Vol. 38 (Nº 10) Año 2017. Pág. 13
Talita Caetano SILVA 1; Patricia de SÁ FREIRE 2
Recibido: 08/02/16 • Aprobado: 15/02/2016
2. Universidade Corporativa em Rede (UCR)
4. Apresentação dos resultados
5. Discussão e considerações finais
RESUMO: Aos modelos de educação corporativa – na virada do século mais recente – foram atribuídos novos conceitos, ações, diretrizes e atividades, seja vista a eclosão de temas como aprendizagem organizacional e gestão do conhecimento nas discussões acadêmicas e corporativas. Apesar disso, a literatura salienta que há dificuldades de se implantar modelos de universidade corporativa (UC), diante dos obstáculos culturais encontrados nas organizações. Tais obstáculos associam-se a resistência a mudanças, a falta de compreensão sobre o constructo, a dificuldade de manejo da área por parte dos líderes, e principalmente a não visualização da área enquanto estratégica. O modelo mais atual de universidade corporativa mapeado na literatura é o da universidade corporativa em rede (UCR), a qual é composta por sete diretrizes (alcance, interconexão, reconhecimento dos stakeholders, tecnologia, foco, nível e gestão do conhecimento) que balizam e estruturam ações de educação corporativa. O presente estudo é de caráter qualitativo, e objetiva mapear as diretrizes implementadas. Para isso, entrevistou-se cinco gestores e uma analista que de alguma forma tem contato com a área de educação corporativa. Três entrevistados pertenciam a organizações públicas e três a organizações privadas. Os resultados encontrados apontam que as maiores dificuldades de se implantar a UCR relacionam-se às práticas engessadas e não estruturadas de gestão do conhecimento e a falta de reconhecimento dos stakeholders. Buscou-se dessa forma oferecer subsídios para futuras discussões acerca do tema, e também indicações que levem à implantação do modelo nas organizações. |
ABSTRACT: The models of corporate education – at the turn of the century most recent – were assigned a new concepts, actions, policies and activities, to be seen the outbreak of topics such as organizational learning and knowledge management in the corporate and academic discussions. Despite this, the literature stresses that there are difficulties to deploy models of corporate University (UC), in front of the cultural obstacles found in organizations. Such obstacles are the resistance to change, the lack of understanding about the construct, the difficulty of the management area for part of the leaders, and especially not as strategic area preview. The current model of corporate University mapped in the literature is the corporate University (UCR), which is composed of seven guidelines (scope, interconnection, stakeholder recognition, technology, focus, level and knowledge management) that enrich and structure corporate education initiatives. The present study is of qualitative nature, and aims to map the guidelines implemented. For this, he interviewed five managers and an analyst who somehow got in touch with the corporate education area. Three respondents belonged to public and three private organizations. The results indicate that the major difficulties to deploy the UCR relate engessadas unstructured and practices of knowledge management and the lack of recognition of stakeholders. To thus offer subsidies for further discussions on the subject, and also indications leading to the model deployment in organizations. |
A educação é percebida enquanto agente institucional responsável pelo desenvolvimento dos sujeitos, das organizações e das sociedades (FREITAS, 2005). Similar as transformações do mercado de trabalho contemporâneo – acelerada globalização, dinamicidade e fluidez do mercado e flexibilização da mão-de-obra, entre outros –, a educação acompanhou tais mudanças configurando-se de diferentes formas devido a diversificação dos modelos organizacionais que a fundamentam.
As novas exigências do mercado impelem à educação uma atuação diferencial na formação dos indivíduos. Quartiero e Bianchetti (2005) mencionam que a educação aliada ao mundo do trabalho vem sofrendo metamorfoses significativas desde a década de 40 no século XX. Todavia, para os mesmos autores, não se pode comparar com as transformações que a educação/mundo do trabalho, vem passando atualmente. Percebe-se, no entanto demarcações que anteriormente eram bem fixadas, como a própria especificidade das funções de cada instituição: a escola propiciava o ensino e a aprendizagem e, a empresa se configurava enquanto contexto de aplicabilidade dos conteúdos aprendidos na escola. No locus atual, tais delimitações são mais fluidas e por vezes, se entrelaçam.
Neste cenário, fica claro, que a formação básica já não é suficiente para o aprimoramento da carreira do sujeito, sendo o indivíduo compelido a complementar seus estudos dentro e fora da empresa, a partir de perspectivas de formação continuada a qual enfatiza a importância de aprendizagem constante. Meister (1999) destaca que a maior aparição de universidades corporativas (UCs) e interesse por essas formações, ocorreu ao final da década de 80, início de 90, a partir da observação da redução visceral do prazo de validade do conhecimento. Freire et. al. (2016) confirmaram a percepção de Meister, 16 anos depois. A partir da defasagem na conexão entre empresa e mundo acadêmico, a educação corporativa expandiu-se, a fim de controlar a manutenção da aprendizagem e disseminação desta no âmbito individual, organizacional e social (SILVA ET. AL. 2016). Para Meister (1999) é frequente observar organizações incorporando a educação corporativa em suas práticas e processos, e apesar de sua aparição ainda ser um tanto quanto embrionária, visto que houve surto de UCs somente a partir da década de 90, tal implementação assegura e garante a própria sobrevivência e manutenção da organização no futuro.
À guisa de contextualizar historicamente as universidades corporativas, destaca-se que estas são derivadas dos chamados Centros de Treinamento e Desenvolvimento de Recursos Humanos das empresas (QUARTIERO e CERNY, 2005). Importa-se frisar que Jeanne C. Meister aprofundou o entendimento do que de fato é a UC, autora esta, chamada por Quartiero e Bianchetti (2005) como guru das universidades corporativas. Na busca de conceituar a universidade corporativa, Meister (1999, p.29) a compreende como “um guarda-chuva estratégico para desenvolver e educar funcionários, clientes, fornecedores e comunidade, a fim de cumprir as estratégias empresariais da organização”. Esmiuçando o conceito, pode-se entender a UC, como um espaço de educação localizado dentro da organização, a qual gerencia e institucionaliza uma cultura de aprendizagem contínua, potencializando o CHA (conhecimento, habilidade e atitude) coletivo, e por assim dizer, o CHA organizacional, vinculadas às estratégias empresariais de modo a manter-se competitiva no mercado atual (QUARTIERO e CERNY, 2005).
Na contemporaneidade, a universidade corporativa recebe novos enlaces, sendo identificado por Freire et. al. (2016) o modelo de universidade corporativa em rede (UCR), o qual não somente abrange os colaboradores internos da organização, quanto também todos os stakeholders envolvidos na rede da empresa. Além de considerar a gestão do conhecimento, a aprendizagem em rede e a memória organizacional como aspectos basilares do Modelo.
Este modelo implica na participação mais integrada e efetiva da área de gestão de pessoas, buscando alinhar ações de capacitação ao mapa estratégico da organização. A gestão de pessoas nesse novo contexto, é convocada a estar de linha de frente cooperando com o desenvolvimento organizacional. Esta nova roupagem da gestão de pessoas impacta diretamente na redução de rotatividade de colaboradores, no gerenciamento de conhecimentos e competências consideradas essenciais, na acentuação do trabalho colaborativo, entre outros aspectos (FREIRE ET AL, 2016b).
Percebe-se notoriamente que as transformações mercadológicas, econômicas, sociais e globais acabaram por demandar compulsoriamente a aproximação do desenvolvimento organizacional à capacitação de pessoas. Por ora, não cabe apenas mapear necessidades situacionais das organizações, mas sim preparar-se dinamicamente com aspectos de aprendizagem, desenvolvimento e inovação. É preciso ir além de treinamentos operacionais com objetivos tarefários, buscando criar conhecimentos aplicáveis, ampliando o foco estratégico, abrangendo o conteúdo e tendo como princípio um alto alcance do público-alvo.
A universidade corporativa em rede abrange em seu cerne o desenvolvimento do capital intelectual humano, social e principalmente o relacional, seja vista a importância das relações entre indivíduos, grupos e organizações. Por meio de métodos, técnicas e ferramentas de gestão do conhecimento, propõe-se mecanismos colaborativos e de compartilhamento a fim de viabilizar o fortalecimento de confiança, cooperação e conectividade entre os atores envolvidos, como por exemplo, a organização, colaboradores, consumidores, e os demais pertencentes aos arranjos produtivos e sociais. Tais ações geram valor para os stakeholders do ecossistema organizacional.
