Vol. 38 (Nº 20) Año 2017. Pág. 18
Sergio Brasil FERNANDES 1
Recibido: 04/01/2017 • Aprobado: 23/01/2017
2. Concepções sobre projeto político-pedagógico
4. Caracterização da Escola Pindorama
5. Apresentação e análise dos resultados
RESUMO: Este estudo de caso aborda a (re)construção coletiva do projeto político-pedagógico – PPP como um exercício prático de democracia importante para consolidar a gestão democrática nas escolas públicas brasileiras. Estabelece como objetivo a análise do PPP de uma escola pública, bem como das formas de participação em sua (re)construção. Os resultados mostram que há dificuldades inibidoras da participação da comunidade escolar no processo de (re)construir o PPP, mas também apresentam uma pré-disposição dos professores para trilharem um caminho que possibilite tal participação nesse processo, fazendo com que esse projeto seja, realmente, um instrumento de consolidação da gestão democrática na escola. |
ABSTRACT: This case study addresses the collective (re)construction of the political-pedagogical project –PPP as a practical exercise of democracy important for the consolidation of democratic management in Brazilian public schools. Establishes as objective the analysis of the PPP of a public school, as well as of the forms of participation in its (re)construction. The results show that there are inhibitory difficulties of the participation of the school community in the process of (re)building of the PPP, but also present a pre-disposition of the teachers to follow a path that allows such participation in this process, making of this project, really, an instrument of consolidation of democratic management in the school. |
A realidade atual da educação brasileira aponta para uma mudança na forma de gerir o processo educacional. A gestão democrática desponta como o modelo ideal para alavancar a educação no Brasil, pois abre as portas da escola para a participação não só de todos os membros da comunidade escolar, mas também da comunidade local. Compartilhando essa ideia, Paro (2010, p. 16) enfatiza que “[...] a gestão democrática deve implicar necessariamente a participação da comunidade [...]”.
Para conquistar esse modelo de gestão e torná-lo uma realidade em nossas escolas avulta em importância a (re)construção coletiva do projeto político-pedagógico – PPP que, segundo Fernandes (2015), é uma oportunidade ímpar de se praticar a democracia. Essa prática permite a participação dos atores que atuam na escola, dialogando, opinando, interagindo uns com os outros, enfim, construindo ou reconstruindo o PPP, este que é um instrumento indispensável para a afirmação da gestão escolar democrática.
Entretanto, pesquisas como as de Paro (2007), Luck (2010), Padilha (2012) e Fernandes (2015) mostram que obter a participação da comunidade escolar (professores, alunos, pais, funcionários) para (re)construir o PPP tem se mostrado uma tarefa árdua para os gestores escolares. Essa dificuldade tem a ver, segundo Veiga (2012), com a falta de uma cultura participativa do brasileiro em relação aos processos decisórios envolvendo política, educação, saúde, segurança pública, meio ambiente, etc. que impactam na vida da população.
Desse modo, evidencia-se o problema da não participação da comunidade escolar na (re)construção do PPP o que dificulta a afirmação da gestão democrática como modelo de gestão estabelecido pela legislação (Constituição Federal – CF/1988, Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional – Lei 9.394/1996 e Plano Nacional de Educacão – PNE 2014-2024) e defendido pela maioria dos autores/professores da área da Educação, dentre eles, José Carlos Libâneo, Ilma Veiga, Paulo Roberto Padilha, Pedro Demo e Vitor Paro.
Diante do problema apresentado e considerando a importância da (re)construção coletiva do PPP para a afirmação da gestão democrática, estabeleceu-se como objetivo deste trabalho: analisar o projeto político-pedagógico de uma escola pública e as formas de participação na sua (re)construção. Para desenvolver tal análise opta-se pelo estudo de caso, porque se entende que essa modalidade de pesquisa é a mais adequada, quando se trata de uma investigação em uma instituição social como é a Escola Pindorama [2].
