Vol. 38 (Nº 16) Año 2017. Pág. 18
Rafael Mozart da SILVA 1; Guilherme Bergmann Borges VIEIRA 2; Luiz Afonso dos Santos SENNA 3; Francisco José KLIEMANN NETO 4
Recibido:06/10/16 • Aprobado: 02/11/2016
3. Procedimentos metodológicos
RESUMO: A presente pesquisa teve como objetivo geral verificar quais são os possíveis impactos da utilização do VTMIS na gestão portuária e na atividade de praticagem no Porto de Santos, no Brasil. Em relação aos procedimentos metodológicos utilizados, pode se classificar esta pesquisa quanto à natureza, como uma pesquisa aplicada, e quanto a abordagem como qualitativo e em relação ao objetivo como exploratório. O procedimento técnico utilizado, foi o estudo de caso no Porto de Santos. Como resultado, constatou-se que a utilização de um sistema VTMIS mostra-se como alternativa para aumentar a eficiência do fluxo de embarcações nos portos, impactando o sistema portuário como um todo. A presente pesquisa pode representar uma contribuição no sentido de inter-relacionar a temática VTMIS aplicada à gestão portuária e a atividade de praticagem. |
ABSTRACT: The present research aimed to verify General what are the possible impacts of the use of the VTMIS in port management and in pilotage activity in the port of Santos in Brazil. Regarding the methodological procedures used, can qualify this research as to the nature, as an applied research, and how the approach and qualitatively and in relation to the goal as exploratory. The technical procedure used was the case study at the port of Santos. As a result, it was found that the use of VTMIS system shows up as an alternative to increase the efficiency of the flow of vessels in ports, impacting the port system as a whole. This search can represent a contribution in order to interface the theme applied to the management port and VTMIS the pilotage activity. |
No Brasil, a Secretaria de Portos da Presidência da República (SEP/PR) vem formulando políticas e diretrizes para o desenvolvimento e o fomento do setor portuário, assim como vem apoiando e estimulando as iniciativas para modernização e aprimoramento de todos os serviços prestados pelo porto (BRASIL, 2014). Nesse contexto, o governo brasileiro está desenvolvendo nos portos públicos um conjunto de ações denominadas de Inteligência Logística Portuária. Dentre as iniciativas, está a implantação do Vessel Traffic Management Information System – VTMIS (BRASIL, 2014).
O Vessel Traffic Management Information System (VTMIS) é um sistema de auxílio eletrônico à navegação, composto pela integração de diversos sensores de captação de informações. O sistema monitora ativamente o tráfego aquaviário, a partir de informações visuais e eletrônicas captadas pelos sensores e integradas ao sistema de informações do porto, garantindo dessa forma uma maior eficiência no transporte de mercadorias, mais segurança da tripulação e maior capacidade de identificação de ameaças ao meio ambiente nas áreas portuárias (BRASIL, 2014).
Desde 2008 vem sendo discutida na Companhia Docas do Estado de São Paulo (CODESP) a implantação de um VTMIS no porto de Santos. O projeto da CODESP, denominado Vessel Traffic Management Information System (VTMIS) e atualmente está em processo de implantação.
A implantação do VTMIS no porto de Santos foi motivada pelas resoluções estabelecidas no Código Internacional para a Proteção de Navios e Instalações Portuárias ou International Ship and Port Facility Security Code (ISPS Code). O ISPS Code é um conjunto abrangente de medidas para reforçar a segurança de navios e instalações portuárias, desenvolvidas em resposta às ameaças percebidas na sequência dos ataques de 11 de setembro de 2001 nos Estados Unidos.
Os objetivos do projeto do VTMIS no porto de Santos, de acordo com informações disponibilizadas pela CODESP, são os seguintes; i) assegurar a salvaguarda da vida humana, a segurança das manobras e das embarcações nas águas do Porto de Santos, em seus canais de acesso áreas de fundeio, protegendo a infraestrutura portuária; ii) auxiliar e complementar os sistemas de gestão e vigilância portuária, além de melhorar a logística e a produtividade do complexo portuário; e iii) auxiliar a defesa do meio ambiente marinho, evitando incidentes potencialmente poluidores e auxiliando a detecção de efluentes, por meio da monitoramento das variáveis ambientais, tais como marés, direção dos ventos e dados das águas do estuário.
