Vol. 38 (Nº 30) Año 2017. Pág. 10
CARVALHO-JÚNIOR, Expedicto R. 1; LEMOS, Andreiza V.O. 2; SILVA, Fernando C. 3; ALCÂNTARA, Gilson Q. 4; TOMACHUK, Célia R. 5
Recibido: 27/02/2017 • Aprobado: 28/03/2017
RESUMO: Professores de uma escola da rede pública municipal desenvolveram um projeto interdisciplinar com o livro “O menino do pijama listrado” com o intuito de fazer com que os alunos realizassem uma leitura interpretativa articulando as diferentes áreas de estudo. Após o projeto foi possível evidenciar o interesse dos alunos em experimentar novos livros e a participação crítica e a habilidade interpretativa foram aprimoradas, podendo ser percebida na escrita e na fala. |
ABSTRACT: A remedial program to broaden the range of participatory opportunities and promote interpretive skills in reading for ninth-graders was developed by a group of public-school teachers in a municipal school in the Brazilian São Paulo state using the book The Boy in the Striped Pajamas regarding the Second World War. The result was a demonstrable elevation of involvement, increased diversity of questions and interests, and an enhanced interpretive capacity as shown in writing and vocabulary in subsequent assessments. |
A linguagem, elemento fundamental no aprendizado escolar e que serve de base para a comunicação, organiza-se nas culturas dos povos por ser instrumento da construção das relações sociais e dos seres humanos com o seu meio. Se há alguma transcendência em relação à materialidade ou concretude do real, ela se dá no fato de que a cultura nega o ser humano como mero ser biológico e determinado.
O homem modifica a natureza e, pelo conhecimento a si mesmo, Bakhtin (2004) irá desenvolver esta ideia alegando que o campo da cultura é o campo dos signos que são a simbolização do real e a aculturação da materialidade. O signo reflete o real (duplo do real) ao mesmo tempo em que o refrata. O refratar nada mais seria que o ato de transformar o que é concreto pelos sentidos em significados que os signos vão atribuindo na comunicação humana, a refração vai se fazendo na comunicação e nos mais variados sentidos que as palavras, as imagens e os símbolos vão sendo usados em diferentes contextos e situações da realidade humana.
Por ser cultural e social, Bakhtin (2004) acredita que os signos vão sendo criados e gerando cadeias de novos significados, já que a relação entre os sujeitos é dialógica: as pessoas não refletem simplesmente a realidade, mas as transformam, porque criam novos sentidos para os discursos a partir de seus saberes, sua história, suas experiências de vida. Vida e significação da vida não mais se separam no campo da cultura. Desta forma, questiona-se o quanto isto poderia representar a anulação da subjetividade e da psique individual.
Vigostsky (2015) acredita que as funções psicológicas têm um suporte biológico porque se realiza na atividade cerebral, mas seu funcionamento fundamenta-se nas relações sociais entre os indivíduos num mundo exterior ao cérebro ou com os objetos do mundo exterior ao cérebro. As marcas externas (signos) transformam-se em processos internos de mediação ou desenvolvem sistemas simbólicos como a linguagem. A linguagem é subjetiva ao incorporar seu caráter social e dialógico, assim o pensador acredita que o aprendizado só ocorre quando há interação e intercâmbio social. A linguagem, portanto, seria responsável pelo desenvolvimento de funções específicas na construção das funções psicológicas e da subjetividade. De tudo isto, decorre então a necessidade da interação como método de construção da linguagem e o conceito de “zona de desenvolvimento proximal” (Vigostsky, 2015).
Piaget (1998) aponta um outro aspecto que envolve a construção do saber: a criança atuando na construção do conhecimento por meio da interação com o meio que a cerca. A experiência, então, torna-se um laboratório do “aprender a aprender”, organizando sua visão de mundo a partir dos conhecimentos prévios e das novas estratégias que ele utiliza para criar novos conhecimentos.
Colocando em diálogo as ideias de Vygotsky (2015), Piaget (1998) e Bakhtin (2004) evidencia-se, por exemplo, como a escola despreza a leitura de mundo informal do educando.
O cotidiano da pessoa, aquilo que traz de suas vivências anteriores ao próprio universo escolar, enraizado no universo do concreto e particular, se separa da visão de leitura, hierarquizando estas formas de saber que deveriam dialogar socialmente como estratégia para um novo aprender no diálogo entre o concreto e o abstrato, o universal e o particular. Freire (1989) defende inclusive que ler é ler tudo o que se apresenta como fenômenos ao conhecer humano.
