Espacios. Vol. 37 (Nº 32) Año 2016. Pág. 13

A luta pelo direito e as restrições ao acesso à justiça

The fight for the right and restrictions on access to justice

Cristiano de Lima Vaz SARDINHA 1; Mônica Teresa Costa SOUSA 2

Recibido: 13/06/16 • Aprobado: 18/07/2016


Conteúdo

1. Introdução

2. O direito constitucional de acesso à justiça pelo prisma da luta pelo direito

3. As principais restrições na efetivação do direito de acesso à justiça

4. Conclusões finais

Referências


RESUMO:

Analisa o exercício do direito constitucional de acesso à justiça. Para tanto, aborda os fundamentos jurídicos que respaldam o acesso à justiça, na qualidade de direito fundamental de qualquer sociedade democrática, que tem a dignidade da pessoa humana como seu valor axiológico. Verifica o acesso à justiça pelo prisma filosófico da luta pelo direito. Trata sobre as principais restrições, que hodiernamente afetam a efetividade do aludido direito. Expõe os requisitos e condições, que são necessários para a promoção do acesso à justiça.
Palavras-chave: Acesso à justiça. Luta pelo direito. Restrições.

ABSTRACT:

Analyzes the exercise of the constitutional right of access to justice. Therefore, it discusses the legal grounds that support access to justice, as a fundamental right of any democratic society, which has the dignity of the human person as its axiological value. Checks the access to justice by the philosophical perspective of struggle for the right. Deals with the main restrictions, which in our times affect the effectiveness of the right alluded. Sets out the requirements and conditions that are needed to promote access to justice.
Keywords: Access to justice. Fight for the right . Restrictions.

1. Introdução

O principal objetivo do presente estudo, é analisar de forma fundamentada, com respaldo no texto legal e constitucional, como também em doutrina, e respeito do exercício do direito constitucional de acesso à justiça e as restrições que o atingem.

Sob um enfoque constitucional, é essencial que se note na efetivação do direito de acesso à justiça, a presença do princípio solar do moderno Direito Constitucional, que é a dignidade da pessoa humana, expressada no artigo 1°, III, da vigente Lei Maior Brasileira.

Abordaremos o direito constitucional de acesso à justiça sob o aspecto filosófico, mais especificamente, de acordo com a corrente de Ihering, que trouxe a visão da importância da luta pelo direito, tanto para o indivíduo, como para a comunidade que o cerca.

Contudo, é justamente na efetivação prática do exercício do direito de acesso à justiça, que já a algum tempo, encontra-se a maior problemática a ser solucionada pela Ciência do Direito. Durante a trajetória do estudo em tela, sistematizaremos de forma metodológica e organizada, as principais restrições ao direito de acesso à justiça.

As referidas restrições ao exercício do direito de acesso à justiça, possuem as mais diferentes razões, sendo causadas por circunstâncias distintas relacionadas ao campo financeiro, social, educacional ou psicológico. Perante isto, devemos manter a mente aberta e buscar soluções não apenas na ciência jurídica, mas em todos os campos científicos que demonstrarem-se úteis na referida causa, através de uma salutar troca de conhecimentos.

Isto posto, será realizada uma verificação crítica e construtiva dos fundamentos que respaldam o direito constitucional de acesso à justiça, assim como, das principais causas que restringem a efetividade de tal direito.

2. O direito constitucional de acesso à justiça pelo prisma da luta pelo direito

No ano de 1872, na cidade de Viena, houve a publicação da clássica obra: “A luta pelo direito”, de autoria de Rudolf Von Ihering, tendo sido destacado pelo próprio autor, que não estava sendo abordada mais uma teoria jurídica, mas sim, uma tese de natureza moral (Von IHERING, 2009).

A abordagem moral desenvolvida, tinha como objetivo primordial fazer nascer o sentimento no plano individual e coletivo, de que se deve sempre lutar pelo direito, ainda que, tal luta seja extremamente árdua e difícil.

Nesse compasso, Von Ihering (2009) enaltecia que o Direito é uma força viva, não apenas uma mera teoria, e tem como sua razão de ser e existir a busca incessante pela paz social, contudo, não se pode olvidar que essa paz é sempre o destino final, pois antes de alcançá-la deve haver a luta.

A paz é o fim que o direito tem em vista, a luta é o meio de que se serve para o conseguir. Por muito tempo pois que o direito ainda esteja ameaçado pelos ataques da injustiça – e assim acontecerá enquanto o mundo for mundo -, nunca ele poderá subtrair-se à violência da luta. A vida do direito é uma luta: luta dos povos, do Estado, das classes, dos indivíduos. Todos os direitos da humanidade foram conquistados na luta; todas as regras importantes do direito devem ter sido, em sua origem, arrancadas àqueles que se opunham, e todo o direito, direito de um povo ou direito de um particular, faz presumir que alguém esteja decidido a mantê-lo com firmeza (Von IHERING, 2009, p. 23).

