Vol. 38 (Nº 17) Año 2017. Pág. 15
Antonio Carlos Leite BARBOSA 1
Recibido: 12//10/16 • Aprobado: 30/11/2016
3. Produção do espaço e valorização mercadológica da terra
4. A cidade de Pau dos Ferros e realidade habitacional
RESUMO: O trabalho trás a discussão empírica e teórica acerca da (re) produção do espaço urbano e a valorização mercadológica da terra na cidade de Pau dos Ferros, RN - Brasil, fazendo uma reflexão critica e dialética nas pequenas cidades, considerando que o espaço é produzido e reproduzido a partir da lógica do capital imobiliário, transfigurando-o em mercadoria. O valor da terra apresenta um aumento considerável, impactando no campo habitacional para a classe de menor estatuto social, evidenciando a segregação socioespacial em alguns bairros como suporte das analises e discussões da problemática em tela, seguida dos principais resultados e conclusão. |
ABSTRACT: The work behind the empirical and theoretical discussion about the (re) production of urban space and the marketing value of the land in the city of Pau dos Ferros, RN - Brazil, making a critical reflection and dialectics in small towns, whereas the space is produced and reproduced from the logic of real estate capital, transforming it into merchandise. The value of land has a considerable increase, impacting the housing field for the class of lower social status, highlighting the socio-spatial segregation in some neighborhoods to support the analysis and problem of discussions on screen, then the main results and conclusion. |
Este artigo traz uma discussão teórica e empírica sobre a (re) produção do espaço urbano e a valorização mercadológica nas pequenas cidades do nordeste brasileiro na perspectiva do capital. O processo de produção e reprodução do espaço urbano pelo homem vem modificando o espaço, evidenciando paisagens urbanas que se promulgam através de mudanças na politica urbana e socioeconômicas, num contexto que Milton Santos (1988) convencionou chamar de “metamorfose do espaço habitado”. Cabe inferir nesse contexto, que, excepcionalmente as cidades vivem um processo histórico de novas configurações territoriais, que se justifica pelo aceleramento da imigração predatória rumo ao ambiente urbano, movidos pela necessidade de acompanhar o desenvolvimento atual dos sistemas econômicos, com vistas a melhores padrões de vida.
Essa reflexão sobre processo de mudança da paisagem urbana e do espaço, notadamente nos últimos cinquentas anos no Brasil no qual a realidade das cidades brasileiras tanto nas regiões metropolitanas como nas cidades médias, onde o espaço produzido e reproduzido configura-se em produto de difícil acesso para a classe de estatuto social mais baixo. Nas pequenas cidades esse contexto não é diferente, especialmente com a mudança do perfil de rural para predominantemente urbano das cidades brasileiras no século XX. Neste sentido, o espaço, segundo Carlos (2011) sob a ótica do capital, é transformado em mercadoria, auferindo-lhe um valor, sendo permitida a realização do valor, quando seu proprietário o dispõe na pratica mercadológica da terra, no mercado imobiliário de compra e venda.
Desta forma, as condições de acesso da população de baixa renda a conquista da propriedade, torna-se cada vez mais difícil. Sobre este viés, fazemos uma reflexão que pela logica do capital, o espaço urbano é produzido e reproduzido, conferindo à terra urbana valor de troca sobre o valor de uso. As cidades como forma de espaço, é produto das relações dos agentes, uma produção histórica e social, repletas de conflitos, na qual este espaço ganha novos sentidos a partir da acumulação do trabalho. Por sua vez, sob a ótica do capitalismo, o espaço como produto da ação antrópica, vira mercadoria, implicando em exigências e formas especificas de acesso e uso.