Ao findar essas primeiras palavras, resta dizer que este estudo estrutura-se em seis seções: na introdução, apresentam-se um contexto geral sobre a realidade da gestão democrática e da (re)construção do projeto político-pedagógico, o problema de pesquisa e o objetivo do trabalho; logo depois, expõem-se concepções de autores/professores sobre o projeto; em seguida, apresenta-se a metodologia aplicada na realização do estudo; depois, a caracterização da Escola onde se desenvolveu a pesquisa; a seguir, trata-se da análise, propriamente dita, do PPP e das implicações da participação ou da não participação no processo de sua (re)construção para a realidade da Escola pesquisada; e, por fim, ao estudo acrescentam-se considerações finais.
A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional – LDBEN (Lei 9.394, de 20 de dezembro de 1996) determina, em seu Art. 12, Inciso I, que as escolas têm a incumbência de elaborar e executar proposta pedagógica própria. Ou seja, garante autonomia às escolas para (re)construir seus próprios projetos. Papel importante nesse processo de (re)construção deve ser exercido pelos professores, conforme estabelecido na LDBEN: “Art. 13. Os docentes incumbir-se-ão de: I - participar da elaboração da proposta pedagógica do estabelecimento de ensino; II - elaborar e cumprir plano de trabalho, segundo a proposta pedagógica do estabelecimento de ensino; [...]” (Brasil, 1996, p. 3).
Depreende-se disso que cada unidade escolar deve (re)construir seu projeto político-pedagógico, estabelecendo objetivos que guiem os professores na elaboração dos planos de trabalho, bem como no gerenciamento e na execução desses planos, a fim de qualificar o processo educativo. Importa ressaltar que a participação dos docentes na reconstrução do PPP é importante, não só para cumprir o previsto na legislação, mas principalmente, porque eles são, “[...] em primeira instância, os gestores do pedagógico na escola” (Ferreira, 2008, p. 183).
No entanto, ao considerar a perspectiva de Fernandes (2015, p. 181) sobre o PPP ser “[...] um instrumento da gestão democrática que deve ser (re)construído coletivamente com o intuito de buscar, de forma constante e ininterrupta, a melhoria da qualidade da educação”, entende-se que a (re)construção desse projeto deva ter a participação da comunidade escolar, isto é, alunos, pais ou responsáveis e funcionários – além dos professores – também devem ser partícipes ativos nesse processo. Dessa forma, pode-se validar a ideia de que “[...] a (re)construção do PPP é a instituição das vontades da coletividade, é o ponto de partida para a efetivação da gestão democrática [...]” (idem).
Essa argumentação enfatiza a importância da participação dos docentes, bem como da participação coletiva das comunidades escolar e local na (re)construção do projeto político-pedagógico e na consequente afirmação da gestão democrática nas escolas públicas. De acordo com Lück (2010, p. 35), essa participação pode se dar de várias maneiras: “a) a participação como presença, b) a participação como expressão verbal e discussão, c) a participação como representação política, d) a participação como tomada de decisão, e e) a participação como engajamento [...]”.
Considerado por Fernandes e Pereira (2014) como um instrumento de ação coletiva, o projeto político-pedagógico é essencial para a prática da democracia na escola. Nesse contexto, apresenta-se a conceituação de PPP proposta por Libâneo (2004, p. 153): “[...] é um guia para a ação, prevê, dá uma direção política e pedagógica para o trabalho escolar, formula metas, institui procedimentos e instrumentos de ação.” Diante disso, é preciso considerar que:
Toda escola tem objetivos que deseja alcançar, metas a cumprir e sonhos a realizar. O conjunto dessas aspirações, bem como os meios para concretizá-las, é o que dá forma e vida ao chamado projeto político-pedagógico – o famoso PPP [...]: É projeto porque reúne propostas de ação concreta a executar durante determinado período de tempo. É político por considerar a escola como um espaço de formação de cidadãos conscientes, responsáveis e críticos, que atuarão individual e coletivamente na sociedade, modificando os rumos que ela vai seguir. É pedagógico porque define e organiza as atividades e os projetos educativos necessários ao processo de ensino e aprendizagem. (Lopes, 2011, p. 22, grifos da autora).
Além disso, o projeto político-pedagógico deve ser um instrumento que retrate a realidade em que se insere a escola e, principalmente, seja resultado de um exercício da democracia praticado pelas comunidades escolar (professores, funcionários, alunos e pais) e local, estabelecendo bases fundamentais para que a escola desempenhe, com eficiência e eficácia, sua função social, ou seja, proporcione educação de qualidade (Fernandes e Pereira, 2014). Por sua vez, Veiga (2010) acredita que o compromisso da escola com o aluno, no sentido de formar um cidadão comprometido com a comunidade onde se insere, está envolvido por uma dimensão política cuja realização efetiva se dará por meio de processos pedagógicos muito bem pensados e elaborados a partir de um projeto maior, o PPP.
Então, do exposto pode-se afirmar que o projeto político-pedagógico é um instrumento que determina o rumo a ser seguido pela escola em busca de uma melhor qualidade da educação e que deve ser (re)construído coletivamente, de forma ininterrupta, pelos integrantes das comunidades escolar e local, sob a liderança dos professores, como uma maneira de viabilizar a prática da democracia, afirmando, enfim, a gestão democrática como modelo de gestão a ser praticado nas escolas públicas brasileiras e visando à formação de um aluno-cidadão capaz de interagir e influenciar positivamente na comunidade da qual faz parte.
Para elucidar o problema da não participação das comunidades escolar e local na (re)construção do projeto político-pedagógico e viabilizar a proposta deste estudo, optou-se pela abordagem qualitativa, intentando “[...] explicar o porquê das coisas, exprimindo o que convém ser feito [...]” (Silveira e Córdova, 2009, p. 32). Quanto à natureza, entende-se que esta é uma pesquisa básica, uma vez que visa “[...] gerar conhecimentos novos, úteis para o avanço da Ciência [...]” (ibidem, p. 34). Vale dizer que, especificamente, nesta investigação, a partir da análise proposta, pretende-se buscar e realçar saberes que contribuam para a (re)construção coletiva do PPP.
Outrossim, considerando o objetivo do estudo, julgou-se mais adequado optar pela pesquisa descritiva, pois a análise pretendida parte da descrição de fatos e fenômenos de determinada unidade; neste caso, a realidade descrita é a da Escola Pindorama. Ressalta que, de acordo com Trivinõs (1987), esse tipo de pesquisa demanda uma série de informações a serem descritas e analisadas e, justamente, é isso – descrever e analisar fatos e fenômenos - o que se pretende com esta investigação.
Neste contexto metodológico, a escolha do estudo de caso, como modalidade de investigação, sustenta-se por ser uma das possibilidades de se desenvolver uma pesquisa descritiva em uma instituição escolar, definindo-se como “[...] um conjunto de dados que descrevem uma fase ou a totalidade do processo social de uma unidade, em suas várias relações internas e nas suas fixações culturais, quer seja essa unidade uma pessoa, uma família, um profissional, uma instituição social, uma comunidade ou uma nação.” (Young, 1960, p. 269, tradução nossa, grifo nosso).
Quanto aos procedimentos técnicos para a coleta de dados, definiu-se que seriam utilizadas a pesquisa documental e a entrevista estruturada. Segundo Gerhardt, Ramos, Riquinho e Santos (2009, p. 69), a pesquisa documental é “[...] realizada a partir de documentos, contemporâneos ou retrospectivos, considerados cientificamente autênticos (não-fraudados)”; esse é o caso projeto político-pedagógico da Escola Pindorama. Em relação à entrevista estruturada, cabe dizer que o pesquisador/entrevistador orienta-se a partir de “[...] um roteiro previamente estabelecido, as perguntas são predeterminadas. O objetivo é obter diferentes respostas à mesma pergunta, possibilitando que sejam comparadas.” (Ibidem, p. 72).
Pode-se, então, afirmar que este estudo configura-se como uma pesquisa qualitativa de natureza básica, cujo objetivo pretende-se alcançar por meio da pesquisa descritiva da qual se extrai o estudo de caso, como modalidade de pesquisa útil para desenvolver uma investigação em uma instituição social, neste caso, uma escola, empregando, ainda, os procedimentos técnicos pesquisa documental e a entrevista estruturada.
Definidos a abordagem e a natureza da pesquisa, o tipo de pesquisa a ser utilizada, considerando o seu objetivo, a modalidade de investigação a ser empregada e os procedimentos técnicos para a coleta de dados, a escolha da unidade escolar onde se desenvolveu o estudo de caso deu-se por se tratar de uma das maiores escolas de educação básica do município de Santa Maria, RS, como se comprova pelo efetivo de professores, alunos e funcionários que compõem a comunidade escolar (ver seção “Caracterização da Escola”), o que sugere que os processos educativos desenvolvidos na Escola possam interferir na qualidade da educação disponibilizada a um número bastante considerável de alunos-cidadãos.
Desse modo, procurou-se a direção da Escola Pindorama para apresentar o projeto de pesquisa e, em caso de obter o aval, desenvolver a investigação. A diretora atendeu, prontamente, ao pedido e, além de propiciar o acesso à Escola, ao PPP e aos professores, viabilizando, dessa forma, a realização das entrevistas [3], também, nos oportunizou momentos de ensinagem importantes e promissores junto à comunidade escolar, principalmente, os professores.
A Escola Pindorama está localizada na periferia da cidade de Santa Maria-RS e abriga 1394 alunos estudando em três turnos (manhã, tarde e noite). No Ensino Fundamental (currículo por atividades) estão matriculados 649 alunos; no Ensino Fundamental (do quinto ao nono ano) são 385 alunos e no Ensino Médio 360 alunos. Além disso, a Escola tem em seus quadros uma Diretora Geral, eleita pelo voto direto das comunidades escolar e local; três vice-diretoras, uma para cada turno; 78 professores e 19 funcionários (serviços gerais, merendeiras e atendentes da secretaria).
O prédio é imponente, construção em dois andares de tijolos aparentes, possui um pátio circundado por árvores, com bancos e um quiosque central, as salas são amplas e arejadas; sala de informática equipada com 20 computadores com acesso à internet, biblioteca com disponibilidade de acesso nos três turnos, uma sala com recursos para atender aos alunos com necessidades educacionais especiais – NEE, onde estão inclusos seis alunos com deficiências físicas e outros problemas neurológicos. No entanto, a Escola mostra-se deficiente, quanto à acessibilidade de alguns alunos com NEE ao segundo piso. Apesar disso, pode-se afirmar que as instalações físicas são adequadas ao desenvolvimento de um bom trabalho educativo.
Destaca-se que as comunidades escolar e local consideram a Escola Pindorama um referencial para o bairro, porque, praticamente, todas as crianças e adolescentes dali estudam nessa Escola, também por conta da imponência do prédio que se destaca no espaço urbano onde está inserido e, principalmente, porque se reconhecem como parte integrante do educandário, afinal estudam ou estudaram na Pindorama.
A Escola Pindorama (2008, f. 7) apresenta, em seu projeto político-pedagógico, a filosofia de: “Despertar para a cultura, reflexão crítica da realidade, para a vivência de valores e desenvolvimento das potencialidades do educando a partir de conhecimentos relevantes para a vida, enquanto sujeito da própria história”. Inserido nessa filosofia, apresenta-se o objetivo geral da Escola: “[...] proporcionar um ambiente de construção do conhecimento considerando a participação reflexiva e criadora dos agentes envolvidos no processo de ensino-aprendizagem, visando à transformação social através da ação política dos indivíduos”. (Idem).