Podemos formular algumas premissas a partir das reflexões destes autores: ler envolve interação e a própria subjetividade deriva desta interação; a linguagem é sócio ideológica nos contextos das relações sociais em suas construções comunicativas e de compreensão. A partir disto podemos compreender que ler não seria simplesmente decodificar signos e entender o que um dado objeto de conhecimento significa, mas sim um aprender socialmente atravessado por normas que delineiam o ato de leitura, tais como a utilização do livro, maneiras de interpretar e expectativas de leitura que são dadas por instituições, normas ou motivações para o ato de ler. No diálogo entre sujeito e objeto de conhecimento, por meio de sujeitos de conhecimento, há uma interdependência entre o que é o objeto espelhado (tenta ser compreendido) e como ele é refratado pelo método de apreendê-lo a partir das construções sociais de compreensão historicamente dadas, o que Bakhtin (2004) chama de refração.
Há ainda outro aspecto a considerar: se ler é condicionado pela cultura e seu universo social próprio, é também indeterminado porque é dialógico, isto é, transita por normas ou padrões que vão sendo recriados, problematizados num movimento de construção do ato de ler o mundo e da cultura que não é dominado por apenas um indivíduo. Segundo Weber (2011), na prática da língua viva, a consciência linguística do emissor e do receptor não tem ligação direta com o sistema abstrato da constituição normativa, mas especificamente com a linguagem no sentido dos contextos de uso. Considera-se assim que letramento é um termo que designa uma visão mais generalizante do conhecer, já que pondera as práticas sociais orais e escritas com enfoques diversos, essencialmente vivenciados em um contexto de interação sociocultural.
Costa (2009) afirma que o uso do livro seria uma forma de fortalecer a prática de leitura no espaço escolar. Ao ler, construímos uma rede de relações entre o que conhecemos (nossa carga de experiências) e a nova informação, dando sentido e significado à rede de relações proporcionadas pela prática da leitura. Em outras palavras, o diálogo entre concretude e abstração, sujeito e sociedade, experiência e novos saberes cria uma dinâmica que envolve assim a reconstrução dos signos e suas relações com o real vivido. Mas, por qual motivo a literatura seria um espaço privilegiado para realizar este movimento dialógico e dialético com vista a uma noção de letramento e inserção enriquecida do sujeito no âmbito do social e do cognoscente?
De acordo com Mügge (2011), a literatura seria um objeto carregado de elementos que apontam para o ser humano como um todo porque em suas histórias o abstrato da linguagem escrita dialoga com tudo o que há no mundo passível de ser lido (fenômenos naturais, gestos, relações sociais etc.). Se o conhecimento e a linguagem são sociais, há outro aspecto que é destacado por vários autores ao tratar da visão sobre a prática da leitura: a importância da dialogia entre autor e receptor.
Na visão construtivista, a literatura, por ser social e dialógica, só existe quando estabelece uma comunicação com o leitor, o que causa uma reviravolta na própria noção de interpretação e do ato de conhecer. Segundo Weber (2011) o texto de ficção estimula a leitura, então se deve entender a significação mais como um produto de efeitos experimentados do que uma ideia anterior à obra. Weber (2011) aponta ainda que entre autor e leitor, existe uma assimetria de onde resulta uma lacuna capaz de provocar, simultaneamente, o diálogo e a controvérsia. Isto por conta de diferentes histórias, experiências, realidades, grupos entre um e outro que agora dialogam. Estas lacunas podem ser positivas e ensejar uma reflexão como já escrito, mas também podem levar à estagnação, a rejeição por aquilo que não se conhece e, consequentemente, não se entende.
Daí a importância da relação no ato de construção do conhecimento, como aponta Vigotsky (2008). Estas lacunas devem potencializar o desvelamento do mundo e o enriquecimento da experiência, o que só parece possível na construção em conjunto dos saberes e isto de duas formas: na interação com os outros sujeitos e na interação entre as disciplinas (interdisciplinaridade). A realidade não aparece compartimentada nas várias áreas do saber, sendo antes plural, dialógica e complexa. A literatura procura espelhar este real com sua polissemia.
O tratamento literário no diálogo com o real exige então uma prática pedagógica que caminhe para a reconstrução da unidade do real no qual todos os saberes se comunicam e se ligam, o que muitas vezes não ocorre na prática escolar. A escola não consegue assim espelhar e refratar o real porque não constrói uma nova linguagem capaz de dar conta de um real cada vez mais complexo e abstrato em suas generalizações condicionantes da vida real. A prática da interdisciplinaridade em diálogo com a literatura visa justamente resgatar a totalidade e a própria prática de ler o real.
