Vol. 38 (Nº 22) Año 2017. Pág. 13
Fábio Chaves NOBRE 1; Dalila Alves CORRÊA 2; Luciana Holanda NEPOMUCENO 3; Liana Holanda Nepomuceno NOBRE 4; Adail José de SOUSA 5; Valdemar SIQUEIRA Filho 6
Recibido: 17/11/16 • Aprobado: 17/12/2016
2. Administração como Campo Multiparadigmático e a Controvérsia dos Métodos
4. A Amostragem em pesquisas qualitativas: Equívocos e Possibilidades
RESUMO: A Administração, como campo multiparadigmático, demanda a coexistência de variados modos de acesso e definição da realidade, derivando daí diferentes possibilidades metodológicas de investigação científica entende-se que há fenômenos sociais que só podem ser investigados através de uma coleta de amostra não probabilística ou teórica, caracterizando assim o enfoque qualitativo da investigação. Entretanto, nesta área, ainda há um acentuado questionamento sobre a validade dos resultados de pesquisas realizadas com metodologias qualitativas. Entende-se, neste trabalho que falta compreensão sobre a maleabilidade do método qualitativo quando se trata de técnicas amostrais. Objetiva-se, pois, discutir a amostragem em pesquisa qualitativa no âmbito da Administração, apresentando os potenciais equívocos em sua definição e buscando vislumbrar caminhos de aprimoramento do recurso metodológico neste campo. O trabalho foi desenvolvido na modalidade ensaio teórico, sem a pretensão de atender plenamente a lacuna identificada. |
ABSTRACT: Management, as multiparadigmatic field, demands the coexistence of multiple modes of access and definition of reality, and different methodological possibilities of scientific research derives from these coexistence (GODOI, Balsini, 2010). There are social phenomena that can only be performed by a non-probabilistic or theoretical sample collection. However, in this area, there is still a sharp questioning of the validity of the research findings carried out with a qualitative methodology. It is understood, in this work that there is a gap of understanding about the malleability of the qualitative method when it comes to sampling techniques. Objective is, therefore, discuss sampling in qualitative research in the administration, highlighting the potential misconceptions in defining and seeking improvement paths of the methodological approach in this field. The work was developed in theoretical test mode, with no claim to fully meet the identified gap. |
A ética do pesquisador sempre deve permear em seus estudos e, neste sentido, a transparência no que se refere à técnica de amostragem a ser utilizada evidencia uma dimensão do rigor da investigação científica, garantindo sua validade e confiabilidade pela comunidade científica.
Este rigor deve ocorrer não só na pesquisa quantitativa, mas também na qualitativa: ao encerrar o processo de amostragem o pesquisador deverá ter ciência de que a amostra eleita responderá pela qualidade dos dados, bem como pela riqueza da análise e da interpretação dos resultados da pesquisa. Nesse contexto, destacam-se, a experiência e observância do pesquisador para delimitar o campo e os sujeitos que integrarão a pesquisa, uma vez que esta fase não é controlada por parâmetros amostrais quantitativos e, sendo asism, demanda clareza e segurança das justificativas que a emabasarão.
Esta questão se torna ainda mais relevante em campos de caráter multiparadigmático como os estudos organizacionais, ou numa perspectiva mais ampla, a Administração. O campo multiparadigmático implica na coexistência de variados modos de acesso e definição da realidade, derivando daí diferentes possibilidades metodológicas de investigação científica (Godoi & Balsini, 2010).
Entende-se que há fenômenos sociais que só podem ser investigados através de uma coleta de amostra não probabilística ou teórica. Pesquisas de Zelditch (1962) e Marshall & Rossman (1989) estabelecem critérios para validade de coleta de dados na pesquisa qualitativa.
Entretanto, nem sempre estes critérios são observados, abrindo espaço para críticas e restrições em relação às pesquisas qualitativas. Compreende-se, neste trabalho, que o rigor na definição da amostra na pesquisa qualitativa é tão crucial quanto o é para o método quantitativo e, preservadas suas especificidades, constitui em um dos fatores de cientificidade deste método, indicando validade e confiabilidade para as comunidades externa e interna.