Esses objetivos estão associados a quatro regulamentações principais: i) a Resolução A.857(20) da Organização Marítima Internacional (OMI)/ International Maritime Organization (IMO); ii) a NORMAM 26/ Recomendação V-128 da International Association of Lighthouse Authorities/ Association Internationale de Signalisation Maritime (IALA-AISM); iii) a Lei 12.815/2013; e iv) a Licença de Operação VTS, baseada na Portaria nº 54/DHN – Marinha do Brasil. Considerando o contexto apresentado, a presente pesquisa teve como objetivo verificar quais são os possíveis impactos da utilização do VTMIS na gestão portuária e na atividade de praticagem no Porto de Santos, no Brasil.
Na Seção 1 deste trabalho é apresentado o tema e uma breve contextualização do problema investigado. Na Seção 2, apresenta-se o referencial teórico que serviu de base para desenvolvimento da pesquisa. A metodologia de pesquisa utilizada para a realização deste trabalho é apresentada na Seção 3. Os resultados do estudo de caso no porto de Santos, assim como os principais aspectos voltados à utilização e implementação do VTMIS são apresentados na Seção 4. Uma síntese dos principais achados decorrentes das entrevistas é apresentada na Seção 5. Por fim, na Seção 6, são apresentadas as considerações finais e as contribuições do trabalho, as quais poderão ser utilizadas como hipóteses para novas pesquisas.
Nesta seção apresentam-se os principais conceitos que serviram de base para o desenvolvimento da pesquisa, os quais compreendem a atividade de praticagem no contexto dos serviços portuários e o VTMIS.
Segundo Monfort et al. (2012), os portos são sistemas integrados com conexão física e de informação com as redes de transporte terrestre e marítima. Portos são importantes elos da cadeia logística global, sendo responsáveis pelo intercâmbio terra-mar (VIEIRA, 2013).
Em função disso, as atividades portuárias podem ser classificadas como: i) carga e descarga de navios; ii) armazenamento e movimentação de cargas; iii) recepção e entrega terrestre; e iv) interconexão (MONFORT et al., 2012). A gestão dessas atividades impactam os fluxos logísticos em seu conjunto e, consequentemente, influenciam a competitividade dos setores exportadores e importadores que se utilizam do porto. Esse impacto se dá tanto pelo custo gerado a partir da referidas atividades quanto por sua influência no nível de serviço logístico. A Figura 1 apresenta de forma esquematizada a relação entre essas quatro atividades.
Fig. 1 - Subsistemas de um porto de contêineres
Fonte: adaptado de Monfort et al. (2012).
Os serviços de praticagem enquadram-se como uma atividade marítima que antecede a carga e descarga de navios. Em função disso, essa atividade tem impacto sobre o sistema portuário como um todo (VIEIRA et al., 2015).
A atividade de praticagem é fundamental para a operação de um porto, pois constitui-se na atividade de navegação e manobras de navios realizadas por profissionais habilitados (os práticos) que possuem conhecimento das características locais como correntes, variações de marés, ventos e limitações dos pontos de acostagem, proporcionando maior eficiência e segurança à navegação. Esses profissionais atuam em trechos da costa, baías, portos, estuários de rios, lagos, rios, terminais e canais onde há tráfego de navios.
A atividade de praticagem é realizada a bordo dos navios, onde o prático assessora o comandante na condução segura da embarcação em áreas de navegação restrita ou sensíveis para o meio ambiente (CONAPRA, 2012).
A praticagem é uma atividade altamente especializada e, como tal, depende de sistemas de informação sofisticados que apoiem o processo de tomada de decisão, com vistas a tornar a operação mais segura e eficiente. Tais sistemas têm evoluído desde as soluções iniciais para localização automática de navios (Automatic Identification System – AIS), baseadas em transponders instalados nas embarcações, até os atuais Vessel Traffic Management Information Systems (VTMIS). As principais características de um sistema VTMIS são descritas na seção a seguir.