Neste sentido, voltamos o olhar para as pequenas cidades brasileiras, em especial as localizadas na região Nordeste do Brasil. Região, segundo dados do IBGE, 2000, no início do segundo milênio, totaliza 32,44% dos 5.507 municípios brasileiros, o que corresponde a 1.787 cidades localizadas no nordeste brasileiro. Nos pequenos municípios, os núcleos urbanos expressam em sua dinâmica problemas de cunho social, ambiental, político, grandes desigualdades socioespaciais e fragmentação urbana, perfazendo um total de 4.643 cidades, 84,31% das cidades brasileiras (GONÇALVES, 2005). No entanto, apesar da expressiva quantidade desses municípios, a produção do conhecimento acerca das pequenas cidades esteve e ainda está à margem da produção geográfica, do urbanismo e da história urbana.
Com efeito, destacamos a cidade de Pau dos Ferros, localizada no estado brasileiro do Rio Grande do Norte na região nordeste do Brasil. Pau dos Ferros, na perspectiva da produção e reprodução do espaço urbano, vem se destacando como uma cidade de múltiplas faces urbanas e sociais, especialmente no campo da valorização mercadológica da terra urbana e seu acesso pelas classes mais elevadas em detrimento da classe mais baixa. Na cidade observa-se o aumento dos investimentos financeiros no mercado imobiliário com a intermediação direta do Estado garantindo acesso para a iniciativa privada na implantação de loteamentos e criação de novos bairros residenciais, por conseguinte, provocando mudanças parciais na configuração urbana do município.
Mudanças, oriundas da ação dos diversos agentes que produzem o espaço urbano da cidade, vêm modelando áreas, qualificando principalmente a região sul da cidade, conferindo a valorização mercadológica da terra urbana pela lógica do capital imobiliário. É nesse sentido que, o presente estudo traz a analise critica e dialética mediante o tripé (re) produção do espaço, valorização mercadológica e pequenos munícipios, discutindo como as dificuldades de acesso e os problemas no campo habitacional no pequeno municípios, são constituídos também valorização mercadológica da terra urbana.
A estrutura do estudo divide-se em quatro momentos. No primeiro momento, expõem-se considerações sobre as pequenas cidades, enfatizando sua importância no cenário urbano brasileiro. No segundo momento, abrimos uma discussão sobre a valorização mercadológica da terra urbana e do espaço sob a ótica do capitalismo transformando este em mercadoria e valor de troca. Por último, aborda-se a perspectiva da realidade espacial da cidade de Pau dos Ferros frente à expansão urbana no final do século XX até os primeiros quatorzes anos do século XXI, considerando a valorização mercadológica da terra urbana e seus impactos na oferta e acesso a habitação e em seguida traçamos as considerações finais.
As pequenas cidades ganharam destaque no meio acadêmico e na elaboração de políticas públicas, especialmente, com as políticas de planejamento urbano e regional a partir da década de 1970, sobretudo com a concentração da produção urbana e o consequente processo de migração impulsionando a elaboração de políticas de desconcentração urbano-regional que visavam fortalecer cidades de pequeno e médio porte no sentido de conter os fluxos migratórios e amenizar os problemas tipicamente urbanos, como o problema das moradias nas regiões metropolitanas (DANTAS e CLEMENTINO, 2012).
O termo “cidade pequena”, apesar de muito utilizado, não possui uma definição teórica precisa, e muito menos consensual, tendo em vista que nos diversos estudos existentes sobre esse tipo de cidade, é comum encontrarmos as expressões “cidade de porte pequeno e médio”, “cidade de dimensão média”, “cidade intermédia/intermediária”, “centros regionais e sub-regionais” com o mesmo significado ou com significado similar ao de “cidade média” (DANTAS e CLEMENTINO, 2012). Os primeiros conceitos de cidades pequenas e médias eram baseados em critérios quantitativos, sobretudo do ponto de vista populacional que segundo o limite populacional variava de acordo com a literatura pertinente e realidade local. Além de não existir um consenso sobre cidades pequenas e médias, o critério demográfico era capaz apenas de identificar o grupo ou a faixa que podia conter estas cidades (AMORIM FILHO e SERRA, 2001).