Neste cenário, o objetivo deste artigo é discutir a amostragem em pesquisa qualitativa no âmbito da Administração, apresentando os potenciais equívocos na definição da amostra e buscando vislumbrar caminhos de aprimoramento do recurso metodológico neste campo. O texo está estruturado nos seguintes tópicos: Administração como campo multiparadigmático e a controvéria dos métodos, amostragem em delineamentos de projetos de pesquisa quantitativa e qualitativa: tipos, confiabilidade e validade, discussão e análise das críticas ao processo de amostragem em pesquisas qualitativas, possibilidades de erros metodológicos e possibilidades de aprimoramento das técnicas.
Os estudos dos fenômenos sociais, educacionais, econômicos, culturais e psicológicos relacionam-se com o termo ciências sociais ainda caracterizado pelo intensivo uso de métodos quantitativos nos processos investigativos (Godoy, 1995a). Entretanto o uso do método qualitativo vem ganhando espaço, ao abordar os objetos com outro recorte e acrescentar conhecimento no campo cobrindo as limitações do uso dominante do método quantitativo.
A diferenciação entre os métodos costuma ser apresentada de forma simplista, alicerçada apenas na distinção entre representações numéricas e não-numéricas (Stablein, 2001) reduzindo a natureza da pesquisa qualitativa ao não-quantitativo e ignorando que a eleição dos procedimentos metodológicos deriva de posturas adotadas previamente ao nível ontológico e epistemológico (Godoi & Balsini, 2010).
Buscando um olhar mais complexo, mas ainda descritivo, pode-se afirmar que a pesquisa quantitativa se caracteriza pela busca da objetividade no que se refere a definição de variáveis, definição de hipóteses e principalmente no rigor da mensuração das variáveis e criação de modelos. Estes aspectos supostamente garantiriam maior segurança ou minimização das distorções nas interpretações dos resultados.
De maneira diversa, a pesquisa qualitativa define-se, majoritariamente, por uma abordagem processual, prescindindo das regularidades. Além disso, ela implica na compreensão dos agentes, não apenas no campo do analisável - mediante um método que reconstrua as ações dos atores dos sistemas sociais, mas no campo do não-verificável, do interpretável a partir da atribuição de sentido (Alonso, 1998).
Uma diferença que se evidencia na forma de definir o campo empírico, a pesquisa qualitativa muitas vezes prescinde de uma delimitação prévia rigorosa da amostra a ser trabalhada e este aspecto é acentuadamente contestado questionando-se a validade e confiabilidade das pesquisas nessa abordagem. Apesar da crescente adesão ao método qualitativo no campo da Administração – ou talvez por causa disso – segundo Godoi & Balsini (2010, p. 90) ainda há muita restrição ao uso do método e “muitas controvérsias sobre a natureza, os critérios de adequação metodológica e os parâmetros de avaliação deste tipo de pesquisa”. Autores como Huber (1995) e Carey (1989) discordam do método, colocando em questão itens como tendências políticas e o considerando como um ataque às conquistas da pesquisa positivista.
A controvérsia objetividade-subjetividade não se limita ao campo da Administração, mas nele encontra elementos ímpares para se manifestar dada a multiplicidade de aspectos implicados no objeto de estudo. Autores como Vieira (2006) e Peci (2006) indicam que o campo só tem a ganhar ao rejeitar a dicotomia objetividade-subjetividade e a ideia de um monométodo, e incorporar dimensões temporais, relacionais e espaciais ao estudo das organizações, considerando que o empreendimento prático da pesquisa se caracteriza como um processo mutável e inacabado.
Vieira (2006) acrescenta que o ideal seria que os diversos problemas fossem investigados de forma complementar por visões qualitativas e quantitativas, mesmo que não pelo mesmo pesquisador. Assim a comparação e a agregação dos resultados poderiam contribuir para o enriquecimento da compreensão sobre o objeto. De forma convergente Araújo, Gomes & Lopes (2012, p. 170) afirmam que “o objeto do estudo da administração e per si complexo e não estático o que exige avanços metodológicos e instrumentais conceituais que tragam à baila a possibilidade de uma apreensão coesa e coerente dos fenômenos estudados”.
