Vol. 38 (Nº 12) Año 2017. Pág. 1
Gilberto Luiz ALVES 1
Recibido:14/09/16 • Aprobado: 14/10/2016
Entrevistas realizadas com artesãos
RESUMO: Este trabalho tem por objeto o artesanato em osso no município de Jardim, Mato Grosso do Sul. Objetiva analisar a implantação do Programa Mãos à Obra, voltado para a confecção de peças artesanais em osso, a organização técnica do trabalho dominante no seu interior e as suas consequências sociais e ambientais. As etapas do processo são descritas, desde a captação e o preparo da matéria prima, passando pelo desenvolvimento do produto até o acabamento final. Os pressupostos teóricos tiveram por base estudos de Alves. Quanto aos procedimentos metodológicos, foram levantadas fontes documentais, como legislação, relatórios, recomendações e mapas. Incluíram, também, observações de campo, realizadas em situação de trabalho, e entrevistas semiestruturadas com as artesãs e com o coordenador do Programa Mãos à Obra, David Ojeda. Foram utilizadas, ainda, imagens fotográficas e fontes secundárias constituídas por matérias de jornais, de periódicos científicos e livros. Os resultados evidenciam que o artesanato em osso realiza o aproveitamento de subprodutos de atividades econômicas importantes na região, como a pecuária, liberando o ambiente do depósito inadequado anteriormente dominante. Do ponto de vista social, o Programa ainda se revela como alternativa pouco expressiva para minorar o problema do desemprego de força de trabalho no município de Jardim. |
ABSTRACT: The object of this work is the handicrafts in bone done in the municipality of Jardim, Mato Grosso do Sul. It aims to analyze the implementation of the "Mãos a Obra" program, the technical organization of the production of handicrafts in bone and its social and environmental consequences. The process steps were described, from the collection and preparation of raw materials, including all product development until the final finish. The theoretical assumptions were based on studies of Alves. As for the methodological procedures, documentary sources have been raised, such as legislation, reports, recommendations and maps. It also included field observations, made in a work situation, and semi-structured interviews with the artisans and with the coordinator of "Mãos à Obra" program, David Ojeda. Photographic images and secondary sources were used, as well, which consist of newspapers articles, cientific journals and books. The results show that the bone handicraft reuses by-products of important economic activities in the region, such as livestock, releasing the environment of inappropriate deposit of waste. From the social point of view, though, the program is expressionless and it still can not be considered as an alternative to reduce the unemployment problem in Jardim. |
Este artigo tem por objeto o artesanato em osso produzido no município de Jardim, Mato Grosso do Sul [2]. Objetiva analisar a origem e a expansão do Programa Mãos à Obra, iniciativa inteiramente devotada a essa atividade, de forma a revelar a relação que impõe entre o trabalhador e os instrumentos de trabalho, bem como algumas de suas consequências sociais e ambientais. Para tal, descreve as etapas do processo de trabalho, expressas pela coleta de matérias primas, pela operação de limpeza, pela serragem dos ossos e pela finalização das peças. Essa última compreende o lixamento, o desenho, a escultura e o polimento.
Teoricamente, a acepção conferida ao termo artesanato toma como referência a organização técnica do trabalho. Como decorrência, o artesão é concebido como trabalhador que revela pleno domínio teórico-prático de todo o conjunto de operações necessárias à produção de cada peça (Marx, 2013).
Duas circunstâncias emprestam relevância ao objeto de pesquisa. A primeira decorre do fato de o Programa Mãos à Obra ter sido induzido pelo Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas – SEBRAE. Por mais de uma década, esse órgão vem desenvolvendo um conjunto de ações de apoio ao artesanato no Brasil, em especial visando retirar contingentes de trabalhadores de guetos de pobreza. Tem procurado atingir a consciência desses artesãos para que operem segundo as determinações do mercado e incorporem, ainda, a necessidade de organização no âmbito de entidades coletivas como as associações (Guedes, 2008). A outra circunstância se refere ao aproveitamento de uma matéria prima, o osso bovino, abundante na região, antes depositada de forma inadequada no ambiente.
Os instrumentos utilizados para levantar informações empíricas necessárias à reconstituição histórica do Programa envolveram fontes documentais e fontes historiográficas. Fontes primárias de caráter documental foram consultadas nos arquivos da Prefeitura Municipal, da Câmara Municipal de Jardim e do SEBRAE. Fontes secundárias foram obtidas em bancos de teses e de dissertações de universidades, em periódicos especializados, em livros e sites acadêmicos.
Nos meses de março e outubro de 2013, visitas técnicas à sede do Programa Mãos à Obra foram realizadas. Nessas oportunidades foram captados registros das etapas constitutivas do processo de treabalho. No local foram ensejadas a produção de imagens fotográficas, observações sistemáticas em situação de trabalho e realização de entrevistas semiestruturadas com o coordenador, David Ojeda, e os demais trabalhadores.
