Vol. 38 (Nº 06) Año 2017. Pág. 5
Wallace da Silva de ALMEIDA 1; Vanessa da Silva de ALMEIDA 2
Recibido: 18/08/16 • Aprobado: 23/09/2016
RESUMO: O objetivo desta pesquisa é analisar a inserção brasileira na economia internacional, em um ambiente de intensa globalização financeira, e seus impactos no âmbito regional, com destaque para o Nordeste. É absolutamente necessário não perder de vista o caráter das relações internacionais, sobretudo se para o estudo parte-se de um dado real que é o da situação de dependência com relação ao capi¬talismo internacional. Contudo, o presente estudo não buscará vincu¬lar todos os elementos analisados com as conjunturas internacio¬nais, mas situá-los dentro do sistema nacional e das necessidades de acumulação, que já refletem aquelas relações internamente. |
ABSTRACT: The purpose of this research is to analyze the Brazilian insertion in the international economy, in a intense financial globalization environment, and its impact on the regional level, especially in the Northeast. We absolutely must not lose sight of the character of international relations, particularly for the study part is a real as is the situation of dependence in relation to international capi¬talismo. However, this study will seek not vincu¬lar all elements analyzed with internacio¬nais junctures, but place them within the national system and the accumulation of needs, which already reflect those relationships internally. |
Neste documento pretende-se criar alguns parâmetros científicos a fim de permitir a realização de uma breve análise das principais manifestações econômicas e sociais da região Nordeste no período de 1991-2011, em um contexto de abertura comercial e financeira da economia brasileira.
No entanto, para compreender a recente dinâmica socioeconômica nordestina deve-se, inicialmente, situá-la no bojo da atual dinâmica do processo de acumulação capitalista nacional. A perspectiva de estudar o regional a partir do nacional não invalida o conceito de região. Busca-se, desta forma, realizar uma análise em dois níveis: um geral, no qual o Nordeste está inserido em determinado contexto econômico e social, e um particular, onde tentar-se-á identificar e analisar as consequências, perspectivas e tendências apresentadas pela região a partir do processo de abertura da economia brasileira.
Nesse sentido, um estudo a respeito do caráter das relações internacionais torna-se extremamente relevante, uma vez que o processo de abertura comercial e financeira da economia brasileira aprofundou significativamente o grau de dependência do capitalismo nacional em relação ao capitalismo internacional.
A partir do término da década de 1980, ainda sob a influência das políticas regionais, a economia brasileira passou por uma modificação estrutural extremamente relevante. Tal modificação refere-se à diminuição das restrições impostas às importações que durante várias décadas integrou um dos eixos centrais da política econômica implementada no país. Desde então, o sistema produtivo nacional tem siso afetado fortemente pela concorrência imposta pelos bens produzidos externamente, advindo daí impactos diversos tanto setoriais quanto regionais.
O presente trabalho, além de efetuar um estudo sobre o processo de abertura comercial e seus impactos sobre a economia brasileira e nordestina, busca apresentar alguns argumentos para defender a tese de que a manutenção da desconcentração em direção ao Nordeste é possível e necessária, desde que isto esteja diretamente ligado a um projeto que articule e dinamize as potencialidades existentes no interior da região, com a finalidade de arrefecer a disparidade de níveis de renda existente entre a região Nordeste e as demais do país, particularmente em relação às regiões Sul e Sudeste.
A partir das décadas de 1930 e 1950, os países da América Latina adotaram uma estratégia nacional de desenvolvimento assentada na teoria econômica do desenvolvimento e na teoria econômica estruturalista latino-americana. Durante o período de vigência dessa estratégia, por meio de políticas de cunho nacional-desenvolvimentista, o Brasil e outros países latino-americanos apresentaram intenso ritmo de crescimento econômico.
A fragilidade apresentada pelos países de capitalismo avançado ao longo dos anos 1930, proporcionou uma janela de oportunidade para que os países da periferia do capitalismo situados na América Latina elaborassem e executassem estratégias nacionais de desenvolvimento que, fundamentalmente, implicavam na proteção da indústria nacional nascente, via substituição de importações e promoção da poupança forçada pelo Estado. Nesse período histórico, considerava-se que o Estado precisava realizar investimentos diretos em infraestrutura e algumas indústrias de base cujo risco e escala de capital eram muito elevados. Essa estratégia ficou denominada na literatura de “nacional-desenvolvimentismo”.
Os primeiros anos da década de 1990, contudo, romperam com o padrão dominante no Brasil entre as décadas de 1930 a 1970, quando o Estado participava intensamente dos investimentos industriais, principalmente no Nordeste do país. Esse foi o período em que o Estado brasileiro mais utilizou o instrumental do planejamento econômico para consolidar seu projeto de industrialização, por meio de políticas claramente regionais e de corte setorial/nacional (mas com geração de impactos regionais distintos) e, também, pela operação de suas estatais (PACHECO, 1996). Priorizava-se, portanto, a construção de uma base econômica que operava fundamentalmente no espaço nacional – ainda que sob forte influência de agentes econômicos externos – o que permitia a promoção de um gradual processo de desconcentração das atividades produtivas em direção às regiões periféricas.
Cabe destacar que uma estratégia de desenvolvimento nacional compreende uma gama de elementos essenciais para a promoção do desenvolvimento econômico. Esses elementos, referem-se à ampliação da capacidade de poupança e investimento da nação; incorporação de progresso técnico no âmbito produtivo; aumento da disponibilidade de mão de obra qualificada; execução de uma política macroeconômica com o objetivo de garantir a saúde financeira do Estado – com índices moderados de endividamento interno e externo – e condução das expectativas dos agentes econômicos a fim de viabilizar investimentos produtivos. Nesse cenário, o ambiente institucional é concebido de forma concreta e histórica, ao invés de uma simples abstração geralista de um ambiente econômico idealizado (BRESSER-PEREIRA, 2012).
A partir dos anos 1990 até os dias de hoje, contudo, as principais decisões tendem a ser aquelas exigidas pelos mercados, notadamente o financeiro, em virtude da crise que tem se instalado no Estado após o inconteste alinhamento com o Consenso de Washington, ou ortodoxia convencional, e as novas orientações governamentais e empresariais. Assim, a estratégia nacional-desenvolvimentista foi substituída por uma estratégia importada fundada na desregulamentação dos mercados, em altas taxas de juros, crescimento com poupança externa e taxas de câmbio sobrevalorizadas, cujo principal foco está na ideologia do Estado mínimo (OLIVEIRA, 2012).
No caso brasileiro, no entanto, a adoção desses pressupostos teóricos da ortodoxia convencional torna-se paradoxal, uma vez que a elevada exigência de gastos capitalistas tendem a ser, em parcela significativa, supridos por meio de recursos e ações do Estado, historicamente solidário aos interesses particulares de frações do capital (ALMEIDA FILHO, 2016).
Durante as décadas de 1950 a 1980 a economia nordestina aprofundou sua inserção no contexto nacional. Desta forma, suas atuais tendências somente podem ser compreendidas a partir da observação e entendimento dos fenômenos econômicos que ocorrem no país como um todo (ARAÚJO, 1997). Nesse aspecto, o ambiente econômico brasileiro, diante de um momento caracterizado por grandes e importantes transformações na economia internacional, passou por intensas modificações no transcorrer dos anos de 1990. Dentre as mais relevantes sobressaem-se a veloz e agressiva política de abertura comercial, a priorização à integração competitiva, as profundas reformas na ação do Estado e a implementação de um programa de estabilização monetária. Simultaneamente, o setor privado promoveu uma intensa e rápida reestruturação produtiva (GIAMBIAGI, 2005; MONTAGNER, 2010; OLIVEIRA, 2012).
Diante desse contexto, identifica-se a atuação de novas forças, umas concentradoras e outras não. Entre aquelas que atuam no sentido de induzir à desconcentração espacial da atividade produtiva encontram-se: a abertura comercial que tem favorecido alguns focos exportadores; a incorporação de progresso técnico, que podem representar diminuição dos custos de investimento; a crescente relevância da logística e da proximidade do consumidor final nas decisões referentes à localização dos empreendimentos industriais; o oferecimento de incentivos fiscais e financeiros por parte dos governos sub-nacionais, entre outras (ARAÚJO, 1997).
No entanto, paralelamente, existem outras forças atuando no sentido oposto, induzindo a concentração dos investimentos nas áreas mais dinâmicas e competitivas do país (TAVARES, 1997; MONTAGNER, 2010). Entre as forças que atuam nesse sentido, destacam-se os novos requisitos locacionais da acumulação flexível, tais como: oferta de mão de obra qualificada; proximidade dos centros produtores de conhecimento e tecnologia; maior e mais eficiente dotação de infraestrutura econômica; e proximidade dos mercados consumidores que apresentam os mais elevados níveis de renda.
Pacheco (1996) ressalta também os condicionantes da reestruturação produtiva, particularmente no que se refere às estratégias das principais empresas do país diante do cenário de globalização produtiva e financeira da economia mundial, que refletem a forma pela qual ocorreu a inserção da economia nacional à internacional: subordinada. No mesmo sentido, Oman (1994) afirma que, ao contrário das expectativas, o processo de globalização tem intensificado as estratégias de especialização regional.