O conceito de amostra na abordagem quantitativa refere-se a uma parte extraída de uma população. Destaque-se a diferença entre amostra e amostragem, pois amostragem é o processo de escolha da amostra. A boa constituição da amostra no método quantitativo é um dos elementos que favorecem a generalização dos resultados obtidos no estudo.
Os métodos de amostragem probabilística são ferramentas para selecionar observações que por ventura tenham a mesma chance de participar da amostra. Neste sentido, Cooper e Schindler (2003) entendem que a seleção de algumas observações pode a vir a responder por toda uma população, desde que o processo de seleção de observações tenha sido feito através de critérios rigorosos.
Desta forma, a validade de uma amostra é garantida quando características dela apresentam as mesmas características da sua população de origem. Cooper e Schindler (2003) afirmam que a validade depende de dois itens: acuidade e precisão.
Acuidade: é o grau em que os vieses ficam de fora da amostra. Quando a amostra é conduzida de forma apropriada, alguns elementos da amostra subestimam os valores da população em estudo e outros superestimam esses valores. As alterações nesses valores anulam umas às outras; essa contraposição resulta em um valor de amostra que é geralmente próximo do valor da população. Porém, para que esse efeito anulador ocorra, deve haver elementos suficientes na amostra, que deve ser conduzida de forma a não favorecer superestimativas nem subestimativas.
Precisão: Nenhuma amostra vai representar totalmente sua população em todos os aspectos. Espera-se que os descritores numéricos que descrevem as amostras sejam diferentes daqueles que descrevem a população devido às flutuações aleatórias inerentes ao processo de amostragem. (Cooper & Schindler, 2003 P. 151)
Nota-se que a pesquisa quantitativa possui uma preocupação com a acurácia e precisão dos dados com a finalidade da generalização. A precisão, porém, é prejudicada pelas flutuações aleatórias, algo inerente a amostragem. Na pesquisa quantitativa a amostragem é dividida em dois grupos (amostragem probabilística e amostragem não probabilística). Cooper & Schindler (2003) afirmam que a amostragem probabilística se caracteriza por ser feita com procedimentos controlados devido a seleção aleatória das observações e por todas as observações terem a chance de ser selecionadas, ou seja, que a probabilidade seja diferente de zero.
Para os autores, a amostragem não probabilística é subjetiva e não aleatória, e permite que os pesquisadores selecionem suas observações de forma intencional. Cooper & Schindler (2003) definem cinco tipos de amostragens probabilísticas, conforme o Quadro 1:
Tipo |
Descrição |
Aleatória simples |
Cada elemento da população tem a mesma chance de ser selecionado na amostra. A escolha para a amostra usa uma tabela/gerador de número aleatório. |
Sistemática |
Seleciona um elemento da população e começa com um início aleatório e depois a fração de amostragem seleciona cada elemento k-ésimo. |
Estratificada |
Divide a população em subpopulações ou estratos e usa a aleatória simples em cada estrato. Os resultados podem ser ponderados e combinados. |
Conglomerado |
A população é dividida em subgrupos internamente heterogêneos. Alguns são selecionados aleatoriamente para estudos adicionais. |
Dupla (sequencial ou multifásica) |
O processo inclui a coleta de dados de uma amostra usando uma técnica previamente definida; com base nas informações encontradas, selecionamos uma subamostra para estudos adicionais. |
Quadro 1 Tipos de amostragens probabilísticas
Fonte: Adaptado de Cooper e Schindler (2003)
Vale ressaltar que cada tipo de amostragem probabilística possui vantagens e desvantagens na sua aplicação e o pesquisador que utilizar destes tipos de amostragens deve ter consciência destes fatos. A amostragem não probabilística possui dois métodos de coleta de amostras (conveniência e intencional). As amostras de conveniência são consideradas não confiáveis e mais baratas em termos de custo e fácil de condução, pois os pesquisadores tem facilidade de escolha de suas observações (Cooper & Schindler, 2003).
A amostragem intencional divide-se em três critérios (amostragem por julgamento, amostragem por quotas e amostragem bola de neve). Na amostragem por julgamento, o pesquisador seleciona uma observação para atender a algum critério de sua pesquisa e na amostragem por quota é a seleção de um grupo de observações. O objetivo desta última seria melhorar a representatividade da pesquisa (Cooper & Schindler, 2003). Na amostragem bola de neve, pode-se usar os métodos probabilísticos para selecionar grupos de observações e localizar outros grupos com a mesma similaridade e, assim, forma-se um conjunto como forma de bola de neve (Cooper & Schindler, 2003).
