Vol. 38 (Nº 13) Año 2017. Pág. 13
Wagner Lourenzi SIMÕES 1; Letícia Oliveira WESSOLOWSKI 2
Recibido: 21/09/16 • Aprobado: 12/10/2016
RESUMO: A constante exigência por customização de produtos obriga muitas empresas competirem baseadas em sua flexibilidade. Porém esta pulverização dos produtos acarreta efeitos indesejados, exigindo ao máximo a sua flexibilidade. As incertezas do mercado também acarretam em excessos de inventários oriundos de previsões de demandas incorretas. Neste trabalho, realiza-se uma análise das relações internas de uma empresa fabricante de partes eletrônicas através da abordagem do pensamento sistêmico, avaliando como elas influenciam a flexibilidade oferecida pela empresa aos seus clientes. A partir disto identifica-se as possíveis estratégias que podem ser adotadas para a manutenção da flexibilidade oferecida pela empresa. |
ABSTRACT: The constant demand for product customization enforces to many companies that compete based on their flexibility. But this product splitting causes undesirable effects, requiring the most of its flexibility. Market uncertainty also overloads inventories arising from incorrect forecasts. This work, we carried out an analysis of the internal relations of a manufacturer of electronic parts through systems thinking approach, assessing how they influence the flexibility offered by the company to its customers. Identifing possible strategies that can be adopted to maintain the flexibility offered by the company. |
A crescente competição no mercado global exige que as empresas se deparem com uma confusa mistura de oportunidades, incertezas, modelos de negócios e opções estratégicas (PIVORIENE, 2015). De forma a explorarem ao máximo sua vantagem competitiva e enfrentar esta instabilidade do mercado, empresas que competem na dimensão flexibilidade necessitam trabalhar na constante melhoria da capacidade de flexibilização das suas operações, impactando minimamente os seus custos operacionais.
A empresa objeto do estudo, opera no mercado de equipamentos e partes eletrônicos sob demanda. A principal dimensão competitiva sobre a qual a empresa cresceu em seu mercado é a flexibilidade, tanto em termos de entrega, volume e modelos. Sua carteira de negócios configura um ambiente high mix, low volume, ou seja, uma ampla variedade de modelos diferentes vendidos a pequenos volumes. Porém o crescimento do volume de novos negócios e produtos com elevado nível de customização, levou a empresa a lidar com uma série de problemas. Dentre estes, destacam-se o aumento de inventário, dificuldades para prever demanda e elevação de custos com horas extras nos casos de surtos de demanda e perdas por obsolescência de aplicações. Frente a estes desafios a empresa passou a adotar alternativas que priorizem cada vez mais a flexibilidade de sua fábrica, porém a adoção de determinadas ações isoladas nem sempre é capaz de proteger a flexibilidade da empresa.
Neste estudo busca-se uma análise sistêmica do contexto da empresa de forma a gerar aprendizado e prospectar estratégias que possibilitem a empresa focalizar seus esforços em ações sistêmicas que promovam a melhoria de sua flexibilidade e a sua manutenção quando ameaçada por forças externas à empresa, como as flutuações de mercado e fornecimento de matéria prima. Ao final do estudo um conjunto de estratégias é proposto para a promoção de melhoria nos diversos setores que afetam a flexibilidade da empresa.
Nesta seção são apresentados os conceitos teóricos a respeito de ambientes produtivos high mix, low volume e da flexibilidade na indústria, que são os fundamentos que nortearam o estudo.
Smith (2012) descreve em seu trabalho que o mercado pode ser segmentado pela quantidade de modelos diferentes demandada e pelo volume de demanda destes modelos, podendo-se então classificar estes segmentos como High Mix, Low Volume (HMLV); High Mix, High Volume (HMHV); Low Volume, Low Mix (LVLM) e High Volume, Low Mix (HVLM). A produção High-mix, low volume evoluiu através dos tempos a partir do modelo de produção em massa iniciado por Henry Ford para atender as demandas de mercado cada vez maiores por mais opções de produtos. Killian (2003) salienta que o Sistema Toyota de Produção (TPS) desenvolvido durante a década de 1970, mas em constante evolução, permanece como um dos benchmarks de maior sucesso na indústria High-mix, low volume. Embora o atendimento das expectativas dos clientes em termos de mix possa ser um poderoso diferencial competitivo, o seu impacto nos custos de produção não permite que uma empresa possa expandir indefinidamente sua linha de produtos sem impactos nos preços praticados. Os custos de complexidade aumentam de forma logarítmica em função dos custos decorrentes do aumento de mix. Desta forma, para a empresa obter vantagem competitiva em ambientes high-mix, low volume, deve investir em meios de reduzir custos de complexidade, reduzindo assim os custos totais.