Jardim, foco da pesquisa, está localizado na latitude 21º28’48” sul e longitude 56º08’16” oeste. Pertence à mesorregião sudoeste de Mato Grosso do Sul e à Microrregião de Bodoquena. O município tem grande potencial no segmento turístico cultural e no ecoturismo. Detém vários monumentos relacionados à Retirada da Laguna, um dos episódios mais dramáticos da Guerra da Tríplice Aliança, e integra o complexo turístico da Serra da Bodoquena. A transparência e limpidez de seus rios, decorrentes da intensa concentração de calcário, bem como as cachoeiras e grutas de estalactites e estalagmites, são referências decantadas pela beleza natural e constituem sítios geológicos que estimulam a pesquisa científica (Jardim, 2008).
O Programa Mãos à Obra é pioneiro no aproveitamento de osso para a produção de peças ornamentais em Mato Grosso do Sul. Seus produtos são conhecidos nacional e internacionalmente. Sua sede localiza-se à Rua Rui Barbosa, nº 297, Vila Camisão. Nesse espaço, encontra-se instalada, provisoriamente, a empresa AMO BIO design, que produz peças de madeira com apliques em osso. David Ojeda, coordenador do Programa Mãos à Obra, é o seu proprietário. Neto e filho de carpinteiros (Tanno, 2011), Ojeda disponibiliza ao programa sobras de madeira utilizadas para queima nos fogões ou no acabamento de peças artesanais em osso.
Ao longo do século XX, a pecuária dominou com exclusividade a economia do município. Os produtos derivados dessa atividade econômica ganharam progressivamente amplo aproveitamento. A carne abastece o mercado nacional e é exportada para a Europa. O couro é encaminhado para a indústria de confecção. O sebo é vendido para as fábricas de sabão e sabonete. A canela do boi é um produto fino demandado pelas indústrias de móveis. O pelo da orelha é disputado por fabricantes de pincéis, enquanto o osso do animal tem sido destinado ao artesanato. No que se refere ao osso, nem sempre foi assim. Matéria-prima abundante na região, antes era utilizada em pequena escala, tão somente no fabrico de ração. Hoje, por força do referido programa, serve à produção de peças artesanais exclusivas, mercadorias que incrementam a economia local. Ao fazer o aproveitamento de osso bovino e de retalhos de madeira descartados em marcenarias, o Programa Mãos à Obra vem contribuindo para aliviar o ambiente do depósito inadequado de resíduos. Essa consideração evidencia a relevância do objeto de pesquisa.
Do ponto de vista teórico é importante assinalar que, a partir da “organização técnica do trabalho artesanal” e das “razões que estiveram em suas origens”, podem ser caracterizadas três modalidades distintas de artesanato: artesanato ancestral, artesanato espontâneo e artesanato induzido”.
O artesanato ancestral abrange tanto o artesanato indígena quanto o produzido por grupos sociais precariamente articulados à dinâmica da sociedade capitalista. De caráter coletivo, as atividades artesanais correspondentes tendem a reiterar os procedimentos, as técnicas, a utilização de recursos e a divisão sexual do trabalho praticado por gerações anteriores. O artesanato espontâneo, (...), é produzido individualmente por pessoas simples, que, no passado, exerceram atividades econômicas que lhes permitiram ter certo domínio teórico-prático compatível ao que, no futuro, se caracterizaria como artesanato de peças ornamentais. O artesanato induzido vem se tornando dominante em nossos dias. Muitas iniciativas entendem o artesanato como alternativa econômica para crianças e jovens que vivem situação de risco nas ruas ou para populações marginalizadas em guetos de pobreza. A instituição mais atuante nessa seara é o SEBRAE, que entende o artesanato como negócio e deseja ver em todo artesão um empreendedor. As exigências do mercado são norte para o artesão pensar e aperfeiçoar os seus produtos. (Alves, 2014, p. 5-6)
Como se infere, o artesanato em osso, no município de Jardim, se enquadra na categoria artesanato induzido.
Antes da instauração do capitalismo, o artesanato era a forma dominante de trabalho. A transição do artesanato para a manufatura ocorreu sem a transformação de sua base técnica. O único elemento distintivo da manufatura foi a divisão do trabalho. As operações do trabalho foram decompostas e os trabalhadores se especializaram em uma ou algumas delas. Essa conquista foi expressiva, pois, de fato, correspondeu à descoberta uma nova força produtiva ligada ao caráter social do trabalho (Alves, 2014).
Mas nem todas as atividades artesanais foram revolucionadas pela manufatura. Nem mesmo a Revolução Industrial destruiu muitas formas de artesanato.
O nosso tempo tem assistido à intensificação do debate sobre o trabalho artesanal. Ele tem sido visto como recurso para afastar da miséria coletividades carentes e jovens que vivem situação de risco nas ruas. Contudo, em nossos dias, grande parte do que se considera artesanato deixou de sê-lo. O motivo é que a divisão do trabalho se disseminou nas atividades ditas artesanais.