Castro (2006) aponta que, apesar da amostra aleatória ser um importante legado da teoria da probabilidade, não há razão imperativa baseada em critério metodológico para privilegiar sempre o seu uso. O autor recorda que o Princípio da Evidência Total justifica usar toda evidência disponível de forma rigorosa e eficiente com a finalidade de produzir conhecimento científico. O que é inaceitável é a utilização de um procedimento com menos rigor do que seria possível em dado momento histórico e dada a especificidade do objeto.
Depreende-se que rigor e eficiência são elementos importantes na construção do procedimento metodológico, seja ele de natureza quantitativa ou qualitativa. O rigor no método qualitativo decorre do posicionamento indicado por Adorno (2008, p. 184): “o decisivo é não dispor o método de modo absoluto em oposição ao seu assunto, mas sim situá-lo em uma relação viva com esse objeto” (Adorno, 2008, p. 184). Nesse contexto, uma contribuição do método qualitativo é a característica interpretativista e isto, segundo Paiva Júnior, Leão & Mello (2011) constitui seus critérios de validade e confiabilidade. Neste sentido, tanto a subjetividade do pesquisador quanto o raciocínio indutivo, características da abordagem qualitativa, se farão presentes durante toda a pesquisa (Leão, Mello & Vieira, 2009).
Kirk & Miller (1986) compreendem a validade de uma pesquisa relacionada à consecução dos objetivos através de um método, ou seja, se o método possibilita que os objetivos da pesquisa sejam atendidos. Os autores fazem uma distinção nos tipos de validade, quais sejam: validade aparente, validade instrumental e validade teórica.
A primeira faz uma relação entre o método e a capacidade de produzir informações desejadas. A segunda faz uma comparação entre os dados fornecidos por um método com os dados gerados por procedimento alternativo. A terceira se refere à legitimidade do procedimento. Os mesmos autores discutem confiabilidade, indicando que esta ocorre quando uma outra pesquisa, semelhante à primeira, utilizando os mesmos procedimentos, chega a resultados parecidos.
Kirk & Miller (1986) definem três tipos de confiabilidade: a confiabilidade quixotesca se refere a uma medida contínua aplicada por um único método, a confiabilidade diacrônica se refere à estabilidade das observações, e a confiabilidade sincrônica se refere à similaridade de diferentes observações.
De maneira geral, a confiabilidade e a validade de uma pesquisa quantitativa no campo da administração são tomadas como evidentes. Tanto a tradição como a aparente objetividade do método sustentam os procedimentos. A pesquisa qualitativa, porém, ainda está em processo de consolidação no campo. Os critérios de qualidade de uma pesquisa qualitativa são aqueles que apontam a possibilidade de validade e confiabilidade da mesma. Paiva Júnior, Leão & Mello (2011) sistematizaram os critérios, acentuando que os mesmos podem assegurar tanto confiabilidade como validade, ou apenas um deles (Quadro 2).
Critério |
Validade |
Confiabilidade |
Triangulação |
x |
x |
Reflexividade |
|
x |
Construção do corpus de pesquisa |
x |
x |
Descrição clara, rica e detalhada |
x |
x |
Surpresa |
x |
|
Feedback dos informantes |
x |
x |
Quadro 2 – Critérios de validade e confiabilidade
Fonte: Paiva Paiva Júnior, Leão & Mello (2011)
Apesar de não estar explícito entre os critérios apresentados, a configuração da amostra, ou a definição do campo empírico, é um aspecto importante na garantia do alcance dos objetivos. É preciso ressaltar que não há um padrão ou uma sistematização majoritariamente aceita sobre os processos de amostragem ou sobre as amostras em pesquisa qualitativa.
Segundo Pires (2008), pode-se estabelecer duas formas para a definição de amostra: (1) como resultado de um procedimento visando analisar o todo através da retirada de uma parte, e (2) no sentido amplo, como a constituição do corpus empírico de uma pesquisa. Independente da forma escolhida pelo pesquisador, esse processo tem caráter flexível e permite a redefinição da amostra no decorrer da pesquisa. Como afirma Pires (2008), o planejamento de construção do objeto como um todo é mais importante que a definição do processo de amostragem.
Pires (2008) divide os tipos de amostras qualitativas em dois tipos de amostragem (Quadro 3). Essa classificação de amostragem não é absoluta, pois pode haver possibilidades de outras denominações ou outros tipos de amostragem. As pesquisas qualitativas (não probabilísticas) constituem seu corpus empírico ao longo da pesquisa e esta é sua principal característica. Segue-se, ao quadro, a conceituação dos tipos apresentados pelo autor.
Tipos de Amostragem |
Tipos de Amostras |
|
1.1 Amostra por Ator |
1.2 Amostra de meio, Institucional ou geográfico |
|
1.3 Amostra de acontecimento ou enredo |
|
|
2.1 Amostra por contraste |
2.2 Amostra por homogeneização |
|
2.3 Amostra por contraste - aprofundamento |
|
2.4 Amostra por contraste - saturação |
|
2.5 Amostra por busca do caso negativo |
Quadro 3: Tipos de amostragem na pesquisa qualitativa
Fonte: Adaptado de Pires (2008)
Pires (2008) define que o corpus empírico deste tipo de amostra gira em torno de um indivíduo ou uma família. Daí se tem um relato oral ou escrito da pessoa ou membros da família. Para obter esses relatos são adotadas três vias:
Esse tipo de pesquisa se encaixa no contexto de biografias, compreendendo a história de vida completa e a história de vida segmentada. Pires (2008) argumenta que a história de vida completa abrange as principais dimensões da trajetória em análise, e a história de vida segmentada focaem dimensões específicas da trajetória do indivíduo ou família.
Para Pires (2008), este tipo de amostra caracteriza um universo que deve ser tratado como uma totalidade, ainda que os dados sejam coletados em diferentes locais, desde que se refiram a um mesmo meio. O universo de análise constitui o próprio corpus empírico da pesquisa.
Este tipo de amostra evidencia um acontecimento raro ou atípico, em termos de frequência. Desta forma, o corpus empírico se refere a este único “caso” (Pires, 2008).
Pires (2008) constrói o conceito desta amostra comparando com a construção de um mosaico, que garante a presença de pelo menos um representante de cada grupo teórico em relação ao objeto estudado, ou seja, a amostra por contraste é definida como uma comparação entre sujeitos para se entender o objeto de estudo. Michelat (1975) apud Pires (2008) argumenta que o contraste por ser realizado através de duas variáveis, descritas no quadro 4:
Variáveis |
Descrição |
Pesquisa |
Variáveis Gerais |
Refere-se às variáveis Sexo, Idade, Profissão, Classe Social, região etc. |
Voltado mais a pesquisa quantitativa |
Variáveis Específicas |
As variáveis são definidas em pesquisas anteriores, bem como de construção de hipóteses teóricas. |
Voltado para a pesquisa qualitativa |
Quadro 4 – Descrição de variáveis segundo Michelat (1975)
Fonte: a própria pesquisa
Vale ressaltar que para a análise de dados obtidos por meio da amostra por contraste, não é necessária a representatividade numérica da amostra como no método quantitativo, e sim que se possa elaborar um estudo comparativo entre os casos levantados.
A amostra por homogeneização é composta por um grupo de elementos de um mesmo conjunto sociocultural. Nesta amostra, o impacto da diversidade externa é controlado pela escolha do objeto de estudo. A diversidade interna é obtida pelo levantamento de informações variadas que evidenciem diferentes posicionamentos em relação ao objeto de estudo, enriquecendo os resultados da análise do grupo (Pires, 2008)
Pires (2008) propõe que este tipo de amostra é aplicado ao estudo coletivo de casos e se caracteriza por ser uma comparação entre um determinado número de casos, no qual cada caso (1) possui um significativo volume de material empírico, (2) é objeto de uma descrição em profundidade, e (3) é exposto de uma forma relativamente autônoma. Assim, o objetivo do uso desta amostra é ressaltar os elementos que marcam as diferenças entre os casos estudados (Pires, 2008).