Em ambientes high-mix, low volume, as empresas devem adotar sistemas de produção com foco no processo, de forma a buscar a maior flexibilidade de produção e responsividade a mudanças de projeto ou tecnologia nos produtos. Estes fatores costumam ser prejudicados em sistemas com foco no produto, que tendem a priorizar o volume de produção e utilização dos equipamentos. Idealmente, a empresa deve dispor de equipamentos multifuncionais, que possam sofrer trocas de setup muito rápidas com alta disponibilidade e fácil manutenção.
Processos fabris e cadeias de suprimento operam em um ambiente de constante incerteza, e de forma permanecerem competitivos, devem manter um determinado nível de robustez para resistir ou se adaptar às mudanças das condições de operação. As fontes de incertezas incluem variações na demanda, de disponibilidade de suprimentos, bem como custos de degradação e falhas nos equipamentos. As propriedades chave que refletem a capacidade da empresa em mitigar estas incertezas são a flexibilidade e a responsividade, que atualmente são consideradas na literatura como capacidades estratégicas (STEVENSON e SPRING, 2007).
Hayes e Wheelwright (1984) são reconhecidos na literatura como os primeiros a defenderem a importância da flexibilidade na manufatura como estratégia de competitividade. Sendo a flexibilidade um conceito multidimensional (PARKER; WIRTH, 1999), diferentes aspectos afetam as decisões de investimento em diferentes dimensões da flexibilidade. Este estudo está limitado aos aspectos da flexibilidade de produto, volume e de prazos. A flexibilidade de produto é a capacidade de oferecer produtos que atendam demandas específicas (GOYAL; NETESSINE, 2006; JORDAN; GRAVES, 1995). Flexibilidade de entregas (prazos) é a habilidade de ajustar as datas de entrega mantendo a capacidade de absorver pedidos urgentes e especiais sendo esta a característica mais importante em mercados High mix, low volume (BEAMON, 1999; SLACK, 1987). A customização em massa exige cadeias de suprimento flexíveis para atender a demandas específicas dos clientes (GONG, 2008). Em estudo comparativo Ketokivi (2006) indica que em geral os clientes preferem a flexibilidade de entrega em relação ao preço, quando avaliam seus fornecedores. Em seu estudo Goyal, Netessine e Randall (2012) apontam que o estudo da flexibilidade possui duas correntes principais, que são o seu uso como proteção contra a incerteza de demanda e o seu uso como arma estratégica no âmbito da concorrência.
Na análise do contexto do presente trabalho, a grande questão norteadora foi "Como proteger e aumentar a flexibilidade oferecida pela empresa aos seus clientes?". De forma a responder esta pergunta, desenvolveu-se as etapas da abordagem sistêmica e projeção de cenário.
O pensamento sistêmico é um processo de construção de mapas e modelos que envolvem a análise de relação entre os elementos de um determinado sistema (como uma série de efeitos cíclicos ao invés de uma relação linear de causa e efeito) e análise da dinâmica dos processos deste sistema ao longo do tempo (VACCARO et al., 2010). A metodologia para aplicação do pensamento sistêmico é baseada nos conceitos da dinâmica de sistemas, especialmente, considerando o relacionamento entre os elementos dos sistemas e ciclos de feedback. Desta forma, o pensamento sistêmico permite não apenas a análise dos eventos, mas também a identificação de padrões de comportamento e estruturas definidas. Um dos benefícios da adoção do pensamento sistêmico é a compreensão de diferentes níveis de realidade, que permite e aprofunda a percepção de forma estruturada, de quatro níveis de realidade que atuam simultaneamente: Eventos, padrões de comportamento, estruturas sistêmicas e modelos mentais (ANDRADE et al., 2006). A abordagem de problemas através do pensamento sistêmicos, permite ainda que diferentes situações sejam analisadas de uma perspectiva mais ampla e profunda, permitindo a construção de soluções robustas, estruturadas e alavancadas por resultados sustentáveis.
