Vol. 38 (Nº 15) Año 2017. Pág. 3
Angela Luzia Garay FLAIN 1; Marcos Gustavo RICHTER 2
Recibido: 10/10/16 • Aprobado: 11/11/2016
2. Teoria holística da atividade
3. Teoria dos sistemas sociais
RESUMO: Este artigo tem por objetivo discutir e apontar possíveis caminhos da Teoria Holística da Atividade com o propósito de atenuar ou equacionar os problemas resultantes da falta de reconhecimento e prestígio ao qual estão sujeitos os educadores linguísticos. Mais especificamente, os problemas dos que atuam na rede pública de ensino básico por pertencerem a um sistema social exógeno, que permite a interferência de discursos externos e, dessa forma, constituem-se em profissionais de uma carreira não regulamentada. Aponta-se, como possível saída para o reconhecimento profissional docente, a regulamentação da profissão e a atitude resiliente. |
ABSTRACT: This article aims to discuss and point to possible ways of the Holistic Theory of Activity in order to mitigate or equate the problems resulting from the lack of recognition and prestige which language educators are subject to. More specifically, the problems of those who work in public primary schools for belonging to an exogenous social system, which allows the interference of external discourses and thus constitute professionals of an unregulated career. We point out as a possible way for teaching professional recognition the regulation of the profession and resilient attitude. |
O sistema de ensino brasileiro enfrenta problemas de toda ordem, como a falta de investimentos tanto estruturais como na formação e valorização dos profissionais que atuam na rede pública, fato que traz consequências já discutidas exaustivamente. Interessa, aqui, tratar especificamente como isso afeta os profissionais da educação e apontar possíveis caminhos de superação.
Inseridos em uma sociedade em constante transformação social, política e econômica, que, inevitavelmente, atinge o sistema de ensino e coloca os educadores linguísticos diante de desafios que vão além da sua formação, como dar conta da rápida evolução tecnológica que se vive hoje, atender as demandas dos alunos em termos de apoio emocional, assumir a responsabilidade de desenvolver normas básicas de convivência, que deveriam ser encargos da família e, ainda, muitas, vezes, ser considerado o único responsável pelo fracasso dos alunos. Esse contexto leva esses profissionais a sentirem-se desmotivados e incapazes de dar conta de tantas exigências, trazendo sérias consequências tanto para eles como para os alunos e para a educação.
Tal contexto é típico de sistemas sociais que estão expostos ao discurso externo, os quais não são autorregulados e tem baixa normatização. Isso é característica de profissões não regulamentadas, como é o caso dos educadores no Brasil.
Nesse sentido, a Teoria Holística da Atividade (THA), de Richter (2008), tem como objetivo discutir questões ligadas à formação e profissionalização docente e apontar possíveis caminhos para a superação de dificuldades, que passam, necessariamente, por regulamentação profissional e atitude resiliente dos educadores.
A THA, proposta por Richter (2006; 2015) concretiza-se a partir de suas pesquisas e estudos sobre a formação docente. Surgiu como uma tentativa de superar a disparidade entre o discurso e a conduta profissional no decorrer do processo de formação de educadores linguísticos.
Em sua essência, o modelo holístico defende a indissociabilidade entre pensar-agir-sentir, explorando uma visão globalizante no processo de formação de licenciados em Letras. Parte do princípio de que a cognição, a ação e a afetividade caminham juntas para a construção de uma sólida formação profissional. Porém, Richter (2005, p. 1) enfatiza que, para isso, é necessário que os profissionais em formação manifestem “o genuíno desejo de mudar – de se aperfeiçoar profissionalmente e assumir a responsabilidade pelos seus esforços rumo a isso”’, o que estaria relacionado aos fatores de resiliência, apontados por Grotberg (2005), e que tratam da capacidade de superação presente em cada um.
Para que as mudanças se efetivem não basta refletir, mudar o discurso; é necessário comprometer-se a vivenciar novas práticas, que efetivamente levarão o docente a modificar as concepções e valores já arraigados. Assim, as transformações ocorrem a partir da mudança do comportamento e não do discurso.