Pires (2008) define este tipo de amostra como sendo a combinação entre a amostra por homogeneização e a amostra por contraste, sendo encontrada em pesquisas com um grande volume de casos. Procuram-se elementos que caracterizam a homogeneidade da amostra, assim como elementos que identificam a diversidade entre os casos.
Este tipo de amostra consiste em casos que são exceções. Pires (2008) argumenta que nos casos negativos, busca-se formular hipóteses para fundamentar o caso e depois, encontrar fatos contrários a hipótese. O autor afirma pesquisas com este tipo de amostra são raras.
A pesquisa qualitativa sofre diversas críticas pela questão da parcialidade do investigador em relação aos achados da pesquisa. Entretanto, a principal qualidade deste método é justamente a capacidade do pesquisador colocar sua posição frente ao objeto de estudo. Como enfatiza Adorno (2008, p. 184-185):
antes de levar em frente qualquer investigação científica, certamente é necessário que se reflita exatamente como ela deve ser conduzida para ter sentido; que haja uma posição crítica em relação aos próprios procedimentos; que estes sejam adequadamente pensados; e que não se pesquise e não se reflita intempestivamente sem objetivo.
Neste sentido, a autorreflexão sugerida por Francis e Hester (2004) justifica a parcialidade do pesquisador frente aos achados de uma pesquisa, pois ao fazer parte do mundo social que estuda, o pesquisador irá utilizar sua experiência, conhecimento e competências para analisar seus dados e desenvolver sua pesquisa (Bispo & Godoy, 2014; Chueke & Lima, 2012).
Para Chueke & Lima (2012) a possibilidade de falha na pesquisa qualitativa diz respeito ao uso inadequado do método e não decorre das limitações da pesquisa qualitativa. Desta forma, a confiabilidade demanda e implica na descrição exaustiva dos dados coletados; ou seja, a análise deve se aprofundar ao máximo para que as lacunas da pesquisa sejam discutidas.
A validade interna da pesquisa é importante na medida em que o pesquisador irá analisar os resultados de forma a verificar o sentido dos mesmos, ou seja, se os resultados explicam aquela realidade estudada. Após esta etapa, o pesquisador deverá verificar a confiabilidade da pesquisa e neste momento o pesquisador deverá se posicionar de forma consistente na contextualização do objeto de estudo. A validade externa e a transferibilidade indicam se o estudo pode ser transferido para outras realidades ou aplicados a outras situações.
Desta forma, deve-se ter uma riqueza de detalhes ou aprofundamento do estudo para que, ao ser aplicado em novas situações, o mesmo possa ser adequado a estas novas realidades (Chueke & Lima, 2012). Ressalta-se que a possibilidade de equívoco no método qualitativo não se refere à composição da amostra ou ao procedimento de amostragem, mas ao tratamento que os dados obtidos receberão.
Em relação à coleta de dados, uma questão controversa é o conceito de “saturação” ou redundância, muitas vezes usado para justificar o encerramento a coleta e, consequentemente, a definição do tamanho da amostra. Para Glaser & Strauss (1967) a saturação deveria ser julgada por cada ponto teórico abordado na pesquisa. O critério de julgamento para definir o encerramento de uma amostra deveria derivar da constatação, por parte do pesquisador, de que a medida em o processo de coleta de dados decorre, não se acrescentam dados que contribuam para o desenvolvimento ou aprofundamento de cada categoria analisada pela pesquisa empreendida.
A noção de redundância ou saturação teórica deveria implicar na garantia de rigor do método, entretanto Fontanella, Ricas & Turato (2008) relatam algumas interpretações indevidas deste tipo de amostragem. Uma utilização equivocada do termo acontece quando a interrupção da coleta de dados atribuída à saturação é causada não pela redundância dos dados e sim pela questão de impaciência ou cansaço do pesquisador. Outro emprego controverso ou mesmo equivocado do termo saturação, apontam os autores, ocorre quando a expressão ‘amostra saturada’ designa o fechamento amostral que ocorreu por exaustão, ou seja, todos os que faziam parte do universo definido pelo pesquisador foram incluídos nos procedimentos da pesquisa.
