Espacios. Vol. 37 (Nº 28) Año 2016. Pág. 17
Augusto Fontanelli LOUREIRO 1; Janaina RUFFONI 2
Recibido: 21/05/16 • Aprobado: 25/06/2016
2. A discussão sobre a teoria da Hélice Tripla
4. Descrição e Análise dos Resultados
RESUMO: A articulação de atores na emergência de uma atividade produtiva de alta intensidade tecnológica é a temática do estudo. Os papéis da universidade, do governo e da firma são analisados na estruturação da área de semicondutores no Rio Grande do Sul (RS). Fontes primárias de dados foram coletadas e analisadas em 2014. Os resultados apontam para atores desempenhando papéis diversos e para a constituição de diferentes arranjos institucionais. Destaca-se a relevância de mecanismos de fomento público à inovação para um desfecho positivo do processo e a importância das instituições e suas articulações, ocupando diferentes espaços de consenso, conhecimento e inovação. |
ABSTRACT: The actors’ articulation in the emergence of a high intensive technology activity is the subject of this study. The roles of university, government and firm are analyzed in structuring the semiconductor area in Rio Grande do Sul (RS)/Brazil. Data from primary sources were collected and analyzed in 2014. The findings point to the actors’ articulation and creation of different institutional arrangements. It also highlighted the relevance of innovation public support mechanisms for a positive outcome and the importance of institutions and their joints in promoting technological progress. |
A inovação, que antigamente era entendida de forma mais restrita e relacionada à tecnologia somente, assume um novo significado na denominada Economia Baseada em Conhecimento e já não é mais restrita à ação da esfera empresarial – passa a incluir a criação de arranjos institucionais que estimulem e desenvolvam o processo inovador (ETZKOWITZ, 2009).
O modelo da Hélice Tripla (HT), base teórica de análise deste artigo, destaca a emergência da universidade como ator-chave no desenvolvimento econômico e a criação de novos arranjos institucionais a partir da interação universidade-firma-governo (U-F-G), como parte do esforço inovador dessas três esferas (ETZKOWITZ e LEYDESDORFF, 2000).
Com o intuito de verificar as funções e o modo como são executadas na dinâmica da interação U-F-G, Etzkowitz e Ranga (2010) propõe o framework analítico de Sistema de Hélice Tripla. Neste Sistema, as funções executadas pelos atores são verificadas na prática por meio de três espaços: (i) Espaço de Conhecimento, (ii) Espaço de Inovação e (iii) Espaço de Consenso.
O presente artigo, portanto, propõe analisar os papeis que as esferas – universidade, firma e governo – assumiram no caso da área de semicondutores no estado do Rio Grande do Sul (RS), sob a ótica analítica da Hélice Tripla e, em específico, dos Espaços de Conhecimento, Inovação e Consenso. Trata-se de uma pesquisa teórico-empírica, que contou com a análise de dados primários obtidos por meio da realização presencial de entrevistas em profundidade com atores que desempenharam um papel-chave no processo, ao longo do primeiro semestre de 2014. O estudo precede a análise específica do caso da interação entre a Universidade do Vale do Rio dos Sinos (UNISINOS), a firma de semicondutores HT Micron - empresa brasileira fundada em 2009 por meio da joint venture entre a sul-coreana Hana Micron e a brasileira PARIT - e o Governo do Estado do Rio Grande do Sul. Verifica-se a importância de estudar a temática da Hélice Tripla em um contexto Latino Americano e na indústria de semicondutores do Rio Grande do Sul, tendo em vista tratar-se de uma atividade produtiva intensiva em conhecimento científico e tecnológico, relativamente incipiente no RS e no Brasil.
A maneira como a inovação é entendida atualmente vem sendo transformada com a frequente atribuição do conhecimento como fator-chave para a produtividade e o crescimento das economias. Antigamente entendida como o desenvolvimento de novos produtos em empresas, o conceito assume um significado mais amplo na Economia Baseada em Conhecimento (OCDE, 1996) e já não é mais restringida à ação da esfera empresarial, passando a incluir a criação de arranjos institucionais que melhorem o processo inovador (ETZKOWITZ, 2009).
O modelo de Hélice Tripla das relações U-F-G foi introduzido à discussão acadêmica na década de 1990 por Etzkowitz (1993) e Etzkowitz e Leydesdorff (2000), reunindo conceitos de trabalhos precursores como o de Lowe (1982) e Sábato e Mackenzie (1982). O modelo interpreta o aspecto da mudança da dinâmica econômica, no qual a dríade indústria-governo da Economia Industrial foi substituída pela tríade universidade-firma-governo da Economia Baseada em Conhecimento. Segundo Dagnino (2003), a difusão do argumento da Hélice Tripla ocorreu devido a duas correntes emergentes de análise originadas nos países desenvolvidos: (i) a “Segunda Revolução Acadêmica”, que discute o novo papel da universidade ao assumir um compromisso com o desenvolvimento econômico, somando ao seu papel tradicional de formação de recursos e pesquisa básica; e (ii) a importância das relações do entorno na competitividade das firmas, uma vez que a universidade passa a ser considerada como um agente importante, se não fundamental.