Destarte, a nova constituição dos espaços nacionais tendem a resultar, por um lado, da dinâmica da produção regionalizada dos grandes conglomerados empresarias (atores globais) e, por outro, da ação dos Estados nacionais para combater os efeitos regionais seletivos da globalização (ARAÚJO, 1997).
Passadas mais de duas décadas do período em que foi iniciado o processo de abertura comercial no Brasil, pode-se começar a avaliar seus efeitos sobre as diversas atividades industriais nas diferentes regiões do país, em particular, para os fins do presente estudo, no Nordeste. Inicialmente, uma análise desses impactos mostra que a hierarquia da estrutura tarifária definida na abertura manteve-se, ao menos nos primeiros anos do novo regime, defendendo prioritariamente os bens duráveis e bens de capital, cuja maior produtividade concentrava-se no Sudeste – notadamente em São Paulo.
A maioria significativa dos estudos e análises, cujo tema se refere à desconcentração produtiva no território brasileiro, aponta no sentido da reversão do processo de despolarização experimentado entre as décadas de 1970 e 1980. A hipótese é que a reversão deste processo seria uma das consequências da abertura comercial e da retomada do processo de crescimento. Embora essas análises estejam devidamente fundamentadas em argumentações relevantes, tentar-se-á demonstrar, além dos perversos efeitos causados pela abertura comercial, que é possível manter o processo de desconcentração em direção à região Nordeste do Brasil.
Sabe-se que a formulação, gestão e modificação de políticas públicas são sensíveis, muitas vezes até subordinadas, à influência de grupos de interesse dominantes em âmbito regional, nacional ou internacional. Esta dimensão social e histórica associada à dimensão técnico-econômica, que está fundamentada em critérios relacionados com o bem-estar maximizador de retornos alocativos, conferem um elevado nível de complexidade a análise do tema proposto neste documento.
No entanto, ainda que o Estado esteja vulnerável aos interesses dos grupos políticos e econômicos dominantes, deve-se considerar a sua “autonomia relativa” (POULANTZAS, 1971; LIMA, 1988). A luz do exposto, torna-se possível aceitar, mesmo defrontando-se com interesses hegemônicos, que parcelas “minoritárias” da sociedade possam articular-se com o Estado a fim de criar uma estratégia de proteção contra as eventuais tendências concentradoras de renda e das atividades produtivas no âmbito inter e intra-regional brasileiro.
Ao longo de muitos anos o Estado impôs restrições às importações de produtos estrangeiros, quase que permanentemente, como uma política de comércio exterior no Brasil, isso graças as recorrentes dificuldades enfrentadas no balanço de transações correntes. Paralelamente, essas restrições estavam intimamente relacionadas com a proteção estatal à industrialização nacional via substituição de importações, o que resultou na construção de um diversificado parque industrial. Todavia, o parque industrial instalado no país apresentava um reduzido nível de competitividade e elevadas margens de rentabilidade, uma vez que praticamente não havia até então, em função do protecionismo imposto pelo Estado, concorrência com os produtos importados (BRESSER-PEREIRA, 2012).
A mencionada política restritiva materializava-se por meio das elevadas alíquotas do Imposto sobre Importações, inclusive com a existência de várias redundâncias, tais como: imposição de tributos e taxas adicionais [3], presença de barreiras não tarifárias (BNT) e controles administrativos às importações, juntamente com os denominados regimes especiais que regiam as importações favorecidas de determinados bens (LIMA, 1988). Com isso, alcançavam-se as metas governamentais citadas: protecionismo à indústria nacional e administração da escassez de divisas [4].
No entanto, diante de um contexto de globalização, os movimentos do capital financeiro e a ampliação do comércio internacional associados a urgente necessidade de atualização tecnológica de alguns setores que se apresentavam mais aptos a exportar conduziram a uma articulação de interesses na direção da liberalização das importações (BRESSER-PEREIRA, 2012).
Logo após a assunção de Fernando Collor de Mello ao Executivo Federal, em 1990, a liberalização financeira e comercial avançou de forma extremamente rápida e agressiva ficando a partir deste momento diminutas as barreiras não tarifárias e os regimes especiais de importação. A estrutura tarifária resultante do processo de abertura executado após a década de 1980 durante o Governo Collor, exposta no Quadro 1, permite observar que a hierarquia se manteve.
Quadro 1 – Proteção legal por categoria de uso (%)
Ano |
Bens de consumo |
Bens intermediários |
Bens de Capital |
||||
Não Duráveis |
Duráveis |
Agricultura |
Insumos Básicos |
Outros |
|||
Agricultura |
Manufaturados |
||||||
1987 |
48,0 |
66,1 |
91,9 |
40,6 |
47,4 |
59,5 |
50,7 |
1988 |
25,2 |
40,9 |
57,4 |
22,6 |
32,2 |
34,5 |
44,3 |
1989 |
19,1 |
40,5 |
53,4 |
19,4 |
23,6 |
33,3 |
40,7 |
1990 |
19,1 |
37,3 |
64,8 |
20,4 |
21,9 |
28,1 |
39,7 |
1991 |
12,3 |
31,1 |
49,6 |
12,6 |
15,6 |
22,1 |
33,0 |
1992 |
9,8 |
25,2 |
40,7 |
10,5 |
13,4 |
18,2 |
28,8 |
1993 |
8,7 |
19,9 |
31,6 |
9,1 |
10,9 |
15,4 |
24,0 |
1994 |
8,6 |
15,8 |
25,7 |
7,6 |
9,9 |
13,1 |
21,0 |
Fonte: Elaboração do autor a partir de Lima (1988, p. 51).
No ano de 1994 os bens duráveis receberam 25,7% de proteção tarifária e os bens de capital 21,0%, já os bens intermediários foram contemplados com uma proteção legal de 7,6% a 13,1%. O nível de proteção concedido aos bens de consumo não duráveis foi semelhante a estes: 8,6% para os agrícolas e 15,8% para os manufaturados.
Realizando uma análise mais detalhada da estrutura das tarifas de importação segundo os ramos da indústria contata-se que os segmentos que apresentavam os mais baixos níveis de proteção eram: Extração mineral (1,0%), agricultura (5,7%), Minerais não metálicos (7,5%), Papel/papelão (8,5%), Couro (8,7%) e Metalurgia (9,6%). Por outro lado, os segmentos que recebiam maior proteção eram: Borracha (16,2%), Têxtil (16,6%), Material plástico (18,6%), Fumo (19,2%), Mecânica (19,7%), Bebidas (19,8%), Perfumaria (19,8%), Vestuário e calçados (20,0%) e Material elétrico/comunicação (21,1%).
A partir desta estrutura tarifária foi originado, de forma clara e perversa, um impacto diferenciado no âmbito regional – positivo para uns e negativo para outros – que merece destaque: as indústrias majoritariamente situadas na região Sudeste passaram a desfrutar de maior grau de proteção via barreiras tarifárias. Se no período que antecedeu a abertura esta era uma questão de menor importância, praticamente irrelevante, após a execução do processo liberalização das relações de comércio com o resto do mundo (com a significativa redução das restrições às importações) este passa constituir-se em fator fundamental.
Isso porque os segmentos predominantemente localizados no Nordeste do país – cujas alíquotas de proteção legal apresentavam-se mais baixas – ficavam expostos à concorrência externa, enquanto os segmentos majoritariamente localizados na região Sudeste, particularmente em São Paulo, – com as mais elevadas alíquotas de proteção legal – ficavam em situação bastante confortável quanto ao nível de competitividade de sua produção doméstica diante dos produtos importados.
Esta perversa lógica imposta pelo processo de abertura comercial em termos regionais [5] é um fato até aqui pouco salientado na literatura econômica nacional, praticamente omitido, das análises referentes à orientação e impactos gerados, no plano regional, pelo processo de liberalização do comércio exterior no Brasil.
Apesar de reconhecer que a política de liberalização comercial ao definir tais alíquotas não buscava possuir, necessariamente, um viés de cunho regional, havendo inclusive a possibilidade de sua orientação estar buscando como principal finalidade reduzir os custos de produção dos bens finais, que detém um maior efeito de encadeamento na matriz industrial, na prática, os segmentos de maior relevância no VTI da indústria do Nordeste – a saber: os de bens intermediários – foram os que registraram os menores níveis de proteção diante da concorrência externa.
Tal constatação, no caso da região Nordeste, é alarmante uma vez que a indústria instalada nesta se caracteriza, predominantemente, pela produção de bens intermediários e de bens de consumo não duráveis, justamente os setores que apresentam os menores níveis de proteção. Portanto, neste período ocorreu uma elevação do grau de vulnerabilidade do parque industrial nordestino, significativamente mais exposto – em relação ao parque industrial localizado nas regiões Sul e Sudeste – à concorrência externa.
Antes mesmo que as colocações aqui realizadas possam ser mal compreendidas, talvez como mero manifesto regionalista, cabe realizar um pequeno esclarecimento sobre este ponto específico. No fundo, o que se pretende demonstrar é que essa situação foi resultado do processo de formação histórica da economia brasileira.
Por um lado, durante o referido processo a Região Sudeste – seja por ter recebido financiamento indireto de outras regiões de acordo com Furtado (1971) ou por seu próprio mérito e esforço e, também, por sua capacidade de estabelecer relações capitalistas de produção, gerar efeitos de indução, multiplicação e diversificação, segundo Cano (1977, 1998) – destacou-se pelo maior dinamismo e, assim, criou as condições necessárias para concentrar parte significativamente maior das atividades produtivas. Por outro lado, no caso nordestino, construiu-se historicamente uma articulação dos setores políticos e econômicos que provocaram uma gradativa integração da economia da região à economia do Sudeste brasileiro de forma dependente e complementar, ou seja, subordinada, por meio da produção de bens intermediários e de bens de consumo não duráveis (ARAÚJO, 1982, 1995, 1997).
Nesse cenário, a lógica do processo de acumulação capitalista passa a atuar em favor dos agentes ou grupos econômicos que detém um maior poder de barganha, influenciando ou mesmo condicionando decisões, como aquela que promoveu modificações estruturais na hierarquia tarifária que, se por um lado estão pautadas em critérios racionais do ponto de vista econômico, por outro, muitas das vezes não perseguem como objetivo a diminuição das desigualdades econômicas e sociais entre as regiões brasileiras, pois desde sua formulação estão “comprometidas”.
Dessa forma, ao proteger e estimular os setores industriais que apresentam maior capacidade de criação de efeitos multiplicadores no âmbito interno, ainda que tais efeitos se manifestem assimetricamente com relação a sua localização regional, o próprio Estado passa a ser o principal agente promotor das desigualdades inter-regionais no Brasil.
A intenção deste registro é alertar para a possibilidade de ampliação das dificuldades, já conhecidas da população e da comprimida base econômica da região Nordeste – materializada nos diferenciais de desenvolvimento social e econômico – uma vez que as políticas de liberalização comercial e globalização financeira que avançam a passos largos a cada dia podem vir a contribuir, significativamente, para ocorrência de um processo de reconcentração industrial das atividades produtivas nas regiões Sul e Sudeste do país, promovendo uma fragmentação ainda maior da economia nacional em um contexto de crise e inserção subordinada à dinâmica capitalista do países centrais.
3.1. A tendência das desigualdades no Brasil
Para Porto, Comim e Ribeiro (2004), logo depois do início da implementação das políticas liberalizantes nos últimos anos da década de 1980, ocorreu uma elevação da participação das exportações no PIB promovendo importantes alterações nas relações internas do mercado de trabalho, principalmente quanto ao perfil da demanda por mão de obra, modificando sua mobilidade e distribuição de renda.
Desde então, de acordo com o autor, o mercado tem ampliado continuamente o grau de exigência quanto à qualificação da mão de obra, uma vez que a habilidade do trabalhador se torna fundamental em um ambiente no qual a valorização do capital, em grande parte, depende do progresso tecnológico. Consequentemente, os postos de trabalho com menores níveis de qualificação vêm sendo gradativamente eliminados. Outro importante aspecto a ser destacado, quanto ao processo de abertura comercial e seus efeitos sobre a distribuição de renda no Brasil, é a intensidade da heterogeneidade apresentada pelas diversas regiões do país.
A maior preferência por trabalho qualificado tem promovido um aumento excessivo da desigualdade salarial entre aqueles mais qualificados em relação aos menos hábeis, elevando, assim, a concentração de renda. Esse aumento na parcela da população que detém os maiores e os menores salários explica a significativa redução da classe média no período pós- Plano Real. Cabe mencionar que esse processo, no entanto, pode se ocultado pelos indicadores de desigualdade.
Algumas discussões sobre o desaparecimento da classe média, de forma equivocada, tendem a defender que a polarização e desigualdade de renda seguem, necessariamente, a mesma direção. Na verdade, a redução da classe média pode estar diretamente associada ao esvaziamento das faixas de renda intermediárias, passando os integrantes destas a inserir-se nas altas ou baixas classes de renda. De acordo com Porto, Comim e Ribeiro (2004, p. 9): "A observação teórica básica é a de que a polarização deve ser entendida de um modo diferenciado do conceito de desigualdade".
A Tabela 1 apresenta a variação do índice de Gini no período entre 1995 e 2005 para a renda domiciliar per capita (RDPC), para o rendimento mensal total incluindo os sem rendimentos (PEA total) e para o rendimento de todos os trabalhadores (POC) brasileiros. Ressalte-se que uma queda no índice a ser observado representa uma melhoria na distribuição de renda do Brasil.
Tabela 1 – Evolução da desigualdade da distribuição da renda no Brasil (1995 a 2005)
Índice de Gini para |
1995 |
1996 |
1997 |
1998 |
1999 |
2001 |
2002 |
2003 |
2004 |
2005 |
RDPC |
0,599 |
0,600 |
0,600 |
0,598 |
0,592 |
0,594 |
0,587 |
0,581 |
0,569 |
0,566 |
PEA |
0,589 |
0,584 |
0,584 |
0,581 |
0,572 |
0,571 |
0,569 |
0,561 |
0,553 |
0,550 |
PEA total |
0,662 |
0,657 |
0,659 |
0,659 |
0,655 |
0,642 |
0,637 |
0,630 |
0,616 |
0,616 |
POC |
0,585 |
0,580 |
0,580 |
0,575 |
0,567 |
0,566 |
0,563 |
0,554 |
0,547 |
0,544 |
Fonte: Elaboração do autor a parir de Hoffmann (2007).
Observa-se, conforme exposto na Tabela 1, que entre 1995 e 2001 ocorreu uma suave redução da RDPC, que fica ainda mais evidente no período entre 2001 e 2005, quando o índice cai 2,8%. De semelhante modo, os índices referentes à PEA, PEA total e POC, para o período 1995-2005, também apresentaram uma tendência de queda durante todo o período de observação. Cabe destacar que, diferentemente da RDPC, que em sua metodologia de cálculo inclui o rendimento das pessoas inativas que fazem jus ao recebimento de aposentadoria e/ou pensão, as distribuições da PEA e PEA Total refletem o que tem ocorrido no mercado de trabalho.
Segundo Hoffmann (2007), a participação na renda apropriada pelos 10% e 5% mais ricos da população brasileira reduziu-se entre 2001 e 2005. Em 2001 as participações desses estratos de renda representavam 47,2% e 33,8%, respectivamente. Já em 2005 esse percentual se reduz a 45,0% e 32,0%. Neste sentido, a expansão de programas sociais, tais como Bolsa Família, foram essenciais para viabilizar uma melhoria das condições de vida dos estratos mais pobres da população.
A tendência de redução da desigualdade brasileira pode ser confirmada mediante análise do coeficiente de Gini, para o período 1995-2009. Nesse período, de acordo com dados do IPEA, ocorreu uma diminuição significativa do índice, passando de 0,601 no início da série para 0,543 em 2009, conforme ilustrado na Figura 1, o que representa uma queda de 5,8% durante o período de observação.
Figura 1 – Evolução da desigualdade na renda familiar per capita no Brasil: coeficiente de Gini (1995-2009)
Fonte: Elaboração do autor a partir de dados coletados: http://www.ipea.gov.br
Acesso em: (08/07/2016).
Essa importante redução do coeficiente de Gini no Brasil teve como fator fundamental a expansão de programas sociais do governo federal, dentre os quais o principal foi o Programa Bolsa Família (PBF), que busca beneficiar famílias em situação de pobreza e de extrema pobreza em todo o país, por meio de transferência direta de renda.
O Bolsa Família integra o Plano Brasil Sem Miséria (PBSM) e beneficiou, em 2010, de acordo com o Ministério do Desenvolvimento Social (MDS), cerca de 12,9 milhões de domicílios. Outros fatores que colaboraram para a melhoria do índice foram: o aumento real de salário e ampliação do nível de emprego, consequência do recente crescimento econômico da economia brasileira. Portanto, constata-se que a veloz diminuição da pobreza está diretamente relacionada com a redução da desigualdade.
Segundo Pessôa (1999) a desigualdade entre as regiões pode ser analisada basicamente sob dois pontos de vista: o primeiro deles busca fazê-lo através da identificação dos diferenciais de renda per capita apresentado pelas diversas regiões. O segundo observa a diferença entre a renda total das regiões, ou seja, estudando a forma de distribuição da produção e identificando as localidades onde ela se concentra. Em geral, a produção tende a se concentrar em uma região relativamente pequena e altamente industrializada, que possui elevada participação na composição do PIB.
Hipoteticamente, se forem consideradas duas regiões que apresentem renda per capita diferenciada e possuam mobilidade perfeita de mão de obra e características semelhantes entre elas, o diferencial da renda per capita verificado poderia ser gradualmente suprimido via implementação de políticas eficazes de migração. Portanto, conclui-se que a persistência, de significativas diferenças na renda per capita nas diversas regiões de um país somente seria possível caso a qualificação dos trabalhadores não fosse a mesma ou pelo menos equivalente.
Cabe destacar que as políticas que visam promover a desconcentração produtiva não induzem, necessariamente, a uma distribuição interpessoal da renda mais eficiente e, de acordo com Pessôa (1999), provavelmente esse tem sido o principal problema brasileiro. Nesse contexto, o autor conclui que os problemas enfrentados por algumas das regiões do Brasil podem não ser consequências de suas características específicas, mas sim dos indivíduos que nela residem. Portanto, se o problema, por hipótese, é social e não regional, os agentes responsáveis pela formulação de políticas públicas direcionadas ao combate das desigualdades devem priorizar, desde sua concepção, os indivíduos e não à região. Isto não quer dizer que as políticas direcionadas às regiões devem ser esquecidas, apenas defende-se uma inversão da ordem de prioridade na implementação das medidas.