Segundo Costa (2009), a discussão sobre a interdisciplinaridade surge na Itália e França nos anos 60 dentro de um momento cultural de questionamento de vários pressupostos da cultura tecnicista, autoritária e alienante presente na modernidade capitalista. Em resposta à necessidade de uma visão mais plural e dialógica da realidade e da concepção do conhecer, o esforço se deu na tentativa de superar as compartimentações das matérias e suas fronteiras. A discussão chega ao Brasil nos anos 70 com as obras de Japiassu (1976) e Fazenda (1979).
A interdisciplinaridade é definida por Mügge (2011) como uma “axiomática comum a um grupo de disciplinas conexas e que introduz noção de finalidade”. O autor aponta ainda o esforço dado pelo Ministério da Educação no sentido de caminhar para uma integração de matérias por meio da eleição de habilidades e competências que seriam comuns a elas, organizando assim alguns eixos no Ensino Médio: Linguagens, Códigos e suas Tecnologias (formas de expressão), Ciências da Natureza, Matemática e suas Tecnologias (ciências e matemática) e Ciências Humanas e suas Tecnologias (história, geografia, sociologia filosofia). A interdisciplinaridade não seria, porém, uma mera justaposição de disciplinas e nem a diluição delas em generalidades. Trata-se de colocar em diálogo as especificidades de cada uma para que concorram rumo a um saber integrado e que possa espelhar e refratar minimamente o real, “construindo uma identidade dos alunos para o desenvolvimento de um protagonismo social solidário e pautado na igualdade política” (Mügge, 2011).
Domingues (2012) apresenta a distinção entre multidisciplinaridade e interdisciplinaridade, demonstrando a artificialidade das barreiras das áreas do conhecimento impostas pela multidisciplinaridade. Para o autor, o conhecimento multidisciplinar se caracteriza pela justaposição dos conhecimentos presentes nos conteúdos das diversas disciplinas do currículo. Essa concepção é essencialmente aditiva e não faz menção, tampouco considera a integração/inter-relação entre os conhecimentos de duas ou mais disciplinas curriculares ou mesmo saberes. Na medida em que se busca a aproximação das disciplinas e o compartilhamento de informações para um aprendizado mais significativo e contextual, a multidisciplinaridade cede espaço à interdisciplinaridade que consiste na cooperação das disciplinas, na inter-relação entre saberes e na mútua integração de conhecimentos, conceitos, métodos e experiências de modo a reorganizar/repensar o ensino e a própria aprendizagem.
A aprendizagem sob um viés interdisciplinar permite ao estudante apresentar uma visão crítica, em que há uma superação da concepção de conhecimento fragmentado, lotado em disciplinas que não se comunicam. A abordagem interdisciplinar permite a redução do caráter fragmentário do saber para uma lógica de construção mais ampla, que permita a organização das diversas áreas de conhecimento mediante o diálogo entre as disciplinas curriculares (Fazenda, 1979). Segundo Mügge (2011), o fenômeno da construção do conhecimento promove a construção de significados articulando-se seis domínios: simbólicos (linguagem), empírico (mundo físico e da natureza), estético (artes), sinoético (experiencial e existencial), ético (a relação com os demais) e sinóptico (histórico, religioso e filosófico- que integram os outros cinco domínios). A literatura como reconstituição do todo, do real traria estes domínios presentes em sua construção na forma de ler o mundo, colocando-os em diálogo. O autor vê esta reconstrução do real pela literatura em duas possibilidades, sendo a primeira uma proposta que parte de um só professor- o de Literatura construindo os sentidos na dialogia com os alunos e tendo o simbólico como um dos eixos centrais e, a segunda, uma leitura da obra que integre todas as disciplinas concorrendo para a integração de saberes e leituras do real por meio da obra.
De acordo com Blumenschein (2007), a interdisciplinaridade pode variar de cultura para cultura a partir dos objetivos a que ela se destina em diálogo com a tradição de pensamento de uma dada sociedade. Assim é que, na França, a integração dos saberes tem um viés epistemológico de decodificar a realidade em sua existência plural; nos Estados Unidos, visa a integração social do indivíduo no sentido de inseri-lo nas relações sociais e humanas em que pese a noção de trabalho como busca do indivíduo de sua realização pessoal.
No Brasil, a interdisciplinaridade estaria marcada pela ideia de formação do sujeito, colocando em diálogo sua experiência individual e subjetiva com a suposta objetividade do conhecimento: na alteridade de construir com os demais sujeitos se integram não apenas saberes, mas também atitudes, o fazer que constrói algo e com o outro (o conhecer intelectual e a construção da subjetividade afetiva).
Segundo Costa (2009), na fundamentação teórico-metodológica do Exame Nacional do Ensino Médio - ENEM, no qual aparece a avaliação dos saberes pelo viés interdisciplinar, o letramento “não só reconhece as letras, mas se apropria das habilidades de leitura e escrita, incorporando-as às suas práticas sociais para leitura do mundo”. A alfabetização seria assim mais restritiva e individual (aquisição de código alfabético e numérico) enquanto o letramento caminharia na ampliação do saber enquanto saber do campo ideológico e social.
Em suma, os signos são meios para o desvelamento de uma realidade dialógica e plural e não fins em si mesmos. Dentro de um universo de luta de classes no mundo da cultura entre estas concepções de saber, cabe à escola decidir qual delas irá buscar como espelho e refração na construção do desafio de conhecer.
De acordo com estudos de Morin (2011), para formar um estudante que seja cidadão e capaz de pensar e agir de forma autônoma e crítica é necessário que esse tenha acesso a uma educação que permita o desenvolvimento de suas habilidades/faculdades mentais de formular e resolver problemas, desenvolvendo a inteligência geral destes estudantes.
Segundo Saheb (2015), a antinomia diz respeito às contradições existentes nos respectivos sistemas de ensino, sobretudo no tocante o trabalho interdisciplinar, que no campo teórico e no discurso institucionalizado ocorre com maestria, mas na prática escolar cotidiana, o que se observa é hiperespecialização das disciplinas do currículo.
Para Saheb (2015), as contradições vivenciadas pelos sistemas de ensino alimentam disjunções entre as ciências e as humanidades. Nessa direção, o fato de as ciências constituírem ilhas de conhecimentos específicas dificulta à escola a solução dos problemas gerais advindos das humanidades. Igualmente, os problemas fundamentais da humanidade, nessa perspectiva, ficam ausentes das disciplinas, o que contribui para o enfraquecimento da percepção global e decorrente disso, um novo enfraquecimento, o da corresponsabilidade, que culmina na desvinculação do homem com a sociedade em que vive (Morin, 2011). Em outras palavras, cabe a cada um cumprir apenas e tão somente a sua tarefa específica, mas o ponto é que a soma das tarefas individuais não dão conta dos problemas gerais que assolam a sociedade e nesse sentido tem-se a contradição.
Para Morin (2001), cabe à escola a reflexão crítica acerca das disjunções existentes em seu processos educativos e, à partir destes, repensar os currículos para além das práticas pedagógicas tecnocráticas com base na memorização, repetição, uniformização, passividade e classificação. É preciso romper com as práticas reducionistas e buscar uma educação que seja emancipadora, que valorize a articulação entre as disciplinas (interdisciplinaridade), numa dimensão dialógica em relação a elas, aos estudantes, ao ambiente, à sociedade e, sobretudo, que dê conta da compreensão da multidimensionalidade escolar e dos problemas gerais que decorrem dela.
A escola, apesar de continuamente desempenhar o seu papel de mediadora do conhecimento, na maioria das vezes, percorre um caminho contrário a seus próprios objetivos, pois a qualidade do ensino, principalmente na rede pública, é cada vez mais precária, com os alunos apresentando uma crescente defasagem na aprendizagem. Independente da área de estudo, os alunos possuem um limite (muito pequeno) para conseguir ampliar o conhecimento.
Para Tavares (2004), a aprendizagem significativa, mesmo que parta de situações problemas que envolvam o cotidiano do estudante, requer um esforço de buscar a conexão, de maneira própria, não literal, dos novos conhecimentos adquiridos com a estrutura cognitiva preexistente. Nessa direção, é preciso que os estudantes estejam dispostos a agirem pró-ativamente, uma vez que os conhecimentos novos serão ancorados em informações de mesmo teor que já estão presentes na estrutura cognitiva do estudante, promovendo a significância da aprendizagem deste (Ausubel, 2003).
Para Farias (2013), a utilização de tecnologias de informação e comunicação no processo de ensino e aprendizagem permite não somente o fomento por novos recursos didáticos como também a inclusão tecnológica no cotidiano do estudante, além de estimular a interatividade e o compartilhamento de informações e experiências entre os estudantes. Para Costa e colaboradores (2012) todas as disciplinas curriculares podem oportunizar aos estudantes o acesso ao desenvolvimento de habilidades e competências não somente cognitivas e referentes aos domínios do currículo, mas também na própria tecnologia. Nessa perspectiva, as tecnologias de informação e comunicação são concebidas numa dimensão transversal que pode interconectar os conteúdos curriculares e permitir a aquisição de habilidades e competências necessárias à convivência dos estudantes em sociedade, de forma cidadã e equânime, no século XXI.
Cabe ao professor, todavia, a tarefa de acompanhar e estimular a leitura, além de motivar os estudantes nessa direção. Para Oliveira, Rocha e Bozzo (2014) a escola é o ambiente ideal para o estímulo à leitura, não apenas com o intuito de aprendizagem, mas também a leitura como parte integrante do universo cotidiano do estudante e que faça sentido à ele. Nessa linha, Vigotsky (2015) coloca que é por intermédio do professor que o aluno se envolve em suas atividades e por intermédio das relações estabelecidas com o professor e com os outros estudantes aprende e se modifica enquanto ser social. Nesse sentido, para Vygotsky (2015), a educação não está limitada à aquisição de conhecimentos cognitivos limitados aos saberes disciplinares, mas constitui-se em uma fonte de desenvolvimento. Ainda segundo o mesmo autor, é função da educação assegurar o desenvolvimento dos estudantes, instrumentalizando-os a desenvolverem suas próprias operações intelectuais.
Para além do gosto pela leitura, Vigotsky (2015) aponta que a educação deve ser orientada mais para a zona proximal, na qual os estudantes realizam experiências de seus encontros com a cultura, com o auxílio do professor. Nesse sentido, a leitura, enquanto diálogo do leitor com o autor num dialogismo que tem como referência balizadora o contexto social vivenciado pelo leitor, permite ao estudante construir e reconstruir conhecimentos na medida em que avança no dialogo contextual propiciado pela leitura (Bakhtin, 2004). Vigotsky (2015) aponta para a educação escolar como um meio poderoso para impulsionar o desenvolvimento natural do estudante rumo a um desenvolvimento potencial.
Vale ressaltar que a aprendizagem não pode ser concebida por meio da aquisição de conhecimentos compartimentados, isolados ou delimitados por fronteiras de saber (Costa, 2009). O conhecimento e a aprendizagem estão interconectas com o universo social e ocorrem de maneira ampla/global. A leitura permite uma teia de relações estabelecidas entre o que se sabe e as novas informações que proporcionarão novos significados para outras relações. Para Costa (2009) a leitura deve ser estruturada pelo princípio pedagógico da interdisciplinaridade, da contextualização, da identidade, da diversidade e autonomia.
Nesse sentido, algumas das principais reclamações quanto à qualidade precária do ensino é a dificuldade que os alunos têm em interpretar textos, o que resulta em um fracasso generalizado na aprendizagem, independente da área de estudo. Essas reclamações apontam para uma necessidade/oportunidade para se repensar a leitura, mas com o viés do letramento e de forma interdisciplinar, ou seja, envolvendo diversas áreas do conhecimento.
A leitura, concebida enquanto letramento, desenvolvida de forma interdisciplinar, pode potencializar a interpretação e ressignificar a concepção de mundo por parte dos alunos e desta maneira poderia contribuir para a cidadania, pois levam em consideração as individualidades e as articula num todo maior (grupo), para o debate, refletindo e refratando as vivencias sociais.
Diante do exposto, este projeto teve como intuito fazer com que os alunos ampliassem suas habilidades interpretativas para que pudessem buscar novos caminhos para a construção deste conhecimento. Se continuassem como mero receptores de falas, muitas vezes desconectadas de sua realidade, os resultados poderiam ser cada vez mais catastróficos, pois esta inércia poderia gerar uma acomodação por ambas as partes (professor e alunos), acreditando que o saber é o resultado do dar e receber, falar e ouvir, afirmar e aceitar. Espera-se, portanto, que, por meio de um projeto interdisciplinar de leitura, a linguagem torne-se um mecanismo vivo, capaz de modificar o indivíduo e o seu meio.
Para estabelecer um projeto interdisciplinar de leitura que fosse eficiente e efetivo não só para os professores, mas principalmente para os alunos, partiu-se, primeiramente, de um tema gerador como fio condutor de todas as discussões que deveriam ocorrer em sala de aula. Nesse sentido, optou-se pelo tema “conflitos”, uma vez que os alunos atendidos pelo projeto têm idades entre 14 e 16 anos e estão na fase da adolescência, fase conhecida pelos conflitos.