Os estudos em torno da discussão da Hélice Tripla, nas últimas duas décadas, podem ser observados sobre duas perspectivas complementares. Por um lado, a perspectiva (neo) institucional analisa as mudanças dos arranjos institucionais das esferas U-F-G e, sobretudo, o crescente papel da universidade no desenvolvimento econômico, ao lado da indústria e do governo. Por outro lado, a perspectiva (neo) evolucionária considera que universidade, indústria e governo são subconjuntos de sistemas sociais que evoluem mutuamente ao passo que interagem entre si, e analisa as transformações internas em termos de papeis das esferas no contexto econômico, frente a novos arranjos institucionais. (ETZKOWITZ e RANGA, 2013)
Na perspectiva (neo) institucional, Etzkowitz e Leydesdorff (2000) reconhecem três modelos de configuração das esferas da Hélice Tripla. No modelo estatista, também conhecido como Hélice Tripla I, o governo centralizador têm o papel de coordenação frente à universidade e à indústria – segundo os autores, um modelo amplamente reconhecido como falho, uma vez que as restrições quanto às iniciativas bottom-up desencorajam a inovação. No modelo laissez-faire, também conhecido como Hélice Tripla II, caracterizado por baixo nível de intervenção do governo na economia, a indústria é a força motivadora e as outras duas esferas servem como estruturas de suporte no processo inovador. As esferas atuam de forma independente e interagem de forma modesta e restrita aos limites dos seus papeis tradicionais. No modelo balanceado, ou Hélice Tripla III, específico da transição para a Economia Baseada em Conhecimento, a universidade e demais instituições produtoras de conhecimento ganham relevância no processo inovador e as esferas se movem em direção à colaboração e a um relacionamento recíproco (ETZKOWICZ, 2009).
Na perspectiva (neo) evolucionária, Etzkowitz (2009) argumenta que, frente a novos arranjos institucionais, as esferas sofrem transformações internas nas quais, além de desempenhar suas tarefas tradicionais, cada qual “assume o papel da outra” em alguma medida. Nessa perspectiva, Leydesdorff e Meyer (2006) identificaram três funções básicas desempenhadas pelas três esferas: (i) geração de riqueza (indústria); (ii) produção de conhecimento (universidade); e (iii) controle normativo (governo). De acordo com os autores, no entanto, “já não se pode esperar uma correspondência de um-para-um entre as instituições e suas funções”. (2006, p. 3)
Combinando as perspectivas (neo) institucional e (neo) evolucionária, Leydesdorff e Meyer (2006) propuseram um modelo conceitual onde a produção de conhecimento não é uma função restrita à esfera acadêmica, e sim um processo compartilhado entre universidade, indústria e governo; a geração de riquezas não é função unicamente da esfera industrial, e sim promovida por meio da criação de mecanismos organizacionais que incorporam elementos da Hélice Tripla; e o controle normativo surge da interação entre as esferas ao invés de uma função específica e restrita ao governo (LEYDESDORFF e MEYER, 2006). De modo geral, na transição para a Economia Baseada em Conhecimento, a universidade adota uma postura de “Universidade Empreendedora” (ETZKOWITZ, 2009) ao assumir um compromisso com o desenvolvimento econômico regional, aproximando-se da indústria e incrementando seu papel tradicional de formação de recursos humanos e pesquisa básica; a indústria repensa as sua rede de relações e a maneira como faz P&D passando a enxergar maior valor na colaboração com universidades em função do conhecimento; e o governo volta-se para a construção de mecanismos organizacionais e políticas para o fomento à inovação e à colaboração universidade-indústria.
Etzkowitz e Ranga (2010) introduziram o conceito de ‘Sistema de Hélice Tripla’ que incorpora os papéis básicos identificados por Leydesdorff e Meyer (2006) e apresenta os três Espaços do Sistema de Hélice Tripla, os quais correspondem aos mecanismos pelos quais as funções de produção de conhecimento, geração de riqueza e controle normativo são executadas, respectivamente: (i) Espaço de Conhecimento, (ii) Espaço de Inovação e (iii) Espaço de Consenso.
O Espaço de Conhecimento envolve as competências relacionadas às funções de produção, difusão e uso de conhecimento por parte dos componentes da Hélice Tripla. Tem o propósito de criar e desenvolver recursos para reforçar a base de conhecimento. Segundo Etzkowitz e Ranga (2010), a criação e consolidação do Espaço de Conhecimento depende da existência de pesquisa acadêmica e de estrutura para formação de recursos humanos. Na criação de um Espaço de Conhecimento, os componentes da Hélice Tripla podem optar por diferentes estratégias de acordo com o contexto, como realocação dos recursos existentes, criação de novos recursos (ex. Instituição de ensino), ou criação de redes virtuais para conectar recursos dispersos (ETZKOWITZ e RANGA, 2013).
O Espaço de Inovação envolve as competências ligadas à função de geração de riqueza por parte dos componentes da Hélice Tripla. Envolve a reconfiguração de elementos dos arranjos institucionais existentes com intuito de formar novos conceitos de organização e arranjos institucionais que promovam a inovação. Na criação de um Espaço de Inovação, os componentes da Hélice Tripla podem optar por diferentes estratégias, como, por exemplo, a criação de uma universidade em regiões sem capacidade de ensino superior, a criação de um ambiente integrado para transferência tecnológica e estímulo ao empreendedorismo (ETZKOWITZ e RANGA, 2013).
O Espaço de Consenso envolve as competências relacionadas à função de controle normativo. Tem o propósito de reunir os membros das esferas da universidade, firma e governo, engajando-os na discussão, negociação e avaliação das propostas compartilhadas para o avanço econômico. Na criação de um Espaço de Consenso, os componentes podem optar por diferentes estratégias, que vão desde a criação de um comitê para discutir tópicos relevantes à economia regional, à transformação de uma instituição para analisar problemas e formular soluções, até o fornecimento de acesso aos recursos requeridos para a implementação de um projeto (ETZKOWITZ e RANGA, 2013).
Os Espaços de Conhecimento, Inovação e Consenso evoluem paralelamente ao processo de desenvolvimento regional, que possui quatro estágios de acordo com o Modelo de Crescimento e Renovação Regional, de Etzkowitz e Klofsten (2005). São eles: 1) Gênesis, que diz respeito ao estágio da criação de uma ideia para um novo modelo de desenvolvimento regional; 2) Implementação, que caracteriza o estágio em que se realizam iniciativas e desenvolve-se a infraestrutura para operacionalizar a ideia; 3) Consolidação e Ajustes, que refere-se ao estágio de integração das atividades para tornar as novas iniciativas e a infraestrutura mais eficientes; e 4) Crescimento Autossustentável e Renovação do Sistema, que diz respeito ao estágio de busca por novas áreas de crescimento.
Trata-se de uma pesquisa teórico-empírica, em que se utilizou o método de estudo de caso. Para a realização da pesquisa, foram utilizados dados primários qualitativos, obtidos a partir de seis entrevistas em profundidade, orientadas a partir de roteiros pré-elaborados, feitas presencialmente pelo pesquisador. Além disso, no estudo também foram utilizados dados secundários, obtidos a partir de um processo de clipping, que consistiu na busca e seleção de notícias em jornais, revistas, sites e outros meios de comunicação, documentos institucionais, dentre outros materiais relevantes para o estudo de caso, que serviram como informação complementar.
Os entrevistados foram selecionados de modo não-aleatório, sendo o critério que norteou a escolha foi o entrevistado ter participado ativamente desde o início do caso estudado. As entrevistas foram gravadas em áudio, mediante autorização dos participantes, e, posteriormente, transcritas em arquivos de texto para serem analisadas.
O método para a análise de dados foi a análise de conteúdo, a qual foi feita a partir da identificação de elementos convergentes ou divergentes relatados pelos entrevistados. Também fez parte da rotina de análise dos dados a identificação dos elementos que caracterizavam, no caso estudado, os Espaços de Consenso, de Conhecimento e de Inovação. Em relação à análise dos dados secundários, a investigação de conteúdo dos documentos buscou, essencialmente, complementar e/ou confirmar as observações obtidas a partir das entrevistas em profundidade, e, desse modo, descrever e analisar da forma mais objetiva possível a complexidade organizacional presente no estudo de caso.
Para transparência de informações, elaborou-se o Quadro 1 que informa detalhes a respeito dos entrevistados.
Na formação do Espaço de Consenso, o governo, tradicionalmente responsável pela função de controle normativo (LEYDESDORFF e MEYER, 2006), assume uma postura de aproximação das esferas da empresa e da universidade e lidera o processo de execução da função de controle normativo de forma compartilhada. Essa característica foi verificada na formação do Espaço de Consenso no caso estudado, no qual o Governo do Estado do Rio Grande do Sul assumiu uma postura de “facilitador” ao mostrar-se aberto à colaboração e convocar os diferentes atores da indústria e da universidade para participar do processo de normatização e construção de políticas para a área de semicondutores, além de suportar, com recursos públicos, as iniciativas das demais esferas.
