Vol. 38 (Nº 01) Año 2017. Pág. 14
Laís Michele BRANDT 1; Fernando Batista Bandeira da FONTOURA 2
Recibido: 21/07/16 • Aprobado: 12/08/2016
2. A decadência no âmbito do direito tributário
3. Regras que regulam a decadência do direito do fisco
4. A prescrição no âmbito do direito tributário
5. Regras que regulam a prescrição do direito do fisco
6. Impostos reais e diretos: prazos de prescrição ou decadência?
7. A questão do pagamento nos lançamentos sujeitos a homologação
8. Prazo decadencial na hipótese de lançamento por homologação, com dolo, fraude ou simulação
RESUMO: O presente estudo versa sobre a decadência e prescrição em matéria tributária, tema polêmico que tem suscitado várias divergências, tanto na doutrina como na jurisprudência. Nesta linha, o trabalho tem por objetivo conhecer as diversas situações em que o tema oferece perplexidades no dia a dia dos operadores do direito. Embora tanto a decadência como a prescrição tenham o prazo de cinco anos, as dúvidas sempre recorrentes dizem respeito ao termo inicial da contagem desse prazo. Este é o tema central da abordagem desenvolvida no presente trabalho, que principia com a conceituação de decadência e prescrição, passando após pela análise dos critérios que diferenciam as hipóteses em que o prazo é decadencial ou prescricional. Decadência e prescrição em matéria tributária são institutos que estão umbilicalmente ligados às formas de constituição do crédito tributário, razão pela qual, o presente trabalho aborda também as várias modalidades de lançamento e sua relevância na fixação do marco inicial da decadência e prescrição. Algumas subespécies tributárias, cujos créditos são constituídos de forma automática, sem qualquer providência do fisco ou do contribuinte, também apresentam dúvidas na identificação do prazo, se de decadência ou prescrição, onde o trabalho inova, com a posição do autor. Uma posição inovadora também vem apresentada na hipótese de lançamento por homologação, quando o lançamento é efetuado sem pagamento e/ou com dolo, fraude ou simulação. A tese dos “dez anos” também é abordada de forma sintética. O trabalho encerra com hipóteses de suspensão e interrupção da prescrição. O presente estudo caracteriza-se por ser um ensaio teórico hermenêutico. |
ABSTRACT: This study deals with the decadence and prescription on tax matters, a controversial issue that has raised a number of differences, both in doctrine and jurisprudence. In this line, the work aims to understand the various situations in which the subject offers perplexities on the day of jurists. Although both decadence and prescription have the period of five years, the ever recurring questions concern the initial term count that period. This is the central theme of the approach developed in this work, which begins with the concept of decadence and prescription, going after the analysis of the criteria that differentiate the cases in which the term is statute or limitation. Decadence and prescription on tax matters are institutes that are inextricably linked to the forms of constitution of the tax credit, which is why, this paper also discusses the various forms of release and its relevance in determining the starting point of decadence and prescription. Some tax subspecies, whose claims are made automatically, without any action of tax authorities or the taxpayer, also have questions on the term identification if decay or prescription, where the work innovates with the author's position. An innovative position is also presented at the launch event for approval when the release is made without payment and / or willful misconduct, fraud or simulation. The thesis of "ten years" is also addressed in a synthetic way. The work ends with a chance of suspension and interruption of prescription. The present study is characterized by being a theoretical hermeneutic assay. |
Prescrição e decadência tributária são temas relevantes no campo do Direito Tributário e que tem despertado grandes polêmicas e incompreensões, por ser justamente “um direito que extingue um direito, produzindo um novo direito”, no dizer de Santi (2011, p.143). Ainda para o mesmo autor, “decadência e prescrição não são formas de se fazer justiça. São formas concretas que o direito encontrou para conviver com esse deus tão poderoso: o tempo”, o que permite concluir que os fundamentos dos institutos repousam na garantia da paz social e na segurança da ordem jurídica, já que o direito não pode conviver com situações que se eternizam no tempo.
O tema apresenta-se complexo tendo em vista que a decadência e a prescrição aplicadas no ramo do Direito Tributário levam em conta as várias modalidades dos tributos, nas suas subespécies, bem como as formas de lançamento. O que é certo é que as obrigações jurídicas – e aqui, especificamente, as relações jurídicas tributárias – não podem se protrair no tempo, sem haver um limite temporal para sua exigibilidade. É nesse contexto que surgem os fenômenos da decadência e da prescrição, que tratam, respectivamente, de prazos para a constituição do crédito tributário, bem como do prazo para sua cobrança em juízo, na forma de execução fiscal. Dessa forma, o direito, que cria suas próprias realidades, estabeleceu na legislação tributária um limite temporal para que as relações jurídicas tributárias não se eternizem no tempo, atendendo-se, assim, postulados de segurança jurídica e de pacificação social.
O presente estudo tem por objetivo apresentar uma visão geral sobre decadência e prescrição em matéria tributária, em face das inúmeras controvérsias suscitadas, tanto na doutrina quanto na jurisprudência, cuja matéria está em constante evolução, em face das novas concepções trazidas pela jurisprudência dos Tribunais Superiores e estaduais.
Conhecer esta realidade na esfera tributária faz parte do dia a dia do profissional que atua na área do Direito Tributário, bem como nas ciências sociais aplicadas, sendo um tema interdisciplinar complexo em uma sociedade supersimbólica diversa onde as informações são constructos fundamentais (TOFFLER, 1995; RAMOS, 1996; HARVEY, 1992).
O artigo apresenta a temática decadência e prescrição no diretito tributário levando em consideração a hermenêutica como método de análise e construção teórica.
A constituição definitiva do crédito tributário pelo lançamento sujeita-se ao prazo decadencial de cinco anos, findo o qual opera-se a caducidade do direito da Fazenda Pública efetuar o lançamento devido.
A decadência em matéria tributária é instituto jurídico que demarca a perda do direito de constituir o crédito tributário, em decorrência da inércia do Fisco, que deixa de efetuar o lançamento no prazo legal. Nos termos do art. 156, V, do Código Tributário Nacional, a decadência é uma das modalidades de extinção do crédito tributário. (<http://www.planalto.gov.br/>).
Mauro Lopes (2013, p.292) conceitua decadência como sendo “a perda do direito de constituir o crédito tributário, em decorrência da não realização do lançamento no quinquênio estabelecido a tanto (Código Tributário Nacional, art. 173)”. (<http://www.planalto.gov.br/>).
Para Sabbag (2013, p.797), “diz-se que a decadência nasce em razão da omissão ou inação do sujeito ativo no exercício da faculdade de proceder ao processo de positivação do direito tributário”. Já o ministro Luiz Fux, no Recurso Especial nº 965.361, citando doutrina de Eurico Santi (2011, p.163), preleciona que “decadência ou caducidade, no âmbito do Direito Tributário, importa no perecimento do direito potestativo de o fisco constituir o crédito tributário pelo lançamento (…)”.
O Código Tributário Nacional, ao dispor sobre a decadência como causa extintiva do crédito tributário, elenca duas regras básicas, previstas no art. 150, § 4º e no art. 173, cuja aplicabilidade subordina-se à modalidade do tributo em espécie, forma de lançamento e, ainda, se houve ou não antecipação do pagamento (<http://www.planalto.gov.br/>).
A decadência, no âmbito do Direito Tributário, conforme já exposto, importa no perecimento do direito potestativo da Fazenda Pública constituir o crédito tributário pelo lançamento.
Aqui, devem ser observados dois comandos do Código Tributário Nacional, adstritos à temática geral da decadência – art. 173, I, e art. 150, § 4º – , sendo imperiosa a análise do dies a quo neles previsto para a contagem do prazo decadencial. Isto porque, pela regra do art. 150, § 4º, do Código Tributário Nacional, o prazo decadencial tem início com a data do fato gerador. Já pela regra do art. 173, I, do Código Tributário Nacional, o prazo decadencial tem como regra o primeiro dia do exercício seguinte àquele em que o lançamento poderia ter sido efetuado (<http://www.planalto.gov.br/>).
Chega-se à conclusão de que no prazo do art. 173, I, do Código Tributário Nacional, que tem como dies a quo o primeiro dia do exercício seguinte àquele em que o lançamento poderia ter sido efetuado, é um prazo mais dilatado em relação ao prazo previsto no art. 150, 4º, do citado diploma (data do fato gerador), permitindo, assim, uma maior dilação ao Fisco para efetuar o lançamento.
A hipótese do art. 173, I, do Código Tributário Nacional é considerada a regra geral da decadência prevista no referido estatuto, aplicável às hipóteses de lançamento por ofício, por declaração e por homologação, sem pagamento, enquanto que a hipótese do art. 150, § 4º, do Código Tributário Nacional é considerada regra especial de decadência, por alcançar tão somente os tributos lançados por homologação, com antecipação de pagamento (<http://www.planalto.gov.br/>).
Vem da doutrina especializada de Santi (2011, p.166), e que vem sendo acolhida pela jurisprudência, cinco regras jurídicas gerais e abstratas. Serão elas agora analisadas.
De acordo com a doutrina de Santi (2011, 166), a regra aplica-se nas hipóteses em que não ocorre pagamento antecipado, com ou sem existência de previsão para a antecipação do pagamento; não ocorrência de dolo, fraude ou simulação e não ocorrência de notificação por parte do Fisco:
Nessa configuração, o prazo decadencial é de cinco anos, contados do primeiro dia do exercício seguinte àquele em que tenha ocorrido o evento tributário (art. 173, I, do CTN). Anote-se a determinação do dies a quo desse prazo tem como pressuposto a constituição jurídica do fato tributário, no qual se identificará juridicamente o tempo no fato, que é, neste caso, o marco temporal da ocorrência do mencionado evento.
O consequente normativo dessa regra ataca a competência administrativa de o Fisco produzir o ato-norma administrativo de lançamento tributário ou, o que é o mesmo, extingue o direito de a Fazenda Pública constituir o crédito, na precisa dicção do caput do art. 173.
Por esta regra, não havendo pagamento, não há o que se homologar.
A regra aplica-se nas hipóteses em que não ocorre pagamento antecipado, com ou sem existência de previsão para a antecipação do pagamento, não ocorrência de dolo, fraude ou simulação e com ocorrência de notificação por parte do Fisco. Aqui a regra é a mesma da situação anterior, diferenciada apenas pela ocorrência de notificação.
Esta notificação é que deflagra o dies a quo do prazo decadencial de cinco anos, verificando-se aqui uma antecipação do início do prazo, diante da desnecessidade de se aguardar o primeiro dia do exercício seguinte àquele em que o lançamento poderia ter sido efetuado, contido na regra geral do art. 173 do CTN.
A regra aplica-se nas hipóteses em que ocorre pagamento antecipado, com existência de previsão para a antecipação do pagamento, não ocorrência de dolo, fraude ou simulação e não ocorrência de notificação por parte do Fisco.
Aqui o início do prazo decadencial de cinco anos conta-se a partir da ocorrência do fato gerador do tributo, na exata dicção do art. 150, § 4º, do Código Tributário Nacional, pelo qual “se a lei não fixar prazo a homologação, será ele de cinco anos, a contar da ocorrência do fato gerador (...)”. (<http://www.planalto.gov.br/>).
Expirado esse prazo sem que a Fazenda Pública tenha se pronunciado sobre a correção do pagamento efetuado, considera-se homologado o lançamento e definitivamente extinto o crédito. Aqui a regra extingue ao mesmo tempo o crédito tributário declarado pelo contribuinte, pela homologação tácita, bem como a obrigação tributária, pela decadência, por eventual diferença verificada entre o crédito declarado e o crédito que seria devido, tornando impossível o lançamento da diferença, ainda que de ofício.
A regra aplica-se nas hipóteses em que ocorre pagamento antecipado, com existência de previsão para a antecipação do pagamento, ocorrência de dolo, fraude ou simulação e ocorrência de notificação por parte do Fisco. Aqui o prazo decadencial de cinco anos é deflagrado pela ocorrência do ilícito tributário, realizado com dolo, fraude ou simulação, pelo que deverá o Fisco notificar o sujeito passivo, no prazo de cinco anos, acerca do ilícito, sob pena de se implementar a decadência. Por isso, a advertência de Santi (2011, p.121):
Portanto, transcorridos cinco anos sem que a autoridade administrativa se pronuncie, produzindo a indigitada notificação formalizadora do ilícito, operar-se-á, ao mesmo tempo a decadência do direito de lançar de ofício, a decadência do direito de constituir juridicamente o dolo, fraude ou simulação para os efeitos do art. 173, parágrafo único, do CTN e a extinção do crédito tributário em razão da homologação tácita do pagamento efetuado.
Do exposto, verifica-se ser indispensável a notificação do sujeito passivo tanto para a constituição administrativa do ilícito tributário, fundada na tipificação do fato alegado com a qualificação jurídica desta situação, bem como para viabilizar o posterior lançamento, dentro do novo prazo a contar da notificação. A notificação, como se vê, amplia o prazo decadencial de cinco anos, cujo prazo, por esta regra, passa a fluir da notificação.
Atenta-se, contudo, com amparo na doutrina de Santi, que esta notificação deverá ocorrer dentro do prazo de cinco anos a contar o ilícito tributário, sob pena de restar consumada a decadência.
Pela regra do art. 173, II, do Código Tributário Nacional, o direito do Fisco constituir o crédito tributário extingue-se em cinco anos, a contar da data em que se tornar definitiva a decisão que houver anulado, por vício formal, o lançamento anteriormente efetuado.
Por esta regra, havendo decisão administrativa ou judicial que implique na anulação do lançamento já efetuado, outro prazo decadencial de cinco anos passa a fluir, a contar da data da decisão que decretou a anulação do lançamento anterior. Também aqui a decisão anulatória do lançamento deve ocorrer dentro do prazo de cinco anos, sob pena de operar-se a decadência.
Alexandre (2012, p.443) adverte, contudo, com base no preceptivo citado, “que a regra somente é aplicável quando o vício que constar do lançamento for de natureza formal (adjetivo), não aproveitando aos casos de vício material (substantivo)”. E mais adiante, conclui:
Assim, se o lançamento foi declarado nulo em virtude de cerceamento de defesa do sujeito passivo ou de a autoridade lançadora carecer de competência legal para exercer a atividade, a regra é aplicável, pois o vício não se refere ao conteúdo do ato, mas sim a um aspecto formal. Já no caso em que o lançamento é anulado porque o órgão julgador entendeu que a situação base considerada como fato gerador do tributo não se enquadra com a precisão na hipótese legal de incidência tributária, não tem lugar a regra, pois o vício é material e não formal. Na segunda hipótese, a fraseologia administrativa costuma afirmar que o lançamento é improcedente. (ALEXANDRE, 2012, p.541).
Havendo, pois, anulação do lançamento já efetuado, por decisão administrativa ou judicial, esta decisão deflagra novo prazo decadencial de cinco anos para o Fisco efetuar novo lançamento ou corrigir o anterior.
A constituição definitiva do crédito tributário inaugura um novo lapso temporal, que é o decurso do prazo prescricional de cinco anos para o Fisco cobrar judicialmente o crédito tributário. A prescrição, causa extintiva do crédito tributário, resta regulada pelo artigo 174 do Código Tributário Nacional.
Merece ser dito que a prescrição em matéria tributária, não só extingue o direito de exigir o crédito tributário, mas é causa de extinção do próprio crédito tributário. Para Sabbag (2013, p.815) “define-se como fato jurídico que determina a perda do direito subjetivo de ajuizamento da ação de execução (fiscal) do valor do tributo”. E mais adiante:
Se há prescrição, desaparece o direito de pleitear a intervenção do Judiciário, diante da falta de capacidade defensiva, que lhe foi retirada em consequência do não uso dela durante certo interregno, atingido pela força destrutiva da prescrição.
Tal como ocorre com a decadência do direito de constituir o crédito tributário, a prescrição do direito de cobrança judicial pelo Fisco também vem sendo orientada por cinco regras jurídicas gerais e abstratas, a partir da posição de Santi (2011), e que também vem sendo sufragada pela jurisprudência emanada dos tribunais superiores acerca do tema.