Todavia, denota-se como lacuna do desenvolvimento de UCs no ínterim das corporações, a dificuldade de implementação desses modelos, devido a dinamicidade cultural, comportamental e estrutural que afetam os partícipes e beneficiários das organizações. Outras dificuldades foram mapeadas por Freire et al (2016b), a saber: comprometimento da liderança; compreensão e conceituação da educação corporativa como estratégia organizacional; delimitação da UC; identificação dos produtos, serviços e clientes; sistema de reconhecimento e recompensa de pessoal; desenho do alinhamento estratégico das tecnologias, parcerias e da avaliação dos entregáveis.
Diante das dificuldades listadas, percebe-se a carência de estudos que revelem os processos de implantação de seus modelos de universidades corporativas. Com o intuito de superar esta barreira, Freire et. al. (2016b) apresentaram as premissas basilares para a implementação do modelo UCR, mas ainda denunciam a dificuldade de implantação do modelo devido a carência de gerenciamento do mesmo. Pela falta de validação do modelo com especialistas, e também pela ausência de estudos empíricos, este estudo propõe-se a verificar empiricamente a consistência do modelo UCR proposto pelos autores Freire et al (2016b). Para isso, definiu-se como objetivo de pesquisa: Identificar as diretrizes que devem ser gerenciadas nas organizações para a implementação do modelo UCR.
Este artigo está estruturado em seis seções, abrangendo esta introdução e as referências utilizadas. A segunda seção busca aprofundar as premissas da Universidade corporativa em Rede, apresentando seus princípios e diretrizes, as quais devem servir de base para o processo de implementação do modelo. A terceira seção apresenta os procedimentos metodológicos. E, por fim a quarta e quinta seção apresentam os resultados do estudo e também a discussão e conclusões das análises realizadas.
Caracteriza-se a sociedade atual enquanto Sociedade do Conhecimento, a qual apresenta características bem delineadas e específicas deste novo contexto. Percebe-se com vigor, a importância dos papeis de lideranças com a missão de desenvolver os colaboradores, potencializando, sobretudo a autonomia desses liderados. A virada do século – anos 2000, foi marcada pela assunção da área de Gestão de pessoas por processos estratégicos, além da operacionalização de processos cotidianos, como o recrutamento, a seleção, o treinamento e a manutenção dos talentos. Somado a isso a área também responsabilizou-se pelo desenvolvimento do capital intelectual das organizações
Estes elementos podem justificar o surgimento de estudos voltados à gestão de talentos, empresas que aprendem, entre outros, buscando-se superar ações únicas e exclusivas a treinamentos, evidenciando assim, a aprendizagem organizacional e o compartilhamento do conhecimento, os quais são oportunizados a partir de redes de relacionamentos existentes na organização, sejam eles internos ou externos (FREIRE, et. al. 2016).
Dentre as mais diversas questões e dúvidas acerca da operacionalização, implementação, objetivos e impactos das UC’s, na Sociedade do Conhecimento, Freire et. al. (2016) destacam o seguinte questionamento: Quais os elementos essenciais devem ser considerados para a construção de um modelo alternativo de UC que dê conta da aprendizagem em rede?
Após um mapeamento do panorama de estudos acadêmicos sobre o tema de Universidade Corporativa, Freire et. al. (2016) contextualizaram o histórico das UC e apresentaram as características da mesma ao longo do tempo. Destaca-se aqui, a proposta “The emergence of the stakeholder university” de Margherita e Secundo (2009). A proposta abre portas para as discussões acerca da “Universidade das Partes Interessadas”, na qual a UC é redesenhada e busca sobremaneira oferecer treinamentos e capacitação aos funcionários, acrescentando à sua missão, a potencialização e o desenvolvimento de competências estratégicas dos indivíduos e de todas as partes interessadas na organização. Parte-se do princípio que estas últimas – as partes interessadas - afetam e são afetadas pelas decisões estratégicas. Margherita e Secundo acrescentam às partes interessadas, a própria universidade tradicional, uma vez que esta deve participar da cocriação dos ativos do conhecimento, tão importantes e evidenciados no século XXI. São evidenciados no modelo The emergence of the stakeholder university quatro aspectos: Departamento de Treinamento; Plataforma e-learning; Universidades Corporativas e Stakeholder University (FREIRE, et. al. 2016). O último elemento Stakeholder University abrange três elementos determinantes, a saber: Alinhamento Estratégico, Rede Estendida e a Aprendizagem em Rede. Para Freire, et. al. 2016 para alcançar um modelo que evidencie Stakeholder University se faz necessária a construção de diretrizes específicas de uma identidade voltada para a aprendizagem em rede, o que emerge a importância de um Modelo de Universidade Corporativa em Rede (UCR).
Diante deste tema emergente, diferentes autores (MARGHERITE E SECUNDO, 2009; FREIRE ET. AL.,2016) enfatizam a importância da Gestão do Conhecimento (GC) para que uma UCR seja estruturada. Freire et al (2016) mencionam a importância de se levar em conta dois enfoques oriundos da GC: UCR como uma unidade formadora de memória da rede; Engenharia do Conhecimento como estratégia para a Instrumentalização da UCR
A memória organizacional compreende a diferentes nomenclaturas e conceitos como: memória corporativa, base de conhecimentos da organização, conhecimento organizacional entre outros. A importância da memória organizacional consiste a contribuição direta sobre a análise do conteúdo produzido na UCR, além das relações de todos os envolvidos. Outra diretriz que deve ser considerada é a Engenharia do Conhecimento (EC), a qual a partir do seu surgimento nos anos de 1960 dedica-se a sistemas especialistas, e em técnicas de Inteligência Artificial. Na atualidade, após algumas reestruturações, a EC dedica-se em propor métodos e técnicas que desenvolvam sistemas embasados em conhecimento de forma controlável e mecanizado.
No contexto da UCR, acrescentar a EC em seus preceitos, pode ser utilizada com enfoque em seis objetivos salientados por Freire et. al. (2016), como pode ser observado no quadro 1 a seguir:
Quadro1: Objetivos da Engenharia do conhecimento na UCR
Objetivos da Engenharia do conhecimento no Modelo UCR |
Orientar a identificação dos conhecimentos críticos para a UC e os stakeholders que compõem o ecossistema organizacional;
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Apoiar o processo de captura, representação e estruturação dos conhecimentos críticos para a UC e sua rede;
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Definir as estratégias de aplicação das Tecnologias da Informação e Comunicação para apoio às atividades da UC e de seus stakeholders;
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Orientar as práticas e técnicas de comunicação intra e inter organizacional para o compartilhamento e disseminação do conhecimento adquirido; |
Estabelecer sistemas de conhecimento para apoio aos processos de criação, compartilhamento, estruturação, disseminação e utilização dos conhecimentos na organização e junto aos stakeholders que forma a UC em Rede.
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Apoiar na implantação da Governança do Conhecimento que inclui a Governança da Aprendizagem e Liderança |
Fonte: Adaptado de Freire et. al. (2016a).
Os autores Freire et. al. (2016) concluem que à medida que a educação corporativa aproxima-se dos preceitos da aprendizagem em rede, mais se reconhece a importância da Engenharia do conhecimento em criar, manter, disseminar, propagar o conhecimento organizacional.
Para promover a aprendizagem coletiva com vistas ao sucesso organizacional, a partir da gestão do conhecimento, é preciso que a UC considere algumas diretrizes, as quais vão impactar os níveis estruturais, operacionais, táticos e estratégicos da organização, além das partes interessadas, desde os indivíduos, grupos, organizações até a sociedade.
Desde 2002, surgem pesquisas que vem mapeando diretrizes de UC que devem ser consideradas na estruturação de uma UCR:
Quadro 2: Diretrizes do Modelo de Universidade Corporativa em Rede (UCR).
Fonte: Adaptado de Freire et. al (2016b)
Tais diretrizes fundamentam o Modelo de UCR e permitem um ambiente de aprendizagem coletiva e colaborativa, com princípios de gestão do conhecimento, com foco no capital humano, relacional e social da organização. Os conteúdos das UCs passam a estar alinhados com a estratégia organizacional visando a cocriação e coprodução de valor para todos os envolvidos.
Diante do que foi apresentado, levando-se em conta a dinamicidade do mercado de trabalho, as mudanças na área de gestão de pessoas e também das exigências sobre o perfil dos trabalhadores, bem como sendo a universidade corporativa em rede o modelo mais contemporâneo encontrado na literatura, esta pesquisa o considerou como objeto de estudo viabilizando a identificação das diretrizes que devem ser gerenciadas para a implantação deste modelo.