Na formação do Espaço de Consenso, o governo, tradicionalmente responsável pela função de controle normativo (LEYDESDORFF e MEYER, 2006), assume uma postura de aproximação das esferas da empresa e da universidade e lidera o processo de execução da função de controle normativo de forma compartilhada. Essa característica foi verificada na formação do Espaço de Consenso no caso estudado, no qual o Governo do Estado do Rio Grande do Sul assumiu uma postura de “facilitador” ao mostrar-se aberto à colaboração e convocar os diferentes atores da indústria e da universidade para participar do processo de normatização e construção de políticas para a área de semicondutores, além de suportar, com recursos públicos, as iniciativas das demais esferas.
Na formação do Espaço de Consenso, o governo, tradicionalmente responsável pela função de controle normativo (LEYDESDORFF e MEYER, 2006), assume uma postura de aproximação das esferas da empresa e da universidade e lidera o processo de execução da função de controle normativo de forma compartilhada. Essa característica foi verificada na formação do Espaço de Consenso no caso estudado, no qual o Governo do Estado do Rio Grande do Sul assumiu uma postura de “facilitador” ao mostrar-se aberto à colaboração e convocar os diferentes atores da indústria e da universidade para participar do processo de normatização e construção de políticas para a área de semicondutores, além de suportar, com recursos públicos, as iniciativas das demais esferas.
QUADRO 1 – Informações a respeito dos entrevistados
Ent. |
Instituição / Cargo |
Papel no Caso Estudado |
E1 |
UNISINOS- Diretor de Desenvolvimento e Expansão |
Desempenha papel executivo na universidade, trabalhando para os objetivos do Plano de Desenvolvimento Institucional (PDI). Participou da formulação da proposta da UNISINOS de receber as instalações da empresa e coordenou o projeto de instalação da HT Micron. |
E2 |
Secretaria da Ciência, Inovação e Desenvolvimento Tecnológico (SCIT-RS) - |
Participou do processo de concepção e implantação da CEITEC S.A. Contribuiu para a criação da Política Setorial de Semicondutores. Atua na promoção de ambientes de inovação, por meio de programas de estímulo à interação universidade-empresa. |
E3 |
HT MICRON - |
Atua junto a órgãos governamentais no que se refere às políticas governamentais para a indústria de semicondutores - como o ‘Programa de Apoio ao Desenvolvimento Tecnológico da Indústria de Semicondutores’ (PADIS) e a Lei da Informática. |
E4 |
Instituto de Semicondutores da UNISINOS (ITT Chip) - |
Possui cerca de 20 anos de experiência na indústria de semicondutores. Em 2010, atuou como consultor no projeto de implementação da HT Micron. Coordena as atividades do Instituto Tecnológico em Semicondutores (ITT Chip) da UNISINOS, dá suporte tecnológico à indústria e treinamento. |
E5 |
TECNOSINOS - |
Gestora do Parque Tecnológico São Leopoldo (TECNOSINOS). Desempenhou papel essencial na elaboração da proposta da UNISINOS para receber a HT Micron, articulando com os stakeholders envolvidos. |
E6 |
BADESUL - |
Atuou como Secretário de Política de Informática no Ministério da Ciência e Tecnologia. Participou do processo para obtenção do financiamento da construção do prédio da HT Micron via Banco Nacional de Desenvolvimento (BNDES). É o patrocinador (sponsor) do setor de Semicondutores na Política Industrial da Secretaria de Desenvolvimento e Promoção do Investimento (SDPI) do RS. |
Fonte: elaborado pelos autores
A indústria de semicondutores é incipiente no Brasil. Segundo o relatório da Associação Brasileira da Indústria Elétrica e Eletrônica (ABINEE), em 2013 registrou-se déficit na balança comercial desta indústria, sendo que a importação de componentes semicondutores representou cerca de US$ 5,3 bilhões no ano. Com o objetivo de reduzir este déficit, a esfera governamental vem criando uma série de iniciativas para estimular o desenvolvimento da capacidade de produção nacional.
O Programa de Apoio ao Desenvolvimento Tecnológico da Indústria de Semicondutores (PADIS) consiste na iniciativa do governo mais significativa até o momento para essa indústria. O programa possibilitou à indústria as condições mínimas necessárias para receber investimentos e estabelecer plantas industriais nacionais como a SIX Semicondutores S.A. (SIX), a CEITEC S.A. (CEITEC) e a HT Micron. Para que as firmas do setor possam se beneficiar dos incentivos fiscais do PADIS, no entanto, deverão aplicar, como contrapartida, um investimento mínimo de 5% do seu faturamento bruto em P&D nacional, sendo destes, no mínimo 1% em parceria com universidades.