Em especial as novas atividades ditas artesanais, surgidas pelo influxo da ação do Sebrae em Mato Grosso do Sul, incorporaram a organização técnica da manufatura. São manufaturas os ateliês de costura, por exemplo, onde há aqueles que desenham os modelos, os que cortam os tecidos, alguns costuram e outros pintam ou bordam. São manufaturas as oficinas de cerâmica, igualmente, onde trabalham, lado a lado, modeladores, pintores e operador do forno. São manufaturas, ainda, as oficinas de artesanato de osso e madeira. (Alves, 2014, p. 54)
O SEBRAE tem desenvolvido ação intensa no sentido de induzir novas atividades artesanais. A visão ideológica que informa suas iniciativas é clara.
A produção artesanal é de grande importância na geração de ocupação e renda no Brasil, com especial destaque em comunidades carentes. Para que o artesanato cumpra esse papel de forma eficaz, é preciso estimular o empreendedorismo e o associativismo, e esse tem sido um importante foco do Sebrae em dez anos de intenso trabalho com o setor. (Guedes, 2008, p. 12)
Em conformidade com essa direção geral, tem sido estimulada, junto aos artesãos, a criação de associações. Ao organizar os trabalhadores, elas garantiriam o aperfeiçoamento da produção artesanal com foco no empreendedorismo, facilitariam a resolução de questões de ordem prática no dia-a-dia de trabalho, como a compra de matéria-prima, a produção em série, a comercialização e distribuição integradas, o cálculo dos preços dos produtos e a troca de informações. As associações envolveriam plenamente o artesão com o seu trabalho, de forma a eliminar a tendência de a atividade artesanal ser vista como complementação de renda ou lazer.
Tradicionalmente, no Brasil, o artesanato era desenvolvido por núcleos familiares, majoritariamente situados em regiões pobres. As peças produzidas eram valores de uso, isto é, utensílios voltados ao atendimento de necessidades básicas desses núcleos. Ao longo das últimas décadas, enquanto atividade econômica, o artesanato tem apresentado um ritmo de expansão acelerado. Seu potencial de crescimento só tem se intensificado, desde o momento em que, tornando-se recurso para a produção de valores de troca, foi erigido à condição de importante fonte geradora de emprego e renda (Alves, 2014).
Segundo Pereira (1979), a política de fomento ao artesanato brasileiro assumiu um caráter sistematizado a partir de 1977, quando o Governo Federal, por meio do Ministério do Trabalho, instituiu o Programa Nacional de Desenvolvimento do Artesanato – PNDA.
No Estado, o marco inicial de política pública voltada ao incentivo dessa atividade ocorreu com a criação do Centro Referencial de Artesanato de Mato Grosso do Sul. Por meio dessa iniciativa, a Fundação de Cultura do Estado – FCMS criou um espaço para dar visibilidade ao artesanato produzido na região e potencializar a sua expansão. O objetivo imediato foi o de colocar à disposição dos sul-mato-grossenses e dos turistas, em particular, peças dos mais celebrados artesãos locais. Foram reunidas obras de 31 deles, distribuídas, quanto às matérias primas envolvidas, em modalidades como cerâmica, madeira, fibra, tecelagem, cabaça, couro, madeira e osso, fibra e ferro, entre outras. O acervo de produtos culturais resultante foi, em paralelo, objeto de catalogação (Centro ..., 2008).
Para Américo Calheiros, então presidente da Fundação de Cultura de Mato Grosso do Sul, o referido catálogo visava divulgar a produção artesanal do Estado. Na sequência foi criado um espaço cultural para expor as peças artesanais reunidas e assegurar visibilidade ao trabalho dos artesãos sul-mato-grossenses.
Generosa fonte de emprego e renda, o artesanato no Estado possui cadastrados mais de 5.000 artesãos que, formal ou informalmente, estão se beneficiando dessa atividade e melhorando sua qualidade de vida.
O Centro Referencial do Artesanato é mais uma pequena peça que a Fundação de Cultura de MS está inserindo na engrenagem que visa dar destaque ao artesanato e aos artesãos do nosso Estado. (Calheiros, apud Centro ..., 2008, p. 5)
É fato que o artesanato se encontra disseminado pelos municípios brasileiros. O depoimento de Calheiros é compatível com os diagnósticos realizados sobre o Brasil. Segundo o Ministério do Desenvolvimento Econômico, Indústria e Comércio – Mdic, “cerca de 8,5 milhões de artesãos” são “responsáveis por um movimento financeiro anual de R$ 28 bilhões, próximo aos das indústrias automobilística e da moda” (Foco ..., 2008, p. 28). Canto (2012) afirma que o montante de recursos mobilizados pelo artesanato corresponde a 2% do PIB nacional.
De acordo com dados do Centro de Capacitação ao Empreendedor – CAPE (s.d.), embora a profissão de artesão não seja regulamentada no Brasil, o que dificultaria o desenvolvimento de uma política para o setor, cerca de 200 mil artesãos estão organizados em pequenas empresas, associações ou cooperativas.
Reafirme-se que, em especial nas regiões caracterizadas por marginalidade e exclusão social, políticas vêm sendo induzidas no sentido de que o artesanato se transforme em importante fonte de renda, pois milhares de pessoas dependem exclusivamente dessa atividade para sobreviver.
