Vol. 38 (Nº 16) Año 2017. Pág. 2
Alexandre Luiz PELLI de Oliveira 1; Iris Barbosa GOULART 2
Recibido: 08/10/16 • Aprobado: 09/11/2016
2 . Fundamentação teórica da pesquisa
RESUMO: Esta pesquisa busca identificar os fatores que contribuem para a resistência ao adoecimento no trabalho dos profissionais de uma organização bancária. Para atingir este objetivo, foi desenvolvida uma pesquisa qualitativa, de caráter descritivo, que constitui um estudo de casos. A coleta de dados foi feita utilizando entrevistas semi-estruturadas com funcionários que tiveram adoecimento e funcionários que apresentaram resistência ao adoecimento. A análise de conteúdo das entrevistas apontou a falta de uma política de valorização e reconhecimento do trabalho pela organização. Apesar da semelhança da percepção pelos trabalhadores que adoeceram e pelos que manifestaram resiliência, destacou-se entre os primeiros, maior dificuldade com relação à adoção de mecanismos para lidarem com o controle e a prescrição e, com isso, maior dificuldade para enfrentarem o sofrimento. Também ficou evidenciado que não existe uma política de reconhecimento percebida pelos trabalhadores que se sentem em um processo de reificação e precarização do trabalho na organização. |
ABSTRACT: This research seeks to identify the factors that contribute to resistance to illness in the work of the professionals of a banking organization. To achieve this goal, a qualitative research was developed, descriptive character, which is a case study. Data collection was performed using semi-structured interviews with employees who have illness and employees who showed resistance to illness. The interviews content analysis pointed out the lack of a policy of valuing and recognition of the work by the organization. Despite the similarity of perception by workers who became ill and those who showed resilience, stood out among the first, most difficult in relation to the adoption of mechanisms to deal with the control and limitation and, therefore, more difficult to cope with suffering. It also became evident that there is no recognition policy perceived by workers who are in a process of reification and precariousness of work in the organization |
A evolução histórica do trabalho pode ser resumida em três etapas. A primeira delas seria aquela em que o mesmo trabalhador possuía domínio sobre todo o processo de produção. Até o final da Idade Média, esta era a forma predominante do trabalho. Santos e Claro (2014) sugerem que essa sociedade de escambo e pequenos comércios locais foi se transformando pelas grandes navegações e ampliação do comercio até outros continentes. Essa ampliação da sociedade provocou transformações sociais e econômicas que fundamentaram o sistema capitalista alteraram a distribuição e concentração do capital em pequenos grupos de pessoas e conduziram a emergência da revolução industrial.
A revolução industrial, a partir do século XIX, inaugurou no interior das fábricas uma nova forma de organização do trabalho. A partir de então, o antigo saber pertencente ao artesão foi obscurecido pela divisão do trabalho em etapas. Ao perder a capacidade de conhecer todo o processo de produção e também dos meios de produzir, o trabalhador foi alienado do produto de seu trabalho, pois ele participava apenas de uma parte da elaboração do que era produzido.
A partir de meados do Século XX, com o avanço tecnológico, o trabalho tomou outra dimensão, definindo-se a terceira etapa de sua evolução. Nesse processo, o que pode ser destacado é a intangibilidade do produto do trabalho. Uma parte do trabalho realizado no mundo atualmente não tem como objetivo produzir algo que possa ser visto ou tocado, não obstante o valor intrínseco desse trabalho para a organização.
Foi ao longo desta terceira etapa que tiveram início os estudos sobre a importância do capital humano como um diferencial estratégico das organizações. É preciso, pois, discutir a relação entre trabalho e saúde mental, uma vez que as mudanças nos sistemas organizacionais alteram significativamente a vida dos empregados e sua saúde psíquica. O Boletim Quadrimestral de Benefícios por Incapacidade do Ministério da Previdência Social de 2014 expõe a gravidade do problema do adoecimento e dos acidentes de trabalho e em sua página 4 cita dados da Organização Internacional do Trabalho que coloca o Brasil como quarto colocado no ranking mundial de acidentes fatais de trabalho.
Uma das áreas de destaque dessa nova forma de trabalhar é a do setor financeiro. De acordo com Weber e Grisci (2011) os bancários foram marcados por essa nova forma de trabalhar. Para as autoras, esse trabalho imaterial solicita dos trabalhadores dos bancos maior flexibilidade, agilidade, adaptabilidade, participação e requalificação constante. Exige também uma disponibilidade total na forma de engajamento subjetivo para atender as demandas sempre mutáveis. As exigências moldaram não só o trabalho como o modo de viver dos sujeitos e do grupo social.
De acordo com Mendes (2013), para que os bancos brasileiros pudessem se ajustar ao mercado cada vez mais competitivo e concentrado, foram necessárias uma série de ações de adequação. A autora destaca a política de redução de mão de obra, a precarização do trabalho buscando terceirizar o que é possível e a intensificação do trabalho dos empregados que permanecem nos seus postos. Essa política de redução de custos financeiros implica em instabilidade no emprego, desrespeito da jornada de trabalho e aumento das exigências nas rotinas do trabalho. O ritmo das mudanças e a pressão sofrida pelo trabalhador no ambiente das organizações bancárias têm determinado adoecimento, manifestado através de estresse e outras alterações patológicas. Além disso, a violência e/ou outros fatores sociais como o assédio moral, o isolamento social e o individualismo contribuíram para o aumento das doenças musculo-esqueléticas e os transtornos mentais.
A prática desta política de gestão tem causado uma visão distorcida, pois se em um primeiro momento mostra resultados aparentemente positivos, com o passar do tempo, estes resultados podem ser transformado em um enorme custo financeiro e social conforme demonstra Santos (2009, p.9).
Em média, entre 1996 a 2005, um bancário cometeu suicídio a cada 20 dias, estimando-se uma ocorrência diária de tentativa (não consumada) durante todo o período.
Diante da situação relatada, que remete o trabalho bancário da atualidade ao sofrimento e ao consequente adoecimento, destaca-se que uma parte dos trabalhadores suporta essas condições e consegue levar uma vida aparentemente saudável. O conceito adotado nessa discussão é o de resiliência que segundo Barlach, Limongi-França e Malvezzi (2008, p.101) “é um conceito que tem sido utilizado para explicar fenômenos psicossociais referidos a indivíduos, grupos ou organizações que superam ou transcendem situações adversas”. Para Martins (2015, pag. 583) o conceito de resiliência é “Capacidade dinâmica de adaptação positiva a situações de adversidade significativa”.
A pesquisa realizada teve como fundamentos teóricos os seguintes: o conceito de resiliência como forma de resistência ao adoecimento determinado por fatores relacionados ao trabalho e a contribuição da Psicodinâmica do trabalho, especialmente a produção de Christophe Dejours.
O conceito de resiliência é muito recente nos estudos das organizações, e o presente trabalho busca entender como essa dinâmica se dá com os trabalhadores de uma instituição financeira especifica. Para aprofundamento da discussão, será usada a proposta de Barlach, França e Malvezzi (2008, pág. 104) em que os autores sugerem uma aproximação entre o conceito de resiliência e a teoria da Psicodinâmica do Trabalho. “Cabe ainda ressaltar a afinidade entre Dejours e a literatura predominante sobre resiliência na possível associação entre o fenômeno da resiliência e o sofrimento criativo”.
Na administração flexível, a proposta é que o indivíduo se constitua e reconstitua a todo o momento devido às alterações do mundo moderno. Sua identidade é construída em função de constante adaptação. O trabalhador precisa ser polivalente, pois não vai à organização apenas para oferecer sua força de trabalho. Nesse modelo, espera-se que o trabalhador pense como o capitalista, dono da empresa e como o cliente, buscando o máximo de qualidade com o menor custo. Essa exigência de um indivíduo multifuncional faz com que a subjetividade se entregue as imposições do trabalho flexibilizado e requer um maior desgaste físico e mental para o desenvolvimento das atividades laborais.
A resiliência pode ser definida como a resposta emitida pelo sujeito diante da adversidade ou das situações de pressão. Essas situações que são experimentadas de maneira individual geram em cada sujeito uma forma diferente de se posicionar. A resiliência não é percebida, mas traz como resultado uma nova posição da subjetividade diante do jogo de opostos entre mecanismos de risco e de proteção.
A flexibilidade como característica da resiliência é uma das competências requeridas pela organização do trabalho, considerando a administração da subjetividade diante de situações de pressão e ruptura sempre presentes.
No contexto do trabalho, a resiliência é a capacidade da pessoa lidar com o ambiente que passa por constantes modificações. Barlach, Limongi-França e Malvezzi (2008), destacam uma pesquisa sobre três características para os indivíduos ou organizações resilientes: a firme aceitação da realidade, a crença profunda, de que a vida é importante e significativa e uma misteriosa habilidade de improvisação. A primeira característica sugere que o indivíduo tenha uma visão realista das vivencias, destituindo a ilusão que no fim tudo acaba bem. Esta visão é importante para que o problema possa ser assumido e enfrentado. O segundo aspecto sugere a necessidade de apresentar um comportamento frente à realidade a partir significados internos. Dessa forma, a adversidade transforma-se elemento desencadeante para o aprendizado e o atingimento de uma nova posição subjetiva. Para os autores, a terceira característica destaca a habilidade de improvisação a partir de ferramentas que estão disponíveis para alcançar a solução do problema.
A teoria da psicodinâmica do trabalho de Dejours (2004; 2012; 2013), busca entender como a maioria das pessoas apresentam características de normalidade apesar de vivências de sofrimento no ambiente do trabalho. O termo normalidade configura a distinção entre a sua teoria e a psicopatologia do trabalho. A saúde é tratada pela Organização Mundial da Saúde (OMS) como um bem estar, físico, psíquico e social. Porém, não existe saúde, apenas um ideal de saúde, já que o ser humano está convivendo com envelhecimento e doenças.
É do sofrimento passivo que surge a resposta de superação. Essa superação do sofrimento através da capacidade de intuir solução é constituinte do sujeito, uma vez que transforma o sujeito anterior em um novo sujeito a partir da vivência de superação. Trabalhar implica na transformação do eu. Porém, a manutenção no estado de sofrimento passivo, pode levar à depressão e ao adoecimento. Portanto, a experiência de sofrimento no trabalho pode ser constitutiva ou motivo de adoecimento. Ou seja, o sofrimento pode ser criativo quando a situação de trabalho remete a uma solução criativa ou patogênica quando na situação de trabalho, a solução é desfavorável à produção e ao sujeito.
A teoria da psicodinâmica do trabalho criada por Cristophe Dejours tem sido bem aceita do Brasil e vários pesquisadores estão trabalhando na consolidação dessa teoria. Esses estudos, além de explorarem as ligações entre sofrimento e trabalho, abordam, também, questões do campo das responsabilidades humanas e sociais das organizações.
Prata e Honório (2015) fizeram uma pesquisa relativa a percepção do risco de adoecimento dos gerentes de um banco privado brasileiro. Os sujeitos de pesquisa foram 9 gerentes de três agencias bancárias de Belo Horizonte. A sobrecarga de trabalho e a cobrança de resultado foram as categorias que mais se destacaram entre os entrevistados. Percebeu-se também situação de medo e insegurança dos entrevistados e um clima de competição para o atingimento das metas. Como fatores positivos foram encontrados boas condições de trabalho, apoio da família e da área de saúde da organização.
Máximo, Araújo e Souza (2014) fizeram uma pesquisa referente a vivencia de sofrimento e prazer de gerentes de banco. Foram entrevistados 16 pessoas que exerciam cargos de gerencia de bancos públicos e privados da cidade de João Pessoa na Paraíba. Para o autores a percepção das fontes de sofrimento e de prazer estão na relação que cada um estabelece com o seu trabalho. Isso pode ser explicado pelo relacionamento com o cliente que é fonte de prazer, quando este reconhece o trabalho do gerente. De maneira oposta, quando o gerente não consegue atender as expectativas do cliente, isto e percebido como fonte de sofrimento. Nesse trabalho existe também o destaque com relação à abusividade das metas que são importantes fontes de sofrimento e que podem ser responsáveis por muitos problemas de saúde.
Linhares e Siqueira (2014) apresentaram uma pesquisa relativa às vivencias depressivas e as relações de trabalho com uma análise sobre a ótica da Psicodinâmica do Trabalho e da Sociologia Clínica. Foram entrevistados quinze bancários de bancos públicos e privados vítimas de depressão decorrente do trabalho, indicados pelo serviço de atendimento psicológico do sindicato dos bancários de Brasília. Os autores consideram que a lógica do ideário financeiro subestima o social e consolida-se como uma máquina de vulnerabilizar, excluir e invalidar os trabalhadores de organizações bancárias com a crescente evolução dos índices de depressão. Para estes autores existe um cenário dominado pela ética do individualismo, do espírito da competição, da cultura do narcisismo e exaltação do ego. Diante deste cenário que restringe a alteridade, promove além do exibicionismo como essência da existência, uma luta pela conquista de visibilidade e o ostracismo do outro. Como consequência os bancários convivem com a falta de reconhecimento, tanto dos colegas como da organização do trabalho. Sem esse reconhecimento do outro os trabalhadores estão fadados a um processo de sofrimento e consequente depressão no trabalho.
Como foi sugerido por Dejours (1996), o sofrimento no trabalho articula dados relativos à história singular, herdada da vida psíquica de cada trabalhador (dimensão diacrônica) e dados relativos à situação atual, surgida no encontro do sujeito com a situação do trabalho (dimensão sincrônica). Logo, este sofrimento não se restringe ao que ocorre apenas no espaço do trabalho, mas inclui processos que acontecem no espaço doméstico, no ambiente familiar e nas outras relações com as quais o sujeito convive. É nessa perspectiva que se orientou a presente pesquisa.
Esta pesquisa foi desenvolvida utilizando-se uma abordagem qualitativa, uma vez que se pretendeu avaliar o sentimento de prazer e sofrimento no trabalho de um grupo de 8 empregados da instituição bancária objeto da pesquisa.
A abordagem qualitativa se justifica porque, ao analisar percepções dos trabalhadores, o pesquisador está lidando com aspectos subjetivos, interpretações pessoais de uma realidade, cuja quantificação é inviável. Na presente pesquisa, a análise qualitativa busca abordar os fatores que levaram alguns funcionários a adoecerem e outros a resistirem a esses fatores, não chegando ao adoecimento.
Alves-Mazzotti e Gewandsznajder (2004, p.132) realçam que este tipo de pesquisa apresenta descrições detalhadas de situações, eventos, pessoas, interações ecomportamentos observados, citações literais do que as pessoas expõem sobre seus pensamentos, atitudes, crenças e experiências em geral.
A pesquisa constituiu um estudo de caso e teve caráter descritivo; para facilitar a organização do projeto e a coleta de dados, foi feito um protocolo de estudo de caso. O projeto foi também submetido ao CEP (Comite de Ética em Pesquisa) do Centro Universitário UNA/ MG conforme disposto na Resolução nº 466/2012 e foi aprovado em 09/12/2015 de acordo com o numero do parecer 1.358.840.
A empresa na qual a presente pesquisa foi feita é uma instituição bancária pública que dispõe de unidades em todo o país. A pesquisa considerou duas áreas da empresa que têm realidades diferentes: uma delas é identificada na organização como unidade de ponta e tem como característica básica atendimento e prestação de serviços ao público externo. Nessa área da organização a estrutura é constituída por gerentes e assistentes, caixas e atendentes, que têm a finalidade de atender aos clientes e negociar produtos e serviços bancários. A segunda unidade caracteriza-se por atender ou não clientes externos, mas tem suas atividades voltadas substancialmente para serviços internos de suporte às unidades de ponta.
As entrevistas semiestruturadas, que foram os instrumentos de coleta de dados, foram aplicadas a uma amostra não probabilística, intencional, selecionada pelo autor deste trabalho que exerce suas atividades profissionais na instituição estudada. Os sujeitos de pesquisa foram 4 pessoas que tiveram afastamento e 4 pessoas que não tiveram afastamento até o momento da pesquisa. Essas pessoas exercem atividades variadas na organização, ocupando diferentes cargos, o que possibilita entender a percepção dos entrevistados tanto em cargos de gestão como em cargos operacionais.
As entrevistas foram feitas individualmente, com pessoas que foram diagnosticadas com doenças do trabalho e pessoas que, executando as mesmas tarefas, não adoeceram. Nesse caso, adotou-se uma amostra não probabilística, intencional, composta de um número reduzido de pessoas que representam as duas situações.
As entrevistas realizadas foram gravadas, transcritas e submetidas à análise de conteúdo conforme a proposta de Bardin (2011). Os profissionais entrevistados foram caracterizados como empregados que adoeceram e empregados que não adoeceram até o momento da pesquisa.
Enquanto o trabalhador manteve o controle dos meios de produzir e a percepção do produto do seu trabalho existia uma relação direta do trabalhador com o resultado da produção, trabalhar ou não trabalhar dependia basicamente da vontade do sujeito e ele dominava todas as etapas do processo. Essa relação muda de sentido quando trabalhador passa a depender da disponibilidade de um local de trabalho e o não trabalho significa a exclusão do sujeito para uma vida marginal.
Desse lugar central que o trabalho ocupa, destacam-se duas dimensões; a primeira refere-se à inserção do sujeito na sociedade, condição para que o trabalhador se reconheça como ser social. A segunda dimensão evidencia que o trabalho constitui meio para a produção e reprodução da vida do trabalhador; essa posição do sujeito está associada a uma relação indireta entre trabalho e produto do trabalho, ou seja, nesse novo lugar do trabalho o sujeito está afastado do objeto. O trabalho perdeu o fim em si mesmo, fazendo com que o objetivo final do trabalho seja a troca de uma quantidade de tempo do trabalhador por uma quantidade de dinheiro.
Com relação ao sentido do trabalho, as respostas ilustram uma percepção unanime entre os entrevistados. Em todas as entrevistas, o sustento pessoal e da família apareceu em primeiro lugar. A realização pessoal veio em um segundo momento quando foi colocada a possibilidade de não depender do dinheiro do trabalho. A exceção ocorreu apenas para o Sujeito 8, que colocou esta percepção de forma inversa.
“Representa a possibilidade de trabalhar em uma atividade que possa trazer uma realização profissional e garantir meu sustento e minha família”. (Sujeito 8).
“Ele representa o meu sustento né? Minha possibilidade de crescimento de coisas que eu possa vir a conquistar, realização. No primeiro momento o mais importante é meu sustento segundo lugar a realização” (Sujeito 6).
Esse discurso está constituído pela interseção de forças de prazer e sofrimento. A realização da atividade atende à necessidade de sustento, porém é acompanhada de sofrimento por estar longe da família.
“Trabalho representa uma forma de sustento um prazer muitas vezes outras vezes (risos) uma dificuldade um sofrimento em função de tempo longe os meus filhos da minha esposa, mas de forma geral é uma necessidade”. (Sujeito 2).
A realização do trabalho traz consigo um confronto entre o mundo externo e o interno do sujeito. A lógica, as regras e valores do mundo objetivo conflitam com a singularidade do trabalhador. A necessidade de estar inserido em um grupo e de manter o sustento traz à tona o embate entre a organização do trabalho e o desejo do sujeito que trabalha.
A liberdade do trabalho é fator determinante para que o trabalhador possa usar a sua criatividade na execução da tarefa. Dejours (2013), usa termos como trabalho vivo, referindo-se à inteligência que o trabalhador acrescenta ao que é prescrito para que o trabalho possa ser realizado, e também corpropriação, que é entendido como a inteligência não apenas cognitiva, mas todo recurso do corpo para encontrar a solução para os problemas do trabalho. Para o autor, trabalhar é usar a inteligência para ampliar os limites da prescrição, pois quem fica preso às normas é um mero executor de tarefas.
Existem contradições inclusive no discurso do próprio sujeito durante a sua entrevista. Aparentemente, o discurso da organização é de liberdade para expor as ideias. Em grande parte das entrevistas, a resposta inicial é “sim”, seguida da palavra “mas” ou “nem sempre”.
“Até hoje eu tive muita liberdade para dar ideias depois (...) não muita (...) uma relativa liberdade, E algumas não são aceitas porque o ambiente de banco é um ambiente muito rígido a empresa é uma empresa pública um pouco mais rígida ainda (...). Poucas pessoas na verdade que eu conheço nesse tempo todo de trabalho conseguiram inovar. Pouquíssimas e quem inova paga um preço ainda de lutar contra as estruturas(...).” (Sujeito 1).
“Pouco (...) pouco porque existe muito padrão dentro do que tem que ser feito, dentro do que tem que ser apresentado. Então tem muita dificuldade de você mudar a forma que são feitas as coisas. Muitas vezes você pode até apresentar sua ideia mas na maioria das vezes elas são simplesmente descartadas.” (Sujeito 2).
Os discursos relatam a dificuldade para que os empregados da organização possam executar bem as suas tarefas. A percepção destes empregados é que existem formas de tornar o trabalho melhor, uma vez que eles têm liberdade para expor as suas ideias. O que chama atenção nas entrevistas é que as ideias são expostas, mas não são colocadas em prática. A rigidez das estruturas impede que o trabalho seja feito com liberdade, pois existe a predominância da prescrição e da padronização.
Para Máximo, Araújo e Souza (2014), algumas organizações são favoráveis à negociação, enquanto outras são mais fechadas. Os autores apontam esse descompasso entre a prescrição da organização e as demandas e exigências reais que são encontradas pelo trabalhador, causam o sofrimento no trabalho. Assim, quanto maior o descompasso, maior o risco de adoecimento do trabalhador. Essa tensão desgasta o psiquismo e prejudica a produtividade e a qualidade do trabalho. Nesse sentido, a falta de negociação entre o sujeito e a organização do trabalho impede a ressignificação do sujeito com o trabalho, o que pode acarretar o adoecimento tanto físico quanto psíquico.
A realização profissional representa a satisfação do desejo e das necessidades do indivíduo dentro do contexto da produção. De acordo com Mendes, Nascimento e Duarte (2012), Linhares e Siqueira (2014), o trabalho bancário vem perdendo o seu reconhecimento social e a estabilidade financeira que existia até a década de 1990. A partir desse período, houve a introdução do modelo de trabalho flexibilizado. Nesse modelo, o trabalho bancário foi se tornando precarizado e os trabalhadores ficaram sujeitos ao gerencialismo, ao desgaste, á frustração, entre outros fatores negativos. Para os bancários, o trabalho nesse novo modelo flexibilizado tornou mais difícil a identificação com a atividade e o sentido de uma realização pessoal.
A análise das respostas baseou-se na identificação negativa ou positiva com relação à realização das atividades no trabalho. A resposta do entrevistado 1 mostra uma certa ambivalência no sentimento de realização. Apesar de se declarar não realizado de uma forma enfática, ele esclarece que o sentimento de cooperação, ajudando aos outros, representou uma realização no trabalho.
“Não eu acho que é difícil você se realizar no trabalho em banco eu não conheço ninguém para te falar a verdade o trabalho é uma realização, mas não em um banco. (...) uma coisa que me trouxe mais satisfação, realização, é poder ter ajudado algumas pessoas a crescer, desenvolver carreira tudo. Isso me trouxe uma satisfação.” (Sujeito1).
As entrevistas mostram uma indefinição sobre a relação de realização profissional e realização pessoal e também de orgulho do trabalho com o orgulho em realizar a atividade. O discurso do entrevistado 2 mostra, como na maioria dos casos o orgulho ocorre com a realização da tarefa e não de trabalhar na organização.
“Não me sinto realizado desempenhar o trabalho em hipótese nenhuma. Eu acho que tenho orgulho do meu trabalho. Eu acho que eu tenho orgulho porque é uma instituição boa dentro do que ela oferece, dentro das dificuldades que têm tem muita coisa para mudar, mas eu falar que eu sinto orgulho é complicado falar que eu sinto orgulho.” (Sujeito 2).
Em muitos discursos encontram-se defesas de adaptação e exploração. De acordo com os mesmos autores, estas defesas são inconscientes e fazem com que o trabalhador mantenha a produção requerida pela organização do trabalho.
“Eu gosto muito do que eu faço. Eu tenho orgulho de trabalhar na empresa. Se eu não tiver orgulho do meu trabalho acho que fica difícil até trabalhar né? Eu tenho orgulho do que eu faço.” (Sujeito 5).
De novo a ambivalência destaca o caráter alienante do trabalho e a estruturação da subjetividade. De acordo com Mendes (2007), este tipo de defesa tende a se esgotar mais rapidamente, pois exige um esforço físico e sócio psíquico do trabalhador que está além da sua capacidade e de seu desejo. Esse tipo de defesa busca inserir a ideologia de excelência, que é requerida pela organização do trabalho no inconsciente do trabalhador. Dessa forma, a organização do trabalho controla o modo de pensar, sentir e agir do trabalhador, com o objetivo de manter a qualidade da produção. Ocorre, assim, a submissão do desejo do trabalhador à exigência imposta pela produção.
O que pode ser destacado nesta categoria é a importância do reconhecimento para os entrevistados e como eles percebem este reconhecimento. Todos os entrevistados responderam que o reconhecimento é importante.
“O reconhecimento é legal demais” (Sujeito 1).
“Isso é imprescindível, eu diria que é tanto para a autoestima da pessoa quanto para testar o serviço, para promoção. Te ajuda, te motiva pro dia a dia. Se você não tiver o reconhecimento você vai baixando a bola vai desmotivando. Você faz, faz, faz e não tem reconhecimento nenhum acho que é importante demais.” (Sujeito 2).
Para todos os sujeitos considerados resilientes, foi destacada uma percepção positiva do reconhecimento, mesmo de forma parcial. Assim, três deles tiveram uma percepção parcial de reconhecimento, sendo que para dois desses, a falta de reconhecimento possui um viés financeiro. Em todos os casos, a resposta traz uma percepção positiva seguida de uma argumentação que tende para uma percepção intermediaria.
“Sim. Algumas vezes não. Variou na minha carreira durante 32 anos de trabalho. Variou.” (Sujeito 1).
“Às vezes, nem sempre. O reconhecimento eu acho que ele poderia vir, ele não vem de forma financeira. (...). Mas é difícil passar na sua mesa e falar assim poxa legal seu trabalho, está em dia. Nossa você está fazendo trabalho de duas pessoas e está legal, está bem feito, não está dando erro. Então falta.” (Sujeito 7)
Para Dejours (1996) e Rosas e Moraes (2011), a partir da ideia de sublimação, o trabalho é uma forma de canalização da pulsão para uma atividade social. O trabalho realizado pressupõe uma contribuição e uma retribuição, onde o sujeito entrega seu trabalho para a organização e espera o reconhecimento pelo seu esforço, uma vez que o trabalho é visto e posto em julgamento pelo outro. Assim, a sublimação no trabalho seria um importante mecanismo para a constituição da subjetividade.
Nas entrevistas, o reconhecimento é bem marcado como pode ser visto pelos depoimentos do Sujeito 3 (resiliente).
“O reconhecimento tanto dos pares quanto da chefia são importantes. Reconhecimento dos pares é interessante porque você (...) mais pela questão pessoal. O reconhecimento do superior é mais uma questão de saber que realmente a minha visão, o meu conhecimento tá sendo valorizado. Reconhecimento é o motivo de você sentir empolgado, animado para trabalhar” (Sujeito 3).
Outra questão importante nesse contexto é relativa à forma de produção que se consolidou a partir da década de 1980, que foi caracterizada como sistema de produção flexível. De acordo com Merlo, Traesel e Baierle (2011), este sistema tem como foco as competências esperadas do trabalhador, o aumento do seu tempo de trabalho, a superação de seus limites e a conquista do impossível, ou seja, trabalhar infinitamente, doar-se integralmente. Dessa forma, o trabalhador sente uma falsa liberdade de poder organizar a sua agenda, dedicando toda sua energia ao trabalho em detrimento de sua vida pessoal. É nesse discurso da produção flexível que o entrevistado 2 se coloca, e pode-se notar seu enquadramento no interesse da produção. Sua atividade e postura atendiam ao interesse da organização e aparentemente tanto a organização quanto o sujeito estavam se beneficiando disso.
“O que aconteceu comigo. Enquanto eu era conhecido dentro da superintendência, agência, como um dos melhores vendedores da superintendência, toda vez que precisava bater uma meta me procuravam. Eles usavam até o termo (usa o aumentativo do nome próprio, por exemplo, “Pedrão”). Enquanto eu era o “Pedrão” que batia a meta da superintendência, estava tudo lindo.” (Sujeito 2)
Porém, ao ter um problema que ele chamou de “piripaque” no trabalho, ele foi descartado, pois não preenchia mais os interesses da organização. Este descarte tem um forte simbolismo, pois enquanto ele estava de licença médica, seus objetos pessoais “desapareceram” do local de trabalho.
“Até dia que eu tive problema de saúde. Me afastei e boa parte do problema de saúde foi causado por problemas no serviço, por estresse. Eu fui descartado, completamente descartado. Voltei na agência, depois do meu prazo de licença, tive que ficar perguntando onde estavam as minhas coisas. Eles não sabiam onde estava. Aí uma pessoa que tinha saído da agência me disse onde estavam. Colocaram minhas coisas dentro do ar condicionado. Eu fiquei afastado 8 meses. Ninguém lembrava que estava lá.” (Sujeito 2)
Na lógica da produção flexível, a organização se isenta de qualquer responsabilidade pela experiência do trabalhador. É ele que deve estar enquadrado no discurso da organização; se alguma coisa estiver errada, a culpa é transferida para o trabalhador, que não estava adequado. E é nesse sentido que segue o discurso do Sujeito 2
“Quando assumi a gerência eu era uma criança. Com pouco tempo, eu tive um “piripaque”. Tive um problema do coração, um infarto no meio da agência por stress, por cansaço. A medicina do trabalho me afastou. Fiz tratamento psiquiátrico, psicológico, custei para me readaptar. Perdi minha função; com isso, tinha acabado de assumir. Então foi um negócio meio confuso. Como assim, como se sentisse quase que uma injustiça entendeu? Mais um pouco também de talvez, não sei, maturidade profissional da minha parte. Porque eu nunca tinha trabalhado em empresa.” (Sujeito 2).
O entrevistado não coloca ênfase no sentimento de desvalorização ou injustiça. O seu discurso, ao contrário, começa e termina transferindo para o próprio trabalhador a responsabilidade pelo problema ocorrido. Nesse caso, ele se coloca como uma “criança” que não teve maturidade para perceber que estava trabalhando além de suas forças para atender ao interesse da organização. De acordo com Enriquez (2000) e Dejours (2004), a organização do trabalho transforma o desejo da produção no desejo do trabalhador e este se aliena face a este desejo, e no caso de falha, ele traz para si mesmo um sentimento de vergonha e culpa pelo fracasso.
Para Brant e Minayo-Gomes (2004), é importante ressaltar a diferença entre sofrimento e adoecimento. Tanto para esses autores quanto para Dejours (2007), o sofrimento é uma percepção do sujeito e o adoecimento tem um viés cultural muito forte na contemporaneidade. É através do sofrimento, como o trabalhador lida com ele e como a organização do trabalho organiza a relação com o trabalhador, que se pode entender as experiências de sofrimento e as suas vicissitudes.
Nas entrevistas, a angustia e a insegurança são os itens mais percebidos. Como a maior parte dos entrevistados tem muito tempo de trabalho na organização, as transformações que ocorreram no ambiente organizacional afetaram a forma de trabalhar destas pessoas. Para Mendes (2013), o Brasil passa por frequentes ajustes na política econômica, os quais fazem com que as organizações bancárias busquem maneiras de adaptação às novas políticas. Para alcançar esse resultado, na maioria das vezes a forma utilizada é a minimização dos custos e a ampliação dos serviços. Assim, os fenômenos mais frequentes são o desemprego, a precarização, a terceirização do trabalho e a sobrecarga de trabalho.
Os elementos componentes do sofrimento estão dispostos de forma muito variada nas diversas entrevistas, mas em geral permeiam todo o discurso. Para o Sujeito 1, a palavra angústia está presente quando ele relata o medo de perder a função.
“Maior medo de todos os gerentes é perder a função. Todo mundo fica nessa angústia 24 horas por dia. Perder a função. Perder a função. Entendeu? É uma demissão branca porque você perde 70% do salário. Perder a função é uma demissão branca. Eu convivi com isso 26 anos. O tempo todo.” (Sujeito 1).
O Sujeito 1 é considerado resiliente, pois não teve nenhum caso de afastamento do trabalho por adoecimento. No entanto, no seu relato, ele descreve que passou pela experiência de viver 26 anos com medo de perder a função, “o tempo todo”. Ele alia esse sentimento à necessidade de atingir metas que ele chama de “mal calibradas”. Nesse sentido, percebe-se que o entrevistado procura intensificar a sua rotina de trabalho para atender às exigências da produção e, com isso, não perder a sua condição social. A insegurança, a angústia e o aumento da sobrecarga de trabalho são repetidos em vários discursos.
“Vai ter um aumento muito grande, um incremento de demanda que está me causando muita angústia. Eu já estou sofrendo por antecipação entendeu? (...) Essa perspectiva que as coisas vão dar errado e eu não tenho como atuar. Vou ter que lidar com essa situação nova com a capacidade que eu tenho hoje, para atender 4 vezes mais. Já estou muito angustiada por conta disso”. (Sujeito 5).
As falas desses entrevistados evoluem para a percepção do adoecimento em colegas que desempenham a mesma atividade em função da sobrecarga de trabalho. Tanto sujeitos resilientes como os que adoeceram estão percebendo que a quantidade de trabalho é superior à sua capacidade para realização dele.
“Olha, eu estou ouvindo as pessoas ao meu redor adoecendo. A minha equipe está com 4 pessoas com problema de saúde reclamando de tendinite e de dor. Isso me incomoda. Há uma cobrança muito grande. As pessoas estão adoecendo e não se enxerga o ser humano. (...) É aquela coisa de perceber que daqui a pouco vai chegar em mim porque não tem jeito. No volume que a gente tá, tá ficando complicado” (Sujeito 7).
Para Linhares e Siqueira (2014), o trabalho bancário vivencia um cenário de transformações tanto tecnológicas quanto políticas. A ideologia produtiva do setor tem foco exclusivo em resultados financeiros. Para alcançar esses objetivos, a organização recorre à terceirização das atividades bancárias, tentativa de legalização do contrato temporário de trabalho e redesenho do perfil dos bancários. Os autores sugerem que isto traz um sentimento de impotência, de desvalorização de si; desmonta as redes de solidariedade, conduz à perda dos elementos constitutivos da identidade profissional. O resultado é um sentimento de culpa, de vergonha e o isolamento. Nesse cenário de precarização do trabalho, os bancários encontram uma realidade de sofrimento e desamparo, um sentimento de insignificância e transformação do homem em máquina, que quando não serve mais pode ser descartada pelas organizações.
“O momento mais difícil para mim foi quando me senti perseguida pelo chefe, em que o mesmo não demonstrava transparência nas suas atitudes. O que me causa mais angústia é a perseguição da chefia ou do grupo.” (Sujeito 8).
“Sempre tem alguma coisa, tem que dar um jeitinho para fazer as coisas. É o jeitinho brasileiro. Isso é muito errado e muito absurdo. Isso estressa a gente e se você não consegue resolver para o cliente o seu gerente vai te cobrar e te arrebentar entendeu? Você pode perder a função.” (Sujeito 2).
As falas apresentadas demonstram todo o sofrimento sentido pelos entrevistados diante do desamparo, do isolamento, da falta de solidariedade do grupo e do abandono da organização. O Sujeito 8 relata um sentimento de perseguição pela chefia e pelo grupo. O sujeito 2 relata um sentimento de incompetência por não atender ao desejo da produção, mesmo que este esteja acima dos seus valores pessoais.
O estudo da resiliência busca entender como as pessoas conseguem superar as situações difíceis e lidar com elas de uma maneira mais saudável. Nas entrevistas o elemento persistência foi o mais citado e esteve presente no discurso de todos os sujeitos considerados resilientes. De acordo com as pesquisas de Sabbag et al. (2010), este fator de resiliência é mais abrangente e pode ser sintetizado como comprometimento, controle e desafio. Encontra-se a palavra direta no discurso, ou na abrangência descrita pelo autor.
“Persistência e inovação e às vezes até comprometendo um pouco da vida pessoal, como o tempo tudo mais (...) porque uma época eu andei ajudando muito minha família. Eu sou mais velho e tal; então, isso me faz lutar não desistir não. Eu não podia desistir.” (Sujeito 1).
Outros dois elementos de destaque para as pessoas consideradas resilientes são o otimismo e a criatividade. Conforme realçado por Barlach, Limongi-França e Malvezzi (2008), uma das características de pessoas resilientes é a habilidade de improvisação ou a capacidade que o indivíduo possui para encontrar soluções para os problemas, a partir de ferramentas que estão disponíveis para ele. Esta opinião também está de acordo com o estudo de Sabbag (2010), que cita a característica de solução de problemas como um dos parâmetros de sua escala para indicadores de resiliência.
“E dentro da empresa quando você está no trabalho, tenta criar maneiras de resolver o problema que você está vivendo entendeu?” (Sujeito 5).
Um elemento que entrelaça o conceito de resiliência e defesa psíquica está na busca de estratégias diversificadas, nas quais se encontram a espiritualidade, o apoio emocional da família e até exercícios físicos e uma alimentação saudável. Pode-se considerar que os acontecimentos da vida são instáveis, mas a busca de alternativas positivas é fundamental e necessária para melhoria da subjetividade dos trabalhadores, bem como para a construção da resiliência.
Nas falas apresentadas por grande parte dos sujeitos entrevistados, existe referência à presença da espiritualidade, que aparece como forma de encontrar um equilíbrio em meio a um ambiente adverso e a busca de um apoio externo, na maioria das vezes, encontrada na família ou em outras atividades desempenhadas fora do ambiente laboral. Para Rocha e Ciosak (2014), a espiritualidade pode atuar como uma estratégia para enfrentar as situações críticas da vida das pessoas. Tanto a espiritualidade quanto a relação com a família demonstram nos discursos um senso de propósito e significado da vida, que de alguma forma podem ser associados à maior resistência ao estresse e as dificuldades cotidianas.
“A minha energia vem da minha família, que é um presente que Deus me deu. (...) e uma coisa que eu faço, que muita gente esqueceu da importância, é ir à igreja. Se você não tiver Deus na sua vida, no seu dia a dia, você tem mais dificuldade para fazer as coisas.” (Sujeito 2)
“Eu vou para academia né? Agora eu comecei a fazer inglês também para distrair, entendeu? Eu estou fazendo para distrair. Então tipo assim, quando estou muito cansada, eu chego, ligo a televisão, e não penso em nada. Daí eu quero só ver Simpsons. Alguma coisa que eu não tenho que ficar pensando nada, que não me consuma potássio entendeu?” (Sujeito 5)
De acordo com o que foi mencionado, esses depoimentos entrelaçam ações de resiliência, mas podem ser fatores de defesa psíquica. Como fator de resiliência, esses recursos são promotores de saúde. Porém, como defesa psíquica, eles podem esconder o sofrimento. Como foi dito anteriormente, Mendes (2007), considera essa defesa como uma fuga, ou uma forma de se alienar do seu sofrimento e suportar a demanda da organização do trabalho.
O modelo de produção capitalista direciona suas ações no sentido de maximizar o lucro e diminuir os custos, o que demanda trabalhadores aliados a esse ideal de melhoria constante e competição; mas essa idealização coloca o trabalhador em conflito com o seu desejo e traz sofrimento no trabalho.
Este trabalho procurou discutir a relação entre trabalho e saúde psíquica dos trabalhadores e teve como objetivo analisar fatores que contribuíram para que alguns trabalhadores da organização bancária pudessem lidar com o sofrimento sem adoecer. Para o alcance desse objetivo, foi desenvolvida a presente pesquisa, cujo contexto foi uma instituição bancária pública, o que se justifica pelo fato de autores citados no referencial teórico como Linhares e Siqueira (2014), Mendes (2013), Prata e Honório (2015), realçarem que o trabalho bancário tem se mostrado como adoecedor.
As entrevistas, que foram gravadas, transcritas e submetidas à análise de conteúdo, utilizando-se seis categorias de análise permitiram as seguintes inferências:
Com relação ao sentido do trabalho, parece haver um consenso nas entrevistas de que o trabalho é em primeiro lugar uma forma de manter a sobrevivência para os empregados entrevistados. Nesse caso, a evolução do sentido do trabalho não se deu na direção da valorização dos sujeitos que trabalham. A idéia de trabalho como castigo, foi culturalmente abandonada, porém parece permear o sentimento dos sujeitos entrevistados.
A análise da liberdade para o desempenho das atividades também trouxe importantes contribuições. O aparente discurso de liberdade de expressão está cerceado pela impossibilidade da prescrição e das normas. A limitação para o uso da inteligência criativa, a corpopriação leva ao embotamento do sujeito e direciona o sofrimento para o adoecimento do trabalhador.
Quanto à realização profissional, evidenciou-se a falta de reconhecimento social e pessoal com o trabalho exercido. Os entrevistados demonstram orgulho de sua capacidade de desempenhar a atividade, mas afirmaram não ter um reconhecimento de importância dessa atividade. Apenas 2 sujeitos se consideraram realizados profissionalmente na organização. A falta de realização profissional pode conduzir a uma auto-avaliação negativa, fazendo com que o sujeito se sinta insatisfeito com seu desenvolvimento profissional.
Outro fator importante a ser evidenciado é relativo ao reconhecimento e ao relacionamento dos entrevistados. O reconhecimento, para a Psicodinamica do trabalho, é fundamental para a saúde do trabalhador e a melhoria da subjetividade. A percepção de reconhecimento é bem determinante nessa pesquisa, uma vez que todos os entrevistados resilientes têm uma percepção positiva do reconhecimento; por outro lado, 3 dos 4 entrevistados não resilientes sentem-se desvalorizados.
A categoria de pressão no trabalho ressaltou o sentimento de angústia dos sujeitos, sendo que todos os que adoeceram possuem esse sentimento. Como demonstra a teoria, depois da reestruturação do sistema financeiro o trabalho nos bancos está em constante mudança e exige de seus empregados disponibilidade integral, adaptabilidade, flexibilização além de sobrecarga de trabalho, o que fragiliza a estrutura psíquica dos trabalhadores. As entrevistas demonstraram a angustia dos sujeitos para atender demandas e metas cada vez maiores. A dificuldade em atender às crescentes demandas leva os empregados a um sentimento de incapacidade e frustração. Alguns sujeitos resilientes tem a preocupação de que o adoecimento possa atingi-los.
Com relação à resiliência, destacaram-se os fatores de persistência e criatividade para os sujeitos que não adoeceram. Conforme estudado, é improvável trabalhar apenas com o que está prescrito na norma, pois na atualidade, a todo momento, surgem situações novas, que dependem da inteligência criativa para lidar com elas. A capacidade de alcançar êxito diante das dificuldades e conseguir superá-las são fatores de fortalecimento do sujeito e de transformação da subjetividade. É nesse contexto que são encontradas algumas saídas para o prazer e para a saúde no trabalho.
Como limitações desta pesquisa, podem ser citados: em primeiro lugar, que a organização estudada é um banco público, com unidades em todo o território nacional e os resultados obtidos numa capital do país, com um número reduzido de funcionários, pode não representar a realidade da organização. Em segundo lugar, para evitar a invasão da privacidade dos sujeitos de pesquisa, o autor preferiu recorrer apenas àqueles que se dispuseram a dar seu depoimento voluntariamente. Evitou-se fazer o levantamento dos casos de adoecimento nos protocolos disponíveis no setor de RH. Por último, percebeu-se que alguns profissionais preferiram não participar deste tipo de pesquisa, com receio de que seu depoimento pudesse interferir na sua trajetória profissional.
Quanto à sugestão para novas pesquisas, propõem-se as seguintes: um trabalho mais extenso, realizado pela diretoria de gestão de pessoas da organização ou assessorado por este setor, que cubra uma porcentagem de casos maior de adoecimento no trabalho, identificando os casos de adoecimento físico e motor e os casos de adoecimento psíquico. Sugere-se, ainda, que esses casos sejam estudados quanto aos fatores determinantes do adoecimento e ainda quanto às medidas que vem sendo desenvolvidas pela organização para buscar uma melhoria para a saúde do trabalhador. Sugere-se, também, que se estenda este tipo de análise a funcionários de outras instituições bancárias, nas quais, segundo os autores citados, é frequente o adoecimento causado pelas condições de trabalho.
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1. Graduação em economia PUC-MG, pós-graduação em Gestão de pessoas e Mestre em Administração UNA-BH. Email: alpoliv@gmail.com
2. Psicóloga e pedagoga, mestre em Educação (UFMG) e doutora em Psicologia (PUC-SP), professora do Mestrado Profissional em Administração do Centro Universitário UNA.