Fontanella, Ricas & Turato (2008) apontam ainda que a análise do ponto de saturação deve ser bastante ponderada, dependendo dos objetivos da investigação: mesmo que em algum momento um determinado conjunto de percepções provenientes da análise dos dados obtidos se mostre repetitivo, eventuais diferenças, pequenas dissonâncias podem ser valorizadas e exploradas para efeito de maior compreensão do fenômeno. Nas palavras de Fontanella, Ricas & Turato (2008, p. 22): “casos desviantes ajudariam a melhor demarcar a extensão das análises, apontando seus limites, e uma maior variedade da representação (…) mostraria o compromisso com a transparência da investigação”.
É importante, pois, ressaltar que as fragilidades do procedimento metodológico relativas à amostra, no caso das pesquisas qualitativas, decorrem de elementos diferentes da incapacidade de atender aos mesmos critérios de confiabilidade e validade das pesquisas quantitativas. Este entendimento decorre da compreensão epistemológica das especificidades das abordagens quantitativa e qualitativa e da forma como cada método possibilita a definição e modo de captação do objeto estudado.
A pesquisa qualitativa possui uma gama de técnicas de amostragem com o rigor tão apurado quanto o da pesquisa quantitativa. A característica de “não respeitar” o número de amostra ou um cálculo para tal é a sua principal característica e assim, possibilita um número maior de pesquisas em profundidade. Percebe-se que a abordagem qualitativa da pesquisa se encaixa melhor em estudos exploratórios ou em temas poucos estudados (Godoy, 1995b).
Outro ponto a destacar é em relação à parcialidade do pesquisador, pois a abordagem qualitativa evidencia que os aspectos da formação, subjetividade e vivência do pesquisador interferem de formas variadas no planejamento da pesquisa, no que se refere à determinação (1) do objeto, (2) do campo empírico, (3) das abordagens teóricas eleitas para direcionar a reflexão e análise. Além disso, a individualidade do pesquisador influencia a determinação do processo de amostragem, o tratamento dos dados coletados e, consequentemente, dando especificidade aos resultados da pesquisa.
Nesta perspectiva, entende-se que o processo de amostragem é multicausado e, de maneira dinâmica, determina os resultados da pesquisa e concomitantemente é determinado pelos demais elementos da pesquisa – incluindo-se aí, de forma destacada, a individualidade do pesquisador. No método qualitativo a parcialidade é um atributo importante para a produção de conhecimento, ou seja, a autorreflexão sobre o problema de pesquisa é fundamental para colocar toda a experiência, conhecimento e criatividade frente a pesquisa.
ADORNO, T.W. (2008) Introdução à sociologia. São Paulo: UNESP.
ALONSO, L. H. (1998) La mirada cualitativa en sociología. Madrid: Fundamentos.
ARAUJO, R.M., GOMES, F.P.; LOPES, A.O.B. (2012) Pesquisa em Administração: qualitativa ou quantitativa? In: Revista das Faculdades Integradas Vianna Júnior, 3 (01), 151-175.
BISPO, M.de Souza; GODOY, A.S. (2014) Etnometodologia: Uma proposta para pesquisa em estudos organizacionais. Revista de administração da UNIMEP, 12 (2), 108-135.
CAREY, J.W. (1989) Culture as communication. Boston: Unwin Hyman. 1989.
CASTRO, C. M. (2006) A Prática da Pesquisa. São Paulo: Pearson.
CHUEKE, G.V.; LIMA, M.C. (2012) Pesquisa Qualitativa: evolução e critérios. Revista Espaço Acadêmico, 11 (128), 63-69.
COOPER, D.R.; SCHINDLER, P.S. (2003) Método de pesquisa em administração, Porto Alegre: Bookman, 7ª edição.
FONTANELLA, B.J.B.; RICAS, J.; TURATO,E.R. (2008) Amostragem por saturação em pesquisas qualitativas em saúde: contribuições teóricas. Cad. Saúde Pública, 24(1), 17-27.
FRANCIS, D.; HESTER, S. (2004) An Invitation to Ethnomethodology: language, society and interaction. London: Sage.
GLASER, B.G.; STRAUSS, A.L. (1967) The Discovery of Grounded Theory. Chicago: Aldine.
GODOI, C. K.; BALSINI, C. P. V. (2010) A pesquisa qualitativa nos estudos organizacionais brasileiros: uma análise bibliométrica. In: SILVA, A. B.; GODOI, C. K.; BANDEIRA-DEMELO, R. (orgs). Pesquisa qualitativa em estudos organizacionais: paradigmas, estratégias e métodos. 2. ed. São Paulo, 89-113.
GODOY, A.S. (1995a) A pesquisa Qualitativa e sua Utilização em Administração de Empresas. Revista de Administração de Empresas. São Paulo, 35 (4), 65-71.
GODOY, A.S. (1995b) Introdução à Pesquisa Qualitativa e suas Possibilidades: Uma revisão histórica dos principais autores e obras que refletem esta metodologia de pesquisa em Ciências Sociais. Revista de Administração de Empresas. São Paulo. 35(2), 57-63.
HUBER, J. (1995) Centennial essay: Institutional perspectives on sociology. American Journal of sociology, 101, 194-216.
KIRK, J.; MILLER, M. L. (1986) Reliability and validity in qualitative research. Thousand Oaks: Sage Publications.
LEÃO, A.L.M. de S.; MELLO, S.C.B. de; VIEIRA, R.S.G. (2009) O papel da teoria no método de pesquisa em Administração. Organizações em contexto, 5 (10), 1-16.
MARSHALL, C. & ROSSMAN, G.B. (1989) Designing Qualitative Research. New bury Park (Califórnia): Sage.
MESQUITA, R.F. de; MATOS, F.R.N. (2014) Pesquisa Qualitativa e Estudos Organizacionais: história, abordagens e perspectivas futuras. IV Colóquio Internacional de Epistemologia e Sociologia da Ciência da Administração. Florianópolis/SC.
MICHELAT, G. (1975) Sur l'utilisation de l'entretien non directif en sociologie, Revue française de sociologie, XVI, 1975, p. 229-247.
PAIVA JÚNIOR, F.G.; LEÃO, A.L.M. de S.; de MELLO, S.C.B. (2011) Validade e Confiabilidade na Pesquisa Qualitativa em Administração. Revista de Ciências da Administração. 13 (31), 190-209.
PECI, A. (2006) Além da dicotomia objetividade-subjetividade. VIEIRA, M.M.F.; ZOUAIN, D.M. Pesquisa Qualitativa em Administração. Rio de Janeiro: Editora FGV.
PIRES, A.P. (2008) Amostragem e pesquisa qualitativa: ensaio teórico e metodológico. In: POUPART, Jean; et al. A pesquisa qualitativa enfoques epistemológicos e metodológicos. Ed vozes.
STABLEIN, R. (2001) Dados em Estudos Organizacionais. In: CLEGG, S. R. et al (Org.) Handbook de Estudos Organizacionais. São Paulo: Atlas.
VIEIRA, M.M.F. (2006) Por uma boa pesquisa (qualitativa) em administração. VIEIRA, M.M.F.; ZOUAIN, D.M. Pesquisa Qualitativa em Administração. Rio de Janeiro: Editora FGV.
ZELDITCH, Morris Jr. (1962) Some Methodological Problems of Field Studies. American Journal of Sociology. 67 (5), 566-576.
1. Professor da Universidade Federal Rural do Semi-Árido – UFERSA. Doutorando em Administração pela Universidade Metodista de Piracicaba – UNIMEP. Email: fabio.nobre@ufersa.edu.br
2. Professora da Universidade Metodista de Piracicaba – UNIMEP. Email: dacorrea@unimep.br
3. Professora da Universidade Federal Rural do Semi-Árido – UFERSA. Doutoranda da Universidade de Lisboa (Instituto Superior de Economia e Gestão – ISEG) . Email: luciananepomuceno@ufersa.edu.br
4. Professora da Universidade Federal Rural do Semi-Árido – UFERSA. Email: liananobre@ufersa.edu.br
5. Professor da Universidade Federal de Mato Grosso – UFMT. Doutorando em Administração pela Universidade Metodista de Piracicaba – UNIMEP.
6. Professor da Universidade Federal Rural do Semi-Árido - UFERSA.