Espacios. Vol. 37 (Nº 38) Año 2016. Pág. 32
Francisco MALTA de Oliveira 1; Patrick Davidson PEREIRA Leite 2; Filipe FAGUNDES Cardoso 3; Maria da Luz Alves FERREIRA 4
Recibido: 07/07/16 • Aprobado: 02/08/2016
RESUMO: Este artigo tem como objetivo instigar uma reflexão sobre a relação de gênero e trabalho. As transformações ocorridas na estruturação no mundo do trabalho têm causado inúmeras análises e estudos sobre a inserção de mulheres em ambientes tradicionalmente reconhecidos como masculi-nos, buscando compreender as novas formas de organização desses espaços. O artigo está organi-zado da seguinte forma: uma breve abordagem acerca do trabalho e sua relevância social, concei-tuação de gênero e o trabalho feminino, as transformações do mundo do trabalho, cultura organi-zacional no ambiente policial-militar e divisão sexual do trabalho, e algumas considerações. |
ABSTRACT: This article aims to instigate a reflection on the relationship of gender and work. The transfor-mations in the structure in the labor market have caused numerous analyzes and studies on the inclusion of women in environments traditionally recognized as men, seeking to understand the new forms of organization of these spaces. The paper is organized as follows: a brief approach about the work and its social relevance, gender concepts and women's work, the transformation of the world of work, organizational culture in the police-military environment and sexual division of labor, and some considerations. |
A inserção, a atuação, a presença e o espaço social da mulher no mercado de trabalho ainda são temas controversos para teóricos clássicos e também contemporâneos que debatem tais questões, além de outras secundárias, aliadas ainda a discussões paralelas que complementam os argumentos teóricos, já que abordam também inúmeras categorias de análise: relações de poder e dominação, sólidas concepções inerentes aos imperativos do imaginário coletivo, status, prestígio, hierarquia, dentre outras, sobretudo ao notar-se tal realidade através do viés da segregação sexual do trabalho (Kandel, 2006), (Muniz, 1999), (Soares e Musumeci, 2005).
O nicho específico desta pesquisa é o trabalho policial feminino. Percebeu-se que a escassez de pesquisas na área seria motivo suficiente para fomentar o presente estudo, abrangendo os mais diversos aspectos que envolvem a atuação feminina na Polícia Militar de Minas Gerais, uma instituição bicentenária, referência para outras polícias militares brasileiras.
Atualmente, verifica-se a presença feminina em todos os postos e graduações da PMMG e em todas as áreas de atuação, sejam as administrativas ou as operacionais, cujo ingresso ocorrera no início dos anos de 1980, com a publicação do Decreto 21.336, de 20 de maio de 1981 (MINAS GERAIS, 1981). Ademais, foi uma das instituições militares pioneiras na incorporação feminina em seus quadros, cujo fato impactou na estrutura da própria Corporação e continua em constante evolução, seja em função da estabilização dessa força de trabalho, seja em função do desenvolvimento do pensamento estratégico da PMMG (Alves, 2011). Ressalta-se que, ainda que a presença feminina na Corporação se dê atualmente em todas as posições hierárquicas, seu quantitativo é bastante inferior ao masculino.
A dinâmica do trabalho como fator socializador requer a necessidade de se abordar sua importância para a condição humana a partir de diversas perspectivas de análise, dentre as quais, a variante feminina do trabalho, e, consequentemente, a análise do trabalho articulada às questões de gênero, suas peculiaridades e as questões afetas ao seu reconhecimento, sobretudo no que alude ao trabalho policial feminino. Este, particularmente, por se desenvolver em um ambiente histórica e numericamente masculino. Afinal, o ingresso feminino ocorre após 206 anos de fundação da Polícia Militar (MINAS GERAIS, 1981).
Para se definir o foco da pesquisa verificou-se, conforme exposto por Capelle e Mello (2010) e Soares e Musumeci (2005), que a mão de obra policial-militar feminina tende a ser empregada sob a ótica de um viés protecionista (ao empregar aquela mão de obra em atividades diversas da atividade operacional, de fato, que não fossem o combate direto à criminalidade), que também poderia ser compreendido como segregador (ao empregar a mão de obra feminina em atividades popularmente conceituadas como essencialmente femininas) ou inferiorizador (ao subestimar a capacidade laboral policial feminina) aos olhos de outros que não as próprias policiais militares e, inevitavelmente, a mulher depara-se com o dilema entre a afirmação e a negação da condição de igual.
O objetivo geral da pesquisa consiste em conhecer as atividades que as policiais militares realizam, as condições que encontram para o desempenho de suas atividades cotidianas, e as iniciativas institucionais para a valorização e reconhecimento profissional. A investigação se baseou na percepção que a mulher policial militar tem de seu trabalho: consigo mesma, perante seus pares, sejam do mesmo sexo ou não, perante a própria sociedade, e, principalmente, perante a própria Instituição.
O desdobramento do objetivo geral apresenta a proposta de identificar os principais fatores que influenciam na dinâmica do trabalho feminino na Polícia Militar de Minas, em seu âmbito regional; verificar o detalhamento das discrepâncias funcionais alusivas ao emprego da mão de obra feminina em todos os níveis hierárquicos e analisar a relação entre alocação funcional em detrimento do sexo e escolaridade dos integrantes da PMMG.
Justifica-se essa pesquisa pela necessidade de se analisar a problemática da atuação e emprego da mão de obra policial militar feminina no âmbito regional, cuja cidade de Montes Claros-MG é sede da 11ª RPM - Região da Polícia Militar, uma entre as 18 áreas geográficas de atuação da Polícia Militar que compõem o Estado de Minas Gerais e abrange 77 municípios. Justifica-se, ainda, pela relevância histórico-social do processo de ingresso feminino na Instituição que ocorrera a partir dos anos 80 do século XX, e suas implicações sobre o gênero feminino, ainda sob a condição de minoria num ambiente historicamente masculinizado, mesmo havendo um lapso temporal de mais de três décadas de sua efetivação.
O interesse pelo tema e sua abordagem se propõe a partir das observações sobre aspectos relacionados à presença da mulher na Polícia Militar e suas nuances, em sua condição, sobretudo, de minoria naquele meio, em um ambiente bastante peculiar: a exclusividade masculina em seus quadros por mais de dois séculos desde sua fundação.
A pesquisa pretendeu permear as relações de poder e dominação, discriminação, alocação do trabalho feminino e seus critérios de justificação, a imagem social no âmbito institucional atribuída ao reconhecimento, à presença e à qualidade do trabalho feminino, além de possíveis discrepâncias inerentes à cultura organizacional, à profissão ou à própria Instituição, em função do sexo.
Em função da natureza da problemática levantada, as técnicas de coleta de dados basearam-se em pesquisa bibliográfica e de fonte documental e de pesquisa quantitativa, mediante aplicação de questionários semi-estruturados.
A coleta de dados bibliográficos fundamentou-se na literatura sobre a condição laboral feminina nas instituições policiais, teorias das escolas sociológicas de gênero e reconhecimento, relações de poder e dominação e violência simbólica, por fornecerem embasamento teórico e viabilizarem a fundamentação das análises afetas aos conflitos inerentes à presença, participação e contribuição da mão de obra feminina na Corporação.
A busca de informações in loco da percepção feminina no que se refere às questões por esta enfrentadas, através de dados amostrais claros e consistentes, visou ao aprofundamento no objeto da pesquisa, possibilitando interpretar e explicar as causas e consequências da situação problema levantada. Em um segundo momento e, paralelamente à pesquisa bibliográfica, realizou-se a pesquisa de campo.
Pretendeu-se abordar a política de emprego da mão de obra feminina por área de atividade, a opinião das policiais sobre como se dá a alocação de sua mão de obra e, principalmente, sob a ótica de como a mão de obra feminina acredita que a Corporação a enxerga diante da supremacia masculina em seus quadros, em termos numéricos. Tais informações contribuíram para a identificação dos fatores e questões alusivas aos desafios femininos dentro de uma Corporação cultural e socialmente dominada pelo gênero masculino.
O acesso à opinião das policiais militares se deu depois de se obter acesso à relação nominal das 125 policiais militares que trabalham na área de abrangência da 11ª RPM, cuja sede é o município de Montes Claros. O convite para que participassem da pesquisa foi feito através do sistema de comunicação de mensagens internas da PMMG, denominado “painel administrativo”, disponibilizado no portal interno conhecido por “IntranetPM”, quando se explicou o motivo e a relevância da pesquisa. Assim, o link para responder à pesquisa foi enviado somente após o consentimento de cada policial militar. Na primeira chamada obteve-se 56 respostas. Diante do baixo número de respostas recebidas fez-se uma nova chamada para que quem ainda quisesse contribuir pudesse fazê-lo. Obteve-se mais 5 respostas. Desta forma, a pesquisa recebeu 61 respostas para um universo de 125 policiais militares. Contudo, não é intuito desta pesquisa a generalização dos resultados para o universo de análise e eles se aplicam somente aos sujeitos investigados.
O espaço laboral situa-se como um lugar especificamente organizado para a execução das atividades de produção. O trabalho é analisado por Engels (2010) sob a ótica do fundamento para a vida humana e é através dele que o homem constrói seus conhecimentos e estabelece sua organização social. Engels (2010) afirma, ainda, que o homem é oriundo do trabalho, ou seja, não haveria desenvolvimento humano sem trabalho e este reflete tanto a essência da vida humana como sua evolução.
Karl Marx (1988) conceitua o trabalho como um processo que se dá entre o homem e a natureza e é através desse trabalho que o homem controla, regula e realiza, por meio de suas ações, um intercâmbio de materiais com a natureza. Ele preceitua, ainda, que o trabalho é uma infinita fonte produtora de valores de uso que produz a riqueza material, mas, pelo contrário, significa compreender que o trabalho é a fonte de relações sociais por excelência.
O histórico do trabalho desempenhado pelo sexo feminino retrata aspectos marcantes desde o princípio da civilização. Ao analisá-lo Saffioti (1976) afirma que desde a antiguidade a mulher desempenhava suas atividades laborais nas mais diversas áreas e atividades cujo imaginário coletivo sempre associa à imagem feminina, já que o núcleo produtivo central era a unidade familiar com a finalidade de subsistência. Nogueira (2004) acrescenta que as atividades domésticas eram executadas conforme o estado civil e idade de cada mulher, configurando claramente a divisão do trabalho feminino.
A participação laboral da mulher passa a se destacar de maneira inédita quanto mais se aproxima do período que ficaria marcado pela Revolução Industrial. Nesse contexto, a exploração da mão de obra feminina foi fundamental para a consolidação do capitalismo ao aumentar a mão de obra disponível para atender à crescente demanda que se apresentava, entre diversas outras razões. Faz-se importante destacar o ponto de vista expresso por Nogueira (2004) ao enfatizar de que modo a força de trabalho feminina fora explorada pelo capitalismo e de que maneira tal fato impactou na dinâmica daquele sistema de apropriação do capital. As consequências sociais do ingresso feminino e sua contribuição para o sistema produtivo tiveram repercussões irreversíveis para a história do progresso mundial, provavelmente nunca antes imaginadas.
A condição feminina no universo policial, sobretudo policial-militar, caracterizado principalmente pela hierarquização, enaltece o termo conhecido como divisão sexual de gênero que, segundo Nogueira (2010), ganha sentido ao dar a conotação de hierarquização de gênero e desvalorizar sua força de trabalho com a consequente fragilização feminina no mundo produtivo, já que “a reprodução das relações sociais capitalistas de produção é também a reprodução da divisão sócio-sexual do trabalho”. (NOGUEIRA, 2010, p.59). A partir de Mintzberg et al (2000) pontua-se a cultura organizacional como a base da organização, caracterizada por crenças comuns que se refletem nos costumes e hábitos. A cultura organizacional depende das pessoas e não existiria sem elas.
A divisão sexual do trabalho, ou segregação ocupacional do trabalho, pauta-se no princípio de que existe o trabalho dos homens e o trabalho das mulheres e de que aquele vale mais do que este (HIRATA E KERGOAT, 2008). O debate sobre a segregação de sexo na esfera laboral é ressaltado por Kandel (2006) ao afirmar que a força de trabalho sexual segregada é produto da própria organização espacial do trabalho, das hierarquias salariais, da promoção e dos status, e, principalmente, da concentração das mulheres em certos setores do mercado de trabalho e em determinados tipos de emprego. É nesse contexto que a cultura organizacional nas instituições policiais reforça as sólidas concepções do imaginário coletivo que, historicamente, é masculino.
Verifica-se que, culturalmente, na Corporação, o emprego da mão de obra feminina é frequentemente alocada em determinadas atividades tipicamente consideradas como próprias daquele gênero. Este fato traz à tona a análise acerca do emprego das policiais femininas: ao lhe serem atribuídas tais atividades, haveria o reconhecimento do trabalho feminino ou, pelo contrário, haveria a segregação de gênero pelo fato de a policial militar ser vista como incapaz de executar os trabalhos que são dominados pelo gênero masculino?
O próprio meio policial, historicamente masculinizado, impõe à presença feminina a definição de seu lugar social, poupando-a da atividade policial de fato, o que representa sua fragilidade e evidencia a supremacia dos homens em termos de força, colocando-os na função de cuidadores das policiais femininas (HAGEN, 2006).
Nesta perspectiva, a discussão acerca das questões presentes na relação “instituição versus gênero” faz-se necessária para a compreensão dos desafios com os quais o grupo feminino se depara num um ambiente onde o gênero masculino perfaz a esmagadora maioria de seu efetivo. A predominância masculina e sua exclusividade por mais de dois séculos nos quadros da instituição determinam a reprodução da cultura institucional alicerçada na supremacia masculina. Consequentemente, a presença feminina esbarra-se nos entraves que comprometem seu senso de pertencimento àquele espaço social.
As mazelas, os anseios e os desafios com os quais a população policial-militar feminina se depara motivaram a realização do presente estudo, bem como suas percepções pessoais acerca das questões sob análise.
Para se fazer a análise comparada do efetivo total da Polícia Militar de Minas Gerais com o seu efetivo regional, fez-se o levantamento numérico dos dados disponibilizados no Sistema de Recursos Humanos daquela Instituição, disponibilizado na plataforma denominada IntranetPM através de relatórios de efetivo. A análise comparativa objetiva situar a realidade da 11ª RPM no cenário policial estadual ao considerar o sexo e nível o hierárquico.
A presença feminina atualmente já alcançou todos os graus hierárquicos embora tenha acesso limitado legalmente em 10% das vagas desde o ano de 2007 (MINAS GERAIS, 2007), o que não ocorre para os concursos internos da instituição.
O efetivo masculino representa 91,6% do total em atividade. A graduação onde a discrepância entre a presença masculina e feminina é maior é a de Cabo, com 93,8% de participação masculina. Analisando-se a distribuição feminina, o destaque em números absolutos está no nível de Soldado de 1ª Classe. Quando se analisam os números relativos destaca-se a maior participação feminina no posto de Major, com frequência relativa de 18,8% e 89 representantes. Procedendo-se a análise isolada de todo o efetivo feminino da PMMG por nível hierárquico sobre seu total, somente 0,1% do efetivo, ou seja, 4 (quatro) mulheres encontram-se no posto de Coronel. Naturalmente, o maior quantitativo feminino, tanto em números absolutos como relativos, encontra-se no nível de Soldado de 1ª Classe (37,4%).
Na 11ª RPM o posto mais alto onde há participação feminina, é o de Major, mas em proporção bastante inferior se comparado ao efetivo feminino de toda a PMMG: 10% ante 18,8%. Este é o posto que apresenta menor presença feminina no âmbito da 11ª RPM, apenas uma. Proporcionalmente, os postos de Major e Capitão são os de maior participação percentual feminina - 10% cada – contudo sensivelmente inferiores quando comparados com toda a Instituição: 18,8% e 17,8%, respectivamente.
Ainda no âmbito regional, a maioria de seu efetivo feminino encontra-se na graduação de Soldado de 1ª Classe (66,4%), ante 37,4% do efetivo de toda a Instituição. No tocante ao grau hierárquico das respondentes, do total de entrevistadas, 70% são Soldados de 1ª Classe. Nota-se que não se obteve resposta de nenhuma policial na graduação de Cabo.
Do total de 61 respondentes, verifica-se que o ingresso variou de 1986 a 2010, o que significa haver policiais militares ainda na ativa que fizeram parte da primeira turma do Curso de Formação de Soldados da PMMG (MINAS GERAIS, 1985) e encontram-se na fase final da carreira profissional. Entre elas há quem possua nível de escolaridade superior ao que era exigido à época do ingresso na Instituição.
Quanto à área de atividade desempenhada pelas entrevistadas, 41% responderam atualmente trabalhar na área administrativa (atividade-meio), enquanto 36,1% responderam trabalhar na área operacional (atividade-fim). Atuação em outras áreas soma 22,9%. Quando somados os percentuais das áreas administrativa e saúde (41% e 18%, respectivamente), verifica-se o percentual de 59% de mulheres que não trabalham na atividade-fim da Polícia Militar. Tal fato demonstra que de fato há uma divisão sexual do trabalho, uma tendência organizacional a alocar a mão de obra feminina nas atividades que não sejam as de enfrentamento direto e prevenção à criminalidade.
Dentre os principais motivos que levaram as policiais militares a optarem por esta carreira profissional sobressaem a estabilidade do serviço público e remuneração e/ou benefícios, com 25% e 18,8% das respostas, respectivamente. Dentre as entrevistadas 77% responderam estar satisfeitas com o trabalho que fazem e em trabalhar na PMMG e, ao serem questionadas sobre o que fariam se tivessem que escolher outra profissão, 50,8% responderam que escolheriam a mesma profissão e 62% responderam que pretendem permanecer na PMMG até que se aposentem. Este resultado corrobora o elevado percentual de profissionais que respondeu se sentir satisfeito em trabalhar na Corporação.
O aumento da cota de vagas para mulheres em certames externos foi investigado sendo que, dentre as entrevistadas, 49% afirmaram ser contrárias à limitação de ingresso na instituição enquanto 39% demonstraram-se favoráveis.
Dentre as respondentes 57,4% afirmaram que as policiais militares deveriam desenvolver suas atividades na área operacional e, sobre suas inclinações, 50,8% responderam preferir trabalhar na atividade-fim.
Quanto à violência simbólica, tematizada a partir de Bourdieu (2002), 32,8%, responderam ser indiferentes a esta questão. Contudo, a opção “concordo totalmente” foi a segunda opção mais escolhida pelas respondentes.
Dentre os princípios norteadores desta pesquisa pressupõe-se que quanto maior o posto/graduação, menor o preconceito institucional para com a policial feminina. Quanto a se considerarem vítimas de preconceito 31,1% concordam parcialmente e 26,2% são indiferentes. Contudo, a terceira opção mais votada foi “concordo totalmente”, com 21,3%.
Investiga-se o reconhecimento do trabalho feminino, sobretudo, em função do efetivo reduzido e recente ingresso institucional, além de sua alocação não obedecer a critérios claros e estar sujeita a avaliações subjetivas de superiores hierárquicos (Soares e Musumeci, 2005).
A maioria das entrevistadas demonstrou ser indiferente à afirmação de que o reconhecimento do seu trabalho independe do seu nível de escolaridade, enquanto 29,5% concordam totalmente que qualquer que seja o nível de escolaridade, o fato de seu trabalho ser ou merecer reconhecimento independe dessa variável pelo fato de a instituição utilizar outros parâmetros para conferir reconhecimento ao trabalho desempenhado por elas.
Dentre as entrevistadas 24,6% são indiferentes à afirmação de que o reconhecimento é proporcional ao posto/graduação ocupados, enquanto 21,3% concordam totalmente e 60,7% discordam totalmente da afirmação de que a instituição as privilegia por serem mulheres e 41% concordam totalmente sobre a a PMMG ser uma instituição machista.
Ao se abordarem questões alusivas às relações profissionais e de gênero na PMMG, é inevitável que se questione às policiais sobre igualdade, privilégio, proteção, relacionamento entre pares e superiores e desenvolvimento da carreira. Ao se apresentar às entrevistadas a afirmativa de que “homens e mulheres são tratados institucionalmente de forma igualitária” procurou-se verificar como a concepção implícita sobre o lugar social feminino na PMMG condiz com a realidade percebida por elas.
Varikas (2009) afirma que, além de legitimada, a dominação de gênero torna-se invisível, ou seja, ela está tão presente na realidade que acaba por passar desapercebida aos olhos de seus sujeitos que, consequentemente, acabam não tendo a real noção de seu lugar como sujeitos daquela realidade.
Ao serem apresentadas à afirmação “Eu recomendaria a amigas ingressarem na PMMG”, a opção com maior percentual de resposta foi “concordo totalmente” com 45,9%. Depreende-se das análises apresentadas que, apesar de afirmarem trabalhar numa organização machista e não serem privilegiadas por serem mulheres, ainda assim estão satisfeitas com a PMMG, inclusive, recomendariam às amigas que ingressassem na Corporação, além de, caso tivessem que escolher outra profissão permaneceriam como policiais militares.
Sobre tratamento entre homens e mulheres 52,5% responderam que às vezes há igualdade enquanto 24,6% respondem que raramente isso ocorre e 72% discordam de que haja protecionismo institucional ao seu efetivo feminino. Dentre elas 34% responderam que “às vezes” há mais privilégio/proteção aos homens policiais do que a elas e 28% responderam “raramente”.
Dentre as entrevistadas 33,7% indicam que se sobressaem o esforço e dedicação individuais para o bom desenvolvimento da carreira militar, seguidos de bom conhecimento/domínio técnico para as funções, 29,6%, e postura séria e firme, com 29%. Do total 77% responderam que frequentemente ou sempre sentem orgulho em contar que é policial militar. Não obstante, 54% responderam que “às vezes”, e 41% responderam que "frequentemente" o trabalho requer que se esconda suas emoções.
Dentre as respostas 44% e 30% indicam que “às vezes” e “raramente”, respectivamente, têm liberdade com superiores hierárquicos para expressar opinião diferente à da chefia em seu cotidiano de trabalho e 75,4% afirmaram sofrer algum tipo de assédio em virtude de ser policial feminina e 24,6% afirmaram nunca terem se sentido discriminadas, humilhadas ou desrespeitadas no ambiente de trabalho por serem mulheres ou sofrido constrangimentos de natureza sexual ou assediosa.
Quanto ao trabalho mais adequado às mulheres, as respostas mais recorrentes foram as que se referem a ambos os trabalhos, tanto o administrativo quanto o operacional, enfatizando o pendor natural, as habilidades individuais e identificação da policial para esta ou aquela atividade. As respostas obtidas ressaltam ser a atividade operacional a mais adequada ou, ainda, que não há trabalho mais adequado à mulher, já que ela é tão capaz quanto o homem de executar as atividades que lhe são designadas. Quanto ao trabalho menos adequado à execução feminina as respostas subdividem-se entre as que corroboram a questão da igualdade e importância do trabalho feminino, as que reforçam a fragilidade física feminina se comparada à capacidade física masculina e, por fim, as que acentuam ou reforçam estereótipos vinculados aos atributos femininos como ser recepcionista em solenidades e trabalhar em atividades administrativas, por exemplo. O índice de 87% de respostas refere-se à opinião das policiais militares executarem as mesmas funções que os homens.
Um dos tópicos investigados refere-se ao que mudou nas expectativas iniciais, antes em relação às expectativas atuais. As respostas foram variadas e incorrem num viés defensivo, crítico e de insatisfação em função da cultura militarista. Outras respostas indicam a aquisição de satisfação profissional. Respostas menos recorrentes foram as que abordaram questões de gênero e de relacionamento no trabalho policial. Quando questionadas sobre sua maior decepção percebeu-se maior recorrência de questões ligadas ao preconceito de gênero para com o trabalho feminino.
Assim como nos demais países nos quais o trabalho policial é diretamente associado à imagem masculina, a incorporação feminina é um processo moroso e por vezes, traumático. Soma-se a isso, o fato de ser uma carreira caracterizada pela rígida hierarquia. Assim, o êxito por seu espaço e a igualdade de tratamento pode levar bastante tempo, à medida que as mulheres atingem as posições hierárquicas mais altas (SOARES E MUSUMECI, 2005).
Por meio da pesquisa foi possível compreender como e porque se deu o ingresso institucional feminino e como as mulheres se percebem enquanto integrantes dos quadros da Polícia Militar de Minas Gerais, uma organização fundada há 240 anos e que há 33 possibilitou a inclusão feminina em suas fileiras. Percebe-se que o ingresso feminino se deu através de legislação e orientação para emprego próprios e, ainda, através de cota reduzida para ingresso, ainda vigente, embora atualmente represente um percentual maior, se comparado ao percentual inicial.
No início, de modo bastante tímido, acompanhando uma tendência internacional de aproximação das forças policiais com a sociedade para a qual se destina o fruto de seus esforços e cujo objetivo é a preservação da ordem pública e a manutenção da paz social, desdobramentos de sua função precípua de proteção à vida.
Embora a presença feminina atualmente se faça presente em todos os graus da hierarquia policial-militar mineira, a trajetória do caminho a ser trilhado ainda é longa e demorada. Ainda há muito a se avançar, afinal, a presença feminina se julga capaz de executar as mesmas atividades que os homens. As policiais femininas querem receber o mesmo tratamento, sem serem subjulgadas por sua condição de ser mulheres e representarem uma minoria em um ambiente, segundo as próprias policiais, ainda hostil à sua presença.
Conforme o objetivo geral estabelecido para a pesquisa, foi possível diagnosticar as atividades que as policiais militares realizam, consistindo na execução de suas atividades nas atividades-meio e fim da PMMG, entretanto, encontram uma condição ainda hostil para o desempenho de suas atividades cotidianas, além de iniciativas institucionais ainda incipientes para a valorização e reconhecimento profissional das policiais militares.
Verificou-se, também, que as entrevistadas se consideram como vítimas das relações de poder e dominação, solidamente constituídas e legitimadas através da origem e do contexto sócio-histórico que envolvem a PMMG.
Dentre as discrepâncias funcionais alusivas ao emprego da mão de obra feminina, verificou-se que a PMMG tende a alocá-la em atividades administrativas, apesar de a maioria opinar que prefere trabalhar na atividade-fim, lidando diretamente com o enfrentamento à criminalidade. Quando se analisou a relação entre alocação funcional em detrimento do sexo e escolaridade das integrantes da PMMG, percebeu-se que o nível de escolaridade é irrelevante para contribuir com o reconhecimento do trabalho que executam, apesar de metade das respostas apontarem para os níveis de escolaridade médio e superior completo.
A pesquisa teve a intenção de se obter respostas sinceras presentes nas entrelinhas dos questionamentos feitos colocados, às vezes, de forma proposital a fim de fazer com as entrevistadas se contradissessem, para que pudessem expor ao máximo sua opinião e suas percepções pessoais. Pelas respostas obtidas depreende-se que, apesar do processo de seleção ao qual foram submetidas, o treinamento recebido quando do ingresso e a realidade laboral que enfrentam diariamente, a todo instante são colocadas à prova para demonstrarem que são tão capazes quanto os homens. Contudo, a vontade de ser igual esbarra nas impossibilidades impostas pela cultura daquela organização, que ganha peso ainda maior sob a influência do rigor hierárquico, cultural e disciplinar que permeia o ambiente de trabalho.
Dentre os fatores facilitadores estão a existência de um painel de mensagens internas que possibilitou comunicar às policias da pesquisa seu objetivo e a disponibilização do instrumento de coleta de dados através de um link na internet, já que as policiais militares encontram-se distribuídas em 77 municípios do norte do estado de Minas Gerais, na área de abrangência da 11ª Região da Polícia Militar, cuja sede é o município de Montes Claros.
Dentre os fatores dificultadores da pesquisa está a pouca adesão das policiais militares em responderem à pesquisa. Do universo de 125 policiais militares convidadas a participar, a adesão foi de 61 policiais, correspondendo a 48,8% do universo. Tal fato pode estar relacionado ao descrédito com o propósito da pesquisa, à desconfiança das intenções ou da confidencialidade do meio adotado para obtenção das respostas. Soma-se a este fator dificultador o Sistema de Recursos Humanos da Polícia Militar que, por ser arcaico, não fornece relatórios detalhados dos efetivos alocados por sexo, área na qual as mulheres policiais estão alocadas e nem cidade onde trabalham, tendo sido necessário fazê-lo manualmente, consultando-se as unidades subordinadas, o que demandou tempo e impediu a obtenção de dados que possibilitassem outros tipos de análises. Outra dificuldade encontrada diz respeito à pouca bibliografia alusiva à temática “mulheres policiais”. O assunto ainda é pouco estudado no meio acadêmico.
Dentre as sugestões para próximas pesquisas, sugere-se que o estudo seja replicado em outras Unidades da Federação e seus resultados analisados comparativamente, de modo a se verificar as distorções entre os empregos da mão de obra feminina e as culturas organizacionais, haja vista que a inclusão feminina se deu em momentos distintos entre as diversas polícias militares brasileiras.
Percebe-se que a construção social de gênero transita, na PMMG, entre a concepção que a Corporação tem da presença feminina, incluindo os atributos biológicos que lhe são inerentes, entre o que se espera de sua presença policial e como a esta, de fato, se efetiva. Acrescentam-se ainda os agravantes inerentes à cultura da própria organização policial-militar: a segregação sexual do trabalho, a sujeição à violência simbólica e à dominação (esta inerente às organizações altamente hierarquizadas).
O questionamento-chave da pesquisa se baseou no questionamento estereotipado que recai sobre a mão de obra policial feminina: armadas e delicadas? Como a mulher policial militar se sente em fazer parte de uma organização policial militar, altamente hierarquizada e culturalmente tão rígida? Como se sente em ser minoria numa organização dominada numérica e historicamente pelo sexo masculino? Será que as policiais militares apesar de usarem arma de fogo como instrumento de trabalho são, realmente, delicadas mesmo? Será que se acomodam e se conformam por serem corporativamente segregadas? Os resultados da pesquisa demonstram que, ao contrário, a mulher integrante da Polícia Militar de Minas Gerais quer fazer-se notar pelo trabalho que executa, pela competência de seu trabalho e pelas habilidades que possui. Mais do que isso, a policial feminina deseja realizar igualmente o mesmo trabalho realizado pela força de trabalho masculina e se sente detentora de habilidades e competências para fazê-lo.
Verifica-se que devido a esses fatores a presença feminina ainda não encontrou seu lugar social, mesmo após 33 anos de sua inclusão. As percepções extraídas a partir da análise dos dados da pesquisa permitem inferir que tal encaixe e seu consequente ajustamento ainda levarão tempo para se concretizarem. Para tanto espera-se que as gerações que ingressaram mais recentemente possam alcançar o topo da hierarquia e contribuir mais efetivamente para a construção de ambiente que oportunize, de fato, condições para que as mulheres possam ser empregadas e reconhecidas conforme as habilidades, as capacidades e o conhecimento que possuem, influenciando de modo singular a execução da atividade de polícia que lhes compete a cultura da organização para a qual desempenham suas atividades profissionais.
Pode-se inferir que a igualdade institucional não é uma realidade para as policiais militares e corrobora a assertiva de que a PMMG é uma instituição machista. Não obstante a presença feminina faça parte do cotidiano policial militar, ela ainda não encontrou, de fato, seu espaço porque está vinculada, principalmente, à ideia de sujeição desta categoria à outra que, numericamente, é superior.
A despeito da cultura organizacional, conforme apontado pelas respostas das próprias policiais, as mulheres podem ser mais aproveitadas na Instituição, sem maiores reservas, já que elas mesmas se consideram como iguais e querem encontrar seu lugar social numa força policial essencialmente masculina.
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1. Administrador de empresas, mestre e doutorando em Desenvolvimento Social pela Universidade Estadual de Montes Claros – Unimontes. franciscomalta@gmail.com
2. Graduando em Psicologia pela Faculdade de Saúde Ibituruna - FASI. patricksamers@yahoo.com.br
3. Graduado em Enfermagem pela Faculdade de Pará de Minas. Mestrando em Promoção de Saúde e Prevenção da Violência pela Faculdade de Medicina/Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). 3º Sargento da Polícia Militar de Minas Gerais. E-mail: filipe_fagundes@hotmail.com. Endereço para correspondência: 25º Batalhão da Polícia Militar de Minas Gerais, Rua Luzia Miranda dos Santos, 125, Bairro São Pedro, Sete Lagoas, MG, Brasil. CEP 35701-031.
4. Professora de Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento Social da Universidade estadual de Montes Claros – Unimontes. mariadaluz@oi.com.br