Assim como ocorre com a decadência, também a prescrição é informada por cinco regras que regulam o início do prazo prescricional. E aqui deve ser registrado que não é o prazo de cinco anos que oferece dúvidas, pois este vem expressamente previsto no art. 174 do Código Tributário Nacional, mas sim o dies a quo do prazo prescricional. (<http://www.planalto.gov.br/>).
Também aqui são utilizados os fundamentos da doutrina especializada de Santi (2011), que traçou cinco regras jurídicas gerais e abstratas, e que vêm sendo acolhidas pela jurisprudência.
A regra conjuga na sua hipótese a combinação de quatro critérios: constituição do crédito pelo contribuinte, sem pagamento antecipado; não ocorrência da constituição do crédito pelo lançamento; não ocorrência da suspensão da exigibilidade antes do vencimento e não ocorrência do reinício do prazo de prescrição do direito do Fisco.
Aqui o prazo prescricional é contado da data da entrega do documento constitutivo do crédito, pelo sujeito passivo ao Fisco, descontado eventual prazo em que a exigibilidade do crédito estava suspensa.
Também aqui a regra conjuga na sua hipótese a combinação de quatro critérios: constituição do crédito pelo contribuinte, sem pagamento antecipado; não ocorrência da constituição do crédito pelo lançamento; ocorrência da suspensão da exigibilidade antes do vencimento e não ocorrência do reinício do prazo de prescrição do direito do Fisco.
Nessa combinação, o prazo prescricional é contado a partir da data em que o crédito tributário retoma sua exigibilidade, que estava suspensa.
A regra conjuga na sua hipótese a combinação de quatro critérios: não ocorrência da constituição do crédito pelo contribuinte, sem pagamento antecipado; ocorrência da constituição do crédito pelo lançamento; não ocorrência da suspensão da exigibilidade antes do vencimento do prazo para pagamento e não ocorrência do reinício do prazo de prescrição do direito do Fisco.
Ocorrendo essa combinação, a prescrição conta-se da data em que o sujeito passivo foi regularmente notificado do lançamento tributário.
Os quatro critérios reclamados por esta regra são: não ocorrência da constituição do crédito pelo contribuinte, sem pagamento antecipado; ocorrência da constituição do crédito pelo lançamento; ocorrência da suspensão da exigibilidade antes do vencimento do prazo para pagamento e não ocorrência do reinício do prazo de prescrição do direito do Fisco.
Nessa hipótese, o prazo prescricional tem seu dies a quo na data em que for suprimida a condição que, antes da constituição do lançamento, suspendeu a exigibilidade do crédito.
Aqui a regra tem como pressuposto a ocorrência de qualquer uma das hipóteses de reinício do prazo de prescrição anterior, interrompido por qualquer uma das causas interruptivas do prazo. O novo dies a quo é a data em ocorreu qualquer uma dessas hipóteses de reinício do prazo.
Os prazos de decadência e de prescrição em algumas situações causam perplexidade, já que podem dar a falsa ideia de que o prazo é de decadência, quando na verdade é de prescrição.
Veja-se que o Imposto Territorial Urbano, a exemplo do Imposto sobre a Propriedade de Veículos Automotores, é tributo real, direto e continuado, cujo fato gerador periódico se renova a cada ano e sua constituição definitiva, por sua publicidade e conhecimento amplo, se dá no primeiro dia do ano relativo à sua exigibilidade. O lançamento ocorre automaticamente na virada do ano, independentemente de qualquer providência do Fisco ou do contribuinte. No caso do Imposto Territorial Urbano o lançamento ocorre de ofício, sem qualquer participação do sujeito passivo. O fisco constitui o crédito tributário valendo-se das informações que constam no seu cadastro imobiliário relativo aos imóveis localizados na área urbana do município.
O fato gerador do Imposto Territorial Urbano, como é cediço, é a propriedade de bem imóvel urbano, no dia 1º de janeiro de cada ano, sendo que o lançamento, de ofício, retroage à data da ocorrência do fato gerador, ou seja, o primeiro dia de cada ano. O lançamento do Imposto Territorial Urbano dispensa o processo administrativo e a notificação do contribuinte, uma vez que o imposto decorre automaticamente do simples cadastramento do imóvel urbano junto à municipalidade. Como seu fato gerador se renova a cada ano, independentemente de qualquer procedimento administrativo, fica dispensada inclusive a notificação em face de sua publicidade e conhecimento amplo.
A propósito, note-se que a Súmula 397 do Superior Tribunal de Justiça enuncia que “a simples remessa do carnê para pagamento do Imposto Territorial Urbano ao endereço do contribuinte configura notificação do lançamento”, donde se conclui que o lançamento, de forma automática, já ocorreu num momento anterior. Parece óbvio que este momento anterior é o próprio dia do fato gerador, ou seja, o primeiro dia de cada ano, já que entre este dia e a entrega do carnê na residência do contribuinte não ocorre outro evento relevante para o direito tributário no que diz respeito a este tributo.
Aliás, nesse sentido é a posição do Tribunal de Justiça gaúcho, para quem o exemplo retro seria de prescrição e não de decadência, conforme recentes julgados que são trazidos à colação:
[...] 2. Tratando-se de IPTU, portanto, tributo periódico, o lançamento ocorre automaticamente na virada no ano civil; logo, não incide a postergação do início do prazo prescricional para o primeiro dia do exercício seguinte àquele em que o lançamento poderia ter sido efetuado. Salvo suspensão (CTN, art. 151), ele inicia em 1º de janeiro do ano do próprio exercício. Exegese dos incisos I e II do art. 173 do CTN.Agravo de Instrumento Nº 70055025316, Primeira Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Irineu Mariani, Julgado em 07/08/2013.
Não discrepando desse entendimento, cita-se outro acórdão do Tribunal gaúcho, onde restou assentado que o Imposto Territorial Urbano relativo ao exercício fiscal de 2004 teve seu prazo prescricional fixado para o dia 31/12/2008:
[...] O IPTU tem fato gerador periódico, que se renova a cada ano, sendo devido apenas após a sua constituição definitiva, que se dá no primeiro dia do ano relativo à sua exigibilidade. Precedentes da Câmara. O crédito tributário relativo ao exercício fiscal de 2004 restou definitivamente constituído em 01/01/2004. Como o prazo prescricional é de 05 anos, nos termos do art. 174 do CTN, prescreveria em 31/12/2008. Agravo Nº 70055180657, Vigésima Segunda Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Eduardo Kraemer, Julgado em 08/08/2013.
Ainda no mesmo sentido:
[...] A constituição do crédito tributário se dá pelo lançamento, como deixa claro o disposto nos artigos 142 e 145 do CTN. O lançamento é a data quando se deu o vencimento do IPTU, devendo ser entendido como o dia 1º de janeiro do respectivo exercício exigido. Agravo de Instrumento Nº 70054420245, Vigésima Primeira Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Marco Aurélio Heinz, Julgado em 07/08/2013.
Merece ser anotado que esta posição não é nova no Tribunal gaúcho, conforme acórdãos de longa data que seguem:
[...] O fato gerador do IPTU é a propriedade de bem imóvel no dia 1º de janeiro de cada ano, sendo que o lançamento, de ofício, retroage à data da ocorrência do fato gerador. Portanto, estão prescritos os valores relativos aos anos de 1993 e 1994, uma vez que a citação ocorreu em 04-05-1999, haja vista o disposto no art. 174, caput e parágrafo único, I, do CTN. Apelação e Reexame Necessário Nº 70002720415, Segunda Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Túlio de Oliveira Martins, Julgado em 17/08/2005.
[...] O IPTU é imposto de fato gerador periódico, pois incide a cada período anual como um fato gerador novo em relação ao mesmo imóvel, com prazo de vencimento previsto em lei, considerando-se constituído o crédito tributário pelo lançamento, que, no caso do IPTU, dá-se de forma automática, na virada do ano, com o início do exercício fiscal respectivo. Apelação Cível Nº 70013497425, Segunda Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Adão Sérgio do Nascimento Cassiano, Julgado em 14/12/2005.
Embora a posição do Superior Tribunal de Justiça no sentido de aplicar ao Imposto Territorial Urbano a regra do artigo 173, I, no que tange à constituição do crédito tributário, verifica-se que a matéria vem sendo julgada de forma diversa no Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, cuja jurisprudência está em dissídio com a posição da Corte Superior. Para o Tribunal gaúchoo fato gerador do Imposto Territorial Urbano é a propriedade de bem imóvel no dia 1º de janeiro de cada ano. E por se tratar de tributo periódico, cujo lançamento de ofício ocorre automaticamente na virada no ano civil, não há que se cogitar de decadência no caso deste tributo, mas de prescrição, cujo termo inicial flui a partir do dia 1º de janeiro do ano do próprio exercício, não se postergando para o primeiro dia do exercício seguinte àquele em que o lançamento poderia ter sido efetuado (Código Tributário Nacional, art. 173, I). (<http://www.planalto.gov.br/>).
Em conformidade com este entendimento, como o Imposto Territorial Urbano considera-se lançado no dia 1º de janeiro do ano em exercício, esta subespécie tributária não estaria sujeita ao prazo decadencial, mas somente ao prazo de prescrição, que se implementa no prazo de cinco anos a contar do fato gerador, que ocorre no primeiro dia do exercício fiscal correspondente.
Trata-se de entendimento mais consentâneo com a realidade deste tributo e que conjuga de forma harmônica vários conceitos do Direito Tributário, como tributo periódico, fato gerador continuado e lançamento automático e de ofício.
Em que pese a posição do Superior Tribunal de Justiça, que no caso do Imposto Territorial Urbano manda aplicar a regra do art. 173, I, do Código Tributário Nacional, cujo prazo decadencial de cinco anos passa a fluir do primeiro dia do exercício seguinte àquele em que o tributo poderia ter sido efetuado, nota-se que a matéria vem merecendo interpretação diferente nos Tribunais inferiores, em franca oposição aos julgados da Corte superior.
A decadência e a prescrição no caso dos tributos com lançamentos sujeitos a homologação vêm sendo motivo de inúmeras controvérsias no Superior Tribunal de Justiça, a partir do entendimento fixado pela egrégia Corte no julgamento do Recurso Especial repetitivo nº 973.733/SC, submetido ao rito dos recursos repetitivos insculpido no art. 543-C do CPC, relatado pelo Ministro Luiz Fux. Naquele julgado, ocorrido em 12/08/2009, restou consolidado o entendimento de que o prazo decadencial para os tributos lançados por homologação obedece à seguinte lógica: a) não ocorrendo pagamento antecipado, incide o art. 173, I, do Código Tributário Nacional, por absoluta inexistência do que homologar; b) havendo pagamento antecipado a menor, aplica-se a regra do art. 150, § 4º, desse mesmo diploma normativo. Esta decisão vem servindo de paradigma para os outros julgados sobre a mesma matéria. (<http://www.planalto.gov.br/>).
Nessa linha, o Superior Tribunal da Justiça firmou o entendimento de que, com a antecipação do pagamento, incide a regra especial para a contagem do prazo decadencial de cinco anos a partir do fato gerador, com base no art. 150, § 4º, do Código Tributário Nacional, ou seja:
Se a lei não fixar prazo à homologação, será ele de 5 (cinco) anos, a contar da ocorrência do fato gerador; expirado esse prazo sem que a Fazenda Pública se tenha pronunciado, considera-se homologado o lançamento e definitivamente extinto o crédito, salvo se comprovada a ocorrência de dolo, fraude ou simulação.
Havendo, contudo, a mera informação do sujeito passivo firmada em declaração de débito entregue ao Fisco, sem antecipação do pagamento do tributo declarado, a hipótese é de aplicação da regra geral fixada no art. 173, I, do Código Tributário Nacional, ou seja, “o direito de a Fazenda Pública constituir o crédito tributário extingue-se após 5 (cinco) anos, contados do primeiro dia do exercício seguinte àquele em que o lançamento poderia ter sido efetuado”. Neste sentido, Agravo Regimental no Agravo em recurso especial 105771/ SC, 2ª T. Min. Rel. Herman Benjamin, julgado 16/08/2012.
Como se vê dos julgados trazidos à colação e que refletem a posição do Superior Tribunal de Justiça acerca do prazo decadencial, no que diz respeito aos tributos sujeitos por homologação, o que importa para a egrégia Corte é o pagamento ou não da exação, permanecendo sem relevância a atividade de apuração e as informações prestadas pelo contribuinte.
Tal posição, no entanto, é equivocada, pois o que se homologa é atividade de apuração realizada pelo contribuinte que, através de um documento específico (Declaração de Débitos e Créditos Tributários Federais-DCTF, Guia de Informação e Apuração-GIA), declara-se devedor do Fisco de certa quantia. Não é o pagamento que é homologado, mas sim a atividade de apuração do contribuinte. Sem a homologação desta atividade, não há como se afirmar o acerto ou não do débito informado.
Recorda-se que o pagamento é forma de extinção do crédito tributário, a teor do art. 156, I, do Código Tributário Nacional, e não condição de validade lançamento.
Deste entendimento não discrepa Sakakihara (2004, p.639):
Objeto da homologação, portanto, não é o pagamento do tributo, mas, sim, a atividade exercida pelo sujeito passivo, para determinar e quantificar a prestação tributária. Esta atividade, evidentemente, não se identifica com a atividade prevista no art. 142, que é privativa da autoridade administrativa, e, por isso, não podendo ser definida como lançamento, não tem a virtude a constituir o crédito tributário. A posterior homologação, porém, vem a reconhecer nessa atividade a capacidade de ter constituído o crédito tributário. Com isso, satisfaz-se a exigência do CTN, segundo o qual, o crédito tributário, não pode ser legitimamente exigido pela Fazenda Pública, se não constituído pelo lançamento. Se o crédito tributário foi recebido sem que tivesse havido prévia constituição pelo lançamento, o sistema, pelo artifício da homologação, reconhece, posteriormente, que a atividade do obrigado teve o mesmo efeito de constituir o crédito tributário.
Carvalho (2010, p.84) é enfático sobre a irrelevância do pagamento antecipado nos tributos sujeitos a lançamento por homologação para fins de determinação e contagem do prazo decadencial:
O lançamento por homologação não tem por pressuposto a realização do pagamento antecipado, mas o dever de antecipar o pagamento sem prévio exame da autoridade administrativa. Logo existindo dispositivo legal que atribua ao contribuinte a função de emitir norma individual e concreta formalizadora do crédito tributário e de efetuar o correspondente recolhimento antes de qualquer iniciativa da Fazenda Pública, está-se diante da figura do tributo sujeito a lançamento por homologação, a ele sendo aplicável o prazo de decadência prescrito no art. 150, § 4º, do Código Tributário Nacional.
Na sua obra, o autor cita decisão do Primeiro Conselho de Contribuintes, assim ementada:
DECADÊNCIA – Tratando-se de lançamento por homologação (art. 150 do CTN), o prazo para a Fazenda Pública constituir o crédito tributário decai em 5 (cinco) anos contados da data do fato gerador. A ausência de recolhimento da prestação devida não altera a natureza do lançamento, já que o que se homologa é a atividade exercida pelo sujeito passivo (acórdão 10-92642 – destaquei). (Carvalho, 2010, p.85). (Grifo próprio).
Assim, ao contrário do entendimento firmado pelo STJ, nos tributos com lançamento sujeito a homologação, a entrega da declaração, contendo o valor do débito a ser recolhido, com ou sem antecipação de pagamento, embora não possa ser considerado um autolançamento, é procedimento de maior relevância para o Fisco, deixando a cargo deste tão somente verificar, posteriormente, o acerto da apuração realizada pelo contribuinte.
Se o lançamento sujeito a homologação restou acompanhado do pagamento do valor informado pelo contribuinte, extingue-se o crédito, sob condição resolutória da ulterior homologação ao lançamento, como, aliás, preceitua a regra a do art. 150, § 1º, do CTN. No entanto, não havendo o pagamento do imposto informado, a atividade de apuração do contribuinte – que através de um documento próprio se declara devedor do Fisco de uma certa quantia – fica na dependência de ser homologada no prazo de cinco anos, sob pena de se operar a decadência.
E assim deve ser, em respeito ao art. 142 do Código Tributário Nacional, para o qual não existe a figura do autolançamento pelo contribuinte. O lançamento, na dicção do art. 142 do Código Tributário Nacional, é atividade que compete privativamente à autoridade administrativa, não podendo ser realizada por particular. E aqui a expressão autoridade administrativa deve ser entendida como a administração tributária, exercida por servidores de carreira específicos, ex vi do art. 37, XXII, da Constituição Federal, já que tal atividade não pode ser atribuída a qualquer servidor público.
Se o caput do mencionado artigo ainda pudesse ensejar dúvidas, a advertência contida no parágrafo único espanta qualquer incerteza quando informa que “a atividade administrativa de lançamento é vinculada e obrigatória, sob pena de responsabilidade funcional”, donde se extrai, inequivocamente, que a administração tributária deve ser compreendida como atividade administrativa (art. 37, XXII, da Constituição Federal).
Mas os equívocos da egrégia Corte em matéria infraconstitucional não terminam por aí. Contrariando toda a lógica contida no art. 143 do Código Tributário Nacional, por ocasião do julgamento do REsp. 962.379/RS, Rel. Ministro Teori Albino Zavascki, julgado em 22/10/2008, o Superior Tribunal de Justiça assentou o entendimento de que nos lançamentos por homologação é o próprio contribuinte que realiza o lançamento tributário, mesmo diante da hipótese de não pagamento antecipado, que é uma das características desta modalidade de lançamento.
PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO. AGRAVO REGIMENTAL EM AGRAVO DE INSTRUMENTO. DÉBITO DECLARADO E NÃO PAGO. NECESSIDADE DE PROVA PERICIAL E PROCESSO ADMINISTRATIVO. CERCEAMENTO DE DEFESA. AUMENTO DE ALÍQUOTA DE ICMS. INCONSTITUCIONALIDADE. JULGAMENTO DE RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA (REsp 962.379/RS). AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO. SÚMULAS N.º 282, DO STF. DIVERGÊNCIA JURISPRUDENCIAL NÃO COMPROVADA. 1. O ato administrativo do lançamento, efetuado pelo ente tributante, é desnecessário quando o próprio contribuinte, previamente, mediante GIA ou DCTF, procede à declaração do débito tributário a ser recolhido. 2. In casu, o contribuinte efetuou a declaração do débito inscrito em dívida ativa, por isso que prestando o sujeito passivo informação acerca da efetiva existência da dívida, porém não adimplindo-a, inicia-se para o Fisco Estadual a contagem do prazo prescricional para ajuizar o executivo fiscal, posto constituído o crédito por autolançamento.3. A Guia de Informação e Apuração do ICMS - GIA assemelha-se à DCTF, razão pela qual, uma vez preenchida, constitui confissão do próprio contribuinte, tornando prescindível a homologação formal, passando o crédito a ser exigível independentemente de prévia notificação ou da instauração de procedimento administrativo fiscal. 4. É que a Primeira Seção, quando do julgamento de recurso representativo de controvérsia, consolidou o entendimento de que a entrega de Declaração de Débitos e Créditos Tributários Federais -DCTF, de Guia de Informação e Apuração do ICMS - GIA, ou de outra declaração dessa natureza, prevista em lei, é modo de constituição do crédito tributário, dispensando a Fazenda Pública de qualquer outra providência conducente à formalização do valor declarado.(Precedente da Primeira Seção submetido ao rito do artigo 543-C, do CPC: REsp 962.379/RS, Rel. Ministro Teori Albino Zavascki, julgado em 22.10.2008, DJe 28.10.2008)” STJ. AgRg no Ag 1184651. 1º T., Relator Min. Luiz Fux. J. 09/03/2010. (Grifo próprio).
No mencionado acórdão, é possível identificar no mínimo quatro incoerências que desafiam o princípio da legalidade estrita que informa o Direito Tributário: a) a declaração do contribuinte que declara débito tributário a ser recolhido, sem qualquer providência da autoridade fazendária, não pode sem entendida como lançamento; b) quando o contribuinte efetua declaração de débito prestando informação acerca da efetiva existência da dívida, porém não adimplindo-a, inicia-se para o Fisco o prazo decadencial e não prazo prescricional, posto que ainda não restou constituído o crédito tributário; c) não existe na legislação tributária a figura do autolançamento, o que se traduz em afronta ao art. 142 do Código Tributário Nacional, d) a declaração de débito do contribuinte formalizada em Declaração de Débitos e Créditos Tributários Federais e Guia de Informação e Apuração não torna dispensável a atuação da autoridade fazendária, já que a constituição do crédito tributário tem sua forma prevista em lei, não podendo ser constituído como um mero crédito quirografário.
No entanto, o entendimento, ainda que absurdo do ponto de vista da estrita legalidade que permeia o Direito Tributário, após reiterados julgados, acabou pacificado na Súmula n° 436 do Superior Tribunal Justiça, em redação assim ementada: “A entrega de declaração pelo contribuinte reconhecendo débito fiscal constitui o crédito tributário, dispensada qualquer outra providência do fisco”.
Inúmeras são as situações que acabam interferindo sobre o início do prazo decadencial ou prescricional, e que não raro provocam dúvidas e perplexidades nos operadores do direito.
Em se tratando de tributo sujeito a lançamento por homologação, quando ocorre pagamento antecipado inferior ao efetivamente devido sem que o contribuinte tenha incorrido em fraude, dolo ou simulação, nem sido notificado pelo Fisco de quaisquer medidas preparatórias, incide a regra prevista na primeira parte do § 4º do artigo 150 do CódigoTributário, segundo o qual se a lei não fixar prazo para homologação, será ele de cinco anos a contar da ocorrência do fato gerador. Aqui a hipótese não oferece qualquer dúvida, sendo pacífica a jurisprudência neste sentido.
A dúvida surge, e é recorrente, quando a atividade realizada pelo contribuinte está eivada de dolo, fraude ou simulação. Neste caso, a jurisprudência do STJ determina que “o prazo decadencial nos tributos sujeitos a lançamento por homologação, caso tenha havido dolo, fraude ou simulação por parte do sujeito passivo, tem início no primeiro dia do ano seguinte ao qual poderia o tributo ter sido lançado”, como aliás, decidido no Recurso Especial nº 1086798/PR, da 2ª Turma, relatado pelo Min. Castro Meira, julgado no dia 18/04/2013.
Nesta situação, o STJ vem decidindo pela aplicação do art. 173, I, do Código Tributário Nacional, o que não se coaduna com a normatização que rege a matéria. Ocorrido o lançamento sujeito à homologação com dolo, fraude ou simulação, torna-se indispensável a notificação do ilícito tributário ao sujeito passivo, para que o Fisco possa efetuar posterior lançamento. Esta notificação efetuada ao contribuinte, cuja atividade de apuração do débito restou contaminada pelo dolo, fraude ou simulação, por ser uma causa interruptiva da decadência, tem o condão de reiniciar novo prazo decadencial, a partir da notificação.
De fato, a notificação preparatória ao lançamento, prevista no art. 173, parágrafo único do Código Tributário Nacional, ao contrário da doutrina majoritária, que entende que a notificação se presta unicamente a antecipar o prazo inicial da decadência, serve inclusive para interromper o lapso já transcorrido, embora o entendimento já consagrado de que os prazos decadenciais não se interrompem.
Para demonstrar o contrário, toma-se como exemplo uma determinada pessoa jurídica que, com relação ao período base de junho de 2008, apresentou a guia de informação e apuração (GIA) eivada de fraude e simulação. Em maio de 2013, os fiscais da receita estadual notificaram a empresa do início de procedimento de uma ação fiscal, visando à cobrança do imposto devido que não foi corretamente apurado. À toda evidência, esta notificação, que deve ser efetuada dentro do prazo de cinco anos, tem o condão de reabrir o prazo quinquenal para o Fisco apurar o valor que não foi informado e apurado devidamente pelo sujeito passivo.
Todavia, conforme magistério de Santi (2011, p.173), caso,
[…] transcorridos cinco anos sem que a autoridade administrativa se pronuncie, produzindo a indigitada notificação formalizadora do ilícito, operar-se-á ao mesmo tempo a decadência do direito de lançar de ofício, a decadência do direito de constituir juridicamente o dolo, fraude ou simulação para os efeitos do art. 173, parágrafo único, do CTN e a extinção do crédito tributário em razão da homologação tácita do pagamento antecipado.
A “interrupção” da decadência, como se vê na hipótese em comento, decorre da notificação formalizadora do ilícito, que põe em cheque o lançamento efetuado. Neste caso, é imperioso seja restituído o prazo por inteiro ao Fisco, não podendo o contribuinte se beneficiar da própria torpeza.
Decadência e prescrição em matéria tributária, como se viu na abordagem do presente trabalho, são temas complexos, diante da ausência de uma regra única para solucionar as várias situações que se apresentam no dia-a-dia. Para uma boa aplicação das regras de decadência e prescrição, é necessário conhecer o sistema tributário como um todo, em especial desde o momento da constituição do crédito tributário.
Isto porque, como restou demonstrado no presente estudo, a decadência e a prescrição estão umbilicalmente ligadas às formas de constituição do crédito tributário, através do lançamento. Conhecer esta realidade é fundamental para uma correta identificação e análise das hipóteses de decadência e prescrição em matéria tributária.
A abordagem apresentada não teve a pretensão de esgotar a matéria, mas de informar em linhas gerais as principais regras aplicáveis ao tema. O tema, embora constante em apenas dois artigos do Código Tributário Nacional (quais?), é vasto e está em constante evolução, através de novas posições doutrinárias e jurisprudenciais acerca do assunto, o que exige do profissional do Direito constante atualização acerca das novas concepções que vão surgindo. Esta, aliás, é a realidade do Direito, com o que parecem óbvias as conclusões de que as transformações sociais acabam modificando conceitos jurídicos.
Entretanto com o porvir de uma possível sociedade pós-industrial, onde as informações são cada vez mais um elemento fundamental o acompanhamento das questões referentes à matéria tributária figuram uma análise relevante para o direito e para as ciências socialmente aplicadas, por ser uma temática complexa e interdisciplinar.
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1. Bacharel em direito, especialista em direito constitucional e direito administrativo, Advogada inscrita na OAB/RS 99.852, e-mail: laisb@unisc.br
2. Contador, mestre em administração, Doutorando em desenvolvimento regional, professor do departamento de Ciências Contábeis da UNISC-RS, e-mail: fbfontoura@unisc.br