O estudo foi conduzido com base no padrão desenvolvido por Andrade, Seleme e Moutinho(apud Andrade et al. (2006)). O método mistura reuniões curtas com tarefas remotas para os participantes, seguindo os seguintes passos:
No mapa sistêmico construído ficam evidentes algumas vias sistêmicas, sendo estas destacadas por cores. A via sistêmica verde, Otimização do planejamento e programação da produção, explora a ampliação da flexibilidade oferecida aos clientes através de melhorias na qualidade do sequenciamento de produção. Já a via azul, Qualificação da previsão de demanda, explora melhorias no processo de previsão de demanda como forma de se obter ganhos de escala na programação da produção, permitindo então aumento na flexibilidade. A Expansão de produtos próprios através da inovação, destacada em amarelo no mapa sistêmico, busca através de investimentos em inovação que uma vez oferecidas aos clientes em plataformas genéricas (marca própria da empresa) permitem uma padronização de plataformas, que gradualmente poderão substituir os produtos customizados reduzindo a variedade de modelos diferentes demandas. Isto torna-se possível através do domínio técnico que a empresa passa a exercer sobre estas plataformas de produtos. Em laranja está destacada a via que explora a melhoria na cadeia de suprimentos, com ações que visam elevar sua confiabilidade e reduzir o lead time para promover maior qualidade no sequenciamento da produção, evitando re-sequenciamentos, paradas por desabastecimento ou excessos de inventário.
Como primeiro resultado obtido da aplicação do método do pensamento sistêmico, a figura 1 apresenta o mapa sistêmico desenvolvido através do estudo descrito anteriormente. Considerou-se um grande conjunto de variáveis ligadas à operação da empresa e a elementos ligados à flexibilidade, como descrito na seção de referencial teórico.
Figura 1 – Mapa sistêmico desenvolvido
Fonte: A pesquisa
O exercício de construção deste mapa permitiu melhor compreensão dos impactos sistêmicos que as diversas áreas da empresa têm na flexibilidade oferecida aos seus clientes. Impactos estes que são resultado das correlações apresentada pelas variáveis mapeadas. Estes elementos e a visualização de suas relações através do mapa sistêmico, tornou-se possível a construção dos cenários apresentados a seguir.
Os cenários analisados são criados a partir de uma abordagem narrativa (VACCARO et al., 2010; SCHWARTZ; ESTEVES, 2001; SENGE et al., 1995; ANDRADE et al., 2006) visando criar uma discussão profunda sobre as possíveis realidades futuras quando sujeitas a forças motrizes incontroláveis, ditas incertezas críticas. A compreensão de como os feedbacks dentro do sistema se comportarão, permite a formulação de estratégias robustas para enfrentar estas realidades futuras, caso elas venham a acontecer. A partir das forças motrizes identificadas construiu-se os cenários apresentados na figura 2.