A HT Micron, joint-venture formada pela sul-coreana Hana Micron e pelo grupo brasileiro Parit Participações S.A., é uma empresa com foco em manufatura, desenvolvimento de projetos de encapsulamento e teste de semicondutores. Atualmente estabelecida no Parque Tecnológico de São Leopoldo (TECNOSINOS), localizado junto à UNISINOS, a empresa é a maior fabricante de encapsulamento e teste de semicondutores da América Latina.
O processo de escolha da localização da fábrica da HT Micron no Brasil ocorreu em duas etapas: primeiramente, em 2009, realizou-se uma licitação nacional, do qual participaram os estados do Paraná, São Paulo, Minas Gerais, Amazonas e Rio Grande do Sul; e, uma vez escolhido o estado do RS - principalmente em razão dos benefícios apresentados pela Lei de Inovação do Governo do Estado - realizou-se uma licitação estadual, do qual participaram os municípios de Porto Alegre, Alvorada, Gravataí e São Leopoldo. A opção pelo município de São Leopoldo foi, em grande parte, justificada pela proposta elaborada pela UNISINOS, em parceria com a Prefeitura Municipal de São Leopoldo e a Associação Comercial, Industrial e de Serviços de São Leopoldo (ACIS-SL). As três instituições foram a governança do parque tecnológico TECNOSINOS.
Por meio do acordo estabelecido entre UNISINOS e HT Micron, a UNISINOS comprometeu-se em ceder o terreno e custear a construção da fábrica, a qual é alugada à HT Micron por um contrato inicial de dez anos, com a opção de compra ao final desse período. Em contrapartida, a HT Micron comprometeu-se em aplicar ao menos 1% em P&D na UNISINOS para que a empresa se beneficie do PADIS. O valor correspondente a esse percentual é absorvido por meio do ITT CHIP. Dessa forma, UNISINOS e HT Micron mobilizaram-se em torno de um objetivo em comum: desenvolver o ambiente científico-tecnológico da área de semicondutores na região. Os órgãos do Governo do Estado do Rio Grande do Sul e Prefeitura Municipal de São Leopoldo comprometeram-se em dar suporte à iniciativa, por meio de políticas públicas e investimentos no setor.
Observa-se que a formação dos Espaços evoluiu paralelamente aos quatro estágios do desenvolvimento regional identificados no Modelo de Crescimento e Renovação Regional (ETZKOWITZ e KLOFSTEN, 2005). Logo, compreende-se que, no caso estudado, o Estágio de Gênesis abrange o período do lançamento da licitação nacional até a escolha do município de São Leopoldo, quando se inicia o Estágio de Implementação que se estende até o presente. Os Estágios de Consolidação e Ajustes e de Crescimento Autossustentável e Renovação do Sistema não foram contemplados no caso estudado.
* Espaço de Consenso - o Espaço de Consenso envolve as competências relacionadas à função de controle normativo por parte dos componentes da Hélice Tripla. Tem o propósito de reunir os membros das esferas da universidade, firma e governo e engajá-los na discussão, negociação e avaliação da proposta. No caso estudado, identificaram-se três momentos distintos, nos Estágios de Gênesis e de Implementação, nos quais os atores se reuniram, definiram ações e que exemplificam a formação de um Espaço de Consenso.
No Estágio de Gênesis, durante o processo de licitaçãonacional para receber a HT Micron, o Governo do Estado do Rio Grande do Sul buscou o apoio do TECNOSINOS na elaboração da proposta, que resultou na alteração dos termos da Lei de Inovação do Rio Grande do Sul (Lei n. 13.196, de 13 de julho de 2009), como relatado pela entrevistada E5: “Todo processo da HT (Micron) em termos de política pública aqui no estado foi discutido junto com a gente, tanto que o Estado aprimorou a Lei da Inovação para poder contemplar a questão de semicondutores, já que isso é novo”. Ainda no Estágio de Gênesis, uma vez que o Rio Grande do Sul foi escolhido, os membros da governança do TECNOSINOS/UNISINOS, da Prefeitura Municipal de São Leopoldo e da ACIS-SL se articularam para elaborar uma proposta para a licitação estadual. A proposta envolveu a Prefeitura Municipal de São Leopoldo no suporte à infraestrutura para a construção da fábrica, como a terraplanagem, o fortalecimento da rede local de energia e a construção de uma nova adutora para viabilizar a água necessária à sala limpa da fábrica. De acordo com a entrevistada E5, “[...] houve uma série de incentivos do município que junto com pacote do estado, através da Lei de Inovação, deram uma razoabilidade na questão do incentivo fiscal”. À UNISINOS coube a concessão do terreno e a construção da fábrica em si, além da introdução de uma linha de pesquisa em semicondutores inteiramente nova para a universidade, como enfatizado pela E5: “[...] da nossa parte, o grande vínculo de parceria foi a partir da universidade, não só no sentido de buscar um espaço dentro do parque (tecnológico) para sediar, mas, muito mais do que isso, a introdução de novo conhecimento na universidade”.
No Estágio de Implementação, uma vez instalada a fábrica da HT Micron no parque tecnológico do TECNOSINOS, membros das três esferas voltaram a reunir-se em um Espaço de Consenso, com o objetivo de debater políticas públicas para o setor de semicondutores no Rio Grande do Sul. Uma série de encontros, promovidos pelo BADESUL e pela Secretaria de Desenvolvimento e Promoção do Investimento (SDPI-RS), resultaram em um documento de intenções chamado Programa Setorial em Semicondutores, que é parte da Política Industrial de Desenvolvimento Econômico do Rio Grande do Sul (SDPI-RS, 2013). O Programa Setorial em Semicondutores destaca os instrumentos de apoio e as ações do Governo Estadual do Rio Grande do Sul na ordem de investimentos em infraestrutura, P&D, educação, treinamento e incentivos tributários, dentre outros, e de estímulo à relação universidade-empresa, como no caso do Programa de Apoio aos Polos de Inovação Tecnológica, da Secretaria de Ciência, Inovação e Desenvolvimento Tecnológico (SCIT-RS). O documento foi organizado pelo entrevistado E6, Presidente do BADESUL e patrocinadordo setor de Semicondutores na Política Industrial da SDPI-RS, e a construção do plano de ação contou com a colaboração dos entrevistados E1 (Diretor de Desenvolvimento e Expansão, da UNISINOS), E2 (Secretária-adjunta da SCIT-RS) e E3 (Diretora de Relações Institucionais e Governamentais, da HT Micron), dentre outros. Segundo a entrevistada E3, alguns reflexos do programa já são verificados atualmente.
“Teve uma série de reuniões no BADESUL, e nós fizemos um plano de ação. Teve uma série de medidas que não foram aprovadas, uma série de medidas que foram aprovadas, que é uma das bases da política do Governo do Estado. [...] Quanto aos resultados, tem caminhado, ponto a ponto, mas sim, a gente já tem condições de competitividade contra estados que não permitem crédito do ICMS, principalmente. Caso contrário, seria impossível uma empresa se estabelecer no Rio Grande do Sul frente a São Paulo”.
Observou-se que o Espaço de Consenso somente pôde ser formado uma vez que a esfera governamental, representada pelo Governo do Estado do Rio Grande do Sul e Prefeitura Municipal de São Leopoldo, mostrou-se aberta à colaboração e passou a convocar os diferentes atores da indústria e da universidade para participarem do processo de normatização e construção de políticas para a área de semicondutores. Verifica-se, então, o papel do governo como “facilitador”, como ressaltado pela entrevistada E2, Secretária-adjunta da SCIT-RS:
“Então, quanto ao papel do governo, ele tem que ser um facilitador, um apoiador, para que a universidade faça o seu papel, a empresa faça o seu papel, e, também, para que a empresa e a universidade conversem mais. A gente acha que elas conversam pouco. [...] E que, se elas conversassem mais, a gente teria mais envolvimento do Estado. Então, eu enxergo o Estado com esse papel. Não com um papel de substituição da empresa, mas sim com um papel de fomentador, de apoiador da ação da empresa e da relação da empresa com as universidades”.
Entende-se que a esfera governamental assumiu a postura de colaboração e reciprocidade, de acordo com Leydesdorff e Meyer (2006), a partir do momento em que o controle normativo surge da interação entre as esferas, ao invés de ser uma função específica e restrita ao governo.
* Espaço de Conhecimento - o Espaço de Conhecimento envolve as competências relacionadas às funções de produção, difusão e uso de conhecimento por parte dos componentes da Hélice Tripla, e tem o propósito de criar e desenvolver recursos para reforçar a base de conhecimento local, regional ou nacional (ETZKOWITZ e RANGA, 2010). No caso estudado, observa-se que, inicialmente, o Espaço de Conhecimento era praticamente inexistente. No entanto, com a chegada da HT Micron ao parque tecnológico da UNISINOS, a universidade mobilizou uma série de recursos para a criação de uma base de conhecimento local na área de semicondutores, como relatado pela entrevistada E5, gestora do TECNOSINOS: “até a vinda da HT (Micron), nós não tínhamos nada nessa área de semicondutores. Nós não tínhamos nenhum professor para tratar do tema, nós não tínhamos a cooperação internacional, e a partir desse momento isso foi montado”.