Nos últimos anos, principalmente a partir da ascensão de Luis Inácio Lula da Silva à Presidência da República, percebe-se que o Governo Federal tem executado políticas assistênciais que explicitam em suas diretrizes básicas alguns dos fundamentos defendidos pela tese acima mencionada.
A partir da observação do Quadro 2 pode-se verificar uma significativa ampliação da participação das transferências na renda total das regiões do Brasil.
Quadro 2 – Evolução das transferências nas regiões brasileiras em 1991 e 2000
Região |
% Transferência de Renda |
Transferências |
Taxa anual de crescimento |
||
1991 |
2000 |
1991 |
2000 |
||
CO |
5,99% |
11,42% |
10,12 |
26,93 |
11,49% |
N |
5,83% |
11,47% |
6,47 |
15,03 |
9,83% |
NE |
12,23% |
21,09% |
10,12 |
23,95 |
10,04% |
S |
8,87% |
16,39% |
19,34 |
51,36 |
11,46% |
SE |
10,17% |
16,42% |
21,32 |
45,58 |
8,81% |
Brasil |
9,87% |
17,12% |
14,48 |
34,22 |
10,03% |
Fonte: Elaboração do autor a partir de Magalhães e Rabelo (2006).
É evidente que as transferências diretas de renda promovidas pelo governo federal através de programas sociais nos anos de 1990 influenciaram positivamente o IDH das regiões mais carentes. Neste período, a região nordestina registrou uma variação média percentual em IDH da ordem de 16,49%, enquanto a região Sul apresentou uma melhora de 9,57% em seu índice. De acordo com dados da PNAD (2005), esta dicotomia também pode ser identificada em outros indicadores como, por exemplo, na disponibilidade ao abastecimento de água que verificou, no ano de 2005, um percentual de 73,9% do total de domicílios particulares permanentes atendidos pela rede geral de abastecimento, enquanto na região Sul este percentual foi de 84,0%.
A partir da Figura 2, observa-se de forma ainda mais clara a relevância que as transferências governamentais têm assumido nos anos posteriores ao processo de abertura comercial no Brasil. Desde então, a participação destas transferências na renda total das macrorregiões brasileiras tem sido ampliada, conforme exposto na Tabela 4, e o percentual de pessoas cuja transferência do governo representa parcela superior a 50% de sua renda, registrou grande expansão no Brasil entre os anos de 1991 e 2000.
Figura 2 – Percentual de pessoas cuja parcela superior a 50% de sua
renda provém de transferências governamentais em 1991 e 2000
Fonte: Elaboração do autor a partir de dados do PNUD (2000).
Os dados até aqui apresentados confirmam a existência de grandes desigualdades entre as regiões brasileiras. Segundo Porto, Comim e Ribeiro (2004), o crescimento econômico em determinadas regiões é mais favorável à população de baixa renda do que em outras, isto não garante obrigatoriamente que a ocorrência de tal processo nessas áreas reduza a pobreza. O crescimento econômico apresenta a capacidade de diminuir os efeitos da pobreza, contudo o impacto sobre as diversas regiões ou estados da federação tende a ser desigual. O autor cita um conjunto de sete fatores cuja observação torna-se de fundamental impotância – principalmente por parte dos agentes responsáveis pela formulação e gestão de políticas públicas – se o objetivo for possibilitar que o crescimento econômico transforme-se em redução da pobreza:
Porto, Comim e Ribeiro (2004) denominam de políticas pró-pobre aquelas políticas que favorecem a população mais necessitada, promovendo uma distribuição mais eficiente da renda e viabilizando, através de incentivos se preciso for, investimentos que gerem a ampliação da demanda por mão de obra pouco qualificada, aliando a isto investimentos massivos em educação e saúde. Além disso, é fundamental, de acordo com o autor, eliminar os monopólios que, na maioria dos casos, ofertam seus produtos a preços excessivamente elevados, reduzindo o bem estar social. Outras políticas essenciais a promoção do crescimento pró-pobre são: a disponibilidade de acesso ao microcrédito, aos serviços de planejamento familiar, incentivos a pequenas e médias empresas, investimento em infraestrutura nas áreas rurais ou naquelas áreas cuja intensidade da pobreza apresenta níveis mais altos em relação média etc.
No entanto, tais políticas devem considerar as diferentes características apresentadas pelas regiões brasileiras. Em determinados casos pode ser que a intensificação da taxa de crescimento econômico seja a opção mais adequada, em outros, políticas redistributivas podem apresentar maior grau de eficiência. Neste contexto, torna-se extremamente necessário que o Estado, ao formular políticas direcionadas a redução da pobreza ou qualquer outra mazela social, faça uma minuciosa avaliação do alvo de sua intervenção a fim de descobrir se o problema identificado é transiente ou crônico, se está espacialmente localizado nas áreas rurais, urbanas ou em ambas etc. No caso da pobreza simplifica-se a análise, considerando a relação entre renda média e a desigualdade de renda.
Conforme apresentado ao longo do presente trabalho, o recente debate sobre a desconcentração produtiva nacional tem se caracterizado por argumentos que exibem uma perspectiva um tanto quanto pessimista. Em síntese, estes argumentos destacam: a tranformação no papel desempenhado pelo Estado; as vantagens do Sudeste, notadamente São Paulo, quanto a disponibilidade de infraestrutura, mão de obra qualificada, maior investimento em pesquisa, maior proximidade do Mercosul, quantidade superior de municípios de grande e médio porte com elevada capacidade de atrair investimentos, entre outros fatores.
A conclusão que emerge das observações e análises realizadas neste trabalho é a de que a inserção brasileira na economia internacional, em um ambiente de intensa globalização financeira, realizou-se de forma bastante diferenciada. Essa diferenciação tende a aprofundar as históricas e perversas desigualdades entre as regiões do país. A própria forma pela qual se dá o crescimento da economia mundial é extremamente assimétrica. Para Pacheco (1996), os agentes econômicos globais interessam-se apenas pelos espaços competitivos do Brasil. A observação do autor é fundamental, pois chama a atenção para a orientação dos investimentos a partir de interesses privados e não do interesse nacional brasileiro.
Assim, de acordo com o exposto, fica claro que as desigualdades históricas entre as regiões brasileiras tendem a aprofundar-se, destacando-se apenas alguns focos de competitividade e dinamismo, caso não seja implementada, em caráter de urgência, uma política nacional de desenvolvimento regional.
A grave crise pela qual passa o Estado, desde o inconteste alinhamento com o Consenso de Washington, e o evidente tratamento não-prioritário concedido ao objetivo da integração nacional, nas últimas décadas, sinalizam neste sentido. Cabe ressaltar, como mensionado anteriormente, que isso seria conveniente a determinados grupos econômicos e políticos conservadores, que historicamente tem colocado seus próprios interesses acima dos interesses da nação.
Essa tendência de agravamento das desigualdades vem fortalecendo dinâmicas específicas no interior dos estados nordestinos. No Rio Grande do Norte e em Pernambuco, por exemplo, o dinamismo das áreas de fruticultura contrapõe-se à grave crise das áreas do antigo complexo gado-algodão – apesar destas áreas ficarem próximas, em ambos os Estados. De semelhante forma, a morosidade na busca por alternativas para a produção do cacau na Bahia contrasta-se com o dinamismo das áreas situadas no oeste do estado.
Furtado (1992) já afirmava que a inserção seletiva da economia brasileira à economia mundial teria como consequência o abandono das áreas não-competitivas. Portanto, a pelo menos duas décadas a tendência de fragmentação da economia brasileira vem se manifestando sem que o Estado atue efetivamente a fim de contrarrestar os efeitos negativos deste processo. Ao que parece o Nordeste já está dando sinais que deverá acompanhar esta tendência geral de fragmentação nos próximos anos. Assim, o futuro aponta, particularmente com relação a região nordestina, para a intensificação das heterogeneidades herdadas do passado recente.
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1. Doutorando em Economia pelo PPGE/UFU Mestrado em Economia Aplicada pelo PPGECON/UFPE Mestrando em Engenharia de Produção pelo PEP/UFRN Graduado em Economia pela UFRN . E-mail: wallacealmeida88@hotmail.com
2. Graduada em Ciência e Tecnologia pela UFRN Graduada em Engenharia de Materiais pela UFRN. E-mail: vanessaalmeida90@gmail.com
3. Pode-se citar como exemplo o Imposto sobre Operações de Crédito, Câmbio e Seguro (IOF), Taxa de Melhoramentos de Portos (TMP), Adicional de Frete para Renovação da Marinha Mercante (LIMA, 1988).
4. Vale ressaltar, contudo, que em alguns anos, como por exemplo 1946/47 e 1964/67, registraram-se diminuições do controle às importações.
5. Essa lógica já vigorava no período anterior ao processo de abertura comercial posto em ação durante a década de 1990. Todavia, nos anos posteriores ao início da execução das políticas de liberalização comercial, tornou-se mais vigorosa. Sobre isso Pinheiro e Almeida (1994, p. 24) afirmam: "Os resultados mostram, também, uma mudança em direção à maior proteção em indústrias localizadas em São Paulo. A proteção nominal passa de menor a maior para os setores concentrados em São Paulo em 1992, enquanto para a proteção efetiva isto já havia acontecido em 1960".