Educação Especial, o documento normativo somente foi publicado no ano de 1988 (Despacho Conjunto nº 36/SEAM/SERE/1988), definindo a constituição, a organização, as atribuições, o funcionamento e a coordenação das equipes de ensino especial integrado extensivo a todo o sistema de educação e ensino não superior. (Rodrigues et all, 2007). Nessa lógica de organização, o ensino integrado foi, aos poucos, se configurando no sistema de educação português, e, ainda que lentamente, as crianças deficientes foram integradas às estruturas das escolas regulares portuguesas.

Porém, Bairrão et all (1998) destacam que o conceito de integração é discriminatório porque rotula os alunos e é carregado de conotações negativas aos que não se enquadram nas estratégias corriqueiras dos professores. Nesse sentido, para o autor, a Lei de Bases (nº 46, de 14 de outubro de 1986) possui elementos segregativos, pois, ao referir-se à educação especial, determina que esta deveria organizar-se “preferencialmente” nos estabelecimentos regulares de ensino, mas também em “instituições específicas” quando comprovada a necessidade.

Em resposta ao previsto na Lei de Bases, quanto à possibilidade de oferecer a Educação Especial em “instituições específicas”, o que ocorreu foi a abertura de muitas insituições que, buscando responder às novas demandas sociais, se configuraram como um serviço paralelo. Por outro lado, para Rodrigues e Nogueira (2010), a criação dessas instituições retrata também a insuficiência das escolas regulares para atender às demandas educativas da população. Além desse fato, outro item a considerar é que a configuração da oferta dos dois serviços paralelos ocorreu com o apoio de dois ministérios distintos – o de Segurança Social e o de Educação –, com perspectivas igualmente distintas: “Enquanto um apoia a integração de alunos no sistema regular de ensino, o outro desenvolve programas segregados.” (Rodrigues et all, 2007, p. 42).

Na década de 1990, com novas orientações sobre a política educacional, o Ministério da Educação passou a definir o regime educativo especial que previa a escolaridade obrigatória e gratuita para os alunos com faixa etária entre os seis e os quatorze anos, inclusive quanto aos subsídios financeiros. Nesse sentido, para que as instituiçoes de ensino especial pudessem se beneficiar do apoio estatal, necessitavam estar organizadas em conformidade com as características e condições de acesso dos alunos na faixa etária escolar obrigatória. (Bairrão et all, 1998)

Com o Decreto-Lei nº 319, de 23 de agosto de 1991, que aprovava o regime de apoio aos alunos com necessidades educativas especiais que frequentassem os estabelecimentos de ensino básico e secundário, apesar dos avanços, segundo Bairrão et all (1998), permaneceram ações restritivas que, na forma de adaptações das condições, no Artigo 2°, item dois, enquadravam o ensino especial como o mais restritivo no conjunto das seguintes medidas:

a) Equipamentos especiais de compensação; b) adaptações materiais; c) adaptações curriculares; d) condições especiais de matrícula; e) condições especiais de frequência; f) condições especiais de avaliação; g) adequação na organização de classes ou turmas; apoio pedagógico acrescido; i) ensino especial. (Portugal, 1991, p. 4390)

Nessa lógica de raciocínio, ao encaminhar os alunos para o ensino especial, era assumida a ideia de que, fora do ambiente escolar, havia possibilidades de solução dos problemas que a escola não conseguia resolver, pois não dispunha de recursos. Para além dessa situação, é necessário considerar que, com esse Decreto-Lei, ficou definido que o encaminhamento do aluno para as escolas especiais somente poderia ser realizado após a efetivação da matrícula na escola regular. A terminologia utilizada também foi alterada, passando de “alunos com deficiência” para “alunos com necessidades educativas especiais”. A escola, responsabilizada pelo processo de ensino e aprendizagem, necessitava flexibilizar o currículo para dar respostas ao aluno conforme suas necessidades, independente de estarem vinculadas às dificuldades de aprendizagem ou não. (Rodrigues; Nogueira, 2010).

Ao prever a organização de equipes de psicologia, orientação e saúde escolar, o Decreto-Lei nº 319 igualmente alterou a classificação da perspectiva médica para a perspectiva pedagógica. Conforme texto do próprio Decreto, as alterações inscreviam-se na “[...] substituição da classificação em diferentes categorias, baseada em decisões de foro médico, pelo conceito de “alunos com necessidades educativas especiais”, baseado em critérios pedagógicos [...]” (Portugal, 1991, p. 4390).

O apoio pedagógico acrescido era considerado atendimento individualizado, ou em pequenos grupos e de caráter temporário, que deveria estar amparado pelo Plano Educativo Individual (PEI), o que se desdobrava em atendimentos realizados em espaços diversos fora da sala de aula. Para Bairrão et all (1998), esse Decreto, centrado predominantemente na criança, na reorganização curricular, nas estratégias de ensino e aprendizagem e na avaliação, requeria conhecimentos imprescindíveis dos professores nos vários âmbitos educacionais. “Na realidade, se eles dominassem estes conhecimentos e se as suas práticas decorressem deles, a integração seria não só possível como eficaz.” (Bairrão et all, 1998, p. 52). Os autores ainda destacam que se constatava uma enorme distância entre os textos da legislação e a prática dos professores, psicólogos e técnicos.

Com a necessidade de avançar nas questões da integração para a inclusão, Portugal utilizou, como ponto de referência para a elaboração das políticas nacionais, a Declaração de Salamanca (1994). Nesse sentido, destaca-se o esforço de avançar nas questões referentes à inclusão, por meio do Despacho Conjunto nº 105, de 1º de julho de 1997. Esse Despacho se referia especificamente ao regime aplicável à prestação de serviços do apoio educativo prevendo alocação de docentes com formação especializada nessas funções, o que foi algo inédito. Tinha os seguintes objetivos:

[...] contribuir para a igualdade de oportunidades de sucesso educativo para todas as crianças e jovens; promover a existência de condições nas escolas para a integração sócio-educativa das crianças e jovens com necessidades educativas especiais; colaborar na promoção da qualidade educativa e articular as respostas a necessidades educativas com os recursos existentes noutras estruturas e serviços. (Portugal, 1997, p. 7544).

Para cumprir tais objetivos, foram constituídas, pelo Ministério da Educação, Equipes de Educação Especial e, no âmbito local, as Equipes de Coordenação de Apoios Educativos (ECAE), com a função de apoiar o ensino integrado e as unidades de Educação Especial, fossem elas públicas ou privadas. Via legislação, intensificava-se a necessidade de adequação curricular às necessidades individuais dos alunos com necessidades educativas especiais e igualmente aumentava a responsabilização da escola quanto às estratégias e respostas integradas adequadas para contemplar as necessidades dos alunos. (Rodrigues; Nogueira, 2010; Rodrigues et all, 2007).

Bairrão et all (1998) elenca as principais formas de intervenção utilizadas pelas equipes a partir de 1997. Naquele contexto, foram formadas Salas de Apoio Permanente (espaço na escola de ensino regular com equipamentos específicos no qual as crianças permaneciam em tempo integral), Núcleos de Apoio à Deficiência Auditiva (classes especiais nas escolas de ensino regular), Sala de Apoio, Apoio dentro de Sala de Aula (de uma a duas horas por semana, o professor de Educação Especial trabalhava com os alunos em conjunto com o professor de sala) e Apoio ao Professor de Classe (discussão sobre os problemas dos alunos com orientação do Professor de Educação Especial quanto à utilização de estratégias e à necessidade de adaptações curriculares).

Apesar de criticada (Bairrão et all, 1998), a Sala de Apoio continuou a ser o recurso mais utilizado pelos professores. Além disso, a ausência de cooperação interdisciplinar, de profissionais especialistas e recursos técnicos adequados situavam o professor da classe na condição de isolamento em relação aos alunos que não alcançavam sucesso na aprendizagem. O discurso era o da inclusão, mas, na prática, continuavam a existir ações de integração. Com o Despacho de 1997, tanto a Educação Especial quanto a educação regular passaram a pertencer a um único sistema de ensino. A ideia base era a da escola para todos como o lugar de igualdade e oportunidades. No mesmo ano do Despacho, ainda foram emitidas duas Portarias que garantiam direitos às condições de Educação Especial para os alunos que frequentavam as associações, as cooperativas e os estabelecimentos de ensino particular.

No caminho de transição entre a concepção integrativa e a inclusiva, o Decreto-Lei nº 6, de 18 de janeiro de 2001, foi de fundamental importância, pois, ao estabelecer orientações quanto à organização e à gestão curricular do ensino básico, avaliação e currículo nacional baseado em competências, valores e atitudes que os alunos deveriam adquirir durante a educação básica, trazia como base três princípios, a saber: “[...] diferenciação pedagógica, traçando caminhos diferentes para atingir os objectivos; adequação de estratégias diversificadas; e uma flexibilização dos percursos do aluno, dos ritmos de aprendizagem e da organização do trabalho escolar.” (Rodrigues et all, 2007, p. 44). Outra importante diferenciação ocorrida no escopo desse Decreto foi a referente ao conceito de Necessidades Educativas Especiais de Caráter Permanente (NEECP) de forma a contemplá-las, contínua e sistematicamente, com recursos especiais de educação, o que provocou a criação de grupos distintos e certa confusão no campo prático.

Com o objetivo de esclarecer sobre as atribuições dos professores de Educação Especial, no ano de 2006, com o Decreto-Lei nº 20, de 31 de janeiro desse ano, ocorreu a criação dos Grupos de Docência da Educação Especial, “[...] destinados a promover a existência de condições para a inclusão sócio-educativa (sic) de crianças e jovens com necessidades educativas especiais de carácter prolongado.” (Portugal, 2006, p. 749). Os Grupos de Docência eram divididos em três posicionamentos distintos:

E1 — lugares de educação especial para apoio a crianças e jovens com graves problemas cognitivos, com graves problemas motores, com graves perturbações da personalidade ou da conduta, com multideficiência e para o apoio em intervenção precoce na infância; b) E2 — lugares de educação especial para apoio a crianças e jovens com surdez moderada, severa ou profunda, com graves problemas de comunicação, linguagem ou fala; c) E3 — lugares de educação especial para apoio educativo a crianças e jovens com cegueira ou baixa visão. (Portugal, 2006, p. 749).

No ano de 2007, com a Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, configurou-se um novo desafio que consistia em adaptar a política nacional de Educação Especial às novas tendências discutidas na perspectiva internacional. A legislação portuguesa foi então alterada por meio do Decreto-Lei nº 3, de 07 de janeiro de 2008. A perspectiva claramente assumida era a da educação inclusiva que “[...] visa à equidade educativa, sendo que por esta se entende a garantia de igualdade, quer no acesso quer nos resultados.” (Portugal, 2008, p.154).

Quanto ao âmbito e objetivos, esse Decreto-Lei apresentava a definição do apoio especializado para prestação dos serviços na educação pré-escolar e nos ensinos básico e secundário dos setores público, particular e cooperativo que, até então, não era previsto, bem como a delimitação específica dos alunos da Educação Especial

[...] visando à criação de condições para a adequação do processo educativo às necessidades educativas especiais dos alunos com limitações significativas ao nível da actividade e da participação num ou vários domínios de vida, decorrentes de alterações funcionais e estruturais, de carácter permanente, resultando em dificuldades continuadas ao nível da comunicação, da aprendizagem, da mobilidade, da autonomia, do relacionamento interpessoal e da participação social. (Portugal, 2008, p. 156).

Quanto aos objetivos da Educação Especial, o Decreto-Lei nº 3/2008 apontou:

[...] a inclusão educativa e social, o acesso e o sucesso educativo, a autonomia, a estabilidade emocional, bem como a promoção da igualdade de oportunidades, a preparação para o prosseguimento de estudos ou para uma adequada preparação para a vida profissional e para uma transição da escola para o emprego das crianças e dos jovens com necessidades educativas especiais nas condições (Portugal, 2008, p. 156).

Outra importante alteração ocorrida com essa legislação foi referente aos serviços da Educação Especial, que passaram a ser oferecidos aos alunos conforme a Classificação Internacional de Funcionalidade, Incapacidade e Saúde da Organização Mundial da Saúde (CIF, 2007, p.7), cujo objetivo é “[...] proporcionar uma linguagem unificada e padronizada, assim como uma estrutura de trabalho para a descrição da saúde e de estados relacionados com a saúde.”

A classificação, que também seria a referência para a avaliação, definiu “os componentes da saúde e alguns componentes do bem-estar relacionados com a saúde (tais como educação e trabalho)”, podendo, portanto, os domínios contidos na CIF serem considerados “domínios da saúde e domínios relacionados com a saúde.” (CIF, 2007, p. 7)

Com base na perspectiva do corpo, do indivíduo e da sociedade, a Classificação Internacional de Funcionalidade, Incapacidade e Saúde da Organização Mundial da Saúde descreveu os domínios em duas listas básicas – “(1) Funções e Estruturas do Corpo e (2) Actividades e Participação” – e, como classificação, agrupou “sistematicamente diferentes domínios de uma pessoa com uma determinada condição de saúde (e.g. o que uma pessoa com uma doença ou perturbação faz ou pode fazer)”, sendo a Funcionalidade “um termo que engloba todas as funções do corpo, actividades e participação” e, de maneira similar, incapacidade, “um termo que inclui deficiências, limitação da actividade ou restrição na participação”.  (CIF, 2004, p.7)

Na perspectiva de utilização do CIF, o Programa Educativo Individual era o documento de referência, tanto para registrar os progressos como para a avaliação, além de ser o instrumento que acompanhava o aluno após o período escolar como forma de registro das habilidades desenvolvidas. Com esse documento, foi feita também a distinção entre os alunos com necessidades educativas especiais de caráter permanente (NEECP) e o apoio educativo oferecido aos alunos com dificuldades de aprendizagem. As atribuições dos profissionais do apoio foram aumentadas e passaram a contemplar todos os alunos.

Com o objetivo de esclarecer algumas dúvidas que pairavam sobre os apoios especializados, ainda em 2008, ocorreu a primeira alteração do Decreto-Lei nº 3. Na sequência, vários dispositivos legais foram fortalecendo a perspectiva da educação inclusiva em Portugal.

Nesse contexto, alguns exemplos desses dispositivos, conforme página da Direção Geral da Educação – Educação Especial – Portugal (2016) são: o Decreto-Lei nº 93, de 16/04/2009, que aprovou o sistema de atribuição de produtos de apoio a pessoas com deficiência e a pessoas com incapacidade temporária; o Decreto-Lei nº 281, de 06/10//2009, quecriou o Sistema Nacional de Intervenção Precoce na Infância; a Portaria nº 192, de 26/09/2014, que regula a criação e manutenção da base de dados de registo do Sistema de Atribuição de Produtos de Apoio; a Resolução da Assembleia da República nº 17, de 19/02/2015, referente à aplicação das recomendações do Conselho Nacional de Educação relativas ao enquadramento legal da Educação Especial; o Despacho nº 5.291, de 21/05/2015. que estabelece a Rede Nacional de Centros de Recursos de Tecnologias de Informação e Comunicação para a Educação Especial (CRTIC) como centros prescritores de produtos de apoio do Ministério da Educação e Ciência no âmbito do Sistema de Atribuição de Produtos de Apoio (SAPA); e a Portaria nº 201-C, de 10/07/2015, que regula o ensino de alunos com 15 ou mais anos de idade, com currículo específico individual (CEI), em processo de transição para a vida pós-escolar.

Os dispositivos mencionados têm o objetivo de garantir direitos e igualdade de condições a todos rumo à inclusão.

4. Considerações Finais

Os documentos internacionais, sobretudo os aprovados após os anos de 1990, assumiram um importante papel ao contribuírem para a ampliação das discussões no que diz respeito ao direito de todos à educação e à definição das metas e ações desencadeadas nos países para atender às necessidades básicas de aprendizagem de todos os alunos.

Porém, as políticas educacionais brasileiras e portuguesas trazem elementos segregativos, ou seja, ao fazerem menção à Educação Especial, recomendam que a sua organização e oferta seja “preferencialmente” nos estabelecimentos regulares de ensino e, ao mesmo tempo, abrem possibilidades e legitimam o atendimento educacional especializado fora do contexto escolar, em instituições especializadas, quando comprovada a necessidade.

No Brasil, por exemplo, embora houvesse o reconhecimento do direito de todos à educação desde a década de 1960, as diretrizes educacionais brasileiras para a Educação Especial, pautadas numa perspectiva substitutiva ao ensino comum, acabaram contribuindo para que as “instituições especializadas assumissem uma posição de atores principais na Educação Especial brasileira (Kassar, 2011, p. 72).

Em Portugal, a perspectiva adotada, da escola para todos, contemplava não somente o regime educativo especial, mas previa, também, a utilização de equipamentos especiais de compensação, adaptações materiais e curriculares, além de condições especiais de matrícula, frequência e avaliação. Havia a exigência de uma prática pedagógica diferenciada que considerava o aluno individualmente. Sob o ponto de vista da legislação, alguns problemas estavam equacionados, como, por exemplo, a organização das turmas, que previa o número limite de vinte alunos com, no máximo, dois alunos com necessidades educativas especiais em cada turma.

Muito embora os documentos internacionais tenham exercido forte influência sobre a elaboração das políticas educacionais no Brasil e em Portugal, há, em ambos os países, contextos históricos determinantes que também influenciaram a criação de suas políticas e o desencadeamento de ações, em específico, daquelas voltadas à inclusão. Percebe-se um avanço significativo quanto à obrigatoriedade da escolarização e à democratização do ensino em Portugal e no Brasil, fato que vem se intensificando nas políticas educacionais desses dois países.

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1. Doutoranda em Educação – PPGE UNIVALI e docente no Instituto Federal Catarinense (IFC). Bolsista CAPES Grupo de Pesquisa do Observatório de Políticas Educacionais. E-mail: idorlene@gmail.com

2. Doutoranda em Educação – PPGE UNIVALI e professora da Rede Municipal de Joinville/SC. Bolsista CAPES. Grupo de Pesquisa do Observatório de Políticas Educacionais. E-mail: valdirene.simao@gmail.com


Revista ESPACIOS. ISSN 0798 1015
Vol. 38 (Nº 30) Año 2017

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