Entende-se assim que o Espaço de Conhecimento começou a ser construído no Estágio de Implementação. Nesse momento, a UNISINOS buscou atrair profissionais do mercado com experiência na indústria de semicondutores e dar início ao processo de estruturação desta área de conhecimento, até então inexistente na universidade. Esse foi o caso do entrevistado E4, especialista em microeletrônica, com cerca de 20 anos de experiência na indústria de semicondutores e que atualmente atua na coordenação das atividades do Instituto de Semicondutores da UNISINOS, o ITT CHIP.
Para atender à demanda da indústria local por mão-de-obra qualificada na área, a UNISINOS criou o Mestrado Profissional em Engenharia Elétrica, com uma linha de pesquisa específica para a manufatura eletrônica e encapsulamento. A UNISINOS também concedeu uma série de bolsas de estudo para alunos dos níveis de graduação, mestrado e doutorado, através de mecanismos do Governo Federal como o Ciências sem Fronteiras e com o apoio da indústria, como no caso da ‘Bolsa HT Micron’. As bolsas foram destinadas principalmente para financiar a estadia de pesquisadores na Coreia do Sul, local sede da Hana Micron, partícipe coreana da joint-venture HT Micron, e também de universidades e institutos tecnológicos referências mundiais da área de semicondutores. De acordo com o entrevistado E1, Diretor de Desenvolvimento e Expansão da UNISINOS, o papel do governo é fundamental na concessão de bolsas de estudo: “o maior número de alunos na Coreia pelo Ciência Sem Fronteiras, é nosso, aqui da Unisinos. Porque? Porque a gente tem esse projeto, estimula isso, só que sem a bolsa, nós não teríamos como fomentar. A bolsa de estudo do nível federal é muito importante”.
Com o objetivo de reforçar a base local de conhecimento no curto prazo, a UNISINOS, intermediada pela coreana Hana Micron, realizou uma série de “missões” à Coreia do Sul, juntamente com atores do Governo Estadual do Rio Grande do Sul e diretores da HT Micron, para estreitar relações e estabelecer um processo de cooperação internacional em pesquisa na área de semicondutores, com universidades coreanas renomadas, tal como o Instituto Avançado de Ciência e Tecnologia da Coreia (KAIST) e a Sungkyunkwan University (SKKU). Dentre os seis entrevistados, quatro tiveram a oportunidade de participar de ao menos uma dessas missões à Coreia do Sul.
Além disso, a UNISINOS mobilizou-se na criação do Instituto de Semicondutores (ITT CHIP), o que será abordado mais detidamente quando da análise do Espaço de Inovação, para absorver o investimento de 1% do faturamento bruto da HT Micron em P&D junto à universidade, o que representa mais uma atividade que tem o objetivo de construir o Espaço de Conhecimento, no que tange a produção e difusão do conhecimento acadêmico.
Observou-se que o processo de formação do Espaço de Conhecimento vem sendo coordenado pela UNISINOS que, tendo em vista a ausência da base de conhecimento local na área de semicondutores, vem mobilizando recursos em um esforço para criar as condições necessárias para a colaboração com a HT Micron. Entende-se que esse esforço inovador vai além dos limites das funções tradicionais da universidade e pode caracterizar-se como uma função de ‘Universidade Empreendedora’ (ETZKOWITZ, 2009) ao assumir um compromisso com o papel de desenvolvimento local. Esse esforço é reconhecido pela entrevistada E3, Diretora de Relações Institucionais e Governamentais da HT Micron:
“Isso é um esforço em empreendedorismo do Pe. Marcelo [Reitor da Universidade], que a gente reconhece o valor, e que talvez a HT Micron não existisse se não fosse a UNISINOS”. [...] isso é uma opção da UNISINOS, mas eu acho que as universidades que optarem por esse modelo estão fadadas a colher mais frutos e se desenvolverem. Acho que, no momento que a universidade tira o viés de papers, seminários, eventos e workshops, passa para um viés mais profissional, ela cresce e participa do cenário da cadeia de fornecimento global de qualquer produto”.
Essa postura observada da UNISINOS é reforçada no documento de intenções estratégicas da universidade, o Plano de Desenvolvimento Institucional 2012-2013 (PDI), que destaca o “Fortalecimento da pesquisa aplicada de base tecnológica com foco em inovação e aplicação no setor produtivo” e a “Parceria com empresas para transferência de conhecimento e transformação de ciência em tecnologia” (2013, p. 101) como objetivos estratégicos da universidade. A entrevistada E5, Gestora do TECNOSINOS, acredita que essa postura da UNISINOS como universidade voltada para o desenvolvimento econômico é uma vantagem competitiva frente as demais instituições de ensino, como evidenciado na fala: “[...] a questão de estar atrelado ao mercado, de estar atrelado ao desenvolvimento econômico no caso da UNISINOS é um fator de diferenciação extremamente relevante para ela no mercado também”.