O Vessel Traffic Management Information System (VTMIS) é um sistema de suporte à gestão e operação portuária, o qual contempla uma ampliação dos sistemas VTS e VTMS sob forma de integrador das funcionalidades anteriormente existentes, incorporando outros recursos como o de telemática, a fim de permitir aos serviços aliados e a outras agências interessadas o compartilhamento direto dos dados do Vessel Traffic Services (VTS) ou o acesso a determinados subsistemas. Um dos principais objetivos do VTMIS é aumentar a efetividade das operações portuárias ou da atividade marítima como um todo. Os recursos disponíveis em um VTMIS são (BRASIL, 2009; 2011): i) sistemas de gerenciamento do porto; ii) sistemas dedicados à segurança portuária; iii) sistemas de apoio e gerenciamento da praticagem; iv) sistemas de gerenciamento de carga e da propriedade em geral; v) planejamento de acostagem; vi) sistemas de cobrança de taxas portuárias; vii) controle de quarentena; viii) controle alfandegário; e ix) apoio às operações da Polícia Marítima, tais como repressão aos ilícitos contra navios, contrabando, narcotráfico, entre outros aspectos.
Segundo a disposição da NORMAM-26, norma da Diretoria de Hidrografia e Navegação (DHN) da Marinha do Brasil, o VTMIS torna-se uma importante ferramenta de auxílio eletrônico à navegação, com capacidade de prover monitorização ativa do tráfego aquaviário, cujo propósito é ampliar a segurança da vida humana no mar, a segurança da navegação e a proteção ao meio ambiente nas áreas em que haja intensa movimentação de embarcações ou risco de acidentes de grandes proporções.
O VTMIS dispõe de dados integrados que permitem o compartilhamento em tempo real de informações sobre chegadas, partidas e trânsitos entre as regiões marítimas, além de processar os elementos sempre variáveis do tráfego em si. O sistema tem como objetivos básicos (BRASIL, 2009; 2011): i) a salvaguarda da vida humana no mar e a segurança da navegação pela identificação e monitorização de embarcações, pelo planejamento da movimentação de embarcações na área de VTS e pela divulgação de informações e assistência ao navegante, em qualquer condição meteorológica; ii) o aumento da eficiência do tráfego marítimo; iii) a prevenção da poluição marítima, facilitando a tomada de medidas de emergência antipoluição; iv) a prevenção de acidentes marítimos; v) a identificação da possibilidade de colisões ou encalhe; vi) o conhecimento das posições de objetos flutuantes, tais como boias e balizas; vii) a proteção das comunidades e infraestruturas contíguas à área de VTMIS; e viii) a disponibilização de um sistema de informação para a Autoridade Marítima e outros órgãos e instituições.
De forma geral, o VTMIS pode contribuir para o aumento da eficiência das atividades e apoiar a segurança das operações marítimo-portuária. Assim como o VTS, o VTMIS apresenta dois enfoques: i) sistemas dedicados ao serviço portuário; e ii) sistemas dedicados ao serviço costeiro. As atribuições de um VTMIS de porto estão voltadas primariamente para o tráfego da área portuária e seus acessos diretos (águas interiores e canais, de uma forma geral), ao passo que um VTMIS costeiro está preocupado com o trânsito de embarcações por um determinado trecho do mar territorial.
Diante da complexidade das atividades portuárias e costeiras, percebe-se a importância da utilização de meios tecnológicos que possam contribuir para a efetividade das operações e para segurança dos diversos atores envolvidos, minimizando os impactos ao meio ambiente. Essa é a justificativa central para a implantação de um VTMIS.
De acordo com Silva e Menezes (2005), quanto à natureza, este trabalho se classifica como uma pesquisa aplicada, pois objetiva gerar conhecimentos para aplicação prática, dirigidos à solução de problemas específicos, envolvendo verdades e interesses locais.
O presente estudo pode ser classificado, quanto ao enfoque, como qualitativo e, quanto ao tipo, como exploratório. Segundo Skinner, Tagg e Holloway (2000), as pesquisas qualitativas focam a experiência das pessoas e o significado de eventos, processos e estruturas inseridos em cenários sociais. Os estudos de natureza exploratória visam tornar o problema mais explícito, sendo recomendados espacialmente nos casos em que há pouco conhecimento disponível sobre o assunto (GIL, 1999; MARCONI; LAKATOS, 2010; CERVO; BERVIAN; DA SILVA, 2007).
Quanto ao procedimento técnico utilizado, a presente pesquisa compreendeu o estudo de caso. Segundo Yin (2005), o estudo de caso é uma forma de pesquisa que busca investigar um fenômeno contemporâneo dentro de seu contexto e de uma realidade, especialmente quando os limites entre o fenômeno e o contexto não estão claramente definidos.
Na coleta de dados , foi utilizado um roteiro de questões semiestruturadas que serviu de base e orientação geral para a condução das entrevistas. Para Malhotra (2010), a entrevista semiestruturada possui flexibilidade, na medida em que apresenta um roteiro contendo perguntas de orientação ao entrevistado, possibilitando tanto ao entrevistador como ao entrevistado um maior grau de liberdade para discutirem e fazerem uma reflexão sobre o tema abordado.
Durante as entrevistas, foram incluídas perguntas adicionais, uma vez que o instrumento utilizado serviu como um roteiro, permitindo assim um maior grau de flexibilidade junto aos entrevistados. O roteiro de questões proposto foi subdividido em três dimensões (Tabela 1):
Dimensão |
Objetivos |
Contexto |
Verificar as condições de contorno do projeto do VTMIS. |
Modelo, objetivos e funcionalidades |
Identificar o modelo de VTMIS a ser adotado, os objetivos pretendidos com a implementação do sistema e as suas funcionalidades. |
Impacto nas operações de atracação e na praticagem/ Benefícios |
Esta dimensão consistiu em uma etapa de fechamento da entrevista e foi composta por questões para identificar o impacto do sistema nas operações marítimas realizadas no porto, especialmente nos processos de atracação de navios e nos serviços de praticagem. Nesta dimensão evidenciou-se o grau de integração do setor de programação/atracação de navios e da praticagem com o a tecnologia VTMIS. |
Tabela 1 – Dimensões do roteiro de entrevistas
Para a coleta de informações no porto estudado, foram entrevistados os profissionais das áreas apresentadas na Tabela 2.
País |
Porto |
Entrevista |
Área |
Brasil |
Santos |
ES1 |
Tecnologia da Informação |
ES2 |
Tecnologia da Informação |
||
ES3 |
Tecnologia da Informação |
||
ES4 |
Programação e Atracação de Navios |
Tabela 2 - Caracterização dos entrevistados
Foram entrevistados quatro gestores da CODESP, sendo três relacionados com a implantação do VTMIS e um atuante no setor de programação de navios e atracação. O período de aplicação das entrevistas e coleta das informações foi entre fevereiro e março de 2014. Após as entrevistas, procedeu-se à sua análise de conteúdo (BARDIN, 2011). Para tanto, foram identificados e analisados, mediante a utilização de grelhas de análise (BARDIN, 2011), os principais fatores citados pelos entrevistados em cada questão.
Nesta seção descreve-se a aplicação das entrevistas realizadas no Porto de Santos, as quais contemplaram as seguintes dimensões: contexto; modelo; objetivos e funcionalidades; impacto do VTMIS nas operações de atracação e na praticagem.
O entrevistado ES1 contextualizou que o projeto do VTMIS vinha sendo discutido na Companhia Docas do Estado de São Paulo (CODESP) desde 2008. Os termos de referência foram estabelecidos internamente, seguindo o critério de menor preço, com as propostas estando sujeitas a um conjunto de critérios mínimos de qualificação (base line). De acordo com ES1, 85 empresas haviam realizado visitas ao Porto de Santos a fim de verificar a estrutura disponível.