Num segundo momento, foi realizada a escolha do texto que seria lido pelos professores e alunos e, considerando essas premissas, optou-se por um livro que abordava a temática da 2ª Guerra Mundial que, além de adequar ao currículo do 9º ano, trouxe um contexto que desperta bastante a curiosidade dos alunos. Após uma seleção de alguns livros pelos professores, foi escolhido, por votação, o livro “O menino do pijama listrado”, de John Boyne (2007). Após a seleção do livro, foi solicitado aos alunos que escolhessem a opção mais viável para adquirirem o livro. As possíveis opções, neste caso, foram, além do livro em sua forma tradicional, encontrada nas livrarias, a forma digital, que pode ser impressa ou apreciada via os meios digitais, como tablets e telefones celulares. Apesar de o uso de telefone celular nas escolas ser proibido para fins pessoais, neste caso, foi considerado fundamental para o prosseguimento do trabalho, pois, considerando a realidade da escola pública, muitos não tinham acesso à compra do livro, mas, ironicamente, praticamente todos tinham acesso a esses recursos eletrônicos.
Num terceiro momento, os professores reuniram-se semanalmente, durante o momento de HTPC (horas de trabalho e participação coletiva), para planejar suas atividades semanais e sua articulação com o tema condutor em relação ao livro escolhido. Coube a disciplina de Língua Portuguesa, cuidar para que os alunos trouxessem seus livros ou recursos de leituras e realizassem, primeiramente, uma leitura silenciosa de dois capítulos (a cada semana). Após esse contato inicial e subjetivo com o livro, seguia uma fase mais objetiva, direcionada por algumas questões elaboradas pela professora para que eles pudessem voltar no texto para relê-lo com outro olhar.
No quarto momento, de posse de uma interpretação subjetiva e objetiva dos capítulos lidos e munidos de informações de outras disciplinas do conhecimento que, ao longo da semana, promoveram abordagens aos seus respectivos conteúdos, mas com olhar aos referidos capítulos lidos a cada semana, os alunos faziam um debate, em sala de aula, para promover uma reflexão ampliada do livro.
Concretizada toda a leitura e interpretação em sala de aula, no quinto momento foi proposta a realização de três trabalhos que referenciasse o livro: a produção de um programa jornalístico, o teatro e a composição de uma paródia sobre esta temática.
O projeto foi avaliado com base na observação participante do comportamento, das ações e dos registros dos alunos ao findar de cada etapa do projeto.
A compreensão de que um trabalho envolvendo a Literatura poderia ser muito mais amplo se envolvesse não apenas a disciplina de Língua Portuguesa, mas outras áreas de conhecimento fez com que o projeto aplicado na Unidade Escolar fosse feito de forma interdisciplinar. Ainda que cada disciplina possua especificidades próprias de sua área, um ponto foi considerado relevante para ser trabalhado com os alunos: a interpretação de textos.
Atividades ligadas à interpretação textual, quando aplicadas exclusivamente para este fim, como, por exemplo, os exercícios de leitura/interpretação, comum nos livros didáticos, raramente despertam o interesse dos alunos e promovem uma execução mecânica e não reflexiva, consequentemente, dificilmente atinge seu objetivo principal, que é o de aprimorar esta habilidade para as necessidades cotidianas e para possíveis projetos futuros como o mercado de trabalho e/ou o prosseguimento nos estudos. O objeto a ser interpretado deve, acima de tudo ser significativo e rico de interpretações, abarcando não uma, mas várias possibilidades de adequar este texto à realidade (Vigotsky, 2015).
A segunda etapa trouxe como resultados a mobilização/organização dos alunos para fazer a opção pelo melhor caminho para ocorrência da leitura (seja livro, tablet ou telefone celular). Cabe ressaltar que a escolha foi individual (Figura 1). Em alguns casos, a leitura realizada fora do ambiente escolar trouxe bons resultados: algumas famílias dinamizaram as possibilidades de interpretação do texto já que, no espaço familiar, refletiam com os filhos sobre os significados possíveis dos capítulos lidos, afinal não se deve perder de vista que se trata de um trabalho de construção da leitura, são leitores que precisam aperfeiçoar habilidades interpretativas ou até mesmo, começar a construí-las e, o diálogo com a família é um incremento a mais nesse processo de leitura e interpretação (Bakhtin, 2004).
Figura 1: Imagem dos alunos fazendo a leitura do livro “O menino do pijama listrado”
Fonte: dos autores
A terceira etapa aponta, como resultado, o momento em que a habilidade interpretativa vai sendo construída, quando o aluno volta no texto e percebe que, além da forma como ele enxergou a história, existem outras formas de enxergar (Figura 2). Ao se deparar com o improvável e inusitado que a literatura proporciona, o aluno é instigado a prosseguir com o olhar curioso para descobrir um mundo, mundo das palavras. Essa curiosidade, pouco existe, quando se trata de um texto isolado e, sem ela, o gosto pela leitura nunca vai ocorrer (Weber, 2011).
Figura 2: Imagem dos alunos discutindo em grupos os capítulos do livro.
Fonte: dos autores
Na quarta etapa, em que as questões passam a ser debatidas com a sala e, nesta hora, o aluno/leitor observa que não são dois olhares (o seu e o do autor), mas são inúmeras formas de significar as palavras, pois cada um coloca o seu conhecimento de mundo nas palavras que lê (Bakhtin, 2004). Esta troca de experiências e impressões amplia muito o trabalho e, na escola, se os alunos podem ampliar sua experiência por meio da análise segundo muitos ângulos de visão (várias disciplinas), a troca será exponencialmente mais efetiva/significativa.
As questões direcionadas aos capítulos, após serem revisadas e debatidas, passam a compor o portfólio individual de leitura (Figura 3). Neste portfólio, além das questões, ficam organizadas as pesquisas que precisam ser feitas, durante o processo de leitura para que a história possa ser contextualizada e amplie o seu sentido. Neste momento, mais uma vez, as demais disciplinas puderam dialogar. Até onde podemos ampliar este sentido? Certamente, podemos pensar que um professor de história poderia ampliar (e muito) este sentido em sua área de atuação. Mas este seria o limite? Assim como os alunos se surpreendem ao ver que existem diferentes formas de interpretar um simples capítulo, esta surpresa também ocorre por parte dos professores, pois a amplitude de uma interpretação é muito maior do que conseguimos imaginar. O livro vai ganhando contornos que permitem vê-lo sob diferentes aspectos, sob o olhar da ciência, da geografia, das artes, da filosofia (Freire, 1989).
A leitura assume assim um caráter interdisciplinar que conforme Costa (2009), coloca a interdisciplinaridade como um dos objetivos leitura, uma vez que o texto, além de ser fonte de conhecimento, permite realizar conexões entre o que se aprende em sala de aula e o cotidiano vivenciado pelo estudante. Num campo mais amplo, Costa (2009) coloca a leitura como fonte e quesito indispensável à ascensão a novos graus do ensino e da sociedade.
Figura 3: Imagem das capas dos portfólios produzidos pelos alunos.
Fonte: dos autores
Na quinta etapa, os alunos podiam escolher a apresentação que fariam e, após organizarem os trabalhos estas ocorreriam para toda a classe. Foi marcado um dia para assistirem o filme baseado no livro “O menino do pijama listrado”, lançado em 2008. Além deste filme, eles também assistiram ao filme italiano lançado em 1997, “A vida é bela”, dirigido e protagonizado por Roberto Benigni. A escolha do segundo filme foi permitir a percepção de uma visão poética de um tema tão agressivo. Após os comentários de ambos os filmes, os alunos foram instigados a produzirem uma resenha crítica envolvendo as três vertentes: o livro e os dois filmes.
Com a realização desse projeto foi possível averiguar que as expectativas foram superadas não somente pelo envolvimento e dedicação por parte dos alunos e alguns familiares, mas pela qualidade dos resultados obtidos com a realização de atividades e, sobretudo com a ampliação dos horizontes de interpretação.
A leitura interdisciplinar foi significativa para a melhor compreensão dos alunos em relação ao livro e, nesse sentido, alinha-se ao que Vygotsky preconiza como a formação do sujeito leitor, que valoriza a linguagem como instrumento de interação social e direcionadora do modo de pensar e agir em sociedade.
A escola, no entanto, tem papel fundamental, no que tange a priorizar ações que valorizem a leitura e a interpretação. Sob esse aspecto não há como ensinar alguém a ler apenas com discurso, é preciso mostrar o que é ler, fazer esse trajeto junto com ele. Não é ensinar o caminho e sim caminhar junto, promover respaldo na travessia.
A partir de uma ação/reflexão constante, durante todo o projeto, foi possível detectar e transpor vários obstáculos que poderiam impedir a concretização da pesquisa. A ação conjunta dos professores e a proposição de um projeto interdisciplinar foram essenciais para a estruturação e solidez do projeto, pois a linguagem não pode ser dissociada da realidade em que se insere e, isolá-la em uma única disciplina seria negar as diversas possibilidades de diálogo que um texto pode proporcionar.
AUSUBEL, D. P. Aquisição e retenção de conhecimentos: uma perspectiva cognitiva. 1a. ed. Lisboa: Plátano Edições Técnicas, 2003.
BAKHTIN, M. Marxismo e Filosofia da Linguagem. Trad. Michel Lahud e Yara Frateschi Vieira. 11a. ed. São Paulo: Annablume-Hucitec, 2004.
BLUMENSCHEIN, E.C. Como reverbera a palavra: contribuição a uma teoria interdisciplinar de educação. 2007. 158f. Tese (Doutorado em Educação) – Pontifícia Universidade Católica, São Paulo, SP, Brasil.
BOYNE, J. O menino do pijama listrado: Uma Fábula. Trad. Augusto Pacheco Calil. São Paulo: Companhia das Letras, 2007.
COSTA, F.A.; RODRIGUEZ, C.; CRUZ, E.; FRADÃO, S. Repensar as TIC na Educação. O Professor como Agente Transformador. Coleção “Educação em Análise”. Lisboa: Santillana, 2012
COSTA, M.E.P. A interdisciplinaridade na construção da leitura: um caminho para o letramento. 2009. 133f. Dissertação (Mestrado em Linguística) - Universidade de Brasília, Brasília, DF, Brasil.
DOMINGUES, I. Multi, Inter e Transdisciplinaridade: onde estamos e para onde vamos?. Pesquisa em Educação Ambiental, São Paulo, Vol. 7, 2012, número 2, página 11-26.
FARIAS, S.C. Os benefícios das tecnologias da informação e comunicação (TIC) no processo de educação à distancia (EAD). Revista digital de biblioteconomia e ciência da informação, Campinas. Vol. 11, 2013, número 3, página 15-29.
FAZENDA, I.C.A. Integração e interdisciplinaridade no ensino brasileiro: efetividade ou ideologia?. 1a. ed. São Paulo: Edições Loyola, 1979.
FREIRE, P. A importância do ato de ler: em três artigos que se completam. São Paulo: Cortez, 1989.
JAPIASSU, H. Interdisciplinaridade e patologia do saber. 1a. ed. Rio de Janeiro: Imago Editora Ltda, 1976
MÜGGE, E. Ensino médio e educação literária: propostas de formação do leitor. 2011. 189f. Tese (Doutorado em Literatura Brasileira, Portuguesa e Lusoafricana) - Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, Brasil.
OLIVEIRA, R.L.R.; ROCHA, T.S. A importância da leitura para o 1º ano do ensino fundamental. 2014. 59f. Monografia (Trabalho de Conclusão de Curso em Pedagogia) – UNISALESIANO, Lins-SP, Brasil
PIAGET, J. Para onde vai a educação? Tradução de Ivete Braga. 14ª ed. Rio de Janeiro: José Olympio, 1998.
SAHEB, D. Os sete saberes necessários à formação do futuro e a Educação Ambiental na formação de professores: uma discussão à luz das diretrizes curriculares nacionais para a Educação Ambiental. Pesquisa em Educação Ambiental, São Paulo, Vol. 10, 2015, número 1, página 57-69.
TAVARES, R. Aprendizagem significativa. Revista Conceitos. Vol. 5, 2004, número 10, página 55-60.
VYGOTSKY, L.S. A Formação social da mente. 7a ed. São Paulo: Martins Fontes, 2015.
VYGOTSKY, L.S. Pensamento e linguagem. 4ª ed. São Paulo: Martins Fontes, 2008
WEBER, S.R. Mosaico analítico: a construção do sujeito leitor nas relações entre literatura e mídia no mundo infantil. 2009. 187f. Dissertação (Mestrado em Literatura Comparada) - Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, RS, Brasil.
1. Professor na Secretaria Municipal de Educação de Taubaté, Taubaté, SP, Brasil e mestrando na Universidade de São Paulo, Escola de Engenharia de Lorena, Lorena, SP, Brasil. biodito@usp.br
2. Professora na Secretaria Municipal de Educação de Taubaté, Taubaté, SP, Brasil. drevaleria@hotmail
3. Professor na Secretaria Municipal de Educação de Taubaté, Taubaté, SP, Brasil. fecasi.nosferatu@yahoo.com.br
4. Professor na Secretaria Municipal de Educação de Taubaté, Taubaté, SP, Brasil. gpmarinho@hotmail.com
5. Professora doutora no Programa de Pós-Graduação em Projetos Educacionais na área de Ensino de Ciências da Universidade de São Paulo, Escola de Engenharia de Lorena, Lorena, SP, Brasil. celiatomachuk@usp.br