Outro entendimento, é que a transformação da vida essencialmente agrária para um cotidiano urbano nas pequenas e médias cidades destaca o papel que estas desempenham regionalmente, exercendo forte relação com a área na qual estão situadas e pela concentração e centralização econômica, tendo em vista a realidade regional (SPOSITO, 2007). No entanto, também apresentam características semelhantes às grandes cidades, especialmente problemas locais, como aumento da violência, concentração urbana e conflitos socioespaciais em sua dinâmica urbana (SPOSITO, 2007).
No tocante as discussões sobre as pequenas cidades do Rio Grande do Norte, observa-se que o estado potiguar possui um território fragmentado, ocorrido especialmente nas últimas décadas do século XX, com a criação de novos munícipios, impactando na produção/reprodução da classe política e social do espaço, (BEZZERA; LIMA, 2011). Como resultado, vemos um estado constituído por várias cidades pequenas, num espaço fragmentado, apresentado fragmentação socioespacial.
A compreensão do conceito de espaço urbano também figura como importante discussão entre teóricos e se traduz em complexidade, visto ser extensa a gama de contribuições conceituais que o mesmo empreende na literatura.
Entre um dos conceitos mais revisitados pode-se citar aquele dado por Corrêa (2002) que entende por espaço urbano um conjunto de usos da terra que em realidade se molda na organização espacial da cidade. Para o autor esse espaço ainda é imbuído de dicotomias, pois se expressa também de forma fragmentada e articulada devido principalmente, aos diferentes elementos bem como as dimensões que influenciam na sua formação e transformação.
[...] cada uma de suas partes mantém relações espaciais com as demais, ainda que de intensidade muito variável. Essas relações manifestam-se empiricamente através de fluxos de veículos e de pessoas associadas a operações de carga e descarga de mercadorias, aos deslocamentos quotidianos entre as áreas residenciais e os diversos locais de trabalho, aos deslocamentos menos frequentes para compras no centro da cidade ou nas lojas de Bairro, às visitas aos parentes e amigos (CORRÊA, 2002, p.7).
É possível pensar sob essa perspectiva que em virtude da imbricação de elementos a própria organização espacial deve ser entendida como fruto dos agentes sociais que atuam concomitantemente sobre o espaço urbano e que por isso provocam um eventual e constante processo de reorganização espacial que se faz mediante a incorporação de novas áreas ao tecido da cidade.
[...] produto social, em constante processo de reprodução, nos obriga a pensar a ação humana enquanto obra continuada, ação reprodutora que se refere aos usos do espaço onde tempos se sucedem e se justapõe montando um mosaico que lhe dá forma e impõe característica a cada momento. (CARLOS, 2007, p.56).
Em sua análise Carlos (2007) menciona além das forças que atuam sobre a constituição desse espaço como expressão de certa totalidade, o vínculo das novas reestruturações com o encruzamento de tempos diferenciados, e sendo assim, para a autora “[...] a morfologia urbana não revela a gênese do espaço, mas aparece como um caminho seguro para a análise do modo como passado e presente se fundem nas formas, revelando as possibilidades abertas no presente” (CARLOS, 2007, p. 56). Tem-se que o fundamento da dinâmica da reprodução espacial não está necessariamente na questão de sua evolução, mas, de pensar as transformações e usos desse espaço, e nesse enfoque é possível vislumbrar desde as continuidades como as descontinuidades, ou seja, verificar aquilo que se rompe e aquilo que persiste. E se pensado no contexto da contemporaneidade, a autora cita a globalização da economia e os novos padrões de consumo como redefinidora das relações pessoais e sociais que infere diretamente na produção do espaço.
Santos (2006) também adentra nessa discussão quando considera as formas e o tempo como componentes vitais da história do espaço urbano, pois este permite a investigação das atividades realizadas na cidade, de questões como divisão do trabalho, de classe, entre outros. Nisso, menciona-se a argumentação dada por Alvarez (2013, p. 112):
[...] o sentido do espaço urbano ultrapassa o da concentração-distribuição de pessoas, equipamentos coletivos, infraestrutura e atividades produtivas; o espaço é entendido aqui como produto e condição de práticas e relações sociais que são também espaciais, o que envolve, necessariamente, a dimensão do uso, da presença e da possibilidade da apropriação.