O entrevistado ES2 complementou afirmando que, para a elaboração dos termos de referência, foram realizados contatos com diversos fornecedores e também foram realizadas pesquisas sobre a implementação de VTMIS em outros portos da Europa e dos Estados Unidos. Segundo o entrevistado ES2, é possível observar dois modelos distintos de VTMIS em nível internacional: i) o modelo americano, o qual está mais voltado a questões de segurança da navegação e de defesa nacional; e o modelo europeu, o qual está mais relacionado com a gestão das operações, sendo a segurança um fator agregado.
Questionado sobre o modelo de VTMIS a ser implantado no porto de Santos, o entrevistado ES2 afirmou que o mesmo está mais relacionado com o segundo modelo (europeu). No entanto, nos próprios objetivos do projeto, apresentados pelos entrevistados ES2 e ES3, observa-se um maior alinhamento do projeto em andamento com as questões de segurança e com questões ambientais (modelo americano). Tais aspectos estão presentes no primeiro e terceiro objetivos do projeto: i) assegurar a salvaguarda da vida humana, a segurança das manobras e das embarcações nas águas do Porto de Santos, em seus canais de acesso áreas de fundeio, protegendo a infraestrutura portuária; e iii) auxiliar a defesa do meio ambiente marinho, evitando incidentes potencialmente poluidores e auxiliando a detecção de efluentes, por meio do monitoramento das variáveis ambientais, tais como marés, direção dos ventos e dados das águas do estuário.
As questões relacionadas com a gestão das operações estão presentes no segundo objetivo do projeto (auxiliar e complementar os sistemas de gestão e vigilância portuária, além de melhorar a logística e a produtividade do complexo portuário).
Segundo o entrevistado ES2, a motivação inicial para a implantação do VTMIS no porto de Santos está relacionada com os requisitos de rastreabilidade da carga estabelecidos pelo ISPS Code. O entrevistado complementou, afirmando que o sistema poderá prover uma ampla base de dados com todas as operações realizadas, bem como dados meteorológicos e oceanográficos associados. Essa base de dados servirá como apoio ao processo de tomada de decisão e à gestão de operações.
Quanto à praticagem, os entrevistados ES2 e ES3 informaram que não se pretende interferir no serviço da praticagem. Os entrevistados afirmaram que a praticagem é desfavorável ao projeto, por entender que o sistema AIS é suficiente para garantir a segurança e operacionalidade ao porto. Em uma linha similar, o entrevistado ES4 afirmou que, atualmente, a praticagem detém o ‘poder’ sobre as operações.
Os entrevistados ES2 e ES4 afirmaram que o VTMIS proverá para a Autoridade Portuária informações importantes sobre as operações, tais como horários de chegada das embarcações; horários de atracação e desatracação, horários de embarque e desembarque dos práticos, tempos exatos de espera e de atracação, etc. O entrevistado ES2 afirmou que, atualmente, existe baixa confiabilidade nas informações de aviso de chegada de navios, o que afeta as requisições de atracação e prioridades. Esse aspecto também foi citado pelo entrevistado ES4, que afirmou que o conhecimento da ordem de chegada dos navios atualmente depende de informações providas pela praticagem.
Os entrevistados ES2 e ES3 complementaram argumentando que, no caso do AIS, as informações não são atualizadas em tempo real e os dados são atualizados em intervalos irregulares (taxa de atualização baixa, transmissão VHF). Além disso, certas embarcações pequenas não têm a obrigatoriedade de ter AIS, conforme a NORMAM 28/DHN, e o tráfego de embarcações pequenas é intenso no porto de Santos. Além disso, o entrevistado ES4 informou que o equipamento de AIS pode estar desligado e, nesse caso, o navio não é localizado e a embarcação pode ser penalizada. O radar do VTMIS resolveria esse tipo de problema.
Como um desafio a ser enfrentado, os entrevistados ES2, ES3 e ES4 mencionaram a necessidade de integração entre atores e sistemas. Nesse sentido, foi citada pelos entrevistados ES2 e ES3 a necessidade de integração plena entre os Sistemas Porto sem Papel (PSP), desenvolvido sob a iniciativa da Secretaria de Portos da Presidência da República (SEP/PR) e Supervia, utilizado pela CODESP, bem como a importância de analisar o potencial impacto do VTMIS nas operações de atracação. O entrevistado ES4 complementou, afirmando que o PSP ainda não provê todas as informações necessárias ao Supervia. Em função disso, algumas informações precisam ser inseridas nos dois sistemas. No entanto, o entrevistado ES4 afirmou que a tendência é de que os dois sistemas sejam integrados e que o Supervia seja extinto.
Quanto à operacionalização da atracação no porto de Santos, o entrevistado ES4 informou que todos os navios que atracam estão sujeitos à ‘reunião de atracação’ que acontece diariamente, no início das manhãs, na CODESP. Nessa reunião, os navios aptos a atracar (que já possuem todas as autorizações dos órgãos anuentes, as quais são verificadas através do PSP) são sequenciados. Caso falte alguma anuência, o próximo navio é alocado. Essa alocação, segundo o entrevistado ES4, segue a Resolução 176/79 da CODESP sobre preferências de atracação e prioridades de navios.
Detalhando o processo de atracação, o entrevistado ES4 descreveu as seguintes etapas: i) solicitação de atracação no PSP; ii) obtenção das anuências (sinais verdes) no PSP; iii) passagem da embarcação pelo arco de chegada; iv) elaboração do sequenciamento de navios na reunião de atracação, de acordo com os critérios estabelecidos pela Resolução 176/79 da CODESP; v) realização da manobra (praticagem); e vi) atracação do navio. Quanto à definição da ordem de chegada das embarcações, aspecto-chave para a alocação dos navios na reunião de atracação, o entrevistado ES4 citou as seguintes etapas: i) passagem do navio pelo arco de chegada, com o cruzamento da bóia 1 do porto de Santos; ii) envio do tempo estimado de chegada - Estimated Time of Arrival (ETA) - do comandante da embarcação à praticagem; iii) publicação da data e hora de chegada dos navios no site da praticagem; iv) consulta da CODESP ao site da praticagem; e v) elaboração do relatório com data e hora de chegada dos navios pela CODESP. Portanto, segundo o entrevistado ES4, atualmente a CODESP desconhece a efetiva data e hora de chegada dos navios, sendo essas informações providas pela praticagem.
Quanto aos benefícios decorrentes da implantação do VTMIS, os entrevistados ES2, ES3 e ES4 mencionaram: i) uma possível redução dos prêmios de seguro, decorrente do aumento de segurança na barra; ii) uma potencial redução da frequência da impraticabilidade ou limitação do calado operacional em Santos, devido a ‘mar grosso’, o que, segundo os entrevistados, ocorre cerca de três vezes por ano, podendo restringir a operação por períodos de quatro a seis horas; e iii) uma potencial redução da frequência de fechamento do canal por neblina, problema que, segundo os entrevistados, ocorre cerca de cinco vezes por ano e possui duração variável, podendo afetar as operações por três a seis horas.
O entrevistado ES4 afirmou que o VTMIS poderá permitir a revisão da atual tarifa de atracação dos navios: ao invés de se considerar períodos de seis horas ou fração (lógica atual), poderiam ser utilizados os tempos efetivos de atracação, os quais seriam providos pelo VTMIS de forma acurada. Isso evitaria que o navio ficasse esperando o próximo período de atracação para não pagar dois períodos de 6 horas e, consequentemente, otimizaria o uso do cais, aumentando a eficiência do porto.
Para a implantação do VTMIS, deve-se considerar tanto o marco legal sobre a segurança da navegação vigente em nível internacional, incluindo sua incorporação ao regramento jurídico brasileiro a partir de Normas da Autoridade Marítima, quanto os aspectos relacionados com a gestão e operação portuária que podem ser influenciados por esse tipo de sistema. Na Figura 1 apresentam-se os principais instrumentos legais a serem considerados (e, dependendo do caso, ajustados) para a integração do VTMIS com os procedimentos logístico-operacionais existentes no porto.
Fig. 2 – Marco legal portuário e sua relação com o VTMIS
Além do marco geral, estabelecido pela Lei de Portos, deve-se considerar como normas infra legais relacionadas com o VTMIS o Regulamento de Exploração e as Normas de Atracação vigentes em cada porto (Figura 2). O Regulamento de Exploração dispõe sobre o uso da infraestrutura aquaviária e sobre questões de segurança e proteção ao meio ambiente. Já as Normas de Atracação estabelecem as regras de sequenciamento do atendimento às embarcações, as prioridades de atracação e os procedimentos necessários a sua solicitação. A implantação do VTMIS deve considerar possíveis ajustes nesses instrumentos infralegais, de modo a inserir adequadamente o sistema nas operações logístico-portuárias.
Em relação à organização e adequação da gestão portuária e da praticagem, a implantação de VTMIS poderia gerar os seguintes impactos:
A partir das entrevistas realizadas ao longo deste trabalho, apresenta-se na Tabela 3 uma estrutura propositiva para modelagem e utilização do sistema VTMIS nos portos do Brasil. Essa estrutura contempla dez dimensões propositivas a serem consideradas na implantação do sistema.
Dimensão |
Proposições |
Implantação |
Entre as variáveis a serem consideradas na etapa de implantação do sistema, podem ser citadas as seguintes: i) o número de embarcações que utilizam o porto; ii) a densidade do fluxo de embarcações; iii) as características das embarcações (idade, porte, propulsão, etc.); iv) o número de manobras de praticagem; v) o número de berços; vi) a distância entre os berços; vii) a extensão do canal de acesso; viii) a profundidade (calado) no canal e nos berços; ix) o grau de dificuldade das manobras; x) o tipo de carga movimentada no porto (risco ambiental); e xi) as condições climáticas e marítimas (neblina, marés, correntes, etc.). |
Efetividade da implantação |
Para a efetividade na implantação e utilização do sistema, sugere-se um maior envolvimento das Autoridades Portuárias no processo. |
Funcionalidades |
Devem contemplar o monitoramento, a gestão e as operações de entrada e saída de embarcações dos portos. |
Benefícios da utilização |
Percebe-se que os benefícios esperados com a utilização do VTMIS, podem ser: i) aumento da eficiência das operações de entrada e saída de embarcações do porto; ii) otimização das filas de embarcações; iii) redução do tempo de espera dos navios; iv) monitoramento do fluxo de embarcações; v) disponibilização de uma base de dados (histórico) das operações; vi) mensuração da performance das operações; vii) aumento da segurança das operações; viii) melhor utilização da infraestrutura portuária; ix) aumento da competitividade do porto. Os benefícios projetados estão condicionados à efetiva integração logístico-operacional do sistema VTMIS. |
Integração entre os atores |
Para o efetivo funcionamento do sistema VTMIS é necessária a integração dos diferentes atores, os quais são: -SEP/PR: a SEP desempenha um importante papel para a implantação do VTMIS e a consecução de seus objetivos, pois deve fomentar o envolvimento dos demais atores relacionados com o projeto, visando assegurar sua integração logístico-operacional. -AP (TI): deve-se envolver o departamento de Tecnologia de Informação da Autoridade Portuária, visando a integração do VTMIS com os sistemas de informação já em funcionamento no porto e a definição de parâmetros a serem considerados na instalação do sistema. -AP (Atracação): deve-se envolver o departamento de Atracação da Autoridade Portuária visando à integração do VTMIS com a gestão e operação do fluxo de embarcações no porto. -AM (Segurança da Navegação): deve-se envolver a Autoridade Marítima com o objetivo de garantir o cumprimento da legislação vigente sobre segurança da navegação. -Praticagem: deve-se envolver os práticos a fim de garantir que as operações de praticagem sejam realizadas de acordo com as instruções oriundas da torre de controle e do sistema VTMIS. |
Integração com outros sistemas operacionais |
Deve-se buscar uma integração do VTMIS com os sistemas operacionais em funcionamento no porto (Porto Sem Papel, sistemas da Autoridade Portuária e demais sistemas dos órgãos anuentes). |
Gestão do sistema |
Sugere-se que a operação do sistema seja compartilhada entre a Autoridade Portuária e a Autoridade Marítima. |
Operação do sistema |
Sugere-se que a gestão do sistema seja compartilhada entre a Autoridade Portuária, a Autoridade Marítima, a praticagem e a empresa vencedora do processo licitatório do sistema. |
Marco legal |
Adequação do Regulamento de Exploração e das Normas de Atracação para a inserir o VTMIS como ferramenta obrigatória nas operações de entrada e saída das embarcações do porto. |
Indicadores de desempenho logístico-operacional |
O sistema VTMIS deve permitir a obtenção periódica de indicadores de desempenho, tais como: i) quantidade de embarcações (por tipo, berço, períodos de tempo, etc.); ii) tempos de espera das embarcações; iii) tempos de manobra; iv) taxas de ocupação dos berços; v) aferição da escala e número de manobras realizadas por práticos. Além dos indicadores apresentados, entende-se que a integração entre os atores e sistemas envolvidos poderá permitir a identificação de outros indicadores que possam contribuir para o aumento da eficiência portuária. |
Tabela 3. Estrutura propositiva para modelagem do VTMIS
Se o processo de implantação do VTMIS estiver restrito a questões tecnológicas, não contemplando aspectos de integração logístico-operacional e não envolvendo efetivamente os atores-chave relacionados com o sistema – em especial o setor de atracação de cada Autoridade Portuária e a praticagem – seus resultados estarão limitados aos potenciais benefícios do monitoramento das operações e à disponibilização de uma base de dados históricos das operações de praticagem e atracação de navios. Embora a mencionada base de dados possa vir a servir de referência para a tomada de decisões futuras, auxiliando a gestão portuária na resolução de eventuais problemas, a falta integração logístico-operacional do sistema constituiria um óbice para o aumento da eficiência portuária.
Para que tais situações possam ser mitigadas, torna-se necessário o envolvimento dos setores de atracação e de tecnologia de informação da Autoridade Portuária no projeto de VTMIS. A falta de sinergia entre os envolvidos poderá acarretar a ausência do mapeamento dos processos atuais (sem VTMIS) e dos processos futuros (com VTMIS), impossibilitando a implantação de novos procedimentos logístico-operacionais que venham a aumentar a eficiência do porto. Nesse contexto, ressalta-se que a utilização de um sistema VTMIS mostra-se como alternativa para aumentar a eficiência do fluxo de embarcações nos portos, impactando o sistema portuário como um todo.
A presente pesquisa pode representar uma contribuição no sentido de inter-relacionar a temática VTMIS aplicada à gestão portuária e a atividade de praticagem. No entanto, entende-se que ainda existe um amplo campo para pesquisa neste sentido. Outras pesquisas complementares poderiam ainda ser realizadas sobre os impactos no nível de serviço portuário decorrentes da utilização do VTMIS bem como sobre o potencial aumento da eficiência da governança portuária. Os resultados desta pesquisa poderão também ser utilizados como hipóteses para o desenvolvimento de novos trabalhos que possam tornar ainda mais robusto o conhecimento que se tem do impacto dos sistemas de monitoramento do tráfego de embarcações.
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1. Universidade do Vale do Rio dos Sinos – UNISINOS (Brasil) Universidade Federal do Rio Grande Sul – UFRGS (Brasil) LASTRAN - Laboratório de Sistemas de Transportes Escola de Engenharia Email: rafmozart@terra.com.br rafmozart@unisinos.br
2. Universidade de Caxias do Sul – UCS (Brasil) Universidade Federal do Rio Grande Sul – UFRGS (Brasil) LASTRAN - Laboratório de Sistemas de Transportes Escola de Engenharia Email: gbbvieir@ucs.br gbvieira@hotmail.com
3. Universidade Federal do Rio Grande do Sul, UFRGS LASTRAN- Laboratório de Sistemas de Transportes Email: lsenna@producao.ufrgs.br
4. Universidade Federal do Rio Grande do Sul, UFRGS LOPP - Laboratório de Otimização de Produtos e Processos Email: kliemann@producao.ufrgs.br