As prefeituras municipais – e a de Jardim é um exemplo –, ao lado de instituições como o SEBRAE, têm estimulado a formação de núcleos artesanais e a sua organização por meio de associações, incorporando essas ações aos programas de geração de emprego e renda.
Foi o caso do artesanato em osso no município de Jardim. A principal liderança local dessa atividade, David Ojeda, sintetizou os marcos de sua expansão no município desde as origens. Segundo ele, no ano de 1998 Jardim realizou o Fórum Desenvolvimento Local Integrado e Sustentável (DLIS). Durante sua realização foram apontadas as três principais potencialidades locais: o turismo, o agronegócio e o artesanato. No ano seguinte, foram realizadas iniciativas pleiteando as duas primeiras.
Em 2001, depois de o SEBRAE/MS verificar que o artesanato produzido no município estava limitado aos produtos utilizados em fazendas ou na lida com animais, ao crochê, tricô e bordados, foi realizado um levantamento para identificar matérias primas disponíveis na região para a instauração de novas atividades artesanais. As informações levantadas apontaram as presenças do osso, do couro e da madeira. Dando consequência a esse diagnóstico, em 2002 foram disponibilizadas as primeiras oficinas para a capacitação de trabalhadores visando ao aproveitamento desses recursos (Ojeda, 2013).
Ainda em relação aos antecedentes do Programa Mãos à Obra, cabe acentuar a importância do trabalho da artista plástica local Sonia Alves Correa. Ela começou a utilizar ossos bovinos dos animais de sua fazenda na produção de esculturas. Obteve o registro dos direitos autorais sobre essa modalidade de trabalho na Escola de Belas Artes da Universidade Federal do Rio de Janeiro, em 16 de junho de 1997.
O Programa Mãos à Obra teve início em 2002 por meio de um curso de capacitação ministrado por Sonia Alves Correa. Matricularam-se “32 pessoas” (Ojeda, apud Tanno, 2011, p. 102). A finalidade da formação não se restringiu ao treinamento. Igual ênfase foi colocada na educação sambiental e na capacitação para as demandas relativas à melhoria da qualidade de vida. Com o apoio do Programa de Desenvolvimento Local, Integrado e Sustentável – PDLIS, em fevereiro de 2003 foi implantada uma oficina mantida e coordenada pela Gerência de Assistência Social do Município de Jardim, sediada no Centro Comunitário da Vila Panorama. Nos primeiros anos essa entidade financiou as instalações e os equipamentos para a produção de peças ornamentais em osso, atendendo ao objetivo de ampliar as oportunidades de trabalho para segmentos carentes da população local (Ojeda, 2013).
Sobre os treinamentos, o primeiro teve como foco a limpeza e a preparação dos ossos. O seguinte, envolveu a participação do designer italiano, Giulio Vinaccia (2002), que estilizou iconografia representativa da natureza na região. Foram criadas imagens, em especial de animais, tais como o tucano, a arara, o jacaré, a onça pintada e peixes, com a finalidade de servirem como modelos para ornamentação de peças artesanais.
Figura 1. Peças ornadas com imagens da iconografia regional.
Fonte: http://www.pantanal-brasil.com/page.aspx?pagina=251 (2011).
Segundo Ojeda (2013), em seguida começaram a ser produzidas peças diversificadas como vasos, produtos de escritório, petisqueiras, chaveiros, brincos e bijuterias.
Encomendas se sucederam à primeira exposição. Maior visibilidade aos produtos em osso foi assegurada por mostra realizada no Museu de Arte Contemporânea – MARCO, em Campo Grande. Em seguida, os produtos foram incluídos no Manual Iconográfico do Estado e reconhecidos em todo Brasil.
A implantação das instalações do Programa Mãos à Obra, envolvendo oficina própria, ocorreu em fevereiro de 2003. Por meio de apoio do PDLIS, sob a coordenação da Gerência de Assistência Social do município, durante alguns anos foram financiados os custos das instalações e dos equipamentos necessários à produção (Ojeda, 2013).
O poder público local buscava realizar uma iniciativa integrada às principais atividades econômicas do município, tais como o turismo e a pecuária. O artesanato em osso poderia aproveitar matéria prima descartada pela pecuária e, em paralelo, se beneficiar do mercado produzido pelo turismo para a venda de produtos, contribuindo, como decorrência, para o fortalecimento da economia regional.
O SEBRAE/MS foi vital para a viabilização e a expansão do Programa no município de Jardim. O seu programa institucional de apoio ao artesanato assumiu a programação de todas as oficinas oferecidas e realizadas no município e deu suporte, ainda, ao envolvimento de designers.
No que se refere à área socioeconômica, a Prefeitura Municipal de Jardim ambicionava realizar um projeto que proporcionasse capacitação profissional e geração de emprego e renda. A preocupação inicial era a de criar possibilidade de ocupação para jovens que, por razões de abandono, abuso ou envolvimento com drogas, estavam excluídos da comunidade e necessitando de uma oportunidade para reinserção social. A eles seria dada oportunidade de aprender um ofício e, consequentemente, de disputar e obter um emprego. (Ojeda, 2013)
Atualmente, contudo, o Programa não incorpora jovens, mas sobretudo mulheres na faixa de 30 a 45 anos. São 6 ao todo, senhoras que sustentam autonomamente suas famílias ou complementam a renda familiar. Com 29 anos, um antigo trabalhador braçal é o mais jovem integrante do grupo, enquanto o coordenador tem 35 anos. Logo, são oito os trabalhadores envolvidos na produção de artefatos em osso.
Quadro 1. Trabalhadores em exercício no Programa Mãos à Obra em 2013
NOME |
IDADE |
ESCOLARIDADE |
ATIVIDADE ANTERIOR |
Assunção Alves |
45 |
Ensino Fundamental incompleto |
Doméstica |
Artete de Mattos |
42 |
Ensino Fundamental Completo |
Doméstica |
Rosilena Castilho |
40 |
Ensino Fundamental Completo |
Doméstica |
Ariele Bento Gonçalves |
30 |
Ensino Técnico em Enfermagem |
Vendedora ambulante |
Rosane Rodrigues |
35 |
Ensino Fundamental incompleto |
Doméstica |
Veroni Benites |
31 |
Ensino Fundamental incompleto |
Doméstica |
Luis Rodrigues |
26 |
Ensino Fundamental Completo |
Trabalhador braçal |
David Ojeda |
35 |
Ensino Fundamental Completo |
Artesão |
Com economia centrada principalmente na agropecuária e no turismo, Jardim apresenta oferta de trabalho muito limitada e com baixos níveis de remuneração. Em face dessa situação, parte da população feminina se predispõe a produzir peças ornamentais em osso, no interior de nova atividade econômica que representa alternativa de emprego ainda tímida no cenário do município.
No que se refere à escolaridade, três trabalhadores realizaram o ensino fundamental incompleto, quatro o ensino fundamental completo e um concluiu o curso técnico em enfermagem. Logo, não foi flagrada a presença de analfabetos.
Em relação às atividades que desempenhavam anteriormente, cinco trabalhadoras dedicavam-se às lides domésticas, uma era vendedora ambulante, um exercia atividade braçal e o coordenador, David Ojeda, já se devotava ao artesanato (Ojeda, 2013).
Com base nessas informações, é possível iniciar discussão sobre o impacto do Programa sobre as condições de vida dos trabalhadores. Reconheça-se que, sob o aspecto econômico, a transformação não foi profunda. Somente metade deles admite ter ocorrido melhoria de seus rendimentos. Esse tema gera desconforto, que resulta numa velada recusa às referências explícitas sobre o volume de seus ganhos mensais. Mas a nova atividade proporcionou oportunidades a todos para viajar, para participar de feiras e de rodadas de negócios em outros municípios e estados, para conhecer diferentes modalidades de artesanato, para observar o fazer e os recursos de outros trabalhadores e ter contato com as diversidades regionais, como relata Ariele Bento Gonçalves (2013). Acentue-se que a prefeitura municipal disponibiliza uma van para promover os deslocamentos dos trabalhadoores quando da ocorrência de tais eventos.
O Programa Mãos à Obra vem ganhando reconhecimento. Os prêmios recebidos confirmam esse fato. Após indicação, ganhou o prêmio TOP 100 do SEBRAE no ano de 2006. A referida iniciativa visa incentivar e premiar os empreendimentos artesanais brasileiros mais destacados do ponto de vista mercadológico. O valor do prêmio recebido contribuiu para a construção da sede própria, situada na saída de Bela Vista, às margens da BR-060 (Ojeda, 2013). Mais tarde, em 2010, o coordenador também recebeu das mãos do governador do Estado “a comenda do Mérito Cultural no Festival de Inverno de Bonito, MS” (Tanno, 2011, p. 101). Contudo, tais premiações revelam uma tendência nociva. Elas alimentam o personalismo. Não é o projeto nem o conjunto dos trabalhadores que ganham visibilidade maior, mas sim o coordenador.
Com o patrocínio da ONU, recentemente o Programa ganhou notoriedade internacional depois de ter sido selecionado, ao lado de onze outros empreendimentos, para expor seus produtos na mostra “Mato Grosso do Sul Visto Pelo Mundo”, em Nova York, ocorrida entre os dias 12 e 27 de março de 2014 (Ojeda, 2013).
Ainda deve ser destacada a importância das exposições e feiras enquanto recursos que divulgam e distribuem os produtos do Programa Mãos à Obra nas esferas de outros municípios e estados. Elas vêm contribuindo para a sua consolidação. Caso o Programa dependesse, exclusivamente, dos acanhados limites locais do mercado, seria asfixiado e definharia (Ojeda, 2013).
Esses fatos, segundo todos os trabalhadores, elevam a autoestima do grupo, ampliam o círculo de amizades e, também, favorecem a emergência da consciência ambiental, em especial pela clareza de que o Programa alivia o meio ambiente do depósito inadequado de uma modalidade de resíduo orgânico.
Quadro 2. Opiniões dos trabalhadores sobre os impactos do Programa Mãos à Obra em suas vidas
Impactos |
Frequência |
% |
Elevou a renda |
4 |
50 |
Aumentou a autoestima |
8 |
100 |
Melhorou a qualidade de vida |
8 |
100 |
Ampliou o círculo de amizades |
8 |
100 |
Instaurou consciência ambiental |
8 |
100 |
O Programa Mãos à Obra, atualmente, está inteiramente voltado para o atendimento do mercado. Segundo o coordenador David Ojeda, a produção precisa ser aumentada para atender à demanda. O incremento à produção foi notório e significativo entre 2003 e 2013. Em torno de 100 peças/mês eram produzidas inicialmente. Dez anos depois, passaram a ser produzidas 1500 peças/mês. Em 2003, mais de dois terços da produção era consumida em Jardim e Mato Grosso do Sul. A parte complementar era distribuída para outras regiões do Brasil. No ano de 2013, em torno de 15% dos produtos foram comercializados no município de Jardim. Mato Grosso do Sul consumiu 45% da produção e outros estados brasileiros 25%. Para o exterior foram direcionados os 15% restantes. Os países que mais compram produtos do Programa são a Itália e a Holanda. Ambos vêm renovando pedidos todos os anos (Ojeda, 2013).
Com base nas informações arroladas, cabe comentário que evidencia um paradoxo. Desde o início, a propaganda alardeava que a expansão do Programa tornaria factível o aproveitamento de maiores contingentes de força de trabalho no município de Jardim. Nas origens foram treinados 32 trabalhadores. Em 2011 Ojeda afirmava que “13 pessoas” compunham o grupo de trabalhadores do Programa (Apud Tanno, 2011, p. 103). Mesmo em face do aumento expressivo da produção, esse número diminuiu, em seguida, até atingir o atual patamar de oito trabalhadores. Esse fato é tergiversado quando se instaura a discussão sobre o Programa, pois a preocupação apologética ganha o primeiro plano.
Contudo, o pequeno número de trabalhadores é explicável. O foco do coordenador é a utilização de “máquinas que otimizam a produção. Vamos trabalhar agora na nossa fábrica nova com equipamento pneumático que vai permitir produzir muito mais em um curto espaço de tempo, o que caracteriza o industrianato.” (Apud Tanno, 2011, p. 102)
O termo industrianato serve a um mero jogo de palavras. É inócuo e sem sentido, pois procura conciliar indústria e artesanato, duas categorias conceituais que, por força de seus conteúdos, se excluem. Ignora a organização técnica do trabalho artesanal e contribui para encobrir dois fatos: o Programa Mãos à Obra já transitou para a manufatura, pois está fundado na divisão do trabalho, com a agravante de que vem realizando iniciativas de inovação com a utilização de máquinas. Sob tais condições, já não é de artesanato que se está falando.
Para a implantação da sede definitiva do empreendimento, conforme relatos dos artesãos, a Prefeitura Municipal de Jardim doou o terreno. O Ministério de Desenvolvimento dispendeu R$ 210.000,00 para a construção do edifício e para a aquisição de brocas mais resistentes, que reduzem o consumo de energia elétrica e possibilitam a ampliação da produção.
A previsão do coordenador era a de que, quando o Programa estivesse funcionando em sua sede própria, poderia ser ampliado o quadro de trabalhadores de forma a gerar, pelo menos, mais 25 novos empregos diretos na cidade de Jardim (Ojeda, 2013). Em 2011, o mesmo coordenador mostrava otimismo ainda maior, pois esperava “dentro de dois anos ter no mínimo cem pessoas trabalhando com artesanato em um projeto chamado Cadeia Produtiva do Osso” (Apud Tanno, 2011, p. 103). Contrariando a fala de Ojeda, o Programa Mãos à Obra não contribuiu para esse aumento. Ao contrário, assistiu à redução do número de trabalhadores em sua oficina.
Quanto ao prédio provisório do Programa, o espaço principal da oficina era tomado por uma longa mesa, sobre a qual os trabalhadores realizavam suas atividades. O local era dotado de um banheiro, dois quartos, que funcionavam como depósito para o estoque de ossos bovinos, e uma cozinha, onde era feito e servido o almoço para os artesãos que moravam distante. Um tanque de lavar roupas era usado para limpar os ossos.
Os equipamentos disponíveis envolviam máquinas de uso odontológico, adaptadas para a inserção de diversos tipos de brocas durante a execução da modelagem. Três esmeris tinham por função lixar lâminas de ossos, nas quais, em seguida, eram inscritos os desenhos.
Havia no local, ainda, dois fogões a lenha onde os ossos eram levados à fervura por várias horas. Essa operação, combinada com procedimentos químicos, tornava os ossos brancos ao final.
O programa também dispunha de uma serra elétrica para cortar ossos nas medidas ajustadas a cada peça e de um Dremel, máquina que permitia o trabalho em alto relevo.
O processo de produção de peças ornamentais em osso foi descrito detalhadamente por Arlete de Mattos (2013). Ela vem participando do Programa Mãos à Obra desde o início, conhece sua história e o conjunto do processo de trabalho, juntamente com o coordenador, David Ojeda. Com base nas informações prestadas, confirmadas por outros trabalhadores durante as entrevistas, são descritas, em seguida, as quatro etapas constitutivas do processo em referência.
Na primeira etapa é feita a aquisição das matérias primas necessárias à confecção das peças em osso. Segundo Assunção Alves (2013), o osso provém de açougues sediados em Jardim e do Frigorífico Guia Lopes, qualificados com o selo da vigilância sanitária. Assim, o que seria depositado de forma irregular no ambiente, muitas vezes jogado em lixão ou em terrenos abandonados, passou a ser reaproveitado. “O osso era lixo, agora é luxo”, como alardeia orgulhosamente o coordenador do programa diante desse fato (Ojeda. apud Tanno, 2011, p. 102).
Uma bicicleta é utilizada como meio de transporte para coletar os ossos nos açougues e no frigorífico. A madeira é obtida nos descartes de marcenarias e madeireiras da região, assim como em fazendas que extraem o produto com autorização do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis - IBAMA.
A segunda etapa se inicia com a limpeza dos ossos. Uma faca é utilizada na operação de raspagem dos restos de carne neles impregnados. Duas ou três mulheres, conforme a demanda, são responsáveis pela realização dessa operação.
Na sequência, a gordura – ou tutano – é retirada de dentro dos ossos, por meio de processo de fritura que visa ao seu reaproveitamento na confecção de um sabão que se aplica à limpeza dos ossos beneficiados.
Em 2003, segundo relato do coordenador, quando os ossos chegavam à sede do programa, todos os trabalhadores participavam de sua limpeza. Na sequência, passavam para as outras fases e vivenciavam todas as operações constitutivas do processo de produção das peças. Assim, adquiriam uma visão geral do mesmo e eram identificadas habilidades individuais de cada trabalhador (Ojeda, 2013).
Assunção Alves (2013) confirmou que, de acordo com o planejamento do Programa, todos os trabalhadores deveriam conhecer as operações do processo de produção, para que, dessa forma, tivessem condições de identificar suas habilidades específicas. Acrescentou que sua participação remonta às origens do programa e que usufruiu de todos os cursos de qualificação oferecidos, incluindo o de manejo e escultura dos ossos.
Prosseguindo na descrição do processo de produção, depois da limpeza os ossos são fervidos por oito horas em caldeirões colocados em fogões precariamente instalados no chão. Mesmo improvisados, esses fogões dispensam o uso de gás liquefeito de petróleo – GLP e reaproveitam os restos de pó de serra, decorrentes da operação de lixamento de peças de madeira. Para que saia toda a gordura neles impregnada, os ossos são fervidos por três vezes. Por duas vezes são fervidos com sabão. Por fim, são submetidos a uma última fervura com água oxigenada de “volume alto” para que o osso ganhe a coloração branca desejada.
Logo depois do cozimento os ossos são expostos ao sol para que sequem naturalmente.
Na terceira etapa do processo de produção, os ossos são serrados conforme medidas e volumes padronizados no catálogo do Programa. Aqueles não utilizados de imediato são estocados no depósito.
Na sequência, depois de serrada, cada peça obtida tem a sua base lixada para ganhar superfície plana e medidas previstas. Nessa operação se faz necessário o uso de equipamentos de segurança, tais como óculos, luvas e máscaras para a proteção das narinas. Quando o osso é lixado libera grande quantidade de pó, que invade as vias nasais, se acumula e dificulta a respiração.
Os equipamentos de segurança são indispensáveis para evitar o atrito da pele com o material lixado. Mas Rosilena Castilho (2013) relatou que o uso da luva, por exemplo, dificulta a manipulação das lâminas mais finas, daí o seu abandono muitas vezes.
Na quarta etapa se inicia o desenho da iconografia escolhida para cada peça. A operação de desenho é fundamental para a beleza do resultado final. Somente três trabalhadoras possuem habilidades como desenhistas dentro do Programa.
Depois do desenho, se inicia, com ferramenta assemelhada ao pirógrafo e munida de broca específica, a inscrição dos traços definidores das formas, que, em seguida, norteiam a operação de escultura. As formas ganham precisão progressiva, tanto em relação à ornamentação quanto à definição dos usos e funções futuros das peças. Surgem petisqueiras, vasos, brincos, chaveiros, copos, porta-cartões, porta-canetas e objetos para escritório. São esculpidos nomes, flores, símbolos, mas predominam os desenhos que representam a fauna sul-mato-grossense.
Durante as entrevistas, Ariele Bento Gonçalves (2013) relatou que em anos anteriores o processo de produção, desde o entalhe dos ossos até o acabamento final da peça, era realizado de forma autônoma pelos diversos trabalhadores. Eles conviviam na mesma oficina, mas produziam com independência uns dos outros. Hoje a produção incorporou a divisão do trabalho e cada trabalhador realiza a(s) operação(ões) pertinente(s) à etapa que lhe foi atribuída. Como é típico da manufatura, a combinação dessas etapas resulta em trabalho social, que agiliza o ritmo de produção das peças, daí o aumento da produtividade (Marx, 2013).
Na finalização, as peças são desgastadas e alisadas com lixa fina e recebem um acabamento de cera líquida para proporcionar efeito espelhado.
Por fim, cabe ressaltar que a incorporação da divisão de trabalho pelo Programa Mãos à Obra foi justificada em decorrência das necessidades de aumento da produtividade, de acabamento perfeito e de colocação de produtos competitivos no mercado. Mas, essa intervenção alterou substancialmente a organização técnica do trabalho, pois ensejou o trânsito do artesanato para a manufatura. O distanciamento da organização técnica do trabalho artesanal só vem se intensificando, desde o momento em que máquinas elétricas passaram a ser utilizadas na oficina. A busca por maior produtividade fez opção pela utilização de tecnologias mais avançadas em detrimento do aproveitamento de força de trabalho em maior quantidade. Dessa forma, se viu anulada a justificativa que esteve na gênese do Programa, pautada na necessidade de gerar emprego e renda à abundante força de trabalho excedente no município de Jardim.
Nas etapas de produção foram observados a utilização de ferramentas de risco e o manuseio de produtos químicos. Constatou-se no local, também, que os trabalhadores não utilizam todos os equipamentos de proteção de forma adequada e com regularidade. Eles têm consciência da necessidade de usá-los, mas, mesmo disponíveis no Programa, a alegação é a de que alguns dificultam operações como o manuseio de lâminas de osso mais finas.
No caso, os cuidados com a segurança não poderiam ser negligenciados, pois, uma vez ocorrido o acidente, os trabalhadores se vêm desprovidos do respaldo da Consolidação das Leis do Trabalho – CLT e de direitos decorrentes da Previdência Social, em razão de que operam em condições informais.
Os trabalhadores vivem na zona urbana do município de Jardim. A rotina de trabalho se inicia às oito e se estende até as dezessete horas e trinta minutos. Porém, a jornada de trabalho varia de acordo com as conveniências individuais, com os dias da semana e com a época do ano. Nos fins de semana, quando o movimento é mais intenso ou na época de maior fluxo turístico, eles permanecem por mais tempo na oficina.
Ainda deve ser destacado outro motivo que conspira contra a observância da jornada de trabalho de oito horas. Quando há muitos pedidos e prazos restritos de entrega, estabelecidos previamente pelos compradores, o tempo de trabalho se estende para além das oito horas diárias.
O surgimento do artesanato em osso no município de Jardim deve ser encarado como iniciativa oriunda, em grande parte, da mobilização de forças locais. Sua expansão, por outro lado, foi impulsionada pelo potencial turístico da região.
A Prefeitura Municipal de Jardim e o SEBRAE afirmam que o Programa Mãos à Obra foi implantado com o objetivo de fomentar a economia local e minimizar o desemprego. Com sua intervenção, o referido Programa, além de ter feito emergir uma nova atividade econômica, ao interagir com a questão social no município de Jardim, teria gerado oportunidades de trabalho para populações de baixa renda e prometido aprofundar essa tendência no futuro.
O discurso do SEBRAE reconhece, ainda, que o Programa expressou visão empreendedora, não só ao desenvolver uma nova atividade produtiva que realiza o aproveitamento de matéria prima farta na região, mas, também, por organizar os trabalhadores para competir no mercado. Com a instalação da nova sede, segundo seu coordenador, o empreendimento caminharia para um novo patamar de expansão, pois aumentaria a escala de produção e a inclusão de novos quadros ao seu contingente de força de trabalho.
Esse tipo de discurso tem sido reiterado sistematicamente. A pesquisa revelou, contudo, que há limitações na execução do Programa. Em especial, o alardeado incremento de oportunidades de trabalho teve pequeno impacto no município. Dentro do próprio Programa o número de trabalhadores foi reduzido, mesmo em face do aumento exponencial da produção. A alternativa posta em prática pelo seu coordenador foi a incorporação de máquinas para o aumento da produtividade em prejuízo do aproveitamento da força de trabalho. Esse fato contraria uma das principais justifivativas socioeconômicas para a instauração do Programa Mãos à Obra.
Do ponto de vista ambiental, não há como negar o saldo positivo decorrente do aproveitamento do osso no município de Jardim. A utilização econômica dessa matéria prima eliminou o depósito inadequado de um resíduo orgânico, anteriormente realizado diretamente no ambiente, em especial no lixão da cidade.
Por fim, a descrição das etapas do processo de produção de peças ornamentais em osso, imanentes ao Programa Mãos à Obra, evidenciou claramente a incorporação da divisão do trabalho. Portanto, o empreendimento foi tomado por organização técnica do trabalho de natureza manufatureira, o que denota a superação do artesanato e, ao mesmo tempo, a improcedência de ser referido como tal. Por outro lado, ao conferir à sua expansão a tendência de elevar a produtividade do trabalho por meio de máquinas, o coordenador tem feito o Programa se distanciar ainda mais da organização técnica do trabalho que particulariza o artesanato.
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2. O trabalho de levantamento de fontes primárias foi realizado por Milene Santos Estrella.