* Espaço de Inovação - o Espaço de Inovação inclui as competências ligadas à função de geração de riqueza por parte dos componentes da Hélice Tripla. Envolve a reconfiguração de elementos dos arranjos institucionais existentes com intuito de formar novos conceitos de organização e arranjos institucionais que promovam a inovação. No caso estudado, verifica-se a criação do Instituto de Semicondutores da UNISINOS (ITT CHIP), resultante de uma nova configuração entre as diferentes esferas e que exemplifica a formação do Espaço de Inovação, a partir do Estágio de Implementação.
O Instituto de Semicondutores da UNISINOS (ITT CHIP) é um dos cinco institutos tecnológicos presentes no TECNOSINOS, cada qual representante de uma das cinco áreas estratégicas de conhecimento da universidade. O ITT CHIP está atualmente em fase de implantação e tem o objetivo de se tornar um ambiente propício para a geração, transferência e a aplicação do conhecimento produzido na UNISINOS e no campo científico e tecnológico internacional na área de semicondutores. Como evidenciado na fala do entrevistado E1, Diretor de Desenvolvimento e Expansão da UNISINOS: “[...] nós nos colocamos à disposição de gerar competências para absorver o investimento de 1% (PADIS). Não adianta, também, nós não termos competências, né? Para ter competências, aí foi desenvolvida toda uma pós-graduação em semicondutores, um Instituto Tecnológico [...].”
Atualmente, o Instituto conta com 4 (quatro) laboratórios em funcionamento, os quais foram financiados por editais pela ‘Financiadora de Estudos e Projetos’ (FINEP), empresa pública federal de fomento à ciência, tecnologia e inovação vinculada ao Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI), e da Secretaria de Ciência, Inovação e Desenvolvimento Tecnológico (SCIT-RS). De acordo com o entrevistado E4, Diretor do ITT CHIP, em virtude da infraestrutura do Instituto ainda estar em construção, este ainda não realiza todo o seu potencial de P&D junto à HT Micron. O valor referente ao 1% do faturamento da HT Micron investido na UNISINOS, em razão do PADIS, está sendo destinado à construção de infraestrutura. Segundo o entrevistado E4, “se tudo der certo, no final do ano que vem (2015) nós teremos 10 (dez) laboratórios montados e funcionando dentro do prédio, com infraestrutura, com salas limpas, etc. Nós vamos ter uma boa infraestrutura para fazer pesquisa em encapsulamento e teste em semicondutores”.
Conclui-se que o ITT CHIP é entendido como um novo conceito de organização que caracteriza uma instituição híbrida (ETZKOWITZ, 2009), que nasce a partir da intersecção entre as esferas da universidade e da empresa para promover a transferência tecnológica. É, sobretudo, uma mobilização de recursos da UNISINOS criando as condições para absorver o investimento da HT Micron e, dessa forma, aproximar-se do mercado. De acordo com a entrevistada E5, os institutos tecnológicos, como o ITT CHIP, apontam para um “novo momento de estudo”, como verificado na fala:
“Os institutos de tecnologia são um grande elo, onde professores, mestres e doutores que gostam do relacionamento com empresas, que gostam de fazer essa inovação aplicada, vão ter seu espaço de trabalho. Esses institutos estão carregados de uma outra lógica, da sustentabilidade, então o ‘running’ deles é diferente daquele pesquisador que está fazendo, pensando em uma nova tecnologia que eventualmente pode até ficar dentro do grupo de PPG. Os institutos, eles buscam apontar para um novo momento de estudo”.
A literatura supõe que a formação do Espaço de Inovação envolve a geração de riqueza promovida por meio da criação de mecanismos organizacionais que incorporam elementos da Hélice Tripla (LEYDESDORFF e MEYER, 2006), a medida em que a esfera da empresa considera os fatores de competitividade sistêmica do ambiente (DAGNINO, 2003). De certo modo, a criação do ITT CHIP apenas foi possível uma vez que a HT Micron mostrou-se disposta a colaborar com a UNISINOS e investir parte do seu faturamento bruto em P&D diretamente no Instituto. No entanto, ressalta-se que, em um primeiro momento, esse investimento surge como resposta às exigências do PADIS para que a empresa possa usufruir dos benefícios propostos pela lei. Não há evidências suficientes para afirmar que a HT Micron caracteriza uma “Empresa baseada em Conhecimento” (ETZKOWITZ, 2009), ou seja, é espontaneamente aberta para a colaboração com a universidade, ou apenas a faz em virtude da obrigatoriedade legal do PADIS, uma vez que a lei exige que o investimento em P&D seja aplicado em universidades.
Quando questionados se a interação entre UNISINOS e HT Micron teria condições de se estabelecer sem a presença da política federal, não houve consenso dentre os entrevistados. Para a entrