ISSN 0798 1015

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Vol. 38 (Nº 18) Año 2017. Pág. 20

A ocupação do solo e a produção de alimentos da agricultura familiar na Região Norte do Brasil

Soil occupancy and food production of family farm in Northern Brazil

Daniel Silva do Carmo SANTOS 1; Raissa Rafaella Silva dos SANTOS 2; Marcos Antônio Souza dos SANTOS 3; Cyntia Meireles de OLIVEIRA 4; Fabrício Khoury REBELLO 5; Maria Izabel Vieira BOTELHO 6

Recibido: 18/10/16 • Aprobado: 18/11/2016


Conteúdo

1. Introdução

2. Metodologia

3. Agricultura familiar: algumas abordagens

4. Resultados e discussão

5. Conclusão

Referências


RESUMO:

Avalia-se a participação da agricultura familiar na ocupação do solo e produção de alimentos na região norte do Brasil. Foram utilizados dados do Censo Agropecuário de 2006 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), relativos ao número de estabelecimentos, área e pessoal ocupado na agricultura. A agricultura familiar concentra a maior parcela da produção de café, feijão, milho e arroz, porém com menor área ocupada em relação a agricultura não familiar. A atuação mais efetiva das instituições oficiais do Governo com políticas específicas assume papel importante no estímulo a difusão de práticas adaptadas à realidade desse segmento.
Palavras-chave: Desenvolvimento Rural, Segurança Alimentar e Amazônia.

ABSTRACT:

Assesses the participation of family farming in land occupation and food production in northern Brazil. Were utilized Agricultural Census 2006 of Brazilian Institute of Geography and Statistics (IBGE) relative to number of establishments, area and persons employed in agriculture. Family farming has the largest share of the production of coffee, beans, corn and rice, but with lower area occupied in relation to non-family farming. The most effective actions of government official institutions with specific policy plays an important role in stimulating the diffusion of practices adapted to the reality of this segment.
Keywords: Rural Development, Food Safety and Amazon.

1. Introdução

A agricultura familiar compreende uma diversidade de pequenos e médios produtores rurais que possuem como principal base produtiva a geração de alimentos e matéria-prima para autoconsumo e comercialização, bem como sua contribuição na ocupação de mão de obra no meio rural comparativamente a grande produção, contribuindo na redução do êxodo rural e na geração de renda, impulsionando a economia rural e, consequentemente, a do próprio país (Guilhoto et al., 2007).

A produção de alimentos é uma das características de maior relevância da agricultura familiar, na medida em que este segmento social possibilita o fortalecimento da segurança alimentar e nutricional do país, através da diversificação produtiva (feijão, arroz, milho, mandioca, ovos, aves, suínos, leite, hortaliças, frutas, dentre outros). Isso se explica pelo fato de os agricultores familiares, em sua maioria, destinarem sua produção de alimentos para mercados internos, diferentemente dos produtores patronais que canalizam sua produção para mercados externos (Schneider, 2010).

Segundo o Censo Agropecuário de 2006, a agricultura familiar representava 84,4% de todos os estabelecimentos agropecuários brasileiros e respondia por 70% da produção total de alimentos no país. Porém, a área ocupada por estes agricultores correspondia apenas a 24,3% da área total destinada ao setor agropecuário, demonstrando uma distribuição desproporcional de terra no meio rural, o que além de gerar conflitos fundiários e desigualdades sociais no campo, revela a própria falta de orientação do Estado na promoção de uma efetiva política de produção de alimentos.

A despeito disso, o Brasil passou por grandes transformações nos últimos anos no meio rural, acompanhadas por um conjunto de políticas públicas estratégicas para inclusão social de agricultores familiares, como o Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (PRONAF) e o Programa de Aquisição de Alimentos (PAA). Grisa e Schneider (2014) elucidam esses processos de transformação no cenário brasileiro, mais precisamente no meio rural. Nesse, a agricultura familiar passou a ser um indicativo de mudanças na orientação dos governos em relação à agricultura e aos próprios atores rurais no sentido do seu fortalecimento e desenvolvimento agrícola.

Apesar de toda a sua importância, a agricultura familiar ainda é inferiorizada e tratada como segundo plano no meio rural. Isso é evidente pela discrepante diferença de investimentos do Plano Safra 2015/2016 entre a agricultura familiar e não familiar, quando se destinou para a primeira categoria 28,9 bilhões em crédito e 188 bilhões para a segunda, ou seja, a agricultura empresarial adquiriu 86,7% do total disponibilizado. Tais condições orçamentárias e normativas desproporcionais não se explicam apenas em relação à escala de produção e participação no Produto Interno Bruto (PIB), mas pelo reflexo de uma representação política que aglutina interesses dos grandes produtores, os quais se localizam essencialmente nas regiões sul, sudeste e centro-oeste do país.

Somando-se a isso, segundo Aquino e Schneider (2015), nos últimos anos, a distribuição de créditos do Pronaf vem ocorrendo de forma desigual entre as cinco grandes regiões brasileiras, com maior concentração nas regiões sul e sudeste, por abrangerem produtores capitalizados que possuem maiores possibilidades de retorno financeiro aos bancos financiadores, realidade que aumenta a desigualdade e fortalece uma lógica setorial e produtivista baseada numa agricultura de tecnologia modernizada.

Vale ressaltar que em relação à região norte há necessidade de maiores estudos que elucidem os diversos contextos da agricultura familiar e sua importância no que se refere à produção alimentar. Apesar de essa região possuir grande concentração de terra por agricultores e pecuaristas, utilizada essencialmente para criação de gado e produção de soja, diversos produtos são gerados primordialmente pelos agricultores familiares, como a produção de mandioca, fruteiras e criação de pequenos animais. 

Ademais, esta produção proveniente da agricultura nesta região é realizada essencialmente com a força de trabalho da família e com baixos níveis tecnológicos, apresentando dificuldades de comprar instrumentos básicos de trabalho, como enxadas, foices e facões. Segundo Homma et al. (2014), diversas atividades da pequena produção na região amazônica se caracterizam pela absorção de mão de obra intensiva e com dificuldade de mecanização agrícola em algumas etapas do processo produtivo. Ademais, Santos e Mitja (2012) destacam que na região amazônica, a agricultura familiar se manifesta de forma mais peculiar que em outras regiões. Normalmente, os sistemas são tradicionais e estão baseados no processo de corte e queima (Santos e Mitja, 2012). Esta situação decorre das dificuldades técnicas e, dependendo da região, há o pousio das terras, como forma de contornar o empobrecimento do solo, a queda de produção e a ocorrência de pragas e doenças (Oliveira et al., 2015).

Em menor quantidade, algumas famílias rurais que possuem forte dependência das atividades agrícolas contornam as limitações em relação ao uso da terra através da diversificação produtiva a fim de sobreviverem no espaço rural e melhorarem seu padrão de vida (Rathmann et al., 2008; Staduto et al., 2008). 

Nesse sentido, diante da necessidade de caracterizar e dimensionar a contribuição da agricultura familiar na Amazônia, esse artigo objetiva analisar a participação da agricultura familiar na ocupação do solo e na produção de alimentos na região norte do Brasil, a fim de elucidar limitações e colaborar com as reflexões sobre as políticas públicas para a região.

2. Metodologia

2.1. Área de estudo

A região norte do Brasil é composta por sete estados: Acre, Amazonas, Amapá, Pará, Rondônia, Roraima e Tocantins, totalizando 20 mesorregiões, 64 microrregiões e 449 municípios. Ela possui a maior extensão territorial do país, com aproximadamente 3.869.638 km², cobrindo 45,25% do território nacional e abrangendo parte considerável da Floresta Amazônica (IBGE, 2006).

A região em estudo possuía 475.778 estabelecimentos agropecuários, sendo que 412.666 eram de agricultura familiar, representando, aproximadamente, 10% dos estabelecimentos agropecuários da agricultura familiar do Brasil (IBGE, 2006). A maior parte dos agricultores familiares da região é considerada de baixa renda e estão distribuídos pelo território, com características culturais bastante arraigadas provenientes de sucessivas gerações. Em sua maioria, esses agricultores apresentam heterogeneidade no que se refere aos tipos de produtos agropecuários e ao nível tecnológico dos sistemas de produção.

Segundo dados do IBGE (2014), os principais produtos oriundos do Norte são a castanha-do-brasil, que contribui com uma produção de 96% do total do Brasil, açaí (93%), dendê (85%), pimenta-do-reino (71%), cacau (39%), mandioca (35%), abacaxi (26%) melancia (21%) e banana (14%). 

Aproximadamente 80% de toda a região é composta por floresta, o que a torna um território de intensos interesses econômicos e energéticos. Tais interesses conflitam com aqueles provenientes de movimentos ambientalistas e de setores conservacionistas em defesa da preservação da Amazônia, acarretando uma série de conflitos socioambientais, territoriais, culturais e étnicos que se estendem por décadas. Tais prerrogativas desencadeiam uma série de debates sobre o futuro da Amazônia, o qual necessitará pautar-se na importância do uso sustentável dos recursos naturais e na valorização das comunidades tradicionais para construir um desenvolvimento justo e de equidade social.

2.2. Dados utilizados

Os dados utilizados no trabalho foram obtidos a partir do Censo Agropecuário de 2006 do IBGE. Foram analisados quatro indicadores para refletir a participação da agricultura familiar na ocupação e uso do solo, conforme especificado no Quadro 1.

QUADRO 1- Especificação dos indicadores

1

Estabelecimentos da agricultura familiar em relação ao total de estabelecimentos (%)

2

Área dos estabelecimentos da agricultura familiar em relação à área total (%)

3

Pessoal ocupado em estabelecimentos agropecuários da agricultura familiar em relação ao pessoal ocupado total (%)

4

Valor da produção dos estabelecimentos da AGF no ano em relação ao valor de produção total (%)

Fonte: IBGE, Censo Agropecuário (2006).

Os dados estatísticos são apresentados em dois agrupamentos: i) “agricultura familiar”; e, ii) outros modelos produtivos denominados de “agricultura não familiar”, como forma de estabelecer indicadores que permitam mensurar os resultados e identificar avanços de melhorias e necessidades de mudança.

3. Agricultura familiar: algumas abordagens

Os estudiosos enfatizam diferentes perspectivas da agriultura familiar. Segundo Wanderley (2003), a agricultura familiar para uns, confunde-se com a definição operacional adotada pelo Pronaf que propõe uma tipologia de beneficiários em função de sua capacidade de atendimento. Já para outros, refere-se a uma determinada categoria de agricultores, que possuem capacidade de se adaptar às modernas exigências do mercado em oposição aos demais “pequenos produtores” incapazes de detectar tais transformações (Wanderley, 2003).

Segundo Buainain (2006), a agricultura familiar abrange tanto agricultores que vivem em situações precárias de produção explorando minifúndios, como agricultores que são inseridos no agronegócio capitalizado e moderno, gerando renda superior à que define a linha da pobreza. Abramovay et al. (1998) define a agricultura familiar a partir de três requisitos: gestão, propriedade e trabalho familiar, sendo este proveniente de indivíduos que mantêm entre si laços de sangue ou de casamento.

No campo institucional, em julho de 2006 foi instituída a Lei Federal nº 11.326, a qual considera agricultor familiar e empreendedor familiar rural aquele que pratica atividades no meio rural, atendendo, simultaneamente, aos seguintes requisitos: não detenha, a qualquer título, área maior do que 4 (quatro) módulos fiscais; utilize predominantemente mão de obra da própria família nas atividades econômicas do seu estabelecimento ou empreendimento; tenha renda familiar predominantemente originada de atividades econômicas vinculadas ao próprio estabelecimento ou empreendimento e; dirija seu estabelecimento ou empreendimento com sua família.

No entanto, esta definição de agricultor familiar na referida lei recebe inúmeras críticas, por excluir de políticas públicas uma diversidade de agricultores de pequena produção que não atendem aos requisitos estipulados, pois apresentam especificidades de trabalho e realidades que a lei não abrange (Graziano Silva, 2010, p. 159; Navarro et al., 2014). O contexto rural possui dinâmicas de trabalho que ultrapassam os limites do campo, exemplo disso são os agricultores pluriativos que desenvolvem a combinação de atividades rurais e não rurais buscando a expansão da renda através de novas alternativas de trabalho e estratégias sociais e produtivas (Schneider, 1999; Carneiro, 1996). Em muitos casos dessa dupla ocupação os agricultores obtêm renda similar entre as atividades não agrícolas e agrícolas, ou até mesmo um resultado mais expressivo na primeira alternativa, situações não previstas na lei que delimita o perfil de agricultor familiar, provocando a exclusão dessa parcela de agricultores das políticas públicas voltadas para a agricultura familiar.

A necessidade de criar uma tipologia referente aos agricultores familiares com o intuito de fomentar políticas públicas é um trabalho complexo e requer uma abrangência bem elaborada e adequada nesse sentido, devido às suas múltiplas realidades e diferenciações. Essa complexidade conceitual e operacional do tema acaba ocasionando questionamentos de variáveis do Censo Agropecuário do IBGE, pois o mesmo segue a tipologia de agricultor familiar denominada pela Lei Federal nº 11.326, de julho de 2006.

Navarro (2010), por exemplo, questiona a noção e abrangência da agricultura familiar oficialmente adotada para a obtenção de dados, considerando-a inadequada e simplificadora, necessitando de aprofundamento por razões teóricas, bem como por não possuir embasamento e caráter científico, apresentando incoerências por não considerar diferenças sociais entre os atores no meio rural.  

A despeito disso, o Censo Agropecuário de 2006 foi uma ferramenta essencial para demonstrar o papel determinante da agricultura familiar na segurança alimentar e ocupação de mão de obra no Brasil. O primeiro Censo Agropecuário no país foi realizado  em 1920, ano em que o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística disponibilizou os dados para a análise da agricultura brasileira. Desde aquele ano muitas modificações ocorreram, até que em 2006, pela primeira vez, foi possível obter um retrato “abrangente” da agricultura familiar brasileira, expondo a sua grande importância para a produção de alimentos, geração de riquezas e na ocupação de mão de obra para a sociedade, através de uma identificação estatística realizada pelo IBGE  e pelo Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA), levantada sob conceitos propostos na Lei Federal n° 11.326, que define a agricultura familiar para fins de formulação das políticas públicas para essa categoria de produtores rurais.

4. Resultados e discussão

4.1. Análise da agricultura familiar na região norte

A agricultura familiar se diferencia sob diversos aspectos no meio rural brasileiro, desde peculiares costumes regionais, até o tipo de tecnologia empregada, número de estabelecimentos, área e valor bruto da produção. No Brasil, o número de estabelecimentos familiares é predominante em relação às grandes propriedades rurais (Tabela 1), representando 84,4% dos 5.175.636 existentes, distribuídos por todo o território nacional de maneira heterogênea, incluindo desde famílias de baixa renda com precárias condições de uso da terra até famílias com grande dotação de recursos que garantem maiores produtividades. Porém, ocupam apenas 24% da área total destinada ao setor agrícola, demonstrando a enorme desigualdade fundiária do campo.

TABELA 1 - Estabelecimentos e área da agricultura familiar, definida pela Lei 11.326, participação percentual, área média
dos estabelecimentos e participação no total da área agrícola, por regiões e unidades da Federação, no Brasil – 2006. 

    Fonte: IBGE, Censo Agropecuário (2006).

Categoricamente, em relação ao número total de estabelecimentos familiares distribuídos no país, os dados censitários demonstram que em 2006 a região norte ocupa a quarta posição. Na Tabela 2, observa-se que a região nordeste apresenta a maior parcela (50,1%), seguida das regiões sul (19,5%), sudeste (16%), norte (9,5%) e centro-oeste (5,0%).

TABELA 2 - Estabelecimentos e área da agricultura familiar, definida pela Lei 11.326, participação percentual
e participação no total da área agrícola, por regiões e unidades da Federação, no Brasil - 2006.

Fonte: IBGE, Censo Agropecuário (2006).

Quando se avalia a relação do número estabelecimentos com a área ocupada, percebe-se que a região norte ocupa a terceira posição. A região nordeste possui a melhor distribuição de terra, com 37,2% da superfície agrícola em posse de agricultores familiares, seguida pelas regiões sul (31,2%), norte (29,9%), sudeste (23,2%) e centro oeste (8,9%).

Em relação às Unidades de Federação, o Pará é o estado da região norte que apresenta o maior número de estabelecimentos familiares, estando entre os dez primeiros colocados do país, ocupando a nona posição. Os dados mostram que, dentre os dez primeiros colocados, o estado da Bahia apresentava a maior parcela de unidades agrícolas familiares (15,2%), seguido por Minas Gerais (10,0%), Rio Grande do Sul (8,7%), Ceará (7,8%), Paraná (6,9%), Pernambuco (6,3%), Maranhão (6%), Piauí (5,1%), Pará (4,5%) e Santa Catarina (3,9%). Nota-se que abaixo desses percentuais, com dados expressivos, estão São Paulo, Paraíba e Alagoas, com 3,5%, 3,4% e 2,6% respectivamente.

Quando se analisa a relação dos estabelecimentos com a área que ocupam, nos estados citados, verifica-se um amplo elenco de agricultores em pequenas áreas. Sergipe possui o maior resultado, com 48,0% de área ocupada por agricultores familiares e Mato Grosso do Sul possui a menor área total agrícola utilizada pela agricultura familiar (3,9%). Um dado alarmante que reflete a predominante posse de extensas áreas pelo sistema patronal, utilizando a terra principalmente para pecuária e monoculturas, como soja, milho, arroz e trigo, com forte modernização agrícola.

4.2. A ocupação do solo e a produção de alimentos

Na região norte são identificados 412.666 estabelecimentos familiares em 2006, os quais ocupam 16.611.277 milhões de hectares distribuídos na proporção de 5,4% em lavouras temporárias e 6,2% em lavouras permanentes. As pastagens naturais representam 7,7% da área ocupada, e as matas e/ou florestas naturais destinadas à preservação permanente ou reserva legal, 18,4%, e naturais, exceto de preservação permanente e em sistemas agroflorestais, com 19,8%, como pode ser observado na Tabela 3. De acordo com essa classificação de uso da terra, a participação da agricultura familiar na utilização da superfície regional com lavoura temporária foi de 45,4% e na utilização de área com lavoura permanente foi de 55,4%.

TABELA 3 - Utilização das terras nos estabelecimentos, por tipo de utilização, na agricultura familiar do Norte- 2006.

Fonte: IBGE, Censo Agropecuário (2006).
(1) Inclusive hidroponia e plasticultura, viveiros de mudas, estufas de plantas e casas de vegetação. (2) Também usada para lavouras e pastejo de animais. (3) Erodidas, desertificadas, salinizadas, etc. (4) Pântanos, areais, pedreiras, etc.

Nesse aspecto, Homma et al. (2014) aponta exemplos de agricultores familiares com tendências produtivas rentáveis, como os agricultores familiares de dendezeiros da Comunidade de Arauai, de hortaliças nas áreas periurbanas da Região Metropolitana de Belém (RMB), cacaueiros em Medicilândia-PA, goiabeiras em Dom Eliseu-PA, açaizeiros manejados, entre outros. Além da agricultura itinerante, comumente para a produção de mandioca, na Amazônia os produtos extrativos (açaí, buriti, bacuri, tucumã, cupuaçu) e atividades de pequena escala, como a agricultura orgânica, são possibilidades de consumo e comercialização para os agricultores familiares. 