Nesse modelo holístico, parte-se da concepção de que o sujeito se constrói a partir de um compósito estruturado de crenças, desejos, valores, intenções, planos e condutas, pois é transformando os aspectos emocionais do sujeito que ele poderá ter alguma chance de ver as suas experiências docentes sob outras perspectivas, como requisito essencial, conforme Richter (2006), para o exercício da liberdade, da criatividade e da mudança. Essa versão do Modelo Holístico considerava as variáveis da Teoria da Atividade de acordo com Engeström (1987), que são sujeito, objeto, instrumento, regras, comunidade e divisão de trabalho.
Questionamentos sobre o “sujeito” e sobre o que ou quem ele representa na realidade impulsionaram a evolução do Modelo Holístico, no qual Richter (2006) considera duas proposições essenciais: a primazia do papel social sobre o sujeito discursivo e o caráter sistêmico da atividade humana.
A respeito da primeira proposição, Richter (2008, p. 52) aponta que o conceito de papel social:
relaciona-se com a divisão de trabalho e estipula o que cabe a cada um (profissional, cliente, terceiros paralelamente envolvidos) fazer, dizer, saber, crer, valorar, sentir como e quando. Relaciona-se também ao processo identitário, já que ancora a auto-imagem social e o jogo de imagens recíprocas, o valor-prestígio do seu lugar, de suas práticas, do bem social que o cliente vem a obter (ou assim supostamente) em virtude da intervenção do profissional.
No que tange ao educador professor, conforme Amaral (2012), é difícil definir o seu trabalho e as suas atribuições, pois não se trata apenas da produção de um serviço, mas de uma atividade intelectual sem garantias, direcionada a outros que podem aprender ou não o que professor pretende ensinar.
Para melhor entender as implicações do papel social do educador linguístico, Richter (2011) aponta o forte contraste entre o profissional regulamentado e emancipado e o semiprofissional, aquele que não tem a sua profissão regulamentada. Os primeiros têm resguardados seus direitos jurídicos por meio de Resoluções, Códigos de Ética, entre outros, os quais servem para validar legalmente os limites e abrangência do trabalho dos profissionais de cada área. Para Motta (2009), essa delimitação de domínio permite tanto ao contratado quanto ao contratante saber quais obrigações pertencem a um e ao outro. No caso do magistério, evitaria que determinados insucessos fossem atribuídos exclusivamente ao educador, fato frequente nessa profissão.
A regulamentação se constitui em uma rede de proteção que dá autonomia e amparo aos que a ela pertencem, possibilitando o desenvolvimento de um senso de autoproteção da classe. O prestígio, a legitimidade e o sentimento de pertencer a uma classe fortalecem a sua autoimagem, fazendo com que ele se institua como profissional. Nesse sentido, a construção da identidade ocorre mediante as relações que mantém com os demais participantes do seu grupo social.
Já os profissionais que não têm a sua profissão regulamentada, como os educadores linguísticos, que não usufruem de respaldo legal e social para adotar e construir condutas bem demarcadas, muitas vezes, não sabem qual é, realmente, seu compromisso específico de especialista, sentindo-se aprisionados a discursos externos aos quais eles têm que corresponder, seja das instituições, da sociedade, dos pais, dos alunos. Desse modo, muitas vezes, eles assumem responsabilidades que não são suas como forma de corresponder a um papel social determinado por outros e que, para eles, não é bem claro. Isso afeta a sua autoimagem e compromete a sua constituição como profissional da educação, de acordo com o que aponta Motta (2009), deixando-os inseguros, o que os levará, provavelmente, a recorrer às práticas já reconhecidas, mesmo que ultrapassadas, para não correr o risco de investir em inovações, inclusive as que possam ter aprendido ou vivenciado no curso de graduação.
A segunda proposição se refere à sistematicidade da atividade humana, que, conforme Leontiev (1987), considera a comunidade, as regras e a divisão de trabalho e a percepção de que existem diferenças ao se equacionar interior e exteriormente esses elementos. Para Richter (2008), a relação dos efeitos que possam se estabelecer entre tais elementos apresentará natureza diferente nas profissões emancipadas e nas não emancipadas. O autor assegura que os sistemas endógenos são mais organizados por serem referendados por direitos e deveres, pois refletem a organização interna do grupo e, por isso, são mais capazes de defender tais elementos da interferência externa, ou seja, do meio social, proporcionando, ao profissional, mais segurança a respeito da conduta que corresponde a seu papel, bem como ao que a sociedade espera dele.
Movimento contrário ocorre nas profissões não regulamentadas, como é o caso dos educadores, cujo discurso que institucionaliza o seu papel e o seu fazer docente é de caráter exógeno. Esse fenômeno representa a invasão de construtos discursivos difusos e contraditórios, constituídos a partir de setores sociais externos, como a não participação na elaboração das leis que regem o ensino e na criação dos parâmetros que se propõem a ser diretrizes, mas que, na verdade, produzem documentos a serem seguidos pelos docentes.
Exemplo recente desse tipo de discurso é a Medida Provisória 746/2016, que estabelece a diretrizes e bases para a educação nacional, propondo mudanças no ensino médio no Brasil, sem consulta a educadores, pais e sociedade. No que se refere à formação de professores, chega-se ao absurdo de propor que sejam contratados profissionais que comprovem “notório saber” para ministrar conteúdos de áreas afins à sua formação, para atender as áreas de formação técnica e profissional, sem a devida qualificação acadêmica para atuar como professores.
Outro tipo de intervenção muito frequente é a interferência midiática, que, na concepção de Richter (2008), por meio das mais variadas publicações, procura preencher a lacuna da formação continuada na profissão do professor, tecendo julgamentos e críticas e, ainda, fornecendo soluções aos problemas do educador. Para isso, busca suporte em entrevistas com vários tipos de profissionais, apresentando fórmulas prontas, como se tudo pudesse ser resolvido num de forma mágica.
É extremamente preocupante a ingerência de profissionais de outras áreas na mídia, produzindo formas atrozes do discurso do déficit ao culparem educadores pelos problemas multifatoriais da Educação ─ enquanto que, para se tomar outro exemplo, não aparecem discursos, na mídia, atribuindo-se a atual crise econômica do país ao despreparo de economistas, embora o raciocínio seja exatamente o mesmo. Ampliando-se o olhar crítico, se, agora, comparar-se essa situação com a da Saúde, que também suscita reformas urgentes, não se percebe os médicos sendo responsabilizados pela situação calamitosa em que ela se encontra, mas a falta de recursos e investimentos do governo, ou seja, o problema não está no profissional, e sim no entorno ou contexto que não lhe dá as condições necessárias para exercer, de forma adequada, o seu trabalho. É um sistema que se protege por ter bem definidas suas atribuições, deveres e direitos. Essa situação deixa evidente a forma como são tratadas as diferentes profissões e os sistemas aos quais elas pertencem.
Conforme Luhmann (2009, p. 81), numa visão sociológica, uma Teoria dos Sistemas deve partir do preceito teórico baseado na diferença: “o sistema é a diferença resultante da diferença entre sistema e meio”, ou seja, para poder ser situado, um sistema precisa ser diferenciado, o que constitui um paradoxo, pois o sistema consegue produzir sua própria unidade na medida em que se diferencia dos outros sistemas, e tudo aquilo que não diz respeito a ele é considerado como entorno.
Luhmann propõe uma teoria de sistemas sociais, inspirado no conceito de sistemas desenvolvido pelos biólogos chilenos Maturana e Varella (1997), que sustentam que os organismos vivos, da mesma forma que um vegetal ou um animal, são sistemas fechados, autorreferenciais porque podem operar com base nas suas próprias estruturas, e autopoiéticos, porque se autorreproduzem enquanto unidade sistêmica. Isso não significa que os sistemas sejam incomunicáveis ou imutáveis, mas que seus elementos podem interagir uns com os outros e somente entre si, o que leva à ideia de fechamento operacional dos sistemas. A autorreferência, a diferença entre sistema e entorno e o fechamento operacional são os processos que definem os sistemas sociais.
Assim, médicos de várias especialidades podem trabalhar conjuntamente e, inclusive, com fisioterapeutas e nutricionistas, bem como os educadores podem trabalhar com os orientadores, supervisores, fonoaudiólogos e psicólogos.
De acordo com Rodrigues e Neves (2012), o pensamento luhmanniano concebe três tipos de sistemas autopoiéticos: os sistemas vivos – células, cérebro, etc.; os sistemas psíquicos, que se referem ao sujeito ou indivíduo; e os sistemas sociais, que incluem sociedades, organizações e as interações, que são o objeto de estudo de Luhmann.
Na teoria sistêmica de Luhmann (2009), a comunicação é o elemento básico, por meio do qual os sistemas se reproduzem, mas o que deve ser levado em conta, em uma sociedade, são as comunicações entre os sistemas e seus elementos.
A sociedade, para Luhmann (1998), é um sistema autopoiético que tem como elemento básico a comunicação, e os indivíduos são sistemas autopoiéticos que têm por elemento básico a consciência, sendo, por isso, exteriores reciprocamente, ou seja, formam entorno um para o outro, o que exclui o homem da sociedade. Se, nessa concepção, os sistemas são concebidos como processos comunicativos operativamente fechados, então, conforme Rodrigues e Neves (2012, p. 80), “É por meio da comunicação que os sistemas sociais se diferenciam do entorno, que se complexificam, criam estruturas próprias, constroem autorreferência e heterorreferência.”
Nessa perspectiva, para Rodrigues e Neves (2012), se os sistemas sociais são operativamente fechados, os indivíduos não estão inseridos no interior desses sistemas, pois, conforme Luhmann (1998), os sistemas psíquicos devem ser considerados como entorno dos sistemas sociais porque operam por meio do pensamento, enquanto que os sistemas sociais operam pela comunicação, entendida, por Rodrigues e Neves (2012, p. 81), “como um processo de atualização constante que envolve número de pessoas, sem poder ser resumida à consciência de uma única”.
Assim, o sentido construído na comunicação produz o limite entre sistema e entorno, reduzindo a complexidade de ambos, ou seja, a gama de possibilidades e acontecimentos que constituem o entorno. O que faz sentido para o sistema social é parte de seus elementos; tudo o mais compõe o seu entorno.
Uma das características dos sistemas é a redução de complexidade, dada sua função de reduzir possibilidades a partir da seleção daquilo que terá sentido para o sistema. Ao atingir um elevado nível de complexidade, os sistemas produzem relativa autonomia, diferenciam-se com o objetivo de reduzir essa complexidade, o que ocorre por meio da normatização, que, no caso dos educadores, ocorreria por meio da regulamentação profissional.
Nessa mesma linha de pensamento, Rodrigues e Neves (2012) apontam que os sistemas sociais convivem com incessantes perturbações do meio. Nesse sentido, incorporam tais irritações às suas cadeias autopoiéticas e acabam reduzindo a complexidade, entendida como um processo de escolhas no qual o sistema seleciona o que será ou não incorporado aos seus processos internos. Dessa forma, os sistemas sociais, durante todo o seu processo de funcionamento, estarão sempre reduzindo a complexidade do entorno, movimento que passa por dois processos específicos: a observação e a seleção. Os sistemas sociais e os sistemas psíquicos possuem a habilidade de observar o mundo, objetos e acontecimentos e, ainda, podem observar a forma como outros sistemas observam o mundo. É pela observação que os sistemas sociais selecionam e incorporam determinadas possibilidades de ação dentre as infinitas probabilidades que constituem o mundo.
O sistema de ensino, sujeito às interferências externas e o profissional da educação sem uma normatização que lhe dê respaldo e segurança, também tem limitadas as suas possibilidades de ação para reduzir a complexidade do entorno. Isso gera, nos educadores, sentimentos negativos em relação à profissão, que se traduzem em desencanto e impotência por sentirem-se incapazes de corresponder a tantas expectativas sem o devido apoio social e institucional.
Mesmo que todos os educadores que fazem parte do sistema educativo estejam inseridos no mesmo contexto, repleto de adversidades, segundo Picado (2009, p. 17), alguns são capazes de adaptar-se aos desafios e reagir positivamente, desenvolvendo o bem-estar docente, que o autor conceitua como
a motivação e a realização do professor em virtude de um conjunto de competências de resiliência e estratégias desenvolvidas para conseguir fazer face às exigências e dificuldades profissionais, ultrapassando-as e melhorando o seu desempenho e desenvolvendo um fenômeno de engagement.
Conforme Picado (2009), para desenvolver o bem-estar docente, seria necessário atuar em três dimensões: sociopolítica, escolar e docente. Em consonância com os princípios da THA, propostos por Richter (2008), Picado (2009) ressalta a urgência de definir o estatuto e o papel do educador, uma vez que as novas funções transferidas da família para a escola e a burocratização da profissão necessitam de uma séria discussão por parte da sociedade. Também é urgente, segundo o autor, valorizar a ascensão do profissional e diminuir a dissociação entre as políticas educacionais e as condições de trabalho de que ele dispõe para colocá-las em prática.
Mesmo que o educador, por suas próprias características, seja resiliente e capaz de pôr em funcionamento estratégias de superação, ele forma parte de um sistema no qual deve interagir com seus pares para superar os conflitos e conquistar a normatização e a instituição do seu espaço profissional.
Os estudos sobre resiliência, conforme aponta Grotberg (2005), eram centrados na criança, tinham como foco identificar os fatores e as características de crianças que viviam em condições adversas, a sua capacidade de superá-las e em que pontos se diferenciavam de outras crianças, que, nas mesmas condições, não eram capazes de superar ou enfrentar positivamente a situação.
Grotberg (2005, p. 15) parte da concepção de resiliência como “A capacidade humana para enfrentar, vencer e ser fortalecido ou transformado por experiências de adversidade”. Atualmente, as pesquisas estendem-se até a idade adulta, contextualizando a promoção da resiliência no ciclo da vida, no qual cada etapa serve de parâmetro para a adoção de novos procedimentos, com base no desenvolvimento das etapas anteriores.
Quanto às estratégias de resiliência, Grotberg (2005) propõe quatro categorias de fatores resilientes: 1 – “eu tenho”, que implica acreditar que há pessoas em que pode confiar e apoiar-se, porque a amam, mostram a forma correta de agir e põem limites; 2 – “eu sou” e 3 – “eu estou”, que estão relacionados com a força intrapsíquica de sentir-se valorizado, respeitado, capaz e disposto a assumir a responsabilidade pelos seus atos, confiando que terá sucesso no que faz; e, finalmente, 4 – “eu posso”, que indica a aquisição de habilidades interpessoais, como o autocontrole diante de situações adversas e a capacidade de procurar a forma de resolver os problemas, falar sobre eles e pedir ajuda quando necessário.
Para a autora, a resiliência é entendida como um processo e não somente como resposta a uma situação adversa e pressupõe a interação dinâmica dos fatores “eu tenho”, “eu sou”, “eu estou” e “eu posso”, assim como a avaliação dos resultados. Isso ocorre, pois, além de ajudar os indivíduos ou grupos a enfrentar adversidades, é esperado que o próprio indivíduo se beneficie ao aprender com as experiências, que devem agregar resultados positivos para todos, e reconheça os benefícios que foram conquistados para o bem-estar e a melhoria na qualidade de vida.
Considerando-se o contexto em que estão inseridos os educadores e os fatores citados no parágrafo anterior, as suas possibilidades de demonstrarem resiliência estão mais relacionadas às características pessoais de cada um: “eu posso”, que se refere a encontrar formas de equacionar os problemas – pois, pouco podem contar com o apoio que deveria vir do sistema a que pertencem –como forma de ajudar e dar suporte aos fatores “eu tenho”, “eu sou” e “eu estou”.
No âmbito da Psicologia, na concepção de Taboada, Legal e Machado (2006), os estudos sobre resiliência vêm ganhando espaço na tentativa de explicar como alguns indivíduos conseguem se desenvolver saudavelmente apesar de viverem em um contexto de adversidades e intenso estresse, resultante das exigências do mundo moderno, extremamente competitivo e que impõe expectativas, muitas vezes, impossíveis de serem correspondidas.
As produções científicas sobre a resiliência, conforme Junqueira e Deslandes (2003), estão voltadas ou para os conceitos (e têm em comum a definição de resiliência como a capacidade do indivíduo de recuperar-se, fazer frente a uma situação-problema e lidar positivamente com a adversidade) ou para as suas práticas ou conceitos operacionais, divididos em três grandes eixos.
Dentre os eixos citados pelos autores, o primeiro seria o dos conceitos que compreendem a resiliência como processo de adaptação versus superação. Nessa perspectiva, o indivíduo procura manter-se saudável, adaptando-se às situações pelo esforço em manter as suas características anteriores ao conflito ou retornando ao estado de equilíbrio anterior. Essa capacidade, segundo Junqueira e Deslandes (2003), seria obtida nas relações que reestabelecem vínculos afetivos e de confiança e, também, originadas das características pessoais de indivíduos que lidam melhor com as adversidades e conseguem extrair alguma aprendizagem da situação. Assim, aprendem com a experiência e desenvolvem comportamentos adaptados às expectativas da sociedade. Por meio da superação, o indivíduo, em uma situação conflitante, busca ultrapassar seus próprios limites, construindo uma identidade fortalecida ou, nas palavras de Junqueira e Deslandes (2003, p. 229), essa experiência não seria “apagada” ao contrário, poderia ser “elaborada simbolicamente fazendo parte da biografia do indivíduo ou grupo e compondo um estoque de vivências que poderiam dar subsídios para o fortalecimento diante de novas situações.”
Os autores também ressaltam que a resiliência não é um processo linear, considerando que um indivíduo pode reagir de forma diferente, e, de acordo com as circunstâncias, apresentar-se resiliente ou não. Nessa perspectiva, o indivíduo não é resiliente, ele apresenta uma capacidade de, em determinados momentos e conforme a circunstância, lidar com a adversidade sem sucumbir a ela. Esse aspecto se confirma nos casos de profissionais que desistem da profissão para buscar outra, com melhores condições de trabalho.
No segundo eixo de conceitos operacionais da resiliência, ela é compreendida como um fator inato ou adquirido. ConformeTaboada, Legal e Machado (2006), pesquisas que partem do princípio de que a resiliência é uma característica ou traço de personalidade são as mais propensas a encontrar fatores inatos nos processos resilientes. Por outro lado, as teorias que concebem o meio social como criador tanto do discurso científico como das práticas cotidianas tendem a caracterizar a resiliência como uma habilidade social que pode ser aprendida e estimulada.
O último eixo de conceitos apresenta a resiliência como algo circunstancial ou permanente. O aspecto circunstancial está relacionado com o que propõe Grotemberg (2005)ao defender que se devem promover estratégias de resiliência de acordo com as etapas de desenvolvimento do indivíduo e, ainda, com as proposições de Junqueira e Deslandes (2003), que entendem a resiliência como um processo não linear, no qual o indivíduo pode apresentar-se como resiliente em algumas situações e, em outras, não. Porém, os conceitos focados no aspecto permanente evidenciam as características pessoais ou os traços de personalidade que o indivíduo põe em ação para resistir ou superar situações adversas.
De forma geral, pode-se afirmar que a resiliência implica superação ou adaptação do indivíduo diante de situações de risco ou desfavoráveis, nas quais ele deverá acionar estratégias para vencê-las. A esse respeito, Taboada, Legal e Machado (2006), respaldados em Folkman e Lazarus (1980, p. 141), apresentam o conceito de coping como “constantes mudanças cognitivas e comportamentais na tentativa de administrar demandas específicas, internas e ou externas, que são avaliadas pelo sujeito como excedendo ou sobrecarregando os recursos pessoais”. Nesse aspecto, as estratégias de coping contribuem para a formulação teórica e operacional da resiliência.
Antoniazzi, Dell’Aglio e Bandeira (1998), baseadas nos estudos de Folkman e Lazarus (1980), apresentam o modelo de coping dividido em duas categorias funcionais, uma com foco no problema e outra com foco nas emoções, o que envolve quatro conceitos fundamentais: (a) coping é um processo ou uma interação que se dá entre o indivíduo e o ambiente; (b) sua função é de administração da situação estressora em vez de controle ou domínio desta; (c) os processos de coping pressupõem a noção de avaliação, ou seja, como o fenômeno é percebido, interpretado e cognitivamente representado na mente do indivíduo; (d) o processo de coping constitui-se em uma mobilização de esforço por meio da qual os indivíduos empreenderão esforços cognitivos e comportamentais para administrar, reduzir, minimizar ou tolerar as demandas internas ou externas que surgem da sua interação com o ambiente.
Para Taboada, Legal e Machado (2006), os conceitos e processos de resiliência e coping se correlacionam na medida em que ambos estão associados ou até condicionados a situações de estresse. Pelo coping, são mobilizadas estratégias para lidar com a situação, independente do resultado obtido, enquanto a resiliência foca seus esforços no resultado das estratégias empregadas, o que, em síntese, seria a adaptação bem-sucedida do sujeito diante de adversidades.
Dentro da perspectiva de superação, porém de ordem coletiva, Ojeda (2005) cita como exemplo a América Latina, que, por suas condições histórico-geográficas, propensa a grandes catástrofes naturais e sociais, passou a desenvolver a resiliência comunitária, buscar em conjunto a superação dos problemas e o bem-estar de todos. Essa característica, para o autor, deve-se ao fato de que essas comunidades contam com uma espécie de escudo protetor, construído a partir de suas próprias condições e valores, que lhes permite aceitar e transformar um acontecimento negativo.
Tais características também são perceptíveis nas profissões regulamentadas, cujos sistemas são autopoéticos e endógenos, as quais constroem seus próprios instrumentos de regulamentação e se autoprotegem das interferências do entorno, assim como buscam o consenso para lutar pela superação de fatos que ameacem o bom funcionamento do sistema. Isso não se verifica em profissões como a do educador, alopoiéticas e sujeitas à exogenia discursiva de sistemas de entorno, que exercem uma pressão perniciosa à autoimagem e à autoestima do profissional, principalmente por meio do discurso do déficit, como já mencionado.
Conforme Ojeda (2005), quatro pilares sustentam a construção da resiliência comunitária, a autoestima coletiva, desenvolvida por meio do sentimento de orgulho do lugar em que se vive, incluindo-se valores e cultura que essa sociedade cultua. Uma delas é a identidade cultural, a prática histórica e socializada, que incorpora valores, costumes, danças, etc., que proporciona, ao grupo, um sentido de identidade e de permanência, permitindo-lhe enfrentar e elaborar o multiculturalismo sem perder a própria identidade. Outro aspecto a ser considerado é o humor social, mais investigado no âmbito do desenvolvimento individual, mas também presente na perspectiva coletiva. Ao deparar-se com elementos contraditórios de uma situação, promove pensamentos divergentes, que facilitam o surgimento de respostas originais e inovadoras, mesmo em situações de crise, proporcionando o distanciamento afetivo da situação estressante.
Na carreira docente, esses aspectos podem ser percebidos nos grupos de educadores que se engajam em projetos inovadores, seja para melhorar a sua própria formação, participar de entidades de classe, como sindicatos, ou para melhorar o seu trabalho docente, envolvendo os alunos em atividades ou projetos que trazem benefícios para eles e toda a comunidade escolar.
Como último pilar na construção da resiliência, Ojeda (2005) cita a honestidade coletiva ou estatal, referente à existência de uma consciência geral que valoriza o exercício honesto da função pública. Essa consciência se reflete na ética profissional das profissões corporativas e regulamentadas, nas quais o profissional, se não tem nada a dizer de positivo em relação aos seus pares, mantém-se em silêncio, diferentemente do que acontece com as profissões não regulamentadas, que são suscetíveis à intervenção e às críticas de leigos, profissionais de outras áreas e dos próprios educadores, que nem sempre defendem seus pares, muito ao contrário, são os primeiros a criticá-los.
Em contraposição aos quatro pilares que sustentam o desenvolvimento da resiliência, Ojeda (2005) menciona quatro “antipilares”, características negativas que inibem a capacidade de reação coletiva diante das adversidades. O malinchismo, o fatalismo, o autoritarismo e a corrupção. O malinchismo reflete a atitude de admiração por tudo o que é estrangeiro, tomando como referência um grupo que não é o seu, o que fragiliza a identidade de grupo e, consequentemente, a sua autoestima, perceptível no magistério, devido, em parte, à crescente desvalorização social e econômica, já histórica no Brasil, em contraponto a outras profissões de prestigio social e econômico. O fatalismo, atitude passiva diante da situação problema, leva a conformar-se, a esperar que tudo se resolva. Muitas vezes, o professor entende que deve se adaptar ao contexto, que isso faz parte da profissão, e, quando a situação se torna insustentável, há a possibilidade de mudar de escola ou de profissão.
Conforme Ojeda (2005), o autoritarismo, sistema de governo totalitário que predominou no século XX, na América Latina, deixou marcas nos processos de resiliência, tanto individuais como coletivas, pois a centralização de decisões inibe a criação de respostas novas para situações pouco previsíveis. Especificamente, na atividade docente, as autoridades educacionais, a academia e a mídia configuram-se em determinadores da conduta, papéis e atribuições às quais os educadores devem corresponder, sem que sejam ouvidos ou tenham espaço para encontrar e propor soluções para os problemas que eles enfrentam e têm que administrar. Essa conduta domesticadora se perpetua à medida que o educador dá, ao aluno, o mesmo tratamento que recebe.
Como última característica negativa em relação à resiliência, Ojeda (2005) aponta a corrupção, que se instala quando interesses privados se sobrepõem aos coletivos. Na esfera educacional, especificamente no exercício da docência, esse aspecto se torna visível nas situações em que o educador se acomoda ou se exime diante dos problemas, e, mesmo consciente de que não está desempenhando o seu trabalho como deveria, que não está contribuindo para o crescimento do educando, distancia-se da realidade, fingindo que tudo transcorre normalmente. Assim, cria um jogo constrangedor de fazer de conta que ensina, e o aluno, por sua vez, faz de conta que aprende. Essa atitude, extremamente negativa, também tem suas consequências, uma vez que, ao mesmo tempo em que o afasta da realidade adversa, pode gerar nele um sentimento de culpa, por saber que não é essa a postura que se espera dele.
A THA, por enquadramento profissional ou normatização da profissão, permite equacionar o problema da resiliência ou sua falta nos termos da capacidade de redução da complexidade que cada sistema social apresenta, e deve estar associada à capacidade de autodeterminação, autorregulação e autodesenvolvimento deste último. Sistemas autopoiéticos, acentuadamente assimétricos em relação ao entorno, realizam operações baseadas, principalmente, em expectativas normativas, o que torna o entorno mais previsível em termos do estado do sistema em determinado ponto da linha do tempo, assim como torna mais previsível a conduta profissional dos seus membros em relação ao entorno, embora, paradoxalmente, torne-a hermética para observações externas ao sistema, como as profissões regulamentadas nas quais os papéis e as atribuições são claros e amparados legalmente.
Sistemas assim constituídos permitem que seus membros possam espelhar-se uns nos outros com sentimentos de acolhimento, integração, expectativa de amplo apoio profissional, inclusive afetivo, desde que o Código de Ética da profissão seja rigorosamente respeitado.
Nesse sentido, Melillo, Estamatti e Cuestas (2005), também concordam que as profissões regulamentadas oferecem ao profissional um lugar discursivo cujo funcionamento assemelha-se ao de um meio social circundante “suficientemente bom”, como a mãe que estimula a iniciativa da criança, sua disposição em correr riscos, ao mesmo tempo em que lhe oferece todo o suporte necessário e a expectativa correspondente. Na fase adulta, isso se reflete na disposição em sentir-se bem, acolhida, prestigiada, digna, pela simples razão de pertencer a um grupo com esse perfil na sociedade, pelo fato de perceber-se semelhante aos membros desse grupo e alimentar esperança de reciprocidade irrestrita. Ressalte-se, ainda, que todo adulto candidato ao bem-estar e à saúde mental precisa sentir-se pertencente a algum grupo que lhe garanta reconhecimento, acolhida e integração.
Dessa forma, o horizonte a ser conquistado é a profissionalização docente, com todo o amparo legal que cabe a uma profissão regulamentada, incluindo a formação e as condições de trabalho adequadas. Mesmo que pareça difícil, esse é um caminho viável, já trilhado pelos profissionais da Educação Física, emancipados no final do século passado. Além disso, é o único capaz de levar os educadores e o sistema de ensino como um todo a adquirirem a capacidade de autorregular-se, não permitindo a interferência de discursos externos que em nada contribuem para a melhoria da profissão e da educação como um todo. A classe dos professores, por sua dimensão, tem força e potencial para isso.
Amaral, J. (2012). Relatos da docência em textos de revistas: expectativa, papel social e emancipação, um estudo comparativo entre letras e educação física. (Dissertação de Mestrado) Universidade Federal de Santa Maria. Santa Maria, RS.
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Este artigo é parte da tese de Doutorado em Letras da pesquisadora.
1. Professora de Língua Espanhola na UFFS – Chapecó – SC. Mestre em Letras pela UFSM E Doutoranda em Letras – pelo PPGL-UFSM, Santa Maria – RS. Email: angelaflain@hotmail.com
2. Professor Titular Pós-Doutor da Universidade Federal de Santa Maria RS, Departamento de Letras Vernáculas. Doutor em Comunicação e Semiótica pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo e Pós-Doutor em Linguística de Corpus pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo.