Espacios. Vol. 37 (Nº 34) Año 2016. Pág. 12

A influência do nível de participação do cliente na estrutura da rede de fornecimento: estudo de múltiplos casos em serviços ofertados pela Polícia Militar de Minas Gerais

The influence of customer participation level in the supply chain structure: a multiple case study in services offered by the Military Police of Minas Gerais

Leila SCANFONE 1; Noel TORRES JÚNIOR 2

Recibido: 20/06/16 • Aprobado: 01/08/2016


Conteúdo

1. Introdução

2. Referencial Teórico

3. Métodos e Técnicas de Pesquisa

4. Apresentação e discussão dos casos

5. Análises Intercasos e Discussão dos Resultados

6. Considerações Finais

Referências Bibliográficas


RESUMO:

A maior participação do cliente em processos de serviços tem sido apontada como um dos fatores que trazem novos desafios para a gestão e a efetividade dos mesmos. Diante disto, o objetivo deste artigo é compreender como o nível de participação do cliente nos processos influencia na estrutura da rede de fornecimento de serviços. Para tanto, optou-se por um estudo qualitativo com finalidade exploratório-descritiva e baseado em um estudo de múltiplos casos. Os achados evidenciaram que o os diferentes níveis de participação do cliente nos processos dos serviços demandaram por diferentes configurações da estrutura da rede de fornecimento dos mesmos.
Palavras-chave: Rede de Fornecimento de serviços. Estrutura. Participação do cliente.

ABSTRACT:

The increased customer participation in service processes has been identified as one of the factors that bring new challenges for their management and effectiveness. In face this, the purpose of this article is to understand how the customer participation level affects the service supply network structure. Therefore, we opted for a qualitative study of exploratory and descriptive purpose and based on a study of multiple cases. The findings indicated that the different levels of customer participation in the services process required different configurations of the structure of service supply network.
Key-words: Service Supply Network. Structure. Customer participation.

1. Introdução

Os desafios para a gestão de serviços trazidos pelo contexto atual das trocas de mercado, em especial àqueles que dependem da participação ativa de clientes e fornecedores na busca por soluções únicas para cada cliente e por melhores resultados para ambas as partes, aliados às características peculiares dos processos de serviços, trazem a necessidade de um melhor entendimento sobre a influência da maior participação do cliente sobre as operações das organizações de serviços.  

Ademais, ao considerar que as redes de fornecimento são mediadoras críticas para as trocas de mercado e para a proposição de valor pela organização ao determinarem como os usuários finais, intermediários e fornecedores participaram na prestação de serviços (Finne & Holmström, 2013), estudos que relacionem o nível de participação do cliente em processos de serviços e as especificidades das redes de fornecimento necessárias para a realização dos mesmos são relevantes.

Diante disto, o objetivo deste estudo foi compreender, à Luz da Teoria Unificada de Serviços e com o auxílio da ferramenta Diagrama Process-Chart-Network - PCN, como a diversificação do nível de participação do cliente nos processos de serviços impactam na estrutura da rede de fornecimento dos mesmos. Para tanto, buscou-se identificar em três serviços que apresentavam níveis diferentes de participação do cliente em seus processos, ofertados pela Polícia Militar do estado de Minas Gerais/Brasil, como as dimensões formalização, centralização e complexidade se apresentam na estrutura da rede de fornecimento dos mesmos.

2. Referencial Teórico

2.1. A participação do cliente em processos de serviço

A Teoria Unificada de Serviços aponta que “em processos de serviço, o cliente fornece contribuições significativas para o processo de produção” (Sampson & Froehle, 2006, p. 331). De acordo com os autores, esta declaração simultaneamente define quais são os serviços e o que os faz serviços. Ressalta-se, no entanto, que apesar de a Teoria Unificada de Serviços reconhecer que os consumidores também contribuem em processos de manufatura, esta é realizada por grupos de consumidores e a partir de ideias para a concepção do produto. Individualmente, a única participação do cliente em manufatura de produtos seria na escolha e uso do produto (Sampson & Froehle, 2006).

Ainda em relação ao envolvimento do cliente nos processos de serviços, Bitner, Faranda, Hubbert, & Zeithaml (1997) apontam que o nível de participação do mesmo pode ser alto, baixo ou moderado. No nível baixo, a presença do cliente é necessária somente na entrega do serviço e, de modo geral, são serviços padronizados e que não atendem às demandas específicas dos clientes. No nível médio, entradas (informações ou materiais) dos clientes são exigidas para o fornecimento do serviço e, portanto, há uma adequação do serviço às necessidades do cliente, porém é a organização que executa o serviço. No nível alto, as entradas (informações ou materiais) do cliente são obrigatórias, ou seja, sem a participação ativa do cliente o serviço não é realizado e, portanto, ele cocria o serviço com a organização.

Além disto, a Teoria Unificada de Serviços também oferece um novo entendimento para as cadeias de fornecimento de serviços. Diferentemente da visão tradicional, na qual a cadeia de suprimentos é linear, a cadeia de suprimentos em serviços é bidirecional. Isto impacta nos seguintes aspectos: as cadeias de suprimentos em serviços tendem a ser hubs, não correntes; tendem a ser curtas; prestadores de serviços não podem tratar os fornecedores que são clientes (dualidade cliente-fornecedor) da mesma forma que tratam fornecedores que não são clientes; e as operações de serviço precisam ser robustas o suficiente para lidar com a natureza estocástica dos insumos fornecidos pelos clientes (Sampson & Froehle, 2006).

2.2 A Estrutura e suas Dimensões

A estrutura é estabelecida para coordenar e controlar todos os elementos e atividades organizacionais (Child, 1972; Mintzberg, 1979) e apoiar a estratégia da organização (Chandler, 1962; Choi & Hong, 2002; Gebauer, Edvardsson, Gustafsson, & Witell, 2010; Tate & Ellram, 2012). Suas funções são: produzir resultados e atingir metas; minimizar as incertezas causadas pelo comportamento individual; e determinar como a autoridade está distribuída, como ocorre o processo de tomada de decisão e onde é executada cada atividade (Hall, 2004). Além disto, a estrutura de uma organização desempenha um papel fundamental na capacidade da organização de se adaptar às mudanças no ambiente (Tate & Ellram, 2012).

Cabe ressaltar que apesar das diferentes abordagens sobre a estrutura, considerando-se as pesquisas de Choi e Hong (2002) e Tate e Ellram (2012) sobre estrutura e estratégia na área de cadeia de suprimentos e os apontamentos de Hall (2004) sobre as características organizacionais comumente abordadas nos estudos sobre estrutura organizacional, as dimensões consideradas para este estudo foram: a formalização, a centralização e a complexidade.

A dimensão formalização está relacionada ao grau em que as decisões, atividades e relacionamentos são regidos por regras formais, procedimentos, políticas e contratos (Hall, 2004; Mintzberg, 1979).

A dimensão centralização refere-se ao grau em que a autoridade ou o poder de tomada de decisão está concentrado na organização, sendo que o elemento mais evidente desta dimensão é o direito de tomar decisões (Hall, 2004).

A dimensão complexidade refere-se à diferenciação estrutural ou variedade que existe em uma organização (Hall, 2004). Três aspectos que podem se observados nesta dimensão. São eles: a diferenciação horizontal (divisão das atividades); a diferenciação vertical (quantidade de níveis hierárquicos); e a dispersão espacial (distribuição das funções geograficamente).

2.3 O Diagrama Process-Chart- Network (PCN)

Apresentado por Sampson, em 2012, o Diagrama Process-Chart-Network (PCN) foi elaborado “a partir dos pontos fortes de outras técnicas de fluxogramas, sublinhando ao mesmo tempo as condições e oportunidades únicas de desenho para processos de serviços interativos" (Sampson, 2014, p. 19) e possibilita uma visão equilibrada das interações entre as entidades envolvidas nos mesmos (Kazemzadeh, Milton, & Johnson, 2015; Ullah, 2014).

Na Figura 1 são apresentados os principais elementos e as características das regiões do Diagrama PCN.

Figura 1 - Elementos e características das regiões do Diagrama PCN

Fonte: Adaptado de Sampson (2014).

Como se pode notar, cada entidade envolvida no processo possui uma área de domínio. Um domínio de processo refere-se à sequência de passos que é iniciada, liderada, executada ou, em algum nível, controlada por uma entidade envolvida no processo (Sampson, 2012, 2014). Cabe destacar que o que caracteriza uma entidade nesta ferramenta é a “capacidade de tomar decisões sobre o início ou o progresso de alguma parte da cadeia de processos” (Sampson, 2012).

Cada domínio de processo, por sua vez, possui três regiões. A região de interação direta abrange etapas que envolvem a interação entre as pessoas das entidades analisadas no processo. A região de substituto da interação abarca as etapas que envolvem interação indireta por meio de pertences, informações ou tecnologia de outra entidade do processo, ou seja, sem a ocorrência de interações entre as pessoas das entidades envolvidas. A região de processamento independente compreende as etapas que ocorrem a partir dos recursos que pertencem e são controlados por uma entidade, sem que ocorra qualquer interação com outras entidades (Sampson & Chase, 2010; Sampson, 2012, 2014).

Em face das múltiplas possibilidades de posicionamento das etapas do processo nas diferentes regiões do diagrama, pode-se depreender que diferentes requisitos de gestão e coordenação serão demandados. Neste sentido, por exemplo, processos posicionados na Região 1 apresentam a possibilidade de trabalharem com procedimentos operacionais padronizados. Já, na Região 3, há necessidade de um maior grau de seleção e treinamento dos empregados para que os requisitos do consumidor possam ser respondidos por processos que estejam dentro das capacidades do provedor. E, na Região 5, o papel principal do provedor é fornecer os recursos necessários para que o consumidor possa conduzir o processo (Sampson, 2014).

Posto isto, em relação à decisão sobre qual seria o posicionamento ótimo de um processo nas regiões de domínio, Sampson (2014, p. 49) aponta que este posicionamento

depende do que o provedor está tentando realizar em uma particular oferta para um determinado segmento de clientes (ex.: um grupo de clientes com necessidades e potencialidade similares para satisfazer essas necessidades). Este posicionamento do processo é uma decisão estratégica na qual se define o que o negócio da organização é em termos de proposição de valor e competências requeridas.

Por fim, cabe ressaltar as seguintes características na representação dos processos pelo Diagrama PCN. Somente as atividades principais do processo devem ser representadas. As setas indicam, através das conexões apontadas por elas, a sequência da cadeia de processos e, também, um estado de dependência, mostrando que um passo do processo depende de um recurso a ser provido por outro passo do processo. Os conectores apontam que a etapa continua em outra entidade. As caixas de bordas arredondadas designam processos que dependem da expertise e do julgamento de determinada entidade. Os triângulos invertidos apontam os processos de espera. As linhas pontilhadas indicam que as etapas ocorrem com diferença temporal (Sampson, 2012, 2014).

3. Métodos e Técnicas de Pesquisa

Diante do objetivo deste estudo, optou-se por um estudo descritivo, com abordagem qualitativa.  A utilização de um estudo de múltiplos casos ocorreu em função da possibilidade de se comparar e observar como as diversas variáveis se comportam de acordo com cada caso analisado (Flick, 2009), o que aumenta a validade da pesquisa e permite o desenvolvimento de um quadro teórico mais rico (Barratt, Choi, & Li, 2011).

Para orientar os esforços de coleta de dados, foram utilizados protocolos de entrevista elaborados a partir dos elementos apresentados na teoria. As entrevistas ocorreram em dois momentos. Primeiro, no período de fevereiro a junho de 2015, onde foram entrevistados cinco atores envolvidos em cada serviço. A duração média de cada entrevista foi de uma hora. Depois, após a elaboração dos estudos de caso, com os responsáveis pelos serviços, para validação dos casos e esclarecimentos de dúvidas.

Para complementar a coleta de dados, como fonte documental optou-se por utilizar os manuais operacionais, denominados doutrinários, e as apresentações institucionais da PMMG (Policia Militar de Minas Gerais) sobre os serviços analisados. Além disto, após cada entrevista foi solicitado ao participante o fornecimento de documentos que reforçassem pontos discutidos durante a entrevista. 

Por fim, realizaram-se as observações diretas. As mesmas aconteceram durante os meses de abril e maio de 2015, período durante o qual um dos autores deste trabalho acompanhou a realização dos serviços estudados.

Por fim, seguindo o procedimento recomendado por Eisenhardt (1989), primeiro foram realizadas as análises intracasos. Em seguida, foram feitas as análises intercasos. O produto final deste processo de análise, conforme recomendação de Eisenhardt (1989), foi a elaboração de um quadro teórico descritivo/explicativo do fenômeno estudado.

4. Apresentação e discussão dos casos

4.1 Serviço de videomonitoramento – Olho Vivo

O serviço de videomonitoramento, conhecido como Olho Vivo, foi regulamentado pela Lei Estadual 15.435, de 12 de janeiro de 2005 e tem por objetivo promover o apoio às ações e operações da Polícia Militar de Minas Gerais - PMMG, bem como aos demais órgãos do Sistema de Defesa Civil, na prevenção e combate da criminalidade no hipercentro da cidade de Belo Horizonte (Milani &Jesus, 2012; Carvalho, 2008).

O serviço consiste no monitoramento permanente, via câmeras, de locais públicos previamente escolhidos em função do índice de criminalidade. A central de coordenação e monitoramento do serviço estudado encontra-se alocada no Centro Integrado de Comunicações da Polícia Militar - CICOp.

O serviço Olho Vivo BH segue o seguinte fluxo:

1ª Etapa – Monitoramento das imagens

O monitoramento é realizado 24 horas por dia pelos operadores do Olho Vivo. Cada operador fica em um posto de trabalho equipado com dois monitores de vídeo e uma central de controle que possibilita que as imagens de nove câmeras sejam controladas por meio de um joystick. A central de controle permite a aproximação das imagens e o giro em 360º das câmeras. Ao identificar uma possível situação de risco, o operador aciona seu supervisor.

2ª Etapa – Geração do registro de atendimento

O supervisor, a partir de sua estação de trabalho, visualiza as imagens e analisa a situação. Caso verifique a necessidade da intervenção, inicia o procedimento de atendimento por meio da abertura da solicitação de empenho de viatura no sistema informatizado de Controle de Atendimento e Despacho - CAD.

3ª Etapa – Despacho da viatura

Concomitantemente a abertura da solicitação, o supervisor/despachante de viatura, via CAD, identifica a disponibilidade de viatura no local do fato. Verificando a disponibilidade de viaturas, a solicitação é transmitida, via rede rádio. Caso não haja viatura disponível, o chamado é posto em uma fila de espera até que uma viatura seja disponibilizada.

4ª Etapa – Atendimento policial

A guarnição empenhada para o atendimento desloca-se para o local designado e toma as providências cabíveis. Durante todo o processo de atendimento é mantido o contato entre o supervisor/despachante do Olho Vivo e a guarnição da viatura por meio da rede rádio, uma vez que ele continua a acompanhar em tempo real o que está acorrendo na área de atendimento e a transmitir informações que auxiliem no atendimento. Ao finalizar o atendimento, a guarnição da viatura informa ao supervisor/despachante de viatura, via rede rádio, os dados necessários para o encerramento do atendimento. Além disto, os polícias militares da guarnição orientam o cidadão quanto às providências legais cabíveis.

A partir dos dados coletados, foi elaborado o seguinte Diagrama PCN do serviço (Figura 2).

Figura 2 - Diagrama PCN do serviço Olho Vivo BH

Fonte: Autoria própria.

Como se pode observar, grande parte das etapas do processo é realizada nas regiões de domínio de processo do provedor e com a utilização de recurso (câmeras) que permite substituir a interação direta com o cliente. Deste modo, além da realização do serviço por funcionários especializados, há um maior controle dos insumos de entrada por parte da PMMG.

Em relação ao nível de participação do cliente, o papel passivo do cliente, o posicionamento do cliente no final do processo de serviço como mero receptor do serviço, a centralização do serviço na empresa e a pouca interação com o cliente apontam para um baixo nível de participação do mesmo nos processos deste serviço.

4.2 O Serviço de Atendimento de Emergência - 190

O número de telefone 190 corresponde ao serviço de atendimento de emergência oferecido pelas polícias militares brasileiras. De acordo com Santos (1998), o número 190 foi destinado ao serviço de atendimento emergencial da Polícia Militar em 1973. Contudo, anteriormente outros números já possibilitavam o contato telefônico do cidadão com a Polícia Militar.  O serviço estudado foi o serviço de atendimento de emergência oferecido à população da região metropolitana de Belo Horizonte.

O processo do serviço segue as seguintes etapas:

1ª Etapa – Acionamento

O cidadão telefona para a central de atendimento por meio do número 190 e a chamada é recebida pela equipe de teledigifonistas.

2ª Etapa – Recebimento da chamada

O teledigifonista, seguindo um padrão operacional de atendimento, obtém as informações necessárias para sua triagem. Durante a triagem, o teledigifonista abastece o sistema informatizado de atendimento com os dados iniciais, como dados do cidadão, sua localização e tipo de atendimento (informações e orientações, assuntos operacionais, emergências policiais ou outros). O tipo de atendimento é identificado a partir do relato da ocorrência pelo cidadão. Em caso de necessidade de empenho da viatura, o teledigifonista abre no sistema informatizado de Controle de Atendimento e Despacho - CAD, uma solicitação de empenho de viatura e coleta mais dados para a identificação da natureza da ocorrência (cada natureza de ocorrência possui um código e os possíveis códigos já estão cadastrados no sistema), do local da ocorrência do fato, de contato com o solicitante e quaisquer outros dados que otimizem o processo de atendimento (caracterização dos indivíduos infratores, placas de veículos e outras). Ressalta-se que há um roteiro básico de perguntas para cada natureza de ocorrência. A solicitação, então, é enviada automaticamente, pelo CAD, para a cabine do despachante de viatura responsável pela área da ocorrência do fato, uma vez que o sistema determina a cabine de atendimento a partir do local de ocorrência do fato.

3ª Etapa – Despacho da viatura

Ao receber a solicitação de empenho de viatura, via CAD, o despachante de viatura analisa as informações contidas na solicitação para verificar a compatibilidade da natureza da ocorrência com o fato relatado e, em seguida, realiza uma pesquisa automática, denomina consulta de raio, por meio do CAD, das viaturas próximas do local da ocorrência. Ressalta-se que a programação das viaturas é lançada no CAD, pelas próprias Companhias da Polícia Militar – Cia PM, uma vez que elas são as responsáveis pelo planejamento da utilização dos recursos em suas respectivas áreas de abrangência, antes do início do turno de serviço. Caso verifique a disponibilidade de viaturas, a solicitação é transmitida, via rede rádio, para a viatura. Caso não haja viatura disponível, o chamado é posto em uma fila de espera até que uma viatura seja disponibilizada.

4ª Etapa – Atendimento policial

Após o recebimento das informações, a viatura se desloca para o local informado e os policiais militares realizam o atendimento em conformidade com a Diretriz Integrada de Ações e Operações – DIAO e orientam o cidadão quanto às providências legais cabíveis.  Terminado o atendimento, os policiais militares transmitem, via rede rádio, para o despachante de viatura, as informações necessárias para o fechamento do chamado. Ao encerrar todos os procedimentos necessários, a viatura é liberada para retornar ao patrulhamento ou empenhada em um novo atendimento.

A partir dos dados coletados, foi elaborado o seguinte Diagrama PCN do serviço 190 realizado na região metropolitana de Belo Horizonte (Figura 3).

Figura 3 - Diagrama PCN do serviço 190

Fonte: Autoria própria.

Como pode ser observado, o 190 apresenta um projeto de serviço que depende de atividades realizadas na região de interação direta. Diante disto, como o serviço possui uma alta variabilidade de insumos (informações dos clientes) oriunda da necessidade do contato com o cliente, faz-se necessário um alto grau de treinamento dos funcionários para que as necessidades dos cidadãos possam ser atendidas por meio da capacidade do serviço, conforme apontado por Sampson (2014). Neste sentido, além do treinamento inicial, o teledigifonista passa por reciclagens e tem constantemente seu atendimento sendo avaliado e os possíveis desvios sendo apontados e corrigidos dentro de um curto espaço de tempo. 

Em relação à participação do cliente, o início do processo do serviço de atendimento de urgência ocorre com o telefonema do cliente (cidadão solicitante) para o número 190 e o relato dele sobre o ocorrido. Ao longo do processo de realização do serviço o cliente poderá fornecer novas informações sobre o ocorrido e/ou envolvidos, principalmente, durante a etapa de atendimento pela guarnição da viatura. Contudo, embora o cliente contribua para a realização do processo, ele possui um papel passivo e é percebido como um recurso, pois a produção continua centrada na empresa, a comunicação resume-se em ouvir o cliente e o objetivo é atender às necessidades do cliente com o que a organização pode disponibilizar.

4.3 A Rede de Vizinhos Protegidos do Bairro Bandeirantes

O serviço Rede de Vizinhos Protegidos surge em 2004 e é regulamentado em 2011, por meio da Instrução nº 3.03.11/2011 da PMMG. Como uma das práticas de policiamento comunitário sua proposta passa pela conscientização de que, organizada, a comunidade se torna mais forte. O serviço consiste na formação de redes de autoproteção e sua organização envolve a vinculação a uma base territorial, na maioria das vezes o bairro, e a articulação em rede, onde os elos são as próprias residências. A partir disso, reuniões periódicas são realizadas para aprofundar o conhecimento mútuo dos participantes (Minas Gerais, 2011).

Em relação à formação da rede, a Rede de Vizinhos Protegidos do bairro Bandeirantes, da cidade de Belo Horizonte/MG, surgiu em 2006 por iniciativa de um grupo de moradores do bairro. A partir da solicitação dos mesmos, os policiais militares da 17ª Cia PM marcaram a primeira reunião com a comunidade e os trabalhos de mobilização e conscientização dos demais moradores começaram. 

Com a rede formada, passou-se a realizar uma reunião a cada dois meses para que a PMMG pudesse passar as informações estatísticas sobre os fatos ocorridos na comunidade, instruir os participantes quanto aos procedimentos de segurança e discutir os problemas de segurança da comunidade no intuito de coletar informações para o planejamento de ações. Contudo, a partir de fevereiro de 2014, a rede optou também pela utilização do aplicativo WhatsApp como meio de comunicação entre os participantes. De acordo com os entrevistados, a comunicação pelo aplicativo agilizou a troca de informações e que diariamente o grupo recebe mensagens dos militares da 17ª Cia PM sobre fatos ocorridos na região, dicas de segurança, entre outros.

Em relação à participação dos integrantes da rede, de acordo com os entrevistados, eles buscam monitorar o que ocorre na vizinhança, estar atentos às necessidades dos demais integrantes e seguir os procedimentos de segurança recomendados pela PMMG. Ademais, acompanham as mensagens postadas no WhatsApp e postam mensagens sobre indivíduos ou veículos suspeitos na região.

Além do contato via aplicativo e nas reuniões, os militares envolvidos no programa, buscam estar presente na comunidade, realizando rondas preventivas, dando dicas de seguranças para a população flutuante (pessoas que não moram no bairro, mas trafegam na região) e realizando visitas tranquilizadoras após cada atendimento realizado.

Ainda em relação à ação dos militares, os entrevistados destacaram que os policiais que são responsáveis pela rede possuem autonomia para resolver os problemas conjuntamente com a comunidade.

A partir dos dados coletados, foi elaborado o seguinte Diagrama PCN do serviço Rede de Vizinhos Protegidos do Bairro Bandeirantes (Figura 4).

Figura 4 - Diagrama PCN do serviço Rede de Vizinhos Protegidos do bairro Bandeirantes

Fonte: Autoria própria.

Como pode ser verificado, o posicionamento de etapas do processo na região de processamento independente e de substituto da interação de todas as entidades.  Cabe ressaltar que as etapas posicionadas na região de processamento independente do domínio do cliente aumentam a oportunidade de customização do serviço, uma vez que possibilitam maior envolvimento dos cidadãos nos processos do serviço, não somente como recurso (fornecedor de informações), mas como partícipe no planejamento das ações a serem implementadas pelo provedor.

Todavia, destaca-se que isto somente é possível em função da preparação dos integrantes da rede para estes papéis e pela anuência dos mesmos para os assumirem. Em relação à preparação, destaca-se o trabalho dos militares da 17ª Cia PM para assegurar que os participantes da rede recebam informações sobre procedimentos de segurança, seja por meio das reuniões, panfletos, mensagens via WhatsApp, rondas das patrulhas, entre outras ações. Isto corrobora o apontado por Sampson (2014) e Torres e Miyake (2011) sobre a importância de preparo do cliente para sua efetiva participação no processo de serviço.

Considerando as etapas alocadas nas regiões de domínio do provedor, elas propiciam uma melhor utilização dos recursos disponíveis, uma vez que o planejamento e a alocação dos recursos disponíveis passam a ser realizadas a partir de informações sobre demandas da região. 

Em relação ao nível de participação do cliente, pode-se depreender que o cliente assume um papel ativo durante todo o processo do serviço. Além disto, o serviço favorece uma maior interação entre a PMMG e o cliente e entre os próprios clientes (etapas destacadas em vermelho no Diagrama PCN), o que possibilita uma maior simetria das informações e o compartilhamento do conhecimento entre todos.

5. Análises Intercasos e Discussão dos Resultados

5.1. A dimensão complexidade nos serviços analisados

Contextualizada à rede de fornecimento, esta dimensão pode ser avaliada em função do número de camadas (complexidade vertical), número de atores em cada camada (complexidade horizontal) e distância média entre as empresas envolvidas ou o nível de dependência entre as empresas da rede de suprimentos (complexidade espacial) (Choi & Hong, 2002).

Quanto à complexidade vertical, como todos os serviços apresentaram somente uma camada, não houve como compará-los. Em relação à complexidade horizontal, considerou-se como números de atores a quantidade de diferentes entidades envolvidas na rede. Diante disto, o serviço Redes de Vizinhos apresentou quatro entidades envolvidas no serviço e os serviços Olho Vivo BH e 190, três entidades. No que se refere à complexidade espacial, como todos os atendimentos são direcionados para os recursos da Cia PM e a área de atuação de cada uma é limitada em função da responsabilidade territorial, em termos de distância média entre clientes e fornecedores os serviços apresentaram praticamente a mesma. Entretanto, ao considerar o nível de dependência entre as entidades, percebe-se que o serviço Rede de Vizinhos Protegidos foi o que apresentou a maior complexidade.

5.2. A dimensão formalização nos serviços analisados

No contexto da rede de fornecimento, a formalização pode ser observada a partir do grau em que a rede é controlada por regras explícitas, procedimentos e normas que tratam dos direitos e obrigações dos elos que compõem a rede (Choi & Hong, 2002).

Ao comparar os três serviços foi possível observar que o serviço 190 é que o apresenta o maior grau de formalização. Além da quantidade de procedimentos e normas que balizam a atuação dos atores envolvidos, foi possível perceber que há um baixo grau de tolerância a desvios no estabelecido neles. No serviço Olho Vivo, apesar de haver alguns padrões operacionais, a maior parte das atividades dos operadores do sistema de videomonitoramento não são padronizadas.

Quanto ao serviço Rede de Vizinhos Protegidos, cabe ressaltar que o menor grau de formalização nos processos decorre do fato de o serviço ter como finalidade a apresentação de soluções específicas para problemas específicos da rede constituída e ocorrer a partir da adesão voluntária de cidadãos da comunidade e entidades locais. Portanto, o baixo grau de formalização revelou estar relacionado à necessidade de flexibilidade e adaptabilidade da rede de fornecimento do serviço tanto para atender à diversidade das demandas como para facilitar a adesão dos atores e entidades necessários para sua formação.

5.3. A dimensão centralização nos serviços analisados

A centralização, na rede de fornecimento, está relacionada à quantidade de autoridade ou de poder que a empresa foco possui sobre os fornecedores da rede (Choi & Hong, 2002).

Ao comparar os serviços foi possível perceber que o serviço Rede de Vizinhos Protegidos apresenta menor grau de centralização. Isto é confirmado pela necessidade de autonomia do policial militar que atende a comunidade e pelo empoderamento dado à comunidade. Pontos estes destacados nas entrevistas realizadas e presentes nas características da filosofia da polícia comunitária e na diretriz do serviço. Ademais, os próprios integrantes da rede definem as atribuições dos integrantes e as formas de comunicação entre os participantes da rede. Destaca-se também a inexistência de métodos sistemáticos de avaliação dos atores envolvidos no serviço.

Nos Serviços 190 e Olho Vivo BH notou-se um elevado grau de centralização. Contudo, no serviço 190 as teledigifonistas possuem uma autonomia maior para a decisão sobre os atendimentos que os operadores do Olho Vivo BH.

Realizadas estas considerações, no Quadro 1, apresenta-se uma síntese da comparação dos serviços nos aspectos acima apresentados.

Quadro 1 - Síntese da comparação dos serviços

Fonte: Autoria própria.

6. Considerações Finais

Os achados do estudo revelaram que a estrutura da rede de fornecimento dos serviços foi impactada pelo nível de participação do cliente nos processos dos mesmos. Neste sentido, no serviço Olho Vivo BH foi possível verificar que a baixa participação do cliente possibilitou a adoção de uma estrutura caracterizada pelo médio grau de formalização, alto grau de centralização e baixo grau de complexidade. Já, no serviço 190, a moderada participação do cliente permitiu a adoção de uma estrutura caracterizada pelo alto grau de formalização, médio grau de centralização e médio grau de complexidade. Por sua vez, no serviço Redes de Vizinhos Protegidos, o alto nível de participação do cliente propiciou uma estrutura com baixo grau de formalização e de centralização e alto grau de complexidade. 

Estes achados corroboram a teoria no que se refere à necessidade de consideração da participação do cliente nos estudos sobre serviços além de reforçar os apontamentos da teoria Unificada de serviços no que se refere à bidirecionalidade dos fluxos, à dualidade cliente fornecedor, ao número menor de atores e ao fato de as operações de serviço precisarem ser robustas o suficiente para lidar com a natureza estocástica dos insumos fornecidos pelos clientes.

Como principais limitações destes estudos, apontam-se o número limitado de casos, o que não possibilita a generalização dos achados da pesquisa e o fato de serem serviços públicos e, portanto, prestados aos cidadãos por direito e não por escolha podem resultar em diferenças operacionais quando comparados aos serviços privados. Contudo, os achados corroboraram o exposto na teoria sobre as especificidades da gestão de serviços decorrente do nível de participação dos clientes em sua produção.  

Por fim, para futuros estudos sugere-se que serviços privados sejam objetos do estudo e que outras dimensões sejam também consideradas, possibilitando uma compreensão mais abrangente sobre os reflexos do nível de participação do cliente na estrutura das redes de fornecimentos de serviços.

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1. Doutoranda em Administração pela Universidade Federal de Minas Gerais. Professora no Grupo Educacional Unis.  e-mail: scanfone@ufmg.br
2. Doutor em Engenharia de Produção pela Universidade de São Paulo. Professor Adjunto da Universidade Federal de Minas Gerais. e-mail: noel@face.ufmg.br


Revista Espacios. ISSN 0798 1015
Vol. 37 (Nº 34) Año 2016

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