Figura 2 – Cenários utilizados no estudo
Fonte: pesquisa
O cenário intitulado "Em má companhia", diz respeito a condição na qual o mercado está estável e a demanda relativamente previsível, porém a empresa é incapaz de tirar todo o proveito possível deste fato devido ao lead time oferecido pelos fornecedores, que ao sofrerem aumentos afetam a flexibilidade de prazos oferecidos pela empresa. Neste cenário, devido a estabilidade apresentada pelo mercado, a previsão da demanda é facilitada, o que impacta positivamente no planejamento da empresa. Porém, devido às circunstâncias que fogem ao controle da empresa, como especulação dos fabricantes ou problemas no abastecimento de componentes, os prazos de entrega dos fornecedores sofrem um aumento significativo, que sem o prévio aviso pode levar a empresa a problemas decorrentes do desabastecimento. O lead time dos pedidos para os clientes é impactado negativamente, exigindo maior responsividade e flexibilidade na produção destes pedidos. De forma a frear este efeito o mais rapidamente, a empresa eleva os níveis de seus estoques de segurança, elevando significativamente o inventário da empresa e por consequência deteriorando seu resultado. Esta medida só apresenta efeito após um determinado gap de tempo ditado pela elevação dos prazos do fornecedor. A elevação dos prazos de entrega acarreta em desgastes com clientes estabelecidos e perda de novos negócios. Estes desgastes acabam por abalar a relação da empresa com os fornecedores, e levando à busca de novos fornecedores para itens críticos, mais afetados pelo aumento de prazo. Caso o aumento de lead time não seja causado por algum fenômeno que afete toda a cadeia, novos fornecedores podem ser encontrados e homologados.
A pulverização dos itens em uma quantidade maior de fornecedores resulta em perda de poder de negociação com os fornecedores, uma vez que os volumes negociados serão retraídos, podendo haver impactos negativos no custo dos produtos. A busca emergencial por novos fornecedores expõe a empresa a outro risco, que é a falta de confiabilidade na eficiência de entrega e qualidade dos componentes por estes fornecidos, que em caso de falha podem agravar a situação de desabastecimento.
O alargamento dos prazos aumenta a pressão dos clientes por melhores prazos e eleva a quantidade de pedidos aceitos sem possibilidade de negociação, exigindo resequenciamentos mais frequentes e uso de horas extras de trabalho. A qualidade do sequenciamento é piorada devido aos pedidos urgentes que são processados fora da ordem estabelecida e do tempo exigido para realização de um completo re-sequenciamento. A quantidade de trocas de setup é elevada devido à falta de qualidade no sequenciamento, reduzindo a disponibilidade do equipamento. A flexibilidade do equipamento é reduzida devido ao aumento dos tempos de setup, ao mesmo passo que a necessidade de flexibilidade e disponibilidade para à produção aumentam devido à elevação dos lead times de matéria prima. De forma a reduzir os impactos negativos da perda de flexibilidade nos prazos de entrega a empresa vê-se obrigada utilizar horas extras. Esta forma de atendimento da demanda leva a elevação do custo operacional, impactando negativamente o resultado da empresa. Esta retração no resultado da empresa, imposta pelo aumento nos custos, reduz a segurança da empresa para realizar investimentos de maior valor. A falta de recursos para pesquisa e desenvolvimento provoca atrasos na substituição de tecnologias obsoletas, que aliado a redução dos investimentos em marketing faz com que a linha de produtos de marca própria perca espaço no mercado. O enfraquecimento da marca no mercado faz com que produtos OEM (Original Equipment Manufacturer) predominem nas vendas da empresa, gerando uma variedade cada vez maior de produtos e dificultando a padronização de plataformas.
Com a estabilidade apresentada pelo mercado o departamento comercial não lida com grande complexidade para realizar previsões de vendas, o que permite trabalhar com estoques de segurança de produto final menores, flexibilizando o uso dos estoques de matéria prima. A melhoria na qualidade das previsões permite um melhor planejamento de compras, facilitando o desenvolvimento de medidas de contingência do desabastecimento.
O segundo cenário remete a um contexto onde a demanda do mercado passa por um período de estabilidade, ao mesmo tempo que os lead times praticados pelos fornecedores também passam por um momento de redução ou estabilidade. A estabilidade de demanda no mercado permite que previsões mais precisas sejam feitas sem a necessidade de grande sofisticação no método utilizado, reduzindo a valores mínimos o gap entre o faturamento previsto e realizado. Esta condição provê confiança para a realização de investimentos em diversas áreas. A redução nos prazos praticados pelos fornecedores permite maior flexibilidade para atendimento de pedidos nos prazos solicitados pelos clientes. Este ambiente de estabilidade permite a empresa enxugar estoques de segurança e reduzir o inventário da empresa, melhorando seus resultados. A flexibilidade oferecida e as reduções de custos decorrente do melhor planejamento permitem a prática de preços mais competitivos, abrindo ao longo do tempo novas oportunidades de negócios. Os resultados positivos e a confiança para investir, possibilitam o investimento em pesquisa e desenvolvimento e marketing, na intenção de promover os produtos de marca própria da empresa. O êxito desta promoção ao longo do tempo permitirá que produtos genéricos possam substituir produtos customizados na carteira de pedidos, oferecendo tecnologia mais avançada e preços mais competitivos. Esta substituição facilitará a padronização de plataformas de montagem de placas, o que consequentemente irá reduzir a quantidade de setups necessários, aumentando a disponibilidade e flexibilidade do equipamento. A estabilidade de demanda e os curtos lead times, propiciam também estabilidade na programação da produção. A pouca necessidade de re-sequenciamento permite que sequenciamentos de boa qualidade sejam executados na sua integra, o que potencializa ainda mais a sua flexibilidade.
A precisão obtida pelas previsões de demanda permite que o departamento de compras conduza negociações mais vantajosas para a empresa. Contratos de prazo prolongado podem aumentar o volume das negociações e propiciar condições para acessar preços mais competitivos. A estabilidade da demanda permite também que importações melhor planejadas, permitindo a otimização para a obtenção de economias nas operações logísticas. O oferecimento de melhores prazos e condições de negociação fortalecem o relacionamento da empresa com os fornecedores. O cenário inspira a redução dos estoques, mostrando-se favorável ao planejamento. Porém, o fato de os estoques de segurança estarem em níveis mais baixos, deixa a empresa vulnerável a desabastecimentos em caso de falhas de qualidade, exigindo um rígido controle dos níveis de qualidade e serviço dos fornecedores.
Neste cenário temos um mercado instável, sujeito a grandes flutuações, o que torna complexa a tarefa de construir previsões de demanda para o planejamento. A elevada complexidade exige o emprego de métodos sofisticados de previsão para que se obtenha algum nível de sucesso, o que eventualmente pode esbarrar na qualificação da equipe responsável pelas previsões de venda. Como forma de evitar desabastecimento nos clientes, os estoques de segurança de produtos acabados podem ser elevados, o que aumentaria o inventário da empresa. Porém, devido ao fato de os lead times praticados pelos fornecedores estarem em redução, o que consequentemente possibilita a redução dos prazos de entrega da empresa, a elevação da responsividade da empresa possui efeito compensatório. A colaboração dos fornecedores, eleva a flexibilidade em termos de prazo de entrega, o que reduz a necessidade de elevações significativas dos estoques de segurança de produtos acabados sem que seja aumentado o risco de haver desabastecimento do cliente. As reduções de prazos praticadas pelos fornecedores beneficiam o planejamento e programação da produção na manutenção da sua flexibilidade, porém a volatilidade do mercado acaba por prejudicar este efeito. Esta volatilidade pode provocar um represamento de demanda que acaba por desnivelar a ocupação da fábrica, uma vez que não se possui uma previsão do que será vendido no horizonte de programação. Paradas frequentes e surtos de demanda prejudicam o nivelamento e sequenciamento da produção, exigindo seu re-sequenciamento com grande frequência e uso de horas extras, apesar da baixa ocupação do equipamento. Esta necessidade de frequentes re-sequenciamentos exige a utilização de ferramentas de sequenciamento mais sofisticadas, que sejam mais eficientes na otimização do tempo de produção e ao mesmo tempo velozes, o que impede que isso seja feito através dos métodos tradicionais utilizados pela empresa. Neste caso uma opção seria integrar ao sistema ERP uma ferramenta computacional capaz de gerar tantos re-sequenciamentos quantos fossem necessários em tempo aceitável dentro da rotina da empresa e com boa qualidade no resultado. Isto eventualmente pode exigir algum investimento em estrutura computacional e qualificação dos envolvidos na programação da produção.
A baixa taxa de acerto das previsões de venda faz com que frequentemente existam grandes gaps entre o faturamento previsto e o realizado, gerando inventário passivo e afetando negativamente o resultado da empresa. A diferença entre o previsto e o realizado acaba por ter efeitos negativos no caixa da empresa, uma vez que o departamento de compras realiza a compra de grande parte da matéria prima baseado nas previsões de venda. Esta queda no resultado e a falta de confiança nas previsões futuras acaba naturalmente reduzindo a confiança da empresa em fazer investimentos futuros, seja em equipamentos para a fábrica, infraestrutura de informática, pesquisa e desenvolvimento e marketing. A redução dos investimentos em pesquisa e desenvolvimento, e em marketing, reduz a promoção dos produtos de marca própria, que devido a predominância de tecnologias antigas e produtos OEM conduzem a um aumento da dificuldade de padronização das plataformas.
Apesar de o cenário favorecer a responsividade devido à redução dos prazos por parte dos fornecedores, a falta de acurácia das previsões resultante da volatilidade do mercado não permite que contratos e acordos de fornecimento de longa duração sejam realizados. O risco deste tipo de acordo inibe a sua realização, reduzindo os volumes negociados junto aos fornecedores e reduzindo o poder de negociação da empresa. Esta dificuldade de planejamento de longo prazo se reflete também nas operações logísticas, dificultando a consolidação de importações, o que consequentemente afeta o custo dos produtos.
Este cenário se caracteriza por uma deterioração dos lead times praticados pelos fornecedores juntamente com uma grande instabilidade do mercado, que apresenta grandes flutuações na demanda. As flutuações de mercado, assim como no cenário anterior, tornam demasiado complexa a tarefa de gerar previsões de demanda com qualidade aceitável. Esta complexidade eleva os custos da empresa com estoques de segurança de produtos acabados, fato que juntamente com a elevação do gap entre a previsão de vendas e as vendas realmente concretizadas acabam por elevar os níveis de inventário, dificultando o fluxo de caixa da empresa. A situação do inventário e fluxo de caixa, ainda é agravada pela elevação dos prazos de entrega dos fornecedores, que fazem com que o departamento de compras eleve os estoques de segurança de matérias primas visando a proteção da empresa contra o desabastecimento.
Diante da instabilidade da demanda e incertezas quanto ao futuro desta, juntamente com os danos sofridos pelo caixa a segurança em novos investimentos é abalada. A redução dos investimentos implica em atrasos na substituição de tecnologia, prejudicando a padronização de plataformas, este fato aliado a redução do investimento em marketing faz com que ao longo do tempo os produtos de marca própria percam gradativamente seu espaço para produtos OEM. Neste cenário a flexibilidade da empresa é exigida ao máximo, pois o mercado exige responsividade cada vez maior, enquanto os fornecedores lhe impõem maiores prazos que minam sua capacidade de flexibilizar os prazos praticados junto aos clientes. A qualidade e velocidade do re-sequenciamento do equipamento se torna vital neste contexto onde a eficiência interna é o principal contraponto às pressões sofridas pela empresa. Melhorias no processo interno tornam-se cruciais para o sucesso neste cenário.
O contexto deste cenário deixa a empresa extremamente vulnerável aos níveis de eficiência dos fornecedores, uma vez que não é capaz de prever quando as demandas serão geradas e os prazos de fornecedores não atendem a reposição de peças dentro do prazo necessitado por eventuais clientes. Nestas condições eventuais falhas de qualidade na matéria prima ou atrasos na sua entrega poderão gerar situações de desabastecimento, colocando em risco o atendimento aos clientes. Dos quatro cenários analisados este é o que exige maior atenção, pois coloca a empresa em uma condição mais delicada, fazendo com que corra maiores riscos e opere em meio a maiores incertezas.
A análise comparativa dos cenários permitiu o vislumbre dos principais pontos que ameaçam a flexibilidade dentro da estrutura sistêmica analisada. Estes pontos são os mais frágeis estrategicamente, necessitado de focalização de esforços no sentido de desenvolver estratégias robustas que protejam a empresa na eventualidade de ocorrência de qualquer um dos cenários propostos. Baseado neste conceito e nas vias sistêmicas identificadas, um conjunto de estratégias foi destacado com o intuito de alavancar os pontos chave da estrutura sistêmica e promover esta proteção, conforme a tabela 1.
Tabela 1 – Estratégias propostas para proteger a flexibilidade
Estratégia |
Descrição |
1 |
Qualificar o sequenciamento de produção tornando-o veloz e eficiente o suficiente para atender às necessidades da empresa de otimização e alterações. |
2 |
Desenvolver as relações e o controle ativo dos fornecedores como forma de antever e minimizar alterações em suas políticas de fornecimento. |
3 |
Qualificar a previsão de demanda tornando-a proativa e mais eficaz. |
4 |
Investir no desenvolvimento tecnológico e fortalecimento dos produtos de marca própria da empresa. |
A partir destas estratégias identificou-se os pontos chave na estrutura sistêmica para a sua realização, propondo-se um conjunto de ações de alavancagem para efetivação das estratégias, apresentada nas tabelas 2 e 3.
Tabela 2 – Ações de curto prazo
Ação |
Descrição |
A1 |
Adquirir ou desenvolver internamente ferramenta computacional para sequenciamento da produção que permita maximizar a eficiência do maquinário. |
A2 |
Qualificar o processo de inspeção de entrada da matéria prima, minimizando a possibilidade de desabastecimento por problemas de qualidade. |
A3 |
Qualificar a equipe comercial para analisar o cenário mercadológico adequadamente, gerando previsões de demanda mais precisas. |
A4 |
Investimento em marketing dos produtos de marca própria. |
A ação proposta A1, vinculada à estratégia 1, visa a aquisição de software capaz de realizar o sequenciamento da produção com um número maior de lotes e de forma mais ágil, permitindo que novas sequências sejam geradas a cada novo pedido (ou conjunto de pedidos) recebido. Uma vez recebido, o pedido seria alocado na data mais próxima que atenda à necessidade do cliente e que cause o menor impacto possível na minimização do makespan. Não havendo ferramenta disponível no mercado que atenda adequadamente as necessidades da empresa, uma ferramenta dedicada à empresa pode ser desenvolvida através de algoritmos metaheurísticos para sequenciamento de produção.
A ação A2, vinculada à estratégia 2, refere-se a segurança em relação a confiabilidade do material em estoque. Qualificando as operações de inspeção de entrada de matéria prima, reduz-se ao mínimo a possibilidade de desabastecimento da fábrica, que acarreta em paradas e desperdício de setups devido a interrupção de lotes de fabricação em decorrência de problemas de qualidade da matéria prima recebida. Esta ação possui relação direta com a ação A5, que visa a qualificação e controle contínuo da qualidade e eficiência de entrega dos fornecedores com base no monitoramento ativo de indicadores de ocorrência de problemas, prazos praticados e ocorrências de atrasos, minimizando assim a necessidade das inspeções geradas pela ação A2. Pode-se dizer que A2 é a ação necessária no curto prazo para vedar o risco de entrada de problemas de qualidade de matéria prima no processo produtivo da empresa, e A5 é a solução de médio prazo para que o risco deste tipo de evento seja minimizado, podendo inclusive em função do grau de êxito obtido tornar A2 menos importante ou até desnecessária no futuro.
Tabela 3 – Ações de médio prazo
Ação |
Descrição |
A5 |
Desenvolver programa de qualificação e avaliação dos fornecedores, agindo ativamente na identificação de riscos de qualidade e eficiência de entrega. |
A6 |
Desenvolver uma política de aquisição de matérias primas que priorize a compra de fornecedores qualificados e melhor avaliados com base nos os resultados da ação A5. |
A7 |
Investimento em equipamentos que ofereçam maior flexibilidade ao processo produtivo. |
A8 |
Investimento em pesquisa e desenvolvimento para manter elevado o padrão tecnológico dos produtos de marca própria. |
Para que sejam geradas previsões de demanda com maior precisão, a ação A3 prevê que a partir de maior investimento em qualificação da equipe comercial, responsável pelas previsões de demanda na empresa, para que esta seja capaz de realizar análises mais adequadas do mercado empregando tanto métodos estatísticos para determinar as previsões conhecendo os riscos, como análises qualitativas baseadas em uma percepção mais apurada do mercado do cliente. Em termos de investimento esta é uma das ações mais importantes, pois ao reduzir o gap entre faturamento previsto e realizado, ela proverá confiança para a realização de investimentos por parte da empresa nas diversas áreas correndo menores riscos de ser surpreendida por resultados muito destoantes dos projetados.
O investimento em marketing dos produtos de marca própria da empresa, ação A4, tem o intuito de promover a marca da empresa como fabricante de equipamentos para instaladores, em oposição a imagem de fabricante de partes OEM para fabricantes de máquinas. Esta promoção é benéfica no sentido de elevar o volume vendido de produtos de marca própria, ampliando a presença no mercado de pequenos instaladores e de reposição. O aumento do volume de vendas destes produtos permite que se obtenham certos ganhos de escala, reduzindo seu custo de produção, que é a dimensão mais relevante neste nicho de mercado. Esta ação está diretamente ligada com à ação de médio prazo A8, que prevê o investimento em pesquisa e desenvolvimento para constante atualização da tecnologia aplicada aos produtos eletrônicos, sendo prática da empresa lançar a tecnologia de vanguarda sempre em seus produtos de marca própria como estratégia para fomentar a venda destes produtos, mesmo para clientes que costumeiramente compram partes OEM. Este incentivo, aliado ao aumento da visibilidade da marca podem promover ganhos significativos em termos de volume para esta linha de produtos, o que pode se converter em ganhos de escala e possibilidades de padronização de plataformas das quais a empresa possui o domínio tecnológico.
De forma a proteger-se de variações bruscas nos níveis de serviço dos fornecedores, a ação A6 propõe o desenvolvimento de uma política que priorize a aquisição de matérias primas dos fornecedores melhor qualificados a partir dos resultados obtidos por A5. Fornecedores com menor variação no nível de serviço, ao serem recompensados com maiores volumes de compras devido a manutenção deste nível, preferirão mantê-lo em um patamar elevado como forma de proteger seus negócios. Atrelada a esta ação, deve ser desenvolvida uma política de divulgação dos melhores fornecedores, bem como das melhores práticas a serem adotadas pelos fornecedores em estágios de evolução para que estes possam atingir o patamar desejado.
O investimento em equipamentos flexíveis, A7, aparece como uma ação de longo prazo tendo em vista o porte em que a empresa se encontra e o elevado custo de aquisição deste tipo de equipamento no Brasil. Esta aquisição permitirá à fábrica operar com uma flexibilidade consideravelmente maior, potencializando o efeito das ações anteriores.
A avaliação do problema através da abordagem do pensamento sistêmico permite uma visão mais ampla e multidisciplinar do problema, tornando possível que conexões de variáveis que à primeira vista parecem independentes, sejam reveladas. A análise realizada e a projeção de cenários avaliada permitiram ao grupo estabelecer ações a serem tomadas no médio e curto prazo para manutenção da flexibilidade empresa, fortalecendo os principais pontos de alavancagem que sustentam as estratégias que lhe proporcionarão robustez para enfrentar os cenários propostos neste trabalho. Cada uma das ações propostas por este estudo depende da aplicação de técnicas adequadas ao contexto para sua efetiva implementação. Dada a característica dinâmica do problema, este é um trabalho que deve ser constantemente atualizado de forma a manter sua fidedignidade à situação real, permitindo a perfeita compreensão da situação problema e suas relações sistêmicas.
As ações estipuladas têm base nas forças motrizes elencadas neste trabalho, que apesar de serem as principais identificadas, não são as únicas a afetar a empresa. Novos estudos considerando outras forças motrizes podem possibilitar um posicionamento estratégico ainda mais robusto para o futuro da empresa. O aprofundamento de aplicações do pensamento sistêmico no desenvolvimento de estratégias para pequenas empresas no contexto brasileiro é algo que pode potencializar capacidade competitiva da indústria nacional.
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1. Mestrando do curso de Engenharia de Produção e Sistemas – PPGEPS/UNISINOS, São Leopoldo, Rio Grande do Sul, Brasil. wlsjurai@hotmail.com
2. Arquiteta – UNISINOS, São Leopoldo, Rio Grande do Sul, Brasil. leticiaw@hotmail.com