Von Ihering (2009) destaca e enfatiza a luta pelo direito, como sendo algo moralmente necessário, haja vista, que quando um direito é injustamente maculado, não apenas o titular desse direito é prejudicado, em verdade, há um efeito nocivo erga omnes.

Dessa maneira, a principal razão da luta travada pelo direito é salvaguardar não apenas o indivíduo, mas toda a coletividade e o próprio direito, na qualidade de força motriz da paz social e por consequência, responsável pelo bem-estar e desenvolvimento humano.

Todavia, não se pode omitir que em regra, há a exigência de grande sacrifício temporal e pecuniário, até que se alcance o direito almejado, exigindo do autor deste direito, que realize a avaliação das vantagens e desvantagens do caminho a ser percorrido.

Isto posto, muito provavelmente haverá desistência do direito, caso não haja por parte do autor, a adoção do prisma moral defendido por Von Ihering (2009), que leva em consideração os malefícios presentes e futuros, que são causados ao indivíduo e a coletividade, por decorrência direta da abdicação da luta pelo direito.

Não é o prosaico interesse pecuniário que arroja o lesado a encetar o processo, mas a dor moral que lhe causa a injustiça sofrida; não se trata para ele de recuperar simplesmente o objeto do litígio – talvez mesmo que antecipadamente o haja destinado a uma instituição de beneficência, como frequentemente sucede em hipóteses análogas, para estabelecer bem o verdadeiro motivo do processo – mas, sim de fazer valer seu justo direito! (Von IHERING, 2009, p. 36).

Ao defender seu direito, pensando não em si próprio, mas em toda a coletividade que indiretamente está relacionada ao respeito deste direito, o indivíduo demonstra consideração em relação a seus pares, e alcança uma forma de moral superior, que ultrapassa os limites do seu ser.

Diz-lhe uma voz interior que não deve recuar, que se trata para ele, não de qualquer ninharia sem valor, mas de sua personalidade, de sua honra, de seu sentimento do direito, do respeito a si próprio; em resumo, o processo deixa de ser para ele uma simples questão de interesse, para se transformar numa questão de dignidade e de caráter: a afirmação ou o abandono de sua personalidade (Von IHERING, 2009, p. 36).

Contudo seria realmente razoável, proporcional e justo, exigir-se uma postura moral inabalável do indivíduo, no sentido de sacrificar-se a todo custo, para que fizesse valer um direito?

O ideal desenvolvido por Von Ihering (2009) nos leva a raciocinar que sim. No entanto, pensamos que esse deve ser um juízo de valor, a ser ponderado por cada um, levando-se em consideração a natureza do direito envolvido no caso concreto e o sacrifício exigido.

Dependendo da situação concreta delineada, não parece ser ponderável que em nome da luta moral pelo direito, ponha-se em xeque a paz e a dignidade, pois estes também são bens jurídicos de natureza magna, construídos durante um árduo e lento processo histórico, e que por vezes exigiram sacrifícios incalculáveis, até que fossem respeitados da maneira devida.

Por outro lado, são notórias as semelhanças entre as dificuldades de se obter o direito nos dias atuais, e as dificuldades que foram expostas por Von Ihering (2009) em sua obra clássica, razão pela qual, o presente debate sobre a luta pelo direito, torna-se tão vivo e palpável.

Seguindo esta concatenação de ideias, chega-se a um ponto crucial, referente a forma devida de se lutar pelo direito, dentro de uma sociedade minimamente civilizada e regida por um Estado Democrático de Direito.

Durante milhares de anos, a violência foi a forma corriqueiramente adotada pelos homens para lutar pelos seus direitos. De forma brutal, as pessoas se feriam ou matavam, em busca de garantir a sua propriedade, liberdade ou honra.

No entanto, existe nos seres humanos a vontade de agregarem-se, seja pela necessidade de assim tornarem-se mais fortes no âmbito físico e psicológico, em face dos perigos externos, ou pela vontade de estar perto uns dos outros, por cultivarem alguma forma de sentimento, tal fenômeno é responsável pela formação das sociedades.

Duguit (2009, p. 39), filósofo do Direito sobre o tema assinalou que na realidade, independentemente de haver vontade ou não, a formação da sociedade seria algo natural:

Partimos do fato incontestável de que o homem vive em sociedade, sempre viveu e só pode viver em sociedade com seu semelhante. Admitimos que a existência da sociedade é um fato primitivo e humano, e não, portanto, produto da vontade humana. Conclui-se daí que todo homem, desde o seu nascimento, integra um agrupamento humano. A par com isso, o ser humano desenvolveu uma consciência clara de própria individualidade; ele concebe-se como criatura individual, com necessidades, tendências e aspirações próprias; compreende também que esses anseios não podem ser satisfeitos se não pela vida em comunidade com outros homens.

Diante disso, pelo fato do homem conviver em sociedade por vontade própria, ou por uma força natural que o impulsiona, foi possível o nascimento de formas civilizadas de lutar-se pelo direito, sem que fosse por meio da violência selvagem ou com a exigência de sacrifícios desmedidos.

Foi dentro desse contexto, que as pessoas por meio de um pacto social, abdicaram de parcela de sua liberdade e delegaram poder ao Estado, na qualidade de ente maior, dotado de força e capacidade para dirimir os conflitos que lhe são apresentados, resguardando a harmonia social.

Somente o Estado, passou a ser legitimamente competente para fazer uso dos meios necessários, quando provocado por alguém que tenha sido injustamente lesado por outrem, não havendo mais a possibilidade do uso da violência privada, ou de se fazer justiça com as próprias mãos.

Dessa maneira, após séculos de desenvolvimento surgiu o embrião do direito de acesso à justiça, em conformidade com os moldes que hoje conhecemos. Sendo que, é por intermédio da aplicabilidade efetiva do direito de acesso à justiça, que pode ser exercitada a luta pelo direito de forma digna e civilizada.

Dentro desse contexto, o direito fundamental de acesso à justiça é condição sinequa non, para que o indivíduo obtenha a efetivação dos demais direitos fundamentais, tais como: vida, saúde, liberdade, dignidade etc. Nessa esteira, é crucial que o acesso à justiça não seja delimitado a simples submissão do indivíduo, a um conjunto de atos formais e vazios, realizados para manter “as tradições e costumes” do Direito.

Na realidade, o direito de acesso à justiça deve ser balizado pela sua aplicabilidade no campo material, sendo um direito fundamental efetivo a todos que o necessitem, sem qualquer distinção.

Cappelletti (1988, p. 11-12) enfatiza que:

De fato, o direito ao acesso efetivo tem sido progressivamente reconhecido como sendo de importância capital entre os novos direitos individuais e sociais, uma vez que a titularidades de direitos é destituída de sentido, na ausência de mecanismos para sua efetiva reivindicação. O acesso à justiça pode, portanto, ser encarado como o requisito fundamental - o mais básico dos direitos humanos – de um sistema jurídico moderno e igualitário que pretenda garantir, e não apenas proclamar os direitos de todos.

Nesse desiderato, adota-se uma visão mais abrangente do direito magno de acesso à justiça, que lhe confere o sentido de ser o caminho legal e adequado, para que as pessoas alcancem a justiça propriamente dita, na qualidade de valor idealizado no seio social, por meio do emprego de um direito fundamental.

No Brasil, as questões que giram em torno da efetividade do direito de acesso à justiça, passaram a receber o foco, condizente com a sua importância, no começo da década de oitenta, com o fim da ditadura militar, mais precisamente com a promulgação da Constituição Federal do ano de 1988, apelidada de “Constituição Cidadã”.

A utilização da nomenclatura “Constituição Cidadã”, é pertinente e perfeitamente cabível, em razão da referida Lei Magna, ter sido criada com o objetivo primordial, de proporcionar a todas as pessoas, o pleno acesso à justiça e a outros direitos fundamentais, que são corolários de uma cidadania plena e da dignidade da pessoa humana.

Nesse viés, podem ser expostos, como exemplificação de mecanismos direcionados a efetivação do direito de acesso à justiça e, por conseguinte, a outros direitos fundamentais: a publicidade dos atos judiciais, o devido processo legal, a fundamentação obrigatória das decisões, o contraditório, a ampla defesa etc.

Diante disso, mesmo sendo relativamente recente a atenção conferida a efetividade do direito de acesso à justiça, já ocorreram várias criações e modificações em dispositivos e diplomas legais, dentro do ordenamento jurídico brasileiro, todas voltadas ao intento, de facilitar e melhorar o exercício desse direito fundamental.

Na direção do direito de acesso à justiça, o louvável escopo de certos diplomas legais, como o Código de Defesa do Consumidor, o Estatuto da Criança e do Adolescente e o Estatuto do Idoso, é alcançar o patamar do princípio constitucional da igualdade material, advindo da máxima aristotélica, de que os iguais devem ser tratados de forma igual, e os diferentes de forma diferente, na medida de suas diferenças.

Dessa maneira, o princípio constitucional da igualdade material, sob o enfoque do acesso à justiça, objetiva restaurar o equilíbrio das partes ou interessados, que buscam os seus direitos em condições diversas, derivadas do âmbito físico, financeiro, social, cultural, histórico e psicológico, em que estão inseridos.

Desta feita, a igualdade não pode mais ser vista apenas por uma ótica formalista, pois a igualdade a ser almejada é a material, ou seja, é aquela que corrige e equilibra as desigualdades pré-existentes, e eleva todos, a um mesmo patamar.

Em uma sociedade heterogênea, formada por indivíduos de diferentes pensamentos, ideologias, religiões, etnias, possuidores de diversificada capacidade econômica, intelectual e física, além de subordinados a um sistema legal tão amplo quanto complexo, o Direito legislado e codificado se propõe a ser um mediador das relações verticais (Estado e particulares) e horizontais (somente entre particulares), tendo o objetivo de assegurar a paz social e a vigência do Estado democrático de direito, eficiente e eficaz, mediante a garantia de que a todos, será ofertado isonômico tratamento, resultando na cidadania plena.

3. As principais restrições na efetivação do direito de acesso à justiça

Está arraigado no pensamento comum, que quando o indivíduo busca o exercício do seu direito de acessar à justiça, o mesmo depara-se com inúmeras restrições a este acesso, o que representa uma das principais crises do Direito, em relação a sua função de garantir a segurança e estabilidade social.

No que tange às restrições ao acesso à justiça da população, destaca-se como de maior relevância, as seguintes: as restrições de natureza econômica, as restrições de natureza sociocultural, as restrições de natureza psicológica, as restrições de natureza jurídica.

Imperioso ser enaltecido que a referida fragmentação, quanto às restrições ao direito fundamental de acesso à justiça, possui a única e exclusiva finalidade, de melhorar e aprofundar o estudo das mesmas.

Em verdade, as restrições ao acesso à justiça, sejam elas de natureza econômica, sociocultural, psicológica ou jurídica, estão quase sempre, intimamente entrelaçadas, não sendo possível diagnosticar com precisão, quando inicia uma e termina outra.

Ademais, por vezes, uma restrição ao acesso à justiça é causa direta de outra. Vislumbra-se tal situação, pela percepção de que em geral, um contexto econômico desfavorável, representa o nexo causal, para uma situação sociocultural também negativa. Por outro lado, em alguns casos, as restrições de cunho psicológico, são consequências das demais restrições ao direito de acesso à justiça.

Diante disso, é notório que há uma linha extremamente tênue, entre os vários tipos de restrições ao acesso à justiça. Sendo, contudo, incontestável que tais restrições quando atuantes em conjunto, ou mesmo separadamente, causam nefastos prejuízos ao ideal de justiça.

Destarte, a seguir passaremos a nos focar especificamente, nas principais restrições ao direito de acesso à justiça, avaliando as suas causas e consequências.

3.1 As restrições de natureza econômica

Prevalece que as restrições de natureza econômica, são as principais responsáveis, pela não aplicação adequada do direito de acesso à justiça, na vida da maioria das pessoas. Afinal, é estratosférico o número de indivíduos, que abdicam de lutar pelos seus direitos, em face de não possuírem condições suficientes, para arcar com as obrigações financeiras decorrentes de uma demanda judicial.

Nesse contexto, as restrições de natureza econômica atingem principalmente os cidadãos de países subdesenvolvidos, ou em desenvolvimento, onde geralmente perdura uma distribuição de renda extremamente desequilibrada, fazendo surgir uma diferença abissal, entre o direito de acesso à justiça, dos que são bem-dotados financeiramente, e os que não são.

Não se pode negar, que o próprio modelo econômico de capitalismo desenfreado, que solidificou sua hegemonia após o período da Guerra Fria, é também contribuinte para as desigualdades econômicas.

Especialmente nos países componentes da América do Sul, por questões culturais, econômicas e históricas, que são atreladas ao nascedouro dessas civilizações, verifica-se com maior frequência a concentração exacerbada de renda, nas mãos de uma minoria dominante.

Por outro aspecto, ainda no que se refere as restrições de natureza econômica ao acesso à justiça, há também o fato notório de que a maior parte dos procedimentos judiciais possuem elevados custos, em descompasso com a realidade financeira da população.

Dessa forma, em relação as restrições ao acesso à justiça de natureza econômica, já foram criados diversos mecanismos legais e constitucionais para combatê-las, sendo que, também existem profissionais jurídicos e instituições destinadas especificamente a prestação da assistência jurídica dos menos favorecidos economicamente. Não obstante a tudo isso, ainda perduram inúmeros empecilhos a quem busca um direito seu, sem contudo, ser detentor de condições financeiras para fazê-lo.

3.2 As restrições de natureza sociocultural

As restrições de natureza sociocultural são grandes causadoras de limitações ao direito de acesso à justiça. Nesse sentido, devemos ter a sensibilidade necessária para vislumbrarmos as barreiras socioculturais ao acesso à justiça, no analfabetismo, na ignorância e na falta de informação.

Ora, como alguém irá lutar por um direito que sequer sabe existir?

A referida indagação nos remete ao mito ou alegoria da caverna de Platão, onde nos sãoapresentados, alguns prisioneiros que desde os seus nascimentos, permaneciam acorrentados no interior de uma caverna, conseguindo apenas, olhar sombras iluminadas na parede, razão pela qual, desconheciam absolutamente o mundo exterior.

Platão é responsável pelo desenvolvimento das bases fundamentais da filosofia ocidental, suas teorias alicerçaram grande parte dos estudos filosóficos, desde a antiguidade clássica até a idade moderna, e ainda prosseguem influenciando o desenvolvimento da ciência filosófica.

Dentro desse contexto, um dos principais pensamentos platônicos, está impresso no mito ou alegoria da caverna, onde percebe-se a dualidade entre o mundo sensível e o mundo das ideias.

Para o filósofo em comento, o mundo sensível é aquele percebido pelos nossos sentidos, e como não podemos confiar plenamente nos sentidos, haja vista, que podem falhar, além de não conseguirem acompanhar as alterações que constantemente se sucedem na realidade, acaba concluindo que o mundo sensível não permite alcançar a verdade.

De acordo com tal pensamento, a verdade e o bem somente poderiam ser percebidos, por meio do mundo das ideias, sendo que, é através do uso da razão, ignorando-se os sentidos, que se tem acesso ao mundo das ideias ou inteligível.

Inúmeras são as interpretações dos pensamentos platônicos. Em relação especificamente ao mito ou alegoria da caverna, nos parece claro que Platão estabeleceu clara distinção, entre o homem que busca o conhecimento e a verdade, ainda que tenha que sujeitar-se a crítica dos seus pares e do meio em que vive, e o homem que por temor das consequências, aceita resignado a verdade que lhe é apresentada ou imposta.

Da mesma maneira que no citado mito filosófico, quem desconhece os seus direitos, em razão de analfabetismo, ignorância ou falta de informação, não sabe sequer a existência de tais direitos, sendo assim, não os deseja ou almeja para si, se conformando apenas com as sombras, do que acha ser seu direito.

Ninguém irá alegar um direito, que nem sabe existir, logo só busca o seu direito quem estiver informado sobre o mesmo. Partindo dessa ideia, Rodrigues (1994, p. 129) escreveu que:

O direito à informação é um pressuposto básico para o efetivo acesso à justiça. É necessário se conhecer os direitos para poder reivindicá-los. No entanto, essa não é uma questão a ser resolvida no âmbito do direito processual. Depende de uma decisão política de investir em educação e exercer um controle efetivo sobre os meios de comunicação, em especial a televisão, que é concessão do Estado.

A premissa de que a informação é condição basilar, para que os indivíduos busquem o acesso à justiça, faz surgir para um Estado Democrático, a legítima obrigação de criar mecanismos promovedores de distribuição de informações relacionadas a direitos fundamentais,

Contudo, há situações em que o próprio Estado, torna-se o responsável pelo não cumprimento ou efetivação de direitos fundamentais, que assegurem o mínimo existencial às pessoas, em conformidade com o princípio da dignidade da pessoa humana.

Diante disso, por vezes são os próprios dirigentes públicos, que mesquinhamente, imbuídos pelo desejo de manterem-se no poder, perpetuam a falta de informação, formando um nefasto ciclo vicioso de ignorantes de um lado, e detentores do poder de outro.

Não há apenas a desinformação das pessoas, quanto aos direitos que lhes são devidos, também existe o desconhecimento de grande parcela da população, quanto as funções efetivas do Poder Judiciário e de outros órgãos que promovam a justiça. Por outro aspecto, enquanto alguns não sabem para que serve o direito de acesso à justiça, outros não creem na sua efetividade e eficácia.

O nível de escolaridade serve como parâmetro das informações que as pessoas possuem, dessa forma, a desinformação quanto ao direito de acesso à justiça, tende a se agravar exponencialmente, quando verificado o contexto social dos menos favorecidos economicamente, onde o índice de analfabetismo é maior quando comparado com o restante da população.

Especificamente na esfera social, quanto mais excluído for o cidadão, provavelmente mais distante geograficamente dos centros urbanos ele irá residir, sofrendo dessa maneira, maiores dificuldades de usufruir dos serviços concernentes ao acesso à justiça.

Por outra banda, cada vez mais as causas judiciais, transformam-se em verdadeiras odisseias extremamente morosas, que se arrastam por um longo lapso de tempo. Sendo assim, é obviamente torturante para uma pessoa que tenha dificuldade de locomoção, ter que se deslocar por várias vezes até o Poder Judiciário ou ao patrocinador de sua causa, para saber as novidades surgidas em sua demanda judicial.

É sabido que o contexto sociocultural é extremamente variável, quando se leva em consideração, as diferentes sociedades e as incontáveis culturas existentes. No entanto, é uma consequência lógica e direta, que independentemente da sociedade ou cultura verificada, a falta de conhecimento é aliada da desinformação e da alienação.

Nessa esteira, a desinformação ou alienação relacionada ao Direito, demonstra ser uma considerável restrição ao acesso à justiça, capaz de levar prejuízo às pessoas, no que toca aos seus direitos fundamentais, e a não participação dos mesmos nas decisões sociais importantes.

3.3 As restrições de natureza psicológica

Freud, durante o desenvolvimento de suas teorias psicanalíticas, aprofundou-se muito no estudo da influência do inconsciente sobre a parte consciente do pensamento humano, dessa forma, tratou sobre três esferas da mente que estão cotidianamente em constante dialética, nomeando cada uma delas de id, ego e superego (KAHN, 2013).

Tentando de forma didática, sintetizar e simplificar as teorias abordadas por Freud, podemos dizer que o id seria o depósito dos sentimentos e impulsos mais primitivos do ser humano, e o superego é a nossa consciência, influenciada pelos costumes familiares e sociais. Enquanto isso, o ego funcionaria como um intermediador entre os dois primeiros, tentando alcançar um equilíbrio entre ambos.

Por certo que, as influências do consciente e do inconsciente nas decisões e atitudes das pessoas em suas vidas cotidianas, são extremamente variáveis e relativas, pois cada mente humana pode ser considerada um universo infindável e obscuro.

Em relação ao Direito, esse diálogo com as ciências que estudam a mente humana, serve para melhor compreendermos que a morosidade processual exorbitante, aliada a uma imagem negativa do Poder Judiciário, deve ser encarada como uma forma de restrição de natureza psicológica ao acesso à justiça.

A lentidão judicial vem a ser extremamente devastadora no psicológico de um cidadão, pois além de existir a situação angustiante de ter que esperar anos para a solução de sua demanda, há também o risco, de que quando consiga o objeto jurídico desejado, a situação fática tenha se alterado de tal maneira, que esse objeto jurídico, não terá mais o valor ou função, que lhe era imputado inicialmente.

Tal restrição psicológica ao acesso à justiça implica para os jurisdicionados, que antes de iniciarem uma demanda, deverão ultrapassar a barreira mental, formada pelo desgaste de saberem, que terão de estar imbuídos de heróica paciência e persistência, se pretendem obter o desfecho de sua lide por meio da decisão do Estado - juiz.

Desta feita, é conclusivo que por causa unicamente do plano psicológico, pode haver a tendência da pessoa de afastar-se da busca por um determinado direito, quando em seu subconsciente, surgir a necessidade de salvaguardar-se da possibilidade de fracasso do seu pleito, ou dos riscos de desgaste mental, financeiro e temporal, que não sejam compensatórios.

3.4 As restrições de natureza jurídica

As restrições de natureza jurídica, também fazem parte do rol de dificuldades relacionadas ao acesso à justiça, sendo advindas do próprio caminho procedimental a ser percorrido na luta pelo direito.

Em geral, as restrições de natureza jurídica ao exercício do direito de acesso à justiça, são decorrentes do excessivo número de atos processuais criados pelo legislador. Por certo que, tais atos processuais nascem com a função de serem garantidores da segurança jurídica, e também, em razão da obediência aos princípios magnos da ampla defesa e contraditório, que estão umbilicalmente ligados ao devido processo legal.

Contudo, é notório que o grande número de atos processuais, que são constantemente criados pelo legislador, acaba engessando o Poder Judiciário, tornando-o uma instituição menos eficiente e eficaz, sendo dessa maneira, deturpada a sua lógica existencial e finalística.

A utilização inadequada de alguns instrumentos processuais, aliada a procrastinação dos feitos pelo uso das brechas da lei, acabam transformando-se em desestimuladores na busca pela justiça.

A história relata que os processos judiciais romanos e da idade média, eram feitos com rígida obediência as formas e formalismos legais estabelecidos, isso reflete a cultura e os costumes de tais épocas. Todavia, tentar empregar essa forma de andamento processual em nosso tempo, com certeza, levará a incidência em um erro crasso, por vários fatores.

Dessa maneira, deve haver a desburocratização do Poder Judiciário, com o objetivo de facilitar às pessoas, o exercício do direito de acesso à justiça.

Os problemas referentes à técnica processual influenciam no efetivo acesso à justiça, tendo em vista serem eles, em determinadas situações, elementos causadores da demora da prestação jurisdicional. Devem ser solucionados através de sua simplificação, desburocratização e desformalização. Isso pode ser feito em dois níveis: a alteração da legislação e a mudança da mentalidade dos aplicadores do Direito. Essa última deve ter por base a consciência de que forma é um meio para atingir o objetivo e não um fim em si mesmo (RODRIGUES, 1994, p. 130).

É indispensável aos profissionais jurídicos, que trabalhem no sentido de tornar a ciência do Direito mais simples e objetiva, devendo-se ressaltar que isso, não significa de qualquer forma, o empobrecimento ou a simploriedade dos princípios e garantias, que foram historicamente construídos em prol da justiça e da sociedade.

Sem dúvidas, quando o Direito se torna mais simples, consequentemente também, será mais acessível e compreensível a todos. Cappelletti (1988, p. 156) se manifesta sobre isso, da seguinte forma:

Nosso Direito é frequentemente complicado e, se não em todas, pelo menos na maior parte das áreas, ainda permanecerá assim. Precisamos reconhecer, porém, que ainda subsistem amplos setores nos quais a simplificação é tanto desejável quanto possível. Se a lei é mais compreensível, ela se torna mais acessível às pessoas comuns. No contexto do movimento de acesso à justiça, a simplificação também diz respeito à tentativa de tornar mais fácil que as pessoas satisfaçam as exigências para a utilização de determinado remédio jurídico.

É curial que o direito de acesso à justiça, siga por um caminho que lhe confira eficiência e eficácia, sem que haja qualquer prejuízo à segurança jurídica e aos direitos fundamentais.

Cappelletti (1988, p. 165) vaticina que: 

A abordagem de acesso à justiça tenta atacar essas barreiras de forma compreensiva, questionando o conjunto das instituições, procedimentos e pessoas que caracterizam nossos sistemas judiciários. O risco, no entanto, é que o uso de procedimentos rápidos e de pessoal com menor remuneração resulte num produto barato e de má qualidade. Esse risco não pode ser nunca esquecido. A operacionalização de reformas cuidadosas, atentas aos perigos envolvidos, com uma plena consciência dos limites e potencialidades dos tribunais regulares, do procedimento comum e dos procuradores é o que realmente se pretende com esses enfoques de acesso à justiça. A finalidade não é fazer uma justiça ‘mais pobre’, mas torná-la acessível a todos, inclusive aos pobres. E, se é verdade que a igualdade de todos perante a lei, igualdade efetiva – não apenas formal – é o ideal básico de nossa época, o enfoque de acesso à justiça só poderá conduzir a um produto jurídico de muito maior ‘beleza’ – ou melhor qualidade – do que aquele que dispomos atualmente.

Conforme já explanado, todas as restrições ao direito de acesso à justiça são intimamente interligadas, sendo permeadas de grande complexidade jurídica, comportamental, social, econômica, psicologia e política. Por isso, devem haver diferentes frentes de combate, em face de tais restrições ao acesso à justiça, com a intenção de reduzi-las ao máximo possível, sempre se evitando a todo custo, a mácula a outros direitos fundamentais, e sem que haja a redução da qualidade do Direito.

Em decorrência desse contexto, estão sendo paulatinamente desenvolvidas formas alternativas de acesso à justiça e resolução de conflitos, que ao mesmo tempo servem para salvaguardar o direito constitucional de acesso à justiça e auxiliarem na desobstrução do Poder Judiciário.

Isto posto, é essencial que cada vez mais sejam criadas alternativas céleres, justas, seguras e eficazespara o exercício do direito constitucional de acesso à justiça, que é a porta de entrada para muitos direitos fundamentais.

4. Conclusões finais

Conforme Von Ihering (2009), quando o indivíduo tem o seu direito maculado, faz-se necessário que em sua mente nasça a consciência de que o direito em questão deve ser buscado, ainda que tenha que pagar um alto preço pelo embate jurídico travado, haja vista, que a desistência da luta pelo direito, não significa apenas prejuízo para o indivíduo detentor do aludido direito, sendo prejudicada toda a sociedade, pois prevalecerá a injustiça e será colocada em xeque a paz social.

Ratifica-se que, a principal razão da luta travada pelo direito é salvaguardar não apenas o indivíduo, mas toda a coletividade e o próprio direito, na qualidade de força motriz da paz social e por consequência, responsável pelo bem-estar e desenvolvimento humano.

Não obstante a tudo isso, de acordo com as peculiaridades do caso concreto em apreço, não parece ser razoável que em nome da luta pelo direito, se exija de um indivíduo a realização de hercúleos sacrifícios, que possam comprometer de forma drástica e irreversível a sua existência.

A adoção da visão parcial e incondicional, que obrigue o indivíduo a sacrificar-se ilimitadamente em prol da luta pelo direito, é tão injusta e desproporcional quanto o seu extremo oposto. Entendemos que deve haver aprioristicamente um juízo de valor, a ser ponderado por cada indivíduo, que considerará a natureza do direito envolvido no caso concreto e o sacrifício exigido, para que a partir disso, seja tomada a decisão mais racional e coerente.

 Nesse diapasão, durante um longo corte histórico do desenvolvimento social e cultural da humanidade, a violência foi comumente utilizada pelos homens na busca dos direitos que consideravam devidos. Não foram poucas as ocasiões, que no afã de manterem ou alcançarem seus direitos, as pessoas e também as sociedades e nações, realizaram atos bestiais que sacrificaram desproporcionalmente bens jurídicos sagrados.

Os acontecimentos históricos e o amadurecimento da humanidade, conseguiram trazer para a maior parte das civilizações, formas mais adequadas de buscar-se a efetivação de direitos. O direito de acesso à justiça revelou-se fundamental para um Estado Democrático de Direito, que tenha a dignidade da pessoa humana como seu princípio solar, haja vista, que é por meio do acesso à justiça, que se alcança outros direitos fundamentais.

Quando se trata do tema acesso à justiça, não podemos nos ater a visão míope de que se trate apenas, do direito de propor ações judiciais e apresentar defesas dentro de uma esfera processual. O direito de acesso à justiça é muito mais do que isso, e deve haver efetividade material na sua aplicação.

Face esse contexto, concluímos que o direito acesso à justiça, não é limitado única e exclusivamente ao direito de buscar a tutela do Poder Judiciário, pois tal direito, quando analisado macroscopicamente, possui o objetivo de alcançar a justiça como ideal desenvolvido e perseguido desde os primórdios da humanidade.

Especificamente no Brasil, o direito de acesso à justiça é expressamente disposto na Constituição Federal, sendo que já foram criadas diversas leis e dispositivos específicos, todos voltados a garantir a maior efetividade desse direito magno.

Todavia, ainda assim, prosperam variadas restrições ao direito constitucional de acesso à justiça, destacamos durante o presente estudo, as restrições de natureza econômica, as restrições de natureza sociocultural, as restrições de natureza psicológica, as restrições de natureza jurídica, havendo interconexão entre as mesmas, haja vista, que as causas originárias estão entrelaçadas.

As restrições de natureza econômica, revelam-se como uma das principais causas da inacessibilidade à justiça, pois é comum que os gastos pecuniários necessários para se buscar determinado direito, sejam desproporcionalmente maiores do que os benefícios advindos do direito alcançado.

As restrições em comento afrontam diretamente o princípio constitucional da igualdade, pois em razão dos elevados custos e gastos necessários para exercer-se o direito de acesso à justiça, haverá grandes distâncias práticas entre os possuidores e não possuidores de boas condições financeiras.

Iniciativas como a criação das Defensorias Públicas e a lei de gratuidade judicial, corroboraram sobremaneira no combate das restrições econômicas do acesso à justiça, apesar disso, em face da grande demanda existente, uma significativa parcela da população continua a margem do acesso à justiça.

Nesse contexto, as deficiências socioculturais relacionadas a falta de educação, conhecimento e informação levam muitas pessoas a não exercerem ou se afastarem do acesso à justiça. Sendo esses mesmos efeitos negativos, também verificados nas restrições de natureza psicológica, onde o cidadão desiste da persecução de seu direito, antes mesmo de iniciar, por receio psicológico do desgaste excessivo que terá de ser submetido.

Verificamos que as restrições de natureza jurídica, são causadas pelo exagerado número de atos processuais, geralmente percorridos até o fim de uma demanda levada ao Poder Judiciário. Foi destacado que muitos desses procedimentos, e o ambiente demasiadamente formalista estão completamente fora do entendimento e da realidade da população.

De forma antagônica a cultura da exagerada judicialização de litígios, é essencial que se forme no Brasil, o costume de buscar-se sempre quando possível, meios alternativos de solução de conflitos, que sejam mais céleres, eficientes e econômicos, merecendo relevante destaque nesse cenário, a mediação e a conciliação.

Referências

CAPPELLETTI, Mauro. Acesso à justiça. Tradução Ellen Gracie Northfleet. Porto Alegre: Fabris, 1988.

DUGUIT, León. Fundamentos do direito. Tradução Márcio Pugliesi. São Paulo: Martin Claret, 2009.

KAHN, Michael, Freud básico: pensamentos psicanalíticos para o século XXI. Tradução Luiz Paulo Guanabara. Rio de Janeiro: Best Bolso, 2013.

RODRIGUES, Horácio Wanderlei. Acesso à justiça no direito processual brasileiro. São Paulo: Acadêmica, 1994.

Von IHERING, Rudolf. A luta pelo direito. Tradução João de Vasconcelos. São Paulo: Martin Claret, 2009.


1. Doutor em Ciências Jurídicas e Sociais pela Universidad del Museo Social Argentino. Especialista em Direito Notarial e Registral, Direito Civil, Direito Constitucional, Direito do Trabalho, Direito de Família e Sucessões. E-mail: cristiano-sardinha@hotmail.com


Revista Espacios. ISSN 0798 1015
Vol. 37 (Nº 32) Año 2016

[Índice]
[En caso de encontrar algún error en este website favor enviar email a webmaster]