A presente pesquisa é norteada pela metodologia qualitativa, a qual segundo Gibbs (2008) contempla duas atividades: em um primeiro momento, desenvolver a consciência das especificidades dos dados que podem ser analisados e como podem ser explicados. Em um segundo momento, busca desenvolver uma gama de atividades de cunho prático aderentes ao tipo de dados e à quantidade deles que devem ser analisados e avaliados. As subseções conseguintes apresentarão os desvelamentos da pesquisa.
Neste estudo foi utilizado como instrumento para coleta de dados uma entrevista semiestruturada, com perguntas abertas, flexíveis (MANZINI, 2004; HAGUETTE, 2001), levantando três grandes domínios temáticos: Análise estratégica do cargo e das atividades exercidas pelos gestores; a educação corporativa e a Universidade Corporativa em Rede.
No primeiro domínio temático abordou-se questões focalizadas na formação dos participantes, no nível hierárquico do cargo do gestor, e, na função estratégica da função desempenhada. O segundo domínio temática buscou contemplar questões concernentes à educação corporativa propriamente dita, elucidando o conceito que o gestor tem sobre o constructo, o nível de satisfação do participante em relação a educação corporativa na organização, bem como as atividades e ações pertinentes à área. O último domínio temático da pesquisa abrangeu questões acerca da universidade corporativa em rede, aderência da mesma à estratégia da organização dos participantes, as dificuldades e facilidades percebidas em relação à implantação do modelo e também a análise das diretrizes da UCR. O tempo médio das entrevistas, realizadas pela própria pesquisadora, foi de uma hora, e as conversas foram feitas nas organizações de cada participante. As entrevistas foram gravadas e posteriormente transcritas.
O contato com os sujeitos de pesquisa foi feito a partir de um convite via email, após o aceite por parte do participante, a entrevista era agendada de acordo com a disponibilidade de cada um. Todos os participantes leram, acordaram e assinaram o Termos de Consentimento Livre Esclarecido (TCLE), consentindo em contribuir com essa pesquisa de forma voluntária.
No que diz respeito a análise dos dados, esta foi feita a partir da análise de conteúdo proposta por Bardin (1977). Para a autora, a análise de conteúdo “enriquece a tentativa exploratória, aumenta a propensão da descoberta” (p. 30). Tal método compõe-se de três polos cronológicos: pré-análise; exploração do material; tratamento dos resultados obtidos e interpretação. A partir da análise de conteúdo, chegou-se as categorias de conteúdo, as quais serão melhores explicitadas na seção de Resultados deste artigo.
Participaram dessa pesquisa seis gestores de três organizações públicas e três organizações privadas, ambas localizadas na cidade de Florianópolis-SC. A escolha dos participantes para a etapa das entrevistas foi realizada pelo critério de intencionalidade, buscando atender os seguintes aspectos: Ser responsável direto pela área de educação corporativa ou ter sido indicado pelo seu responsável; Estar em um cargo de Liderança. Em cumprimento aos preceitos éticos de pesquisa, os nomes dos participantes e das suas respectivas organizações não serão citados, para fazer referência dos mesmos, serão utilizados códigos de identificação
Os participantes têm formação pertencente à área de Ciências humanas e Ciências sociais e aplicadas. Destaca-se que apenas o entrevistado G6 têm formação específica na área de educação corporativa. No que diz respeito ao nível de satisfação com a educação corporativa, apenas o entrevistado G4 apontou não se sentir satisfeito com a área da forma como ela se apresenta nos dias atuais. Todos os gestores têm pouco tempo de atuação na área de educação corporativa, com destaque para o entrevistado G4 que está apenas há dois meses no cargo. A seguir, a Tabela 1 apresenta as características sócio-demográficas, acadêmicas e profissionais dos entrevistados, bem como seus códigos de identificação.
Tabela 1: Caracterização dos sujeitos de pesquisa
PERFIL SÓCIODEMOGRÁFICO, ACADÊMICO E PROFISSIONAL | ||||||
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G1 |
G2 |
G3 |
G4 |
G5 |
G6 |
Formação |
Psicólogo |
Administrador |
Psicólogo |
Bacharel em SecretariadoExecutivo |
Bacharel em Direito |
Pedagogo |
Organização |
Privada |
Pública |
Privada |
Privada |
Pública |
Pedagoga |
Tempo na organização |
5 anos |
10 anos |
5 anos |
10 anos |
17 anos |
23 anos |
Cargo atual na organização |
Analista de desenvolvimento humano e organizacional |
Divisão de Capacitação |
Diretora admnistrativa |
Gerência de educação e tecnologia |
Divisão de Educação corporativa |
Pró-reitora de gestão de pessoas |
Tempo no cargo |
1 ano |
1 ano e 6 meses |
2 anos |
3 anos |
2 meses |
4 anos |
Elaborado pelas autoras (2017).
Os dados que aqui serão apresentados foram identificados, analisados e categorizados a partir da análise de conteúdo proposta por Bardin (1977). Os temas emergentes encontrados neste estudo, foram acoplados nos três macrocontextos, os quais foram delineados para a construção norteadora da entrevista, a saber: a) Análise estratégica do cargo e das atividades exercidas pelos participantes; b) Educação corporativa; c) Universidade Corporativa em Rede. A tabela 2 a seguir, apresenta os temas analisados.
Tabela 2: Macrocontextos e temas emergentes identificados no estudo
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TEMAS EMERGENTES |
Macrocontexto: Análise estratégica do cargo |
- |
Macrocontexto: Educação corporativa |
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Macrocontexto: Universidade corporativa em Rede |
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Elaborado pelas autoras (2017).
Este macrocontexto buscou abranger aspectos técnicos e estratégicos concernentes aos cargos ocupados nas organizações de cada participante. Além disso, buscou-se também apresentar a formação e o percurso profissional de cada gestor e o impacto dos mesmos na área de Educação corporativa.
G1 é psicóloga e atualmente trabalha como analista de desenvolvimento humano e organizacional (DHO) em uma empresa privada. A participante relata não ter experiência com Educação corporativa. Em relação ao nível hierárquico de seu cargo, a participante conta que em sua empresa há três níveis de analista. Acima dela há uma coordenação, em seguida, uma gerência e por fim, um corpo diretivo. A organização em que G1 trabalha tem três unidades, no entanto o DHO está alocado em apenas uma delas, sendo sua função transversalizar as ações da área para os três polos da empresa. A área de DHO é subdivida em duas coordenações, a de Treinamento e Desenvolvimento e a de Departamento Pessoal. A analista acredita que seu cargo e sua área são estratégicas, no entanto, conta que não participa das (re)formulações de estratégia nos planejamentos estratégicos da empresa. O gerente acima da participante leva as demandas da área para as reuniões estratégicas, segundo ela, este líder realiza um encontro com a área para compreender as demandas e necessidades percebidas. Outro aspecto a ser mencionado, é que G1 é responsável pela área de Gestão de projetos, a qual fica alocada na coordenadoria de Treinamento e Desenvolvimento. Contudo, pelo fato da organização não ter realizado uma contratação para a área específica de educação corporativa, a participante é quem atualmente é responsável pela área. Destaca-se que G1 está há cincos anos na organização e há exatos 5 anos a área de Recursos Humanos foi criada. Diante desse cenário, muitos processos ainda estão em fase de (re)estruturação.
A participante G2 é administradora e tem especialização em Gestão de empresa pública. Gr trabalha em uma organização pública de Florianópolis. Atualmente é gerente da área de capacitação da divisão do conhecimento e desenvolvimento de pessoas. A gestora trabalha há dez anos na instituição, no entanto está apenas a um ano e seis meses no atual cargo. Segundo ela, “fui convidada para ser gerente para tentar mudar um pouquinho a cara da capacitação” (G2). A organização em que trabalha, nos anos de 1980, era reconhecida pela excelência em Centros de Treinamentos, na América Latina. No entanto, ao passar dos anos, devido ao corte de custos destinados a área, o centro foi perdendo força, até ser extinto na virada do século. A capacitação está sob sua responsabilidade, mas ainda está em fase de estruturação, a princípio busca-se construir um novo centro de treinamento, e quem sabe “chegar numa universidade corporativa, que é o objetivo maior” (G2). Em termos de nível hierárquico de cargo, acima de G2, há a diretoria, em seguida, o departamento, e a chefia de divisão, sendo este último o nível do cargo da participante. A divisão de capacitação, está vinculada ao departamento de gestão de pessoas, e à diretoria de gestão corporativa. Segundo a gestora, o seu cargo é estratégico, embora, em outros momentos ela não percebesse dessa forma. Atualmente o “orçamento mais que dobrou de um ano para o outro (...) Eu acredito que a diretoria está vendo com bons olhos e está entendendo que a capacitação tem que ser parceira nesse processo” (G2). A gestora ainda não participou do planejamento estratégico por estar recentemente na área, mas acredita que assim que houver, poderá levar as demandas da área e será ouvida.
G3 é psicóloga, e conta que não teve formação em educação corporativa. No entanto, ela acredita que sempre buscou capacitar seus colaboradores a partir do viés da Psicologia. Ao trabalhar em empresas de desenvolvimento e de tecnologia, ela conta que se sentia como “uma mosquinha branca (...) porque os usuários são pessoas e pela área técnica eles são tratados como usuários, como se não fossem pessoas” (G3). Apesar de não ter uma formação específica na área, G3 relata que “sempre fui ensinado as pessoas. Eu não tenho uma formação na área de educação de forma nenhuma. Eu tenho vivência de educação e de aprendizado” (G3). A gestora residia anteriormente no Rio Grande do Sul, e conta que veio para Florianópolis para trabalhar na universidade corporativa da empresa que trabalha até os dias de hoje. Segundo ela, esta universidade ficou sob a sua responsabilidade durante três anos. Ao final de 2015, a organização sofreu uma reestruturação, e a universidade acabou sendo retirada das ações da empresa, pois acreditava-se que ela não agregava ao negócio. A universidade corporativa, disponibilizava cursos para os colaboradores, clientes e fornecedores. A parte externa de capacitação foi retirada, e o foco passou a ser no público interno. Para G3 a organização não deixou de ter uma universidade corporativa, apenas reduziu o seu público-alvo e suas preocupações de capacitação. G3 é diretora administrativa da organização e coordena a área de Recursos Humanos, e também a infraestrutura de sistemas de tecnologia da informação. Seu cargo é estratégico e há orçamento destinado para a área de capacitação.
G4 tem bacharel em secretariado executivo, pós-graduação em Gestão empresarial e Gestão estratégica de instituições de Educação profissional e tecnologia. A participante não tem formação específica em educação corporativa e, atua em uma organização privada há dez anos. A três anos trabalha na gerência de Educação e Tecnologia, mais especificamente na Coordenadoria de Educação profissional. A participante anteriormente trabalhava na unidade de São Miguel do Oeste, e após uma promoção de trabalho, veio trabalhar e residir na cidade de Florianópolis. Em termos de nível hierárquico, acima do cargo da gestora, há uma coordenação de educação profissional, em seguida um gerente, e por fim um diretor técnico e um diretor regional. G4 acredita que o cargo é estratégico, e que seus líderes são ouvidos nas reformulações de diretrizes durante os planos estratégicos. Ela também participa dessas reuniões: “eu vejo que sim é uma área estratégica, todas as diretrizes da empresa, desde a execução da educação passa por nós. A gente sempre está envolvido” (G4).
O participante G5 é bacharel em Direito e é especialista em Gestão e segurança no trânsito. G5 trabalha em uma instituição pública e não tem formação em educação corporativa. Para ele, “é tudo muito novo, estou a frente da divisão há dois meses” (G5), embora a área esteja completando dois anos e meio na organização. O gestor, morava no Rio Grande do Sul e pelo fato de não ter estabilidade de cargo, já atuou em diversas funções, e atualmente, veio residir em Florianópolis para atuar no cargo de divisão de educação corporativa (DEC) da organização. Para ele, há falta de desenvolvimento interno na organização, e “quem está lotado aqui, tem um currículo próprio que desenvolveu ao longo da vida, mas não tem uma forma específica para essa área” (G5). No que diz respeito ao nível hierárquico do cargo as divisões se desdobram da seguinte maneira: Há uma coordenação e abaixo a ela, duas divisões. A primeira focada em apoio administrativo que se refere a contratações, licitações, equipamentos em geral. E, a segunda, a divisão de educação corporativa, a qual G5 está a frente, que desenvolvem e planejam cursos. O participante conta que ainda não conheceu toda a sua equipe, mas que conta com um grupo de 15 pessoas, aproximadamente. Ao ser questionado se é ouvido em relação as demandas que chegam até ele, G5 menciona os obstáculos inerentes a cultura; “a evolução do ensino dentro da organização, tem algumas características, nós saímos de uma cultura, quando criado isso lá em 2001/2002, que a direção na época criou, então a coordenação de ensino era centralizada em Brasília, mas com pouca capacidade de atuação, era mais centralizadora dos recursos destinados a esse fim”. Após esse período, G5 acrescenta que a organização a nível nacional, passou para uma cultura de centro de treinamentos. Na unidade de Florianópolis, para o participante, ainda é tudo muito recente, “tem um mundo a frente a ser descoberto, é desafiador” (G5).
Por fim, G6 é formada em Pedagogia e tem especialização em Metodologia do Ensino, além de ter mestrado na área de Administração universitária, e doutorado e pós-doutorado na área de Educação e trabalho. A participante atua na organização pública há 23 anos, e está na função de pró-reitoria de Gestão de pessoas há quatro anos. G6 é a única participante que teve formação específica em Educação corporativa, inclusive é docente em disciplina relacionada ao tema em uma universidade. A pró-reitoria de Gestão de pessoas é constituída por três departamentos: o departamento de administração de pessoal que trabalha com aposentadoria, folha de pagamentos, benefícios, etc. O departamento de atenção à saúde que trabalha com serviço social, técnicos e engenheiros do trabalho, medicina do trabalho, junta médica, prevenção e promoção de saúde. E, o departamento de desenvolvimento de pessoas, que se refere à área de admissão de pessoas, capacitação, avaliação de desempenho, estágio probatório, entre outros. A referida pró-reitoria compõe uma das outras setes existentes na organização. Para G6, o cargo é estratégico, além disso, ela conta que recebe autonomia e segurança para realizar ações. Segundo ela, o grande o diferencial é que “trabalhamos não coletivamente, mas sim colaborativamente (...) numa educação corporativa, você precisa ter esse hábito da colaboração (...) e isso faz com que a gente possa trabalhar em uma gestão com as pessoas, e não de pessoas” (G6).
De modo geral, pode-se salientar que os gestores avaliam as suas áreas como sendo estratégicas, e sentem que são ouvidos em relação as demandas sensíveis à área. Destaca-se que G2 e G4 ainda não participaram de planejamentos estratégicos com a atual função, devido ao pouco tempo no exercício da mesma. Além disso, ressalta-se que apenas G1 não está em um cargo de liderança, sendo analista e, não participando das (re) formulações de planos estratégicos. Embora, a participante mencione que seu líder mais próximo, realiza reuniões com a área com o intuito de apropriar das demandas e levá-las para os encontros de teores estratégicos.
O presente macro contexto contemplou as verbalizações dos participantes focadas em educação corporativa, abordando conceito, experiência, atividades, avaliação e impactos da temática no cotidiano organizacional.
Ao iniciar pelo conceito de educação corporativa, este foi definido por G3, por exemplo, como não sendo somente da corporação em que ela atua, “na medida em que eu desenvolvo o meu cliente, o meu mercado, eu também tenho que me desenvolver”, ou seja, a educação corporativa deve abranger tanto seu público interno quanto o seu público externo, onde o primeiro retroalimenta o segundo. A partir disso, a organização mantém-se sustentável, e com permanente vantagem competitiva (G3, G4). A sustentabilidade se relaciona a necessidade de se ter na organização “não só pessoas capacitadas para fazer o que elas têm que fazer, mas elas tem que estar capacitadas para elas fazerem mais do que elas tem que fazer” (G3). Sendo esta constatação uma dificuldade da educação corporativa, a de “formar pessoas que sejam a base do conhecimento da organização” (G3). Outro aspecto salientado, em relação ao que se pensa sobre o constructo estudado, é a importância de se antecipar as diversas demandas de conhecimento que o mercado impõe. Nesse sentido, G3 ressalta que se “a empresa precisa disso amanhã, e eu tenho que formar isso hoje”.
A concepção de educação corporativa, segundo G2, deve estar respaldada nos objetivos do plano estratégico da organização. As pessoas devem ser capacitadas, com foco no que está definido no plano, “tudo o que eu estou fazendo hoje, está vinculado ao plano estratégico, sem dúvida nenhuma” (G2). Nessa mesma perspectiva G6 aponta que a educação corporativa “é essencial, desde que tenha objetivos claros (...) ela pode ser uma folha ao vento, se não tiver, diretrizes, indicadores, planejamento” (G6). Para G6, anterior a definição de educação corporativa, é preciso visualizar o constructo separadamente, dividindo e esmiuçando seus dois termos: O que seria educação? O que seria corporativa? Uma saída para estas respostas, segundo a gestora, é analisar a identidade organizacional e o plano estratégico da organização. G6 ainda aponta que é preciso ter alguns cuidados com a educação corporativa, para não se perder de vista o seu objetivo na organização: “aqui não é uma fábrica de fazer picolés. Nós somos uma instituição social que forma gente para o desenvolvimento da sociedade, o que legitima a nossa existência” (G6). Tais cuidados também são percebidos por G5, o qual chama atenção para a diferença de instrução e educação: “passamos a discutir a questão de ser educador e não simplesmente instrutor”.
Lacunas no desenvolvimento do colaborador, também são percebidas como parte da definição de educação corporativa. G4 aponta que “a educação corporativa é a educação que é capitaneada pelas organizações com o objetivo de suprir lacunas que a sua força de trabalho tem”. Para G4, a organização identifica esses gaps e a partir deles deve propor programas educacionais capazes de proporcionar ao colaborador, melhorias de acordo com que as funções e os perfis requerem. A busca por novos conhecimentos, o rompimento de práticas engessadoras e a necessidade de criar um ambiente rico em aprendizagem, faz com que na definição de educação corporativa seja incluída aspectos subjetivos, como o não conformismo com o que já se tem e com o que já se realiza (G3, G5). G5 conta que pelo fato da sua organização ter características bastante específicas e por ter uma abrangência e impacto social no Brasil todo, há muitos estereótipos e expectativas que limitam a busca por conhecimento pelos seus colaboradores. Diante deste cenário, “passamos a participar de eventos, como congressos, nos abrindo para o mundo e enxergando outras realidades e possibilitando que outros cenários também nos enxergassem” (G5).
No tema experiência/história relacionada à educação corporativa identificou-se a relação dos gestores com a temática. De modo geral, o que se percebeu é que os gestores deste estudo não tiverem nenhuma formação específica com enfoque na área de educação corporativa ou á áreas subjacentes, como por exemplo, capacitação, treinamento e desenvolvimento, universidade corporativa, entre outras (G1, G2, G3, G4, G5). G1 conta que a sua experiência com educação foi adquirida dentro da organização, ou seja, vem aprendendo no exercício de suas atividades: “tipo, o que eu conheço hoje de educação corporativa, foi estudando, foi lendo, eu nunca fiz um curso específico, disso (...) eu ainda estou em processo de aprendizagem.”. Nesse mesmo sentido, G2 aponta que “não tenho experiência anterior. Tô aprendendo tudo, tô aprendendo na área agora, na prática”. Apenas G6 teve contato com o constructo de maneira mais aprofundada, com formações específicas no seu doutorado e pós-doutorado. Destaca-se ainda, que apenas G4 não tem a área de educação corporativa na sua responsabilidade.
No que diz respeito as atividades relacionadas à área, percebe-se uma variabilidade de ações, não sendo homogêneas entre uma organização e outra, o que pode estar associada ao plano estratégico e objetivos organizacionais.
Na organização de G4, por exemplo, há um programa de idiomas, e também um IDP – programa de incentivo ao desenvolvimento de pessoas. Nestes programas, os gestores de pessoas buscam identificar junto aos coordenadores e líderes quais são os cursos prioritários para se desenvolver. Além disso, tem treinamentos estaduais, e também há auxílio para mensalidades de pós-graduações. No caso de G1, a organização está iniciando o projeto de universidade corporativa, ela conta que “a gente tem o projeto pronto, a gente não tem ainda o processo” (G1). Segundo a analista, a ideia é que a universidade corporativa se torne uma unidade de negócio e que atenda a todas as unidades da organização. Para iniciar o projeto, G1 conta que foi feita toda “uma análise do planejamento estratégico, missão, visão, valores da empresa, ou seja, investigando realmente o DNA, para daí iniciar o mapeamento de competências” (G1). A base da educação corporativa parte do mapeamento de competências (G1, G2, G3, G4, G5, G6), embora que somente G1 e G3 tenham declarado explicitamente ter realizado esse mapeamento completo das funções, cargos e perfis dos colaboradores. Segundo G1, o projeto iniciou-se a partir das evidências de comportamento. No atual momento, o mapeamento já está finalizado, e a partir de então se iniciará o processo de estruturação de trilhas de capacitação. A pretensão é de integrar o desenvolvimento dos colaboradores, e também de capacitar os clientes, pois almeja-se vender cursos depois (G1).
O orçamento destinado para a área de capacitação também é mencionado (G2, G4, G5). G5 comenta que pelo fato de fazer parte de um órgão público, as capacitações muitas das vezes “esbarram” no orçamento. Já G3 menciona enfaticamente que “no orçamento da minha área a parte de capacitação está contemplada”, o que gera maior flexibilidade em atender as demandas de capacitação da empresa, “eu posso contratar fora, eu posso fazer interno, eu posso mandar para fazer um externo” (G3). Outro aspecto observado é o fato do quadro de instrutores ser da própria organização, como acontece na de G2, e G5 e em alguns cursos específicos de G3. G2 enfatiza que os cursos são feitos “com a prata da casa mesmo”. Ambos são voluntários, mas o que explicita recompensa é o de G5, onde “envolve o pagamento de hora/aula”. O fato de haver esta remuneração, segundo o gestor faz com que os colaboradores que operam como instrutores saiam da “caixinha”, o que possibilita “enxergar o mundo um pouquinho diferente e isso dá uma dinâmica toda” (G5). A gestora G2 relata que está buscando ações para que a diretoria compreenda a importância de se recompensar o instrutor. Segundo ela, “atualmente o que ele ganha é uma pontuação no plano de cargos e salários”.
Os níveis de satisfação em sua maioria são altos e significativos para os gestores. G1 compartilha que está muito satisfeita e cita a importância das pessoas, no processo de construção da universidade corporativa na organização: “eu acho que a gente conseguiu fazer de uma forma, onde a própria unidade consegue se enxergar dentro das competências mapeadas e dos comportamentos” (G1). A participante G2 comenta que tem muitos desafios pela frente, pois há ainda muitas coisas a se fazer e muitos processos para se estruturar, para ela, pelo fato de “ter que ter ações, ter resultados, ter que fazer, ter que aparecer, o meu nível de satisfação hoje é um sete” (G2). Neste estudo, apenas G4 mencionou estar insatisfeito com a área: “não, nem posso. Se eu que estou a frente da divisão, estiver satisfeito... obrigatoriamente a gente tem que fazer mais” (G4). G3, por sua vez mencionou estar satisfeita, mas conta que sente a necessidade de que as atividades desempenhadas pela área sejam formalizadas, sistematizas e institucionalizadas. Outro aspecto salientado pela gestora é a importância de um profissional de gestão do conhecimento no processo: “ter alguém focado na gestão do conhecimento, e de ter alguém que tenha condições de manter esse conhecimento vivo e atualizado, sendo acessível, interessante e que as pessoas participem e colaborem com a gestão e com o desenvolvimento desse conhecimento (G3). A necessidade de um alinhamento entre os gestores, e de uma maior fluidez na comunicação é percebida por G6. Apesar de se sentir satisfeita com as ações de capacitação, a gestora cita a importância de todos os níveis de liderança caminharem para o mesmo sentido, na organização: “se cada um ficar no seu feudo, não existe educação corporativa (...) Nós temos que falar a mesma linguagem” (G6).
As repercussões das atividades de educação corporativa são percebidas por G1, a qual menciona que mesmo estando apenas na fase de projeto, já há projeções quanto aos futuros impactos da universidade corporativa. A analista coloca que as demais unidades da organização percebem a movimentação do projeto e já mencionam o desejo de participar. Além disso, objetiva-se em 2018, evoluir para uma avaliação de desempenho por competências, uma vez que ainda hoje só se tem por performance. G1 observa que “dá para perceber que eles estão vendo significado, estão vendo valor em todo o projeto que foi desenvolvido” (G1). Aponta-se a necessidade de se criar ferramentas capazes de mensurar o retorno que as capacitações trazem (G2, G3).
O último macro contexto analisado revela a observação dos participantes sobre as diretrizes da UCR, apontando que os fatores inibidores e facilitadores existem e devem ser gerenciados para sua implantação. E por fim, a gestão do conhecimento como basilar no processo de implantação do modelo.
As diretrizes da UCR como já mencionado na introdução deste artigo, foram propostas pelos autores Freire et.al. (2016). Para responder as perguntas referentes ao modelo UCR, nesta parte específica da pesquisa, optou-se por realizar uma breve apresentação sobre esta nova proposição de educação corporativa aos participantes. Com isso, verificou-se sob a ótica dos entrevistados, se a UCR tem contexto para ser trabalhado nas organizações brasileiras.
A figura abaixo apresenta as setes diretrizes da Universidade Corporativa em Rede, onde separadamente em cada uma delas, para melhor representar os resultados das entrevistas, há pequenos quadros representando cada gestor e respectivamente cada organização pesquisada.
Figura 1: Diretrizes UCR sob a ótica dos gestores
Elaborada pela autora com base em Freire et. al (2016)
A primeira diretriz – o Alcance – diz respeito às ações de aprendizagem que abrangem os partícipes e beneficiários interno e externo pertencentes ao ecossistema da organização. Todos os participantes de certa forma mencionam realizar esta diretriz em suas ações de educação corporativa. G2, G5 e G6 comentam que pelo fato de pertencerem a instituições públicas, o impacto social é inerente às ações. G5 nessa direção argumenta que tudo o que a organização realiza tem impacto forte no público externo, o que se revela como “um aspecto fascinante de se trabalhar nesta instituição (...) o que nós nos esforçamos para fazer bem feito, vai ter alcance no Brasil inteiro (...) agora se nós falharmos também, alcança igual o Brasil inteiro (G5). G2 acredita que apesar da peculiaridade da organização pública, ainda é necessário realizar melhorias no impacto de ações ao público externo. O aspecto externo é pouco mapeado pelas organizações privadas, segundo os comentários dos participantes G1, G3 e G4: “ás vezes em relação ao externo, poderia ter uma intensidade maior de relação. Eu acho que tem oportunidade para gente desenvolver mais o externo, de fazer mais pesquisas estruturadas para ouvir o teu cliente, o teu fornecedor, para ouvir o mercado sabe? ” (G4).
Já a segunda diretriz denominada Interconexão, evidencia as tecnologias colaborativas para a integração, inclusão e interatividade. Na organização de G1, esta diretriz é avaliada positivamente: “eu acho que essa parte a gente faz bem feito”. G4 também tem a mesma percepção: “eu acho que essa diretriz, nós atendemos totalmente”. G2 comenta que estão construindo salas interativas capazes de auxiliar na simulação de situações vividas pelos colaboradores no cotidiano deles. G6, apesar de mencionar já perpassar suas atividades de educação corporativa sobre todas as diretrizes, menciona que tecnologias para inclusão e colaboração precisariam ser aprimoradas. Apenas G5 comentou não realizar esta diretriz. G5 acredita que a interconexão precisaria de ajustes em sua organização. Segundo o gestor, por conta da quase totalidade dos eventos serem presenciais, as tecnologias acabam sendo pouco empregadas. Para G5 este seria um desafio, pois há o desejo de implementar tecnologias interativas que permitam otimizar o tempo presencial.
A diretriz “Reconhecimento dos stakeholders” envolve as expectativas e necessidades de aprendizagem dos diferentes stakeholders, reconhecendo a centralidade do desenvolvimento do capital social e relacional, além do capital humano. G1 comenta que o capital humano é gerenciado nas ações de capacitação, no entanto “a parte do desenvolvimento do capital social, relacional, além do capital humano, isso é algo que hoje a gente não tem” (G1). A participante G2 sente que esta diretriz é muito fragmentada na organização, segundo ela, as parcerias são realizadas a partir da demanda de cada área: “cada área faz a sua ação de acordo com aquilo que tá no objetivo da área. Claro que eles convergem para o plano diretor, que é o planejamento estratégico, mas daí cada área é que coordena. Não existe uma coordenação central pra isso”. G4, por sua vez, salienta que esta diretriz é atendida na sua organização. Segundo a gestora, há parcerias estratégicas com empresas externas que viabilizam as ações de capacitação. Em outra direção, G5 expõe que esta análise “está no envolvimento necessário para facilitar o andamento do projeto, em questão”. O gestor acredita que os stakeholders devem viabilizar o que a organização deseja executar, variando sempre, de acordo com cada ação:
“acaba não sendo algo continuado. Você tem um projeto que depende da atualização de sistema, então você vai catar alguém que vai buscar uma aproximação e vai envolver uma pessoa daquela área pra momentos específicos, demandas específicas” (G5).
A tecnologia, por sua vez, inclui as tecnologias básicas da educação para a modalidade presencial, avançando para AVEA até as tecnologias de educação massiva. Todos os participantes mencionam abarcar esta diretriz na área de educação corporativa, com ambientes virtuais de aprendizagem próprios da organização. G1 compartilha que trabalha bastante com educação a distância, e utiliza games como um recurso a mais de educação, o “gamefication é uma coisa que está bem forte aqui dentro. A gente quer sair daquela coisa de escolinha, de sentar, e partir para desafios mesmo”. G4 comenta que a organização possui um centro de treinamento com infraestrutura disponível e adequada para a realização de cursos.
A quinta diretriz condiz ao foco, o qual reflete ne oferta de cursos e eventos com foco operacional, tático e estratégico. Neste estudo, ao analisar o discurso dos participantes, percebeu-se que esta diretriz é contemplada nas atividades de educação corporativa de todas as organizações mapeadas. Neste contexto, G1 compartilha uma dificuldade que ela percebia na organização, onde se tinha a prática de escolher os melhores técnicos e colocá-los em cargos de gestão: “então se perdia um maravilhoso técnico e se ganhava um péssimo gestor”. Esta prática suscitou a necessidade de criar capacitação específica para os líderes.
Em relação a sexta diretriz – Nível – que abrange a oferta de cursos livres ou com créditos universitários, diploma universitário, todas as organizações deste estudo apresentam esta preocupação. G1 menciona ter uma plataforma aberta para o público externo da organização, “onde qualquer um pode entrar e fazer o curso na área de tecnologia”. Esta característica de abertura ao público externo, também acontece em alguns cursos da organização de G3. Outro aspecto a se destacar é que as organizações, de modo geral, subsidiam cursos e especializações para os seus colaboradores, sendo esta uma ação institucionaliza da área de capacitação (G1, G2, G3, G4, G5). G5 comenta algo curioso, onde desde o ano de 2008 é obrigatório um diploma de ensino superior completo para se inserir na organização. No entanto, tem colegas do quadro que ainda não tem, o que gera desafios no desenvolvimento dos cursos. Como tornar atrativo o conhecimento para quem tem ensino superior e para quem não tem? G4 ainda conta que foi criada uma pós-graduação específica em parceria com o Instituto Federal de Santa Catarina (IFSC), onde quem tem graduação recebe uma certificação de especialização, e quem não tem curso de formação, apenas recebe um certificado de participação. Na organização de G5 foi implementado o decreto 8282, que segundo ele, incumbe aos colaboradores a necessidade de carga horária de cursos para progressão funcional, ou seja, os servidores se inserem na organização em uma classe padrão, e a partir das mudanças dentro de cada classe, ele recebe atribuições diferentes, o que impacta na remuneração e na progressão de mudança de classe. Esse cenário demanda da área a oferta de cada vez mais cursos (G5). As gestoras G2 e G4 avaliam essa diretriz como oportunidade de melhoria, pois os níveis dos cursos não são estruturados, como por exemplo, “ah, eu fiz um curso mais básico, e depois eu aproveito aquilo em outro curso mais avançado, isso hoje a gente reconhece que é uma oportunidade de se melhorar” (G4). Também em relação as limitações desta diretriz, G6 aponta que por conta de burocracias os cursos livres, poderiam ser limitados em suas ações.
A última diretriz se refere a Gestão do conhecimento dos conhecimentos críticos - aprendizagem em rede e memória organizacional. Apenas G6 mencionou já realizar ações focalizadas em gestão do conhecimento, os demais participantes demonstraram preocupação em relação a esta diretriz. G2 por exemplo, cita que na organização há apenas uma área que cuida da parte de normativas e manuais de processos. A participante traz a dificuldade de se mapear o conhecimento tácito, o qual é “muito complicado da gente reter”. G3 comenta que já iniciou ações de gestão de conhecimento e de memória organizacional, no entanto “isso tudo a gente tem desorganizado, mas a gente tem”. Quanto à aprendizagem em rede, ela menciona que não tem uma ferramenta para isso. G4 também tem a mesma percepção, segundo a gestora, existem iniciativas isoladas de gestão do conhecimento, mas que não são estruturadas e padronizadas. G4 compartilha que cada área da organização tem uma iniciativa específica de gestão do conhecimento, a qual é gerada a partir de necessidades emergentes do setor. Nesse sentido, G4 comenta uma experiência por ela vivenciada:
Eu vejo que de uma forma geral, dentro da UCR é aí que tá a maior lacuna. Ainda precisa de maior atenção, e teria uma oportunidade de desenvolver...por exemplo, nos programas de desenvolvimento de liderança, no final realiza-se um projeto aplicativo. Onde eles estão? Se eu hoje trabalho na gerência da educação e quero ver o que as turmas dos PDLs desenvolveram para vê se eu tenho alguma ideia, para vê se alguém já fez alguma coisa que eu possa aproveitar aqui.. Eu tenho que ir lá na gestão de pessoas, conversar com eles, e eu não sei onde está isso. Isso podia estar num banco de dados, para acesso de todos. Para quem é colaborador o acesso poderia ser mais fácil (G4).
Para G5, a GC é “frágil, ainda muito dependente de pessoas”. O gestor aponta a dificuldade de se ter acesso ao conhecimento não explicitado e sistematizado: “não é raro se identificar situações onde a pessoa que tenha conhecimento, pela experiência vivida em uma situação X.… então esse conhecimento não se transmite de uma forma natural (...) creio eu que muito dos problemas é pela falta de sistema, a gente não tem” (G5). Segundo o participante, muito do esforço de trabalho é ocorrido pela falta da sistematização e organização do conhecimento: “chega ao ponto de termos dificuldades de saber, quem já fez cursos conosco, e quais cursos são esses (...) o colaborador que tem que provar que fez curso conosco (G5).
No que tange aos fatores inibidores e facilitadores do modelo UCR, foi perguntado aos participantes se o modelo de UCR seria aderente à organização, bem como quais as vantagens e dificuldades identificadas na sua implantação. Quanto a aderência, todos os gestores apontam que o modelo poderia ser aplicado à organização, embora G1 mencione que ainda não é o momento de avançar na educação corporativa, pois a universidade corporativa da organização ainda é apenas um projeto. Já G2 comenta entusiasmada que trabalharia nesse caminho da UCR. G3 incita que o modelo “teria aderência se eu tivesse como aplicar (..)qualquer empresa teria aderência, mas a aplicação dele, a implantação dele, a implantação do modelo prático é o mais importante.
Ao mapear aspectos facilitadores que a UCR evoca às organizações, G1 comenta a importância da rede, a qual segundo ela, pode facilitar as relações entre as três unidades de negócio da sua organização. A gestora ainda cita o fato da UCR ser dinâmica, “de você não ficar focado somente numa linha, de você poder trazer várias ideias, várias cabeças diferentes que possam agregar o desenvolvimento e principalmente ao negócio, ao resultado” da organização (G1). Para G2, o principal benefício que o modelo pode oferecer é a troca, principalmente com universidades. Além disso, G2 cita “a capacitação do público interno e do público externo, com a sociedade”, sendo este um fator importante para as organizações, segundo a sua ótica. G3 comenta como maior vantagem o fato do modelo ser corporativo, “porque ele ultrapassa as fronteiras da própria empresa e ele traz um crescimento para todos, ele traz um crescimento para pessoa, e ele traz um crescimento para sociedade”. A gestora ainda acrescenta o fato do modelo ser colaborativo. Ainda em relação as vantagens do modelo UCR, G4 cita que a partir do momento em que se tem colaboradores mais qualificados, naturalmente a organização “consegue ganhar vantagem competitiva”. E G5 complementa trazendo a importância da sistematização, organização e sequência de tarefas que a UCR apresenta.
A respeito dos aspectos inibidores ou dificultadores da implantação da UCR, G1 aponta a liderança relacionada à especificidade da organização, como uma das principais dificuldades:
“a principal dificuldade vai ser fazer com que esses diretores-sócios, entendam. Porque quando você trabalha numa empresa de tecnologia onde para eles tudo é números, onde tudo é muito racional. Quando você trabalha com uma questão que eles não conseguem enxergar o lá na frente, dificulta bastante (G1).
A dificuldade interna também é percebida por G2, por conta do orçamento, da burocratização e regulação do modelo na organização pública. A necessidade de estudos de casos que demonstrem a viabilidade da UCR foi significativamente mencionada por G1, G2, G3 e G6. Ao apresentar este modelo para os seus líderes, G1 aponta que é preciso “estar muito bem embasada em exemplos de prática, para que eles consigam comprar efetivamente a ideia”. G3 aponta que “o dia que você conseguirem trazer isso para fora da academia, vai ser muito legal”.
O participante G3 problematiza a gestão do conhecimento como vem sendo realizada nas organizações contemporâneas, segundo ela, é preciso que anterior a uma área de GC é necessário que se fomente uma cultura focada em compartilhamento do conhecimento e que estes sejam aplicáveis. G4 e G5 também apontam a cultura como um obstáculo a UCR na organização. O gestor G5 comenta a cultura do imediatismo e a resistência a mudanças como fatores que dificultariam a implantação do modelo:
“A cultura organizacional, tem a cultura de imediatismo. Então normalmente quando começa algo, a euforia e a expectativa é tamanha que por vezes não deixa a maturidade chegar. Então eu acredito que para um processo desses, a gente precise de tempo e trabalho e esforço repetido e correção, tudo isso. Então a cultura será o maior obstáculo por conta da ansiedade pelo imediatismo (...) A gente vai estar mexendo no queijo de muita gente, né. Vai ter muito instrutor, educador de disciplina que vai se sentir fora da zona de conforto de saber que agora é uma outra proposta envolvendo aquele conhecimento que ele era entre aspas dono” (G5).
G6 citou que não identificou algo novo nas diretrizes da UCR, para ela apesar dos pressupostos serem interessantes, “não é algo totalmente distante da nossa realidade”. Para G6 de certa forma, a instituição já realiza de alguma maneira ou de outra as sete diretrizes: “os pressupostos básicos da UCR já perpassam um pouco a preocupação das nossas ações”. A gestora acrescenta à sua fala, a importância de se realizar ajustes para a realidade da organização da qual faz parte.
Neste estudo, delineou-se como objetivo identificar as diretrizes que devem ser gerenciadas nas organizações públicas ou privadas catarinenses para a implementação do modelo Universidade Corporativa em Rede. Os resultados encontrados e apresentados, permitem discutir aspectos interessante na tentativa de cumprir com o objetivo delineado e também propor temas para futuras investigações. Sendo este o motivo da seção de discussão e considerações finais serem apresentadas conjuntamente.
No que diz respeito ao modelo de Universidade corporativa em rede, percebeu-se nas verbalizações dos participantes a necessidade de aplicabilidade do modelo, ou seja, a apresentação de cases ou estudos de casos que demonstrem o modelo na prática de uma organização.
Nesse sentido, foi citada a necessidade de ferramentas que possam facilitar a aplicação da UCR no contexto organizacional. É preciso delinear os limites e as relações existentes entre o mundo do trabalho e o mundo acadêmico com enfoque na qualificação do trabalho e do conhecimento humano. De acordo com Quartiero e Bianchetti (2005) não se pode, na contemporaneidade, assumir uma postura dicotômica e polarizada entre o eixo do trabalho e o eixo do ensino, ainda para os autores (p.12), “afirmar que na academia só se teoriza e que na empresa só se visa ao lucro é querer furtar-se ao exercício da necessária análise que ultrapassa posicionamentos redutores”, visto a necessidade de argumentos mais robustos acerca do que é responsabilidade de uma instituição ou de outra. É notória que a própria sociedade que se tem hoje é outra, traduzindo-se em uma sociedade do conhecimento, sendo assim, o conhecimento deixou de ser o locus em sua excelência estrita da educação. Têm-se aí novos conceitos em vigor, os quais são privilegiados e alavancados através da universidade corporativa, a saber: organizações estendidas, organizações de aprendizagem (learning organization); organizações qualificantes. Contudo, nesta pesquisa, fica evidente que se faz necessário ultrapassar os muros da teorização, visto a latente necessidade de maiores conhecimentos práticos e aplicados.
No decorrer da pesquisa, a partir da análise dos conteúdos expressados nas entrevistas, percebeu-se que no quadro de instrutores dos cursos de capacitação das organizações estão presentes os próprios colaboradores. A vivência da prática é destacada por Quartiero e Cerny (2005), quando mencionam que a universidade corporativa promove a aprendizagem baseada nas práticas do universo dos negócios, com um corpo docente altamente qualificado, que vivencia na prática o que transmite, sendo uma aprendizagem coletiva a partir de compartilhamento de valores. A universidade corporativa, nesse sentido, deve buscar promover uma formação humana que deixe de lado seus contornos enrijecidos, mas sim privilegie o entrelaçamento entre a educação e o trabalho, potencializando a aprendizagem contínua.
Quanto as diretrizes que devem ser gerenciadas para que a implantação da UCR seja efetiva, duas chamaram a atenção dos participantes, a saber: a gestão do conhecimento e o reconhecimento dos stakeholders. No entanto foram percebidas outras diretrizes que precisam ser melhores compreendidas e avaliadas, as quais estão apresentadas no quadro 1 a seguir:
Quadro 1: Aspectos que devem ser gerenciados para que o Modelo da UCR seja implementado
Diretrizes da UCR |
Aspectos que devem ser gerenciados |
Observações para uma implantação efetiva das diretrizes destacadas |
Alcance |
Identificação e abrangência do público interno Identificação e abrangência do público externo |
Integração dos processos de gestão de pessoas Identificação do ecossistema organizacional |
Interconexão |
Tecnologias interativas |
Relações com as Pessoas: reconhecimento, valorização, motivação, premiação. |
Reconhecimento dos stakeholders |
Identificação de quem são os stakeholders Reconhecimento dos stakeholders Compreensão e desenvolvimento do capital intelectual, social e relacional
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Identificação do ecossistema organizacional
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Tecnologia |
Ambientes virtuais inteligentes |
Construção do ambiente virtual da própria organização (não terceirização do moodle, por ex.) |
Foco |
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Monitoração dos subsistemas de gestão de pessoas Rede comunicacional Mídias do conhecimento |
Nível |
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Monitoração dos subsistemas de gestão de pessoas Consolidação de parcerias externas |
Gestão do conhecimento |
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Elaborado pelas autoras (2017).
Ainda com relação a GC, percebeu-se nos discursos dos entrevistados que não há uma área de gestão do conhecimento na organização, mas sim ações fragmentadas que ocorrem conforme demandas e necessidades que surgem na rotina corporativa. Nesse mesmo sentido, como aponta G3, destaca-se que a gestão do conhecimento deve ser encarada como parte da estratégia das organizações e não como pertencente a uma única pessoa da empresa. Ainda em relação à GC, destaca-se a dificuldade de se mapear o conhecimento tácito dos colaboradores, o que na opinião de G2 é ‘praticamente impossível de se conseguir”. Este excerto traz algumas elucidações: ora, se a gestão do conhecimento tem como proposta a identificação do conhecimento tácito com o intuito de torná-lo explícito, de que maneira os estudos de GC tem adentrado nas organizações, de forma prática e aplicada? O entrevistado G4 compartilha na entrevista a sua insatisfação com profissionais de gestão do conhecimento, pelo fato destes serem muito teóricos e pouco práticos. O reconhecimento dos stakeholders também se traduz enquanto desafio nas percepções dos participantes, uma vez que há dificuldade de se consolidar parcerias, de ouvir as demandas e opiniões de clientes, e de impactar o ecossistema da organização. E quando se fala em stakeholders, ainda se identifica que os entrevistados qualificam apenas como os clientes e os fornecedores, não ampliando para outros interessados e partícipes da rede organizacional.
Quanto aos aspectos subjetivos e intrínsecos do colaborador, a literatura aponta claramente que é preciso ultrapassar a lógica da “semana de boas-vindas”, adotando atividades multidisciplinares e multidirecionais. Destaca-se que tais atividades aumentam significativamente fatores relacionados à motivação do trabalhador, visto que a partir dos espaços de formação são lhe passados ativos intangíveis, como as próprias crenças e valores que fundamentam a cultura organizacional (VIANNA, 2004 apud QUARTIERO e CERNY, 2005), além de claro, potencializar o desenvolvimento das carreiras dos colaboradores, principalmente na esfera subjetiva e no desdobramento do conhecimento tácito em conhecimento explícito dos sujeitos.
Outro elemento que deve ser citado na discussão deste estudo é a dimensão pessoas. A necessidade de um olhar mais aprofundado para esta dimensão que viabilize a construção de planos de ações para alavancar o desenvolvimento do capital humano, tornou-se evidente nesta pesquisa. Cabe aqui evidenciar a fala da gestora G6, ao mencionar a importância de se realizar uma gestão com pessoas, e não de pessoas. A partir desta ótica, a noção de colaboração se traduz como uma necessidade nestes ambientes, de forma a manter o conhecimento vivo, atualizado e acessível a todos. Destaca-se também a importância de se falar a mesma linguagem, ou seja, o papel cada vez mais imprescindível de processos comunicacionais eficientes e fluidos. Nesse sentido, a diretriz Interconexão do modelo UCR deve também considerar orientações para inclusão, integração, e interação de pessoas de maneira a trazê-las para a participação e colaboração da própria gestão.
A especificidade das organizações quanto ao perfil público ou privado não foram delineadas neste estudo, mas se torna agenda para futuros estudos acerca da temática. É sabido dizer que há desafios diferenciados no contexto de organizações privadas e públicas. As organizações privadas têm o foco na produtividade para alavancar a rentabilidade. Entretanto, para as organizações púbicas, o desafio relaciona-se “à capacidade de fornecer serviços que possam contribuir para a preservação, reprodução e manutenção do contexto social, político e econômico ao qual estejam inseridos” (FREIRE, et. al. 2016), sendo importante, compreender a integração entre o serviço público e os stakeholders, “desde o cidadão comum aos órgãos reguladores”. A necessidade de impactar o público social e a responsabilidade desta tarefa foi citada pelos gestores de organizações públicas, o que torna ainda mais imprescindível a aprendizagem organizacional em rede.
Ao perguntar aos participantes acerca do nível estratégico das áreas relacionadas a educação corporativa das suas respectivas organizações, todos mencionaram prontamente que a área é estratégica. No entanto, ao elucidar as dificuldades de se implantar um modelo de UC na organização, os aspectos mencionados embargam na falta de autonomia, falta de flexibilidade, o não entendimento de líderes acerca da importância do constructo, resistência a mudanças, e cultura organizacional. Tais dificuldades vão ao encontro do que Freire et. al. (2016b) mapearam em seu estudo, o que reforça a necessidade de maior atenção no desenvolvimento destes processos. A partir da fala dos participantes, pôde-se concluir que, mesmo a área sendo considerada estratégica, não se vivencia elementos determinantes para tal.
É preciso destacar o pouco tempo que os participantes da pesquisa estavam no cargo, e também a falta de formação específica na área de educação corporativa, onde somente o entrevistado G6 tem especialização na área. Este dado leva à discussão sobre as competências exigidas ao profissional para ocupar o cargo de gestor de desenvolvimento de pessoas ou, especificamente, a gestão da área de capacitação, treinamento e desenvolvimento de pessoas.
Ao levantar os benefícios acerca do modelo de UCR para a organização, identifica-se que para os participantes da pesquisa, a criação de vantagens competitivas se destaca para a manutenção da organização no mercado, o que se relaciona ao que Quartiero e Cerny (2005) apontam: ao potencializar o CHA dos colaboradores, vinculando-os às estratégias organizacionais, mantém-se a corporação competitiva no mercado em que atua.
Por fim, cumpre destacar que, este estudo qualitativo foi delimitado às organizações catarinenses, entre públicas e privadas, sendo os resultados deste estudo característicos desta região e das referidas organizações pesquisadas. Sendo assim, não se objetiva oferecer respostas prontas acerca do constructo, mas sim apoiar a compreensão de como a educação corporativa tem se traduzido no cotidiano organizacional – apesar do quadro de análise ser específico e restrito a este estudo – e, provocar novas discussões e reflexões sobre as diretrizes destacadas no quadro 1 deste estudo, as quais demandam atenção e são determinantes para que a UCR ocupe espaço de destaque nas organizações brasileiras como um modelo contemporâneo de educação corporativa.
BARDIN, L. (1977). Análise de Conteúdo. Lisboa: Ed 70.
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1. Email: tcsilvaa@gmail.com
2. Email: patriciadesafreire@gmail.com