Nesse enfoque, entende-se o espaço como agregador de materialidades e imaterialidades que são percebidas pelas influentes ações e relações que envolvem os agentes sociais, que por sua vez (re) criam o espaço de acordo com suas práticas, já que este, por sua dimensão histórica e social, se apresenta como lócus das ações da sociedade. É justamente dentro desse contexto de processos sociais, econômicos e políticos que se justifica a dinamicidade do espaço urbano, sobretudo quando se considera o modo capitalista atuante e impulsionador das constantes transformações da sociedade atual, e, mormente na contribuição das reestruturações do espaço urbano, e nisso infere Carlos (2007) quando acredita no espaço como produto, condição e meio da reprodução do capital.
Sendo nesse espaço fragmentado e articulado que surge na cidade, o eminente processo de urbanização visualizado nas últimas décadas também pode ser visto como reflexo desse processo geral de valorização do capital e da universalização da forma de mercadoria (ALVAREZ, 2013). É preciso considerar, porém, que essa urbanização acelerada e crescente tem apresentado uma realidade excludente, principalmente se considerarmos a especulação proveniente dos detentores de capital. Portanto, “tais considerações nos remetem a pensar na segregação urbana como conteúdo intrínseco á constituição do espaço urbano capitalista, fundamentado na propriedade privada da terra e na valorização do capital como sentido ultimo da reprodução social” (ALVAREZ, 2013, p. 113).
Com efeito, o espaço produzido e reproduzido sob a ótica capitalista, se estrutura considerando os interesses das classes de mais alto estatuto social, abrindo caminho para especulação imobiliária que tem impulsionado a segregação socioespacial e acelerado o processo de segregação também, de segmentos sociais mais empobrecidos. Neste sentido a expansão urbana nas cidades, marca a reconfiguração dos espaços pautando-se não somente pela demanda social por novas áreas urbanizadas, mas, tem expressado, sobretudo, uma busca crescente por lucro através da apropriação e valorização mercadológica da terra, e isso, infelizmente tem sido pontual não apenas para incorporar novas terras à área urbanizada, mas influenciado diretamente para organização e distribuição espacial dos segmentos sociais de forma desigual na cidade. O poder de compra tem sido determinante para aquisição de terras e isso tem resultado em algumas consequências negativas tais como o afastamento espacial de classes, e como pontua Sposito (2013, p. 69):
Essa dinâmica de afastamento socioespacial dos segmentos de médio baixo poder aquisitivo tem gerado, também, piora da situação geográfica dos mais pobres, que tendem a se afastar mais e/ou a se precarizar no processo de encontrar uma solução para seus problemas de moradia. Em grande parte, seja pelo afastamento espacial, seja pela piora das condições residenciais, essas logicas de produção do espaço urbano convergem para situações em que, não sendo nunca uma consequência inexorável, a segregação socioespacial pode se estabelecer ou se aprofundar.
Assim, pode-se afirmar que a expansão urbana é resultado do processo de produção do espaço urbano na sociedade contemporânea, já que a acumulação e concentração de capital na cidade faz aumentar a demanda por espaço e por consequência influencia cada vez mais no processo de urbanização. Nessa realidade percebe-se que essa expansão tem se dado em virtude da necessidade tanto para o desenvolvimento de atividades produtivas como para a constituição de áreas habitacionais. Nesse processo de expansão da cidade e também do capital, o espaço urbano deixa de ser apenas o espaço onde acontecem as relações de produção, e passa a ser ainda, palco de conflitos e contradições sociais.
O espaço caracteriza-se, em qualquer tipo de sociedade, por ser fragmentado, isto é, constituído por áreas distintas entre si no que diz respeito à gênese e dinâmica, conteúdo econômico e social, paisagem e arranjo espacial de suas formas. Essas áreas, por outro lado, são vivenciadas, percebidas e representadas de modo distinto pelos diferentes grupos sociais que vivem nas cidades e fora delas (CORRÊA, 2013, p. 39).
Dessa forma, um dos principais problemas pela procura exacerbada de instalação nos espaços urbanos é sem dúvida a questão da habitação. Pois ao mesmo tempo em que se amplia a posição social e econômica das cidades, as relações capitalistas apontam também para a segregação como uma das características inerentes ao espaço urbano. Corrêa vai chamar essa segregação de residencial e afirmar ser um dos mais expressivos processos espaciais de geram a fragmentação do espaço urbano.
A segregação residencial as cidade capitalista emerge a partir da localização diferenciada no espaço urbano dessas distintas classes sociais e suas frações. Admite-se, assim, que quanto mais intensa a fragmentação social, mais complexa será a segregação residencial. [...] pode ser considerada, de um lado, com auto-segregação e, de outro, como segregação imposta e segregação induzida. Em comum está uma política de classe que gera estes tipos de segregação (CORRÊA, 2013, p. 42-43).
Pensa-se a partir do exposto acima na questão da habitação e da política, já que esta é instancia primordial na diminuição e resolução dos problemas e disparidades sociais. Sendo assim, de acordo com Malpas (2004), a habitação é destacada pela academia como sendo um dos cinco serviços públicos essenciais, acompanhado de educação, saúde, serviços sociais pessoais e seguridade social. Ainda conforme Malpas (2004), essa definição, associa-se ao de Estado de Bem-Estar Social da provisão habitacional ocorrendo na parte do setor privado, seu status como variável de política pública consolidou-se ao longo do século XX.
O Brasil, a partir da Constituição de 1988, incorporou os direitos sociais e passou a defender o direito à moradia digna, expresso enquanto um direito extensivo, isto é, que ultrapassa as quatro paredes, pressupondo uma vida com qualidade em que as necessidades são supridas e respeitadas (NALIN, 2013, p. 62).
A Constituição Federal de 1988 concedeu ainda através dos Artigos 182 e 183 à sociedade brasileira e às três esferas de poder, um processo que redefine competências, transferindo aos Estados e aos Municípios a participação na gestão das Políticas Sociais, dentre elas a de saúde, a de assistência social, e, principalmente a de habitação de interesse social. No entanto, verifica-se que o contexto habitacional brasileiro é acompanhado de um eminente aspecto negativo que diz respeito ao déficit que ainda é acentuado no país.
Estudos socioeconômicos atestam que existe no Brasil um expressivo déficit habitacional quantitativo e qualitativo envolvendo, principalmente, as famílias de baixa renda. Esse déficit é gerado em razão do aumento populacional nos municípios ser superior à oferta de moradia e infraestrutura adequadas (ANDRADE, 2012, p. 22).
Essa demanda resulta da constante procura por moradia nos espaços urbanos e pela ausência de políticas habitacionais que atendam as camadas populares mais baixas. A alta valorização mercadológica de algumas áreas no espaço urbano se torna uma das principais formas do capital se reproduzir e isso acarreta prejuízos sociais às pessoas que possuem poder aquisitivo baixo e dessa forma se distanciam do sonho de ter uma moradia própria. A transformação do espaço em mercadoria torna a cidade alvo de conflitos e jogos de interesses entre os diversos grupos e agentes que o formam. É nesse contexto que se forma uma condição favorável a lucratividade da produção imobiliária, pois segundo Bernardo Neto (2012, p. 103):
[...] constata-se que essa dinâmica inerente ao espaço urbano capitalista está intimamente ligada à forma como o capital se inseriu na própria atividade de construção do espaço urbano, por meio da construção civil e do mercado imobiliário, respectivamente as etapas de produção e realização da moradia enquanto mercadoria.
A construção imobiliária vem através do processo de reestruturação do espaço urbano evidenciando uma rentabilidade que em alguns casos ultrapassa a média de outros setores industriais.
O setor imobiliário pode ser entendido como diversas atividades relacionadas à produção, transporte e comercialização de materiais de construção, a construção de edifícios, obras de engenharia no geral, acrescidas às atividades ligadas a comercialização imobiliária e atividades de manutenção predial (GERALDO, 2011, p. 12).
A lógica do mercado imobiliário, porém, atende a uma realidade característica do capitalismo, pois o que de fato se vende não é somente o imóvel, mas exclusivamente o direito de morar em determinada área da cidade. Essa questão se justifica pela diferenciação de preços dos imóveis, quando se verifica que aqueles que são construídos em áreas consideradas mais privilegiadas, são mais caras e consequentemente é destinado à classe populacional com status mais elevado, o que deixa uma ideia de superioridade que segrega pessoas e relações sociais na medida em que distinguem as porções de determinado espaço urbano (BERNARDO NETO, 2012).
O fato de áreas com melhores padrões de urbanização ser mais valorizadas constituí um fator limitante de acesso à moradia as pessoas de poder aquisitivo mais baixo. Isso desencadeia outra divergência no crescimento legal da cidade, a descentralização de algumas localidades e o consequente surgimento de novas centralidades. Novos fatores passam a influenciar o processo de descentralização de pessoas e inclusive de serviços e atividades econômicas, tornando o espaço urbano mais complexo e dinâmico, destacando a presença de novos e variados núcleos secundários de atividades.
A maior problemática, no entanto, é que o processo de fragmentação do espaço diminuiu o convívio entre distintas camadas socioeconômicas da população, além de que, essa segregação também diferencia o acesso a serviços e facilidades, como por exemplo, questões de infraestrutura e serviços públicos.
Sendo assim, para Andrade (2012, p. 23):
Ocorre que o déficit habitacional no Brasil está relacionado não apenas à quantidade de imóveis, mas, também, à qualidade destes. O conceito de inadequação de moradias refere-se a construções que não oferecem condições aceitáveis ou desejáveis de habitabilidade, impactando na qualidade de vida dos moradores.
É nesse contexto de instabilidades, que se passou a vislumbrar o estabelecimento de processos necessários de planejamento, implantação e avaliação de políticas públicas para reduzir o problema habitacional no país. Essa realidade brasileira atinge as pequenas cidades diferentemente da forma e maneira nos grandes centros urbanos, no entanto, observa-se que apesar das pequenas cidades possuírem uma dinâmica, o espaço produzido pela lógica capitalista, cada vez mais vem desenhando cidades com problemas habitacionais semelhantes aos centros urbanos mais consolidados do país.
Pau dos Ferros está localizado na Região Oeste do Estado do Rio Grande do Norte. É considerada “cidade pólo” da região do Alto Oeste Potiguar, e com limites geográficos que correspondem ao Norte com São Francisco do Oeste e Francisco Dantas, ao Sul com Rafael Fernandes e Marcelino Vieira, a Leste com Serrinha dos Pintos, Antônio Martins e Francisco Dantas e a Oeste faz fronteira com o Encanto e Estado do Ceará, Figura 01. Fundada no final do século XVIII, a cidade de Pau dos Ferros passa por um momento de considerável expansão urbana, apresentando um espaço fragmentado, especialmente nas regiões Sul e Norte do município.
A valorização mercadológica do espaço urbano é visível na diferenciação de áreas e espaços urbanos, onde se observa que o acesso a estas regiões da cidade se configura como entraves para a população de baixo poder de compra.
Outro ponto a destacar, é que na perspectiva das gestões urbanas municipais para a política habitacional, o munícipio na questão técnica e operacional da gestão, mostra um déficit tanto na implantação de instrumentos urbanos, como na fiscalização, assessoria e acompanhamento dos problemas urbanos e habitacionais.
Figura 1: Mapa de Pau dos Ferros – Rio Grande do Norte
Fonte: Adaptado, LAGEO, 2015.
Nos primeiros quatorzes anos do século XXI, a cidade de Pau dos Ferros, onde o tecido urbano teve um incremento de 244 ruas e consequentemente seis novos Bairros (Bairro Nações Unidas, Bairro Princesinha, Bairro Bela Vista, Bairro domingos Gameleira, Bairro João Catingueira, Bairro Zeca Pedro, Manoel Deodato, Riacho do Meio), Figura 2. Com efeito, pressupõe que a terra tem se tornado uma incontestável mercadoria de venda e troca, e é justamente sobre ela que recai a atenção quando se pensa nos agentes modeladores do espaço na cidade em questão.
Vale ressaltar que a expansão e criação desses bairros tem se dado por meio de loteamentos nas áreas periféricas a partir da materialização de obras financiadas pelo Estado, como a implantação de universidades publicas, melhorias dos serviços urbanos e um aumento considerável da atividade comercial na região. Questões como investimentos em infraestrutura e implementação de serviços públicos são fatores preponderantes que aumentam a procura e consequentemente aumentam o preço de imóveis e terrenos. Aumentando o preço diminui a oferta para classes com níveis econômicos mais inferiores, que tendem a procurar áreas mais acessíveis a sua condição econômica, mas essas áreas nem sempre apresentarão as mesmas benfeitorias que naquelas que são mais valorizadas.
Figura 2: Expansão imobiliária em Pau dos Ferros – RN/Brasil
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Figura 3: Construção Prédio Residencial em Pau dos Ferros – RN/Brasil
Fonte: http://paudosferrosnewsrn.blogspot.com.br/2010/07/condominio-residencial-e-construido-no.html
Exemplo do processo de valorização mercadológica da terra urbana foi motivado pela implantação das instituições de ensino como a UERN e o IFRN, que acelerou o aumento de loteamentos com áreas a venda, bem como contribuiu para a alocação também nessas localidades de prédios comerciais aumentando a oferta de serviços no comércio local. Verifica-se que na região próximo as estas instituições de ensino, o preço da terra tende a valorizar-se ainda mais com o aumento do fluxo de transportes pela BR 405 que corta a cidade no sentido Norte a Sul em direção ao estado da Paraíba.
O Loteamento Nações Unidas , Figura 03 vem apresentando também um acelerado processo de expansão, percebida pela quantidade de construções e de terrenos a venda. Em parte as instalações da UERN, a proximidade de pontos comerciais favorecem a especulação dessa área. Verifica-se que ocorre aumento de construção de predios destinados a aluguéis, já que a cidade recebe estudantes e profissionais de várias cidades circunvizinhas, e tambem de outros estados que procuram estadia nas proximidades da referida instituição. Assim, podemos destacar a atuação principalmente dos prorpietários fundiários e setor privado na figura das imobiliárias na materialização do Conjunto.
Desse modo, é possível afirmar que, enquanto esses investimentos como os comerciais e institucionais se concentram em áreas como essas, outras ficam as margens desses investimentos, como o caso do Conjunto Manoel Deodato, configurando-se numa área segregada socioeconomicamente. Assim como na maioria das cidades brasileiras o crescimento da população e da urbanização como consequência são acompanhadas com problemas referentes à habitação, infraestrutura urbana insuficiente. E em Pau dos Ferros, é o Conjunto Manoel Deodato, o maior reflexo dessas desigualdades, embora se perceba investimentos básicos nos últimos sete anos.
Muitas ruas ainda encontram-se sem pavimentação e a sua paisagem evidencia uma degradação visual latente marcada por esgotos a céu aberto e lixos espalhados pelos logradouros, Figura 4.
Figura 4: Segregação socioespacial em Pau dos Ferros – RN/Brasil
Fonte: Autoria própria.
Aqui, ressalta-se a pouca atuação do Estado comparado a áreas mais antigas, já que, o mesmo tratando-se de um conjunto habitacional mais carente, a implementação de infraestrutura na cidade dá-se mais de forma seletiva e o referido conjunto continua a mercê desses investimentos.
[...] entendemos que a segregação residencial em Pau dos Ferros ocorre de forma involuntária, uma vez que sua formação se deu a partir de ocupações irregulares, organizadas por uma população que, não tendo recursos para adquirir ou alugar imóveis em outras áreas da cidade, foram forçadas a se fixarem nas áreas onde as condições físicas e ausência de infraestrutura e amenidades naturais, afastam o interesse imobiliário (LIMA; BEZERRA; 2009, p. 52).
As diferenças desse conjunto para outras localidades da cidade são visualmente percebidas, seja pelo padrão das residências, pela estrutura das ruas (calcamentos, saneamento, etc.), seja pelo próprio perfil da população que ali reside. Outro Bairro em que é possível verificar acentuada expansão no recorte temporal aqui investigado é o Bairro Riacho do Meio que este localizado na saída de Pau dos Ferros para a cidade vizinha de Encanto. Esse bairro abriga famílias de rena baixa e média baixa a perceber pelas próprias residências que comparadas a de outros bairros reflete certa diferenciação. Na perspectiva do acesso a terra habitação pela classe mais baixa, a valorização mercadológica da terra urbana, trouxe consigo, problemas para a população pobre da cidade, restando-lhes apenas as concentração e construção nas áreas mais afastadas do centro urbano do munícipio.
Essa realidade é semelhante às capitais e regiões metropolitanas, uma vez que a produção do espaço urbano, do ponto de vista da lógica do capital, sempre atenderá as classes de elite, de mais alto poder que por sua vez, influencia o Estado segundo seus interesses, segregando e estratificando este espaço.
O estudo em tela discorreu sobre a produção e reprodução do espaço urbano e a valorização mercadológica nas pequenas cidades do nordeste brasileiro, objetivando a compreensão da relação dialética e critica da produção do espaço sob a ótica do capitalismo que transforma este espaço em mercadoria com valor de troca. Observamos que na perspectiva do capitalismo, este espaço é constantemente modificado conforme os interesses da classe de maior poder e estatuto social influenciando o próprio Estado, participando junto com o mesmo no sentido de produzir o capital da terra urbana nas cidades numa visão excludente das classes mais baixas, sobretudo nos grandes centros.
Na perspectiva das cidades, palco de conflitos e interesses mútuos para todas as classes sociais, desde a mais alta até a mais baixa, o espaço na vida citadina, é reflexo dos processos históricos de formação das cidades e produto de resultado das relações antrópicas. Neste sentido, estudamos a pequena cidade de Pau dos Ferros no Rio Grande do Norte. Nos primeiros quatorzes anos do século XXI, a evolução urbana da cidade, apresentou características particulares em áreas mais valorizadas pela produção capitalista, conferindo alto valor no campo do acesso a compra da terra e conquista da habitação em uma cidade pequena, onde as dificuldades na gestão municipal na implantação de politicas públicas urbanas e habitacionais são muitas, desde a falta de aparato técnico ao descaso da gestão no processo de valorização do espaço mediante a ação de agentes imobiliários na construção e implantação de loteamento e venda de terras, valorizando ainda mais áreas próximas os principiais serviços urbanos e infraestruturas implantadas pelo Estado.
As desigualdades oriundas da produção e reprodução do espaço urbano em Pau dos Ferros podem foram percebidas na paisagem urbana da cidade através da organização do espaço e nas características das moradias e infraestrutura urbana. Bairros também considerados mais nobres da cidade como Princesinha e Nações Unidas em termos residenciais, também presenciaram um rápido processo de expansão urbana e de construções civis, tendo destaque à atuação de promotores imobiliários no processo de valorização mercadológica da terra. Inúmeros problemas de cunho social e econômico são envolvidos e um aspecto negativo se revela a predominância da disparidade entre pessoas, refletindo também no espaço diante do sistema econômico desigual e excludente que vigora o capitalismo.
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1. Email: antonio.leite@ufersa.edu.br