O uso da terra com pastagem natural foi de 21,2% e de pastagens plantadas degradadas e pastagens plantadas em boas condições foi equivalente a 31,5% e 27,7% respectivamente. Destaca-se, também, a participação de área cultivada com espécies florestais, com 37% (475.263 ha) de um total de 1.283.287 ha de área total do Norte. Os dados demonstram que há 34,6% (34.555 ha) de terras degradadas e 28,8% de terras inaproveitáveis para agricultura ou pecuária nos estabelecimentos destinados a agricultura familiar.

Os dados disponibilizados pelo IBGE acerca da produção vegetal da agricultura familiar se restringiram apenas a algumas culturas, como arroz em casca, feijão, mandioca, milho em grão, soja e café (Gráfico 1). Não abrangeram outros cultivos comumente encontrados nos estabelecimentos familiares da região norte, como é, por exemplo, o caso da importante produção de frutas regionais (cupuaçu, bacuri, pupunha, entre tantas outras) que fazem parte da economia invisível, mas que são estratégicas para assegurar níveis razoáveis de segurança alimentar e renda a partir do excedente comercializável.

GRÁFICO 1 - Produção vegetal da agricultura familiar (%), segundo
as variáveis selecionadas, na região norte– 2006.

Fonte: IBGE, Censo Agropecuário (2006).

Sobre o número de estabelecimentos da agricultura familiar envolvidos nas culturas informadas, os dados demonstram que na região norte há predominância quase absoluta dos estabelecimentos familiares na produção de mandioca, em proporções superiores a 90%. Exceto na produção vegetal de soja (4,8%), nos outros cinco produtos vegetais também é notavelmente elevada a participação dos estabelecimentos familiares no total produzido: café (89,9%); feijão (85,9%); milho (64,9%); e arroz (59,9%). Esses dados se encontram representados no Gráfico 1. Em relação à quantidade produzida de soja, os resultados constatam acentuado predomínio da agricultura não familiar, em proporções superiores a 90%.

Observa-se que a agricultura familiar possui menor produtividade que a agricultura não familiar em praticamente todos os produtos avaliados, como pode ser constatado nos resultados da cultura do arroz, a qual possui produtividade de 1,6 mil kg/ha, distinto da agricultura não familiar com 2,9 kg/ha (Tabela 4). Assim ocorre com a cultura do feijão (agricultura familiar- 4,9 mil kg/ha versus agricultura não familiar – 6,8 mil kg/ha) e milho (agricultura familiar- 2,2 mil kg/ha versus agricultura não familiar – 3,0 mil kg/ha).

TABELA 4 - Produtividade da terra, segundo as variáveis selecionadas, na agricultura familiar do Norte- 2006

Produtos

Quantidade Produzida / Área Colhida (1.000 Kg/ha)

Agricultura Familiar (Lei 11.326)

Agricultura Não Familiar

Arroz em casca ............................

1,6

2,9

Feijão (preto, de cor e caupi) .......

4,9

6,8

Mandioca ......................................

7,1

7,3

Milho em grão ..............................

2,2

3,0

Soja ..............................................

2,7

2,6

Café (arábica e canephora) ..........

0,6

0,7

Fonte: IBGE, Censo Agropecuário (2006).

Nota-se que a desvantagem da agricultura familiar em relação aos outros agricultores é menor na cultura da mandioca e café. Já a produtividade da soja é praticamente a mesma para os dois segmentos, sendo os agricultores familiares com 2,7 mil kg/ha e os não familiares com 2,6 mil kg/ha. Um dos fatores que explicam essas diferenças de produtividade, com relevância da agricultura não familiar, é devido as maiores entradas de insumos agrícolas e tecnologias nas grandes propriedades, bem como maior acesso ao crédito e assistência técnica.

Os resultados equiparados dos dois segmentos em relação à produtividade de mandioca e soja demostram uma versão agrícola atípica, levando em consideração que a produção de soja é gerada pelo protagonismo dos grandes produtores e, por outro lado, a produção de mandioca na região amazônica é marcada tradicionalmente pelo protagonismo dos agricultores de pequena produção. Esta situação fortalece os questionamentos dos critérios de distinção entre o que é agricultor familiar e não familiar, até porque a especificidade do tamanho da terra como critério (4 módulos fiscais) é um fator que gera distorções de perfis de agricultores, analisando a variação do tamanho de área que representa 1 módulo fiscal em cada município e região. Esse modelo dicotômico da estrutura agrária brasileira especificada pela Lei Federal nº 11.326, de julho de 2006 e desenhada pelo Censo Agropecuário de 2006, insere em um só grupo agricultores completamente distintos, o que provelmente justifique essa semelhança de produtividade das culturas da mandioca e soja pelos dois segmentos.

 Esses resultados levantam os seguintes questionamentos: até que ponto essa divisão de agricultores em dois grupos figura uma caracterização correta da dinâmica agrícola brasileira? Em outras palavras, até que ponto a estrutura agrária não é distorcida através de uma visão dicotômica de agricultor? Em qual medida e percepção social os critérios da Lei Federal nº 11.326 está distinguindo um agricultor familiar de um não familiar?

O levantamento estatístico da pecuária compreende a criação de bovinos, aves, suínos e a produção de leite de vaca e de cabra. Em três dessas atividades (produção de leite de vaca e cabra, e produção de suínos), observa-se maior expressão de estabelecimentos familiares na quantidade produzida, como figura no Gráfico 2. Na pecuária de corte, os dados constatam que apesar do número de estabelecimentos  familiares ser menor na participação da pecuária (36,4%), na produção de leite de vaca, sua produção total foi de 72,4% (1.368.083.786 litros) no ano de 2006, bem como na produção de leite de cabra com 68,7% do total produzido (167,731 litros). Santos et al. (2011) apontam que Rondônia é o estado da região norte que possui maior participação na produção de leite da região, predominantemente de estabeleciementos familiares (80,65%), possuindo maior produtividade média (1.080 litros/vaca/ano) entre os estados da região norte, onde a atividade possui caráter comercial e de ocupação de mão de obra.

GRÁFICO 2 - Produção animal da agricultura familiar (%), segundo as variáveis selecionadas, no Norte– 2006.

Fonte: IBGE, Censo Agropecuário (2006).

No estado do Pará, estudos de Oliveira et al. (2016) destacam que, normalmente as propriedades de pecuária utilizam baixa tecnologia, o manejo do rebanho se limita ao mínimo necessário, são raras as ações de seleção genética e identificação das aptidões do rebanho para leite ou corte. Ademais, as práticas de gestão são incipientes, principalmente, no que tange custos e planejamento. Assim, prejudica-se o desempenho econômico global da atividade e, por conseguinte, favorece-se a concentração da atividade em pequeno número de produtores, que concentram ganhos de escala.

A despeito do potencial do mercado consumidor na região metropolitana de Belém (próximo dos dois milhões de habitantes), grande parte dos produtos lácteos é importada, principalmente, das regiões sudeste e centro-oeste. A perda de mercado local decorre da baixa produtividade dos sistemas de produção leiteiro, além do conceito geralmente negativo do leite in natura e dos seus derivados, considerando a falta de higiene na manipulação e a adulteração do leite entre a ordenha e a comercialização (Ludovino et al., 2000; Simão Neto et al., 2000).

Em relação à criação de aves, 57,2% do plantel da região provêm de estabelecimentos não familiares do total, estando na ordem de 30,3 milhões de bicos. E, finalmente, na criação de suínos, 76,1% de cerca de 1,5 milhões de cabeças produzidas são oriundas da agricultura familiar.

5. Conclusão

Os resultados demonstram que a agricultura familiar possui forte expressão no número de estabelecimentos e na produção de alimentos no Brasil e, particularmente, na região norte. As culturas agrícolas que o Censo Agropecuário analisa são limitadas frente à imensa diversidade de cultivos que o segmento agrícola familiar desenvolve na região. Porém, apesar de possuir maior destaque em praticamente todas as culturas analisadas, a agricultura familiar carece de ganhos em produtividade, principalmente pelo seu aspecto de produção ser atrelado ao sistema itinerante de produção, configurado pela derrubada de áreas de floresta densa ou de vegetação secundária, com consequências negativas na sustentabilidade ambiental.

Face aos desafios de mudanças paradigmáticas que vêm ocorrendo no modelo de desenvolvimento, faz-se necessário a atuação do poder público com políticas específicas voltadas a estimular a difusão de práticas adaptadas para a agricultura familiar, visando superar limitações estruturais de desenvolvimento através de práticas sustentáveis para uso eficaz dos recursos naturais da região amazônica, possuindo como base a articulação integrada de agricultores familiares, técnicos capacitados em extensão, organizações governamentais e não governamentais.

A soma desses fatores criará oportunidades e espaços para o protagonismo da agricultura familiar, fortalecendo o cooperativismo e o capital social destes agricultores. Além disso, o papel fundamental das famílias do campo no desenvolvimento de sistemas produtivos diversificados e fortemente vinculados às tradições locais e regionais precisa ser fortalecido e reproduzido para que haja o contínuo provimento de alimentos e matérias-primas essenciais à manutenção da vida rural e urbana.

O Censo Agropecuário de 2006 possibilitou a verificação de uma parte da realidade da agricultura familiar, precisamente em relação a atributos quantitativos. Entretanto, perante o elenco de atividades e contextos que envolvem esse segmento social do campo, não se deve limitar apenas aos dados divulgados por ele.

Por outro lado, é inaceitável o cancelamento do Censo Agropecuário de 2016, como anunciado pelo governo brasileiro, diante da dificuldade orçamentária que passa a economia nacional. O atraso no início desse levantamento censitário, põe em risco a possibilidade de se analisar as mudanças estruturais ocorridas ao longo do tempo no espaço agrário brasileiro, impossibilitando, dessa forma, o uso de informações consistentes para auxiliar no planejamento do desenvolvimento da complexa agropecuária nacional, especialmente quanto a implementação de políticas e estratégias para o fortalecimento da agricultura familiar na região norte no Brasil. 

Referências

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1. Eng. Agrônomo pela Universidade Federal Rural da Amazônia – UFRA. Mestrando do Programa de Pós Graduação em Extensão Rural da Universidade Federal de Viçosa – UFV. Email: danielsantos_d@hotmail.com

2. Eng. Agrônoma pela UFRA. Mestranda do Programa de Pós Graduação em Fitotecnia da UFV. Email: raissa.agronomia@gmail.com

3. Docente da UFRA. Msc. em Economia Rural. Atuação: Economia do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais; Política, Planejamento e Desenvolvimento Regional. Email: marcos.santos@ufra.edu.br

4. Docente da UFRA. Dra. em Ciências Agrárias. Atuação: Governança dos recursos naturais e desenvolvimento sustentável. Email: cyntiamei@hotmail.com

5. Docente da UFRA. Dr. em Ciências Agrárias. Atuação: Desenvolvimento Sustentável, Meio Ambiente, Planejamento do Desenvolvimento de Áreas Amazônicas. Email: fabriciorebello@hotmail.com

6. Docente da UFV. Dra. em Sociologia. Atuação:  campesinato e práticas agroecológicas, identidades sociais, análises de meios de vida, geração de trabalho e renda. Email: mbotelho@ufv.br


Revista ESPACIOS. ISSN 0798 1015
Vol. 38 (Nº 18) Año 2017

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