Observa-se que tanto a filosofia quanto o objetivo geral da Escola vão ao encontro do que se prega como ideal de uma gestão escolar democrática, ou seja, viabilizar uma educação para a vida em sociedade, em um ambiente escolar que proporcione a participação do educando em diversas situações de construção de saberes e de exercício da cidadania. Vale ressaltar que essa argumentação encontra embasamento em Paro (2007, p. 21), pois, segundo o autor, “[...] o fim último da educação é favorecer uma vida com maior satisfação individual e melhor convivência social.”
A partir dessa constatação, preconiza-se que a escola como instituição social deve pretender a melhoria da qualidade do ensino, tomando a educação “[...] como apropriação da cultura, e entendida esta como o conjunto de conhecimentos, valores, crenças, arte, filosofia, ciência, tudo, enfim, que é produzido pelo homem em sua transcendência da natureza e que o constitui com ser histórico” (Paro, 2007, p. 33).
Conforme destacado neste estudo, o projeto político-pedagógico é um guia para o desenvolvimento das ações na escola. Por isso, deve delinear atividades administrativas, financeiras e, principalmente, pedagógicas, tornando claros os objetivos a serem alcançados. Sendo assim, importa apresentar os objetivos específicos, a fim de evidenciar melhor o desejo de quem elaborou o PPP da Escola Pindorama (2008, f. 7-8):
- Despertar a consciência participativa, questionadora no processo educativo;
- Resgatar valores éticos, étnicos, morais, culturais e espirituais no desenvolvimento de competências;
- Oferecer experiências com o mundo das tecnologias para que possam melhor integrar-se no contexto social;
- Oportunizar ao educando acesso ao conhecimento científico como meio para desenvolver competências e integrá-lo ao mundo da prática social;
- Estabelecer relação entre os conhecimentos formais e os da realidade dos educandos;
- Despertar a consciência ambiental para que o aluno perceba-se integrante, dependente e responsável pelo mundo natural;
- Valorizar as múltiplas inteligências no processo de construção do saber através do desenvolvimento de habilidades.
Verifica-se que esses objetivos visam, além de tornar os alunos capazes de utilizarem as tecnologias e desenvolver conhecimentos cognitivos; proporcionar, no âmbito escolar, experiências que os façam atuar como cidadãos participativos na comunidade; desenvolver valores éticos, como respeito às diferenças, no sentido de inserir e não excluir; e cultuar uma educação voltada para a paz, com igualdade, respeito e solidariedade, preservando o meio ambiente. Porém, o projeto não apresenta um plano de ação para atingir esses objetivos, o que reflete uma tendência de “palavras ao vento”.
Quanto à filosofia da Escola e aos objetivos propostos, constata-se que o projeto político-pedagógico não apresenta inovações em sua proposta, mas mostra-se atual, na medida em que converge para a ideia de uma gestão democrática participativa, isto é, com a participação ativa da comunidade escolar nos processos decisórios que influenciam no desenvolvimento das atividades no dia a dia do educandário. No entanto, o PPP da Escola, apesar de enfatizar a participação democrática, não faz referência à participação da comunidade escolar (professores, alunos, pais e/ou responsáveis, funcionários) em sua (re)construção, nem expressa claramente formas de participação desses sujeitos nas atividades desenvolvidas pela instituição.
Esse é um problema que, de modo geral, ocorre nas escolas públicas brasileiras e, especificamente, nas escolas públicas do Rio Grande do Sul. Segundo Fernandes (2015), nesse estado da federação, quando se verifica o índice de participação na (re)construção dos projetos políticos-pedagógicos (Gráfico 1), constata-se que há um elevado índice de não participação de professores e/ou gestores escolares nesse processo (53,4%). Essa realidade expressa um grave problema para a afirmação da gestão democrática, pois há o entendimento de que os professores devem liderar o processo de (re)construção do PPP; afinal, eles são, sabidamente, os profissionais da educação mais preparados para realizar tal tarefa.
Gráfico 1 – Índice de participação na (re)construção dos PPP
Fonte: Fernandes (2015, p. 187).
A exposição desses dados corrobora a percepção apresentada por Fernandes e Pereira (2014, p. 986) de que “[...] no dia a dia das escolas públicas percebe-se que a democracia ainda não se estabeleceu, pelo menos, no que se refere à construção coletiva dos PPP”. Além disso, infere-se que há necessidade de um árduo trabalho dos gestores escolares para superar o problema da não participação dos professores nesse processo. Sobre essa difícil missão e visando à resolução desse problema, vale expor a argumentação de Padilha (2008, p. 75) na qual destaca o papel do diretor escolar e de seu vice: “[...] devem ser capazes de ‘seduzir’ os demais segmentos para a melhoria da qualidade do trabalho desenvolvido na escola. Isso significa, por exemplo, criar mecanismos e condições favoráveis para envolvê-los na elaboração do projeto político-pedagógico da unidade [...]” (grifo do autor).
No que se refere a aspectos relativos a concepções pedagógicas, pressupostos teóricos, currículo e organização curricular, expostos no projeto político-pedagógico da Escola Pindorama, verificam-se alusões exageradas às legislações e excede-se na utilização de termos técnicos, tornando a leitura do documento enfadonha, desagradável e cansativa. Essas alusões evidenciam que não houve a participação da comunidade escolar na (re)construção do PPP; fato que foi confirmado por relatos dos professores. Os docentes afirmaram que o projeto foi (re)elaborado, em 2008, exclusivamente, pelos supervisores da Escola, para satisfazer as exigências burocráticas da 8ª Coordenadoria Regional de Educação – 8ª CRE. Acrescenta-se a essa constatação que, na prática, quase a totalidade dos professores e funcionários da Escola desconhece o documento, enquanto pais e alunos estão totalmente alijados do processo de (re)construção do PPP. Evidencia-se, portanto, que não há uma contínua (re)elaboração do projeto político-pedagógico, nem coerência entre o que prega a filosofia da Escola e os objetivos apresentados no PPP e o que se verifica na realidade de sua própria (re)construção e no ensino praticado na Pindorama.
Essa falta de atualização do PPP da Escola decorre, segundo os professores entrevistados, de muitos fatores, dentre eles: falha da equipe diretora, falta de compromisso dos professores, falta de interesse dos pais, sobrecarga de trabalho dos professores e alunos desinteressados. Outrossim, há outros aspectos que, também, podem contribuir para que essa situação de defasagem em relação ao planejamento escolar continue a pôr a Escola “à deriva”, isto é, sem norte, sem rumo, sem objetivos e metas a serem alcançados.
O fato é que com salários achatados, com a saúde comprometida, com a falta de educação continuada, em serviço, e ao longo dos anos, sem tempo efetivo para realizar um trabalho pedagógico coletivo na escola, que lhes permita participar verdadeiramente dos processos de gestão compartilhada e da elaboração do projeto eco-político-pedagógico, com a ausência de um plano de carreira decidido e aperfeiçoado junto com a categoria e com a minguada aposentadoria depois de anos e anos de intensa atividade, muitos trabalhadores em educação se sentem quase totalmente desmotivados e perdidos em suas identidades profissionais e pessoais. (Padilha, 2012, p. 118-119).
Contudo, no intuito de melhorar essa realidade, faz-se necessário considerar que o PPP não é, absolutamente, a simples reunião de diversos planos (de ensino, PDE-Escola, de trabalho interdisciplinar, de ação do CPM etc.) tampouco um documento elaborado para atender as determinações das “autoridades educacionais” e depois ser arquivado na escola. O projeto político-pedagógico é um empreendimento que deve ser (re)construído e vivenciado na sua íntegra por todos os segmentos da comunidade escolar, já que estão envolvidos no processo educacional desenvolvido na instituição escolar (Veiga, 2010).
À parte da análise realizada, como resultado positivo deste trabalho, além da experiência vivenciada e do conhecimento prático adquirido, exalta-se a pré-disposição da direção da Escola Pindorama em (re)avaliar e (re)construir o projeto político-pedagógico de forma realmente democrática. A diretora e as supervisoras demonstraram interesse em liderar esse exercício da democracia, que pode/deve ser a (re)construção do PPP. Para isso, pretendem convocar os professores, funcionários, alunos, pais e mães, o Conselho Escolar, a Associação de Pais e Mestres, o Grêmio Estudantil e os demais interessados em contribuir com a elaboração de um projeto político-pedagógico que agregue os sujeitos inseridos na Escola em prol da melhoria do ensino oferecido, pois compartilham a ideia de que a gestão precisa oferecer espaço à comunidade para participar desse processo.
A análise do projeto político-pedagógico da Escola Pindorama, bem como das formas de participação em sua (re)construção, mostra que o problema da não participação nos processos decisórios inerentes à educação desenvolvida na Escola continua sendo uma das principais barreiras para a afirmação da gestão escolar democrática e evidencia, também, que o documento está desatualizado (a última versão é de 2008), que só foi elaborado para atender as determinações da 8ª CRE e, principalmente, que há falta de lideranças que instiguem os partícipes do dia a dia da Escola a participarem da elaboração do PPP.
Tais aspectos, porém, podem ser reflexo da falta de planejamento que, via de regra, gera outros tantos problemas que se avolumam há décadas nas escolas públicas brasileiras. Segundo Padilha (2008, p. 73, grifos do autor): “Sabemos que o planejamento não é uma tarefa fácil. Conhecemos as dificuldades (‘não temos tempo’, ‘não temos pessoal qualificado’, ‘a burocracia é tanta’...), as resistências (‘já fizemos isso e não deu certo’, ‘nossa escola já tem projeto’, ‘sem salário não dá’...), os limites e obstáculos (comodismo, imediatismo, formalismo)”. Ressalta-se que, apesar de conhecer tais dificuldades, resistências, limites e obstáculos que se apresentam, diariamente, nas escolas, o enfrentamento com soluções perenes, tanto por parte das instâncias superiores responsáveis pela gestão educacional quanto por parte dos gestores escolares, não tem ocorrido.
No entanto, na Escola Pindorama, mesmo diante das graves e diversas barreiras evidenciadas neste estudo, os professores estão predispostos a trilhar uma senda que os leve ao encontro de todos os segmentos da Escola e a instigar as comunidades escolar e local a participar do processo de (re)construção do projeto político-pedagógico, bem como a fazer desse projeto um instrumento de afirmação da gestão escolar democrática.
Dessa forma, defende-se que, sob a liderança dos professores, esse processo pode vir a ser uma realidade nas escolas públicas brasileiras, desde que haja um envolvimento participativo de todos os segmentos que convivem no âmbito escolar e que fazem parte do contexto educacional local. Ademais, entende-se que participar coletivamente da (re)construção do projeto político-pedagógico é uma ação indispensável para a afirmação da gestão escolar democrática.
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1. Especialista em Gestão Educacional pela Universidade Federal de Santa Maria (UFSM). Integrante do Grupo de Estudos Políticas Públicas e Gestão Educacional (GEPPGE), da UFSM. Santa Maria, RS, Brasil. E-mail: sergiohaiti33@hotmail.com
2. Neste estudo, a instituição escolar – universo de pesquisa – recebeu a denominação fictícia de Escola Pindorama, a fim de manter a sua identidade preservada.
3. Foram entrevistados 13 professores da Escola Pindorama no período de 10 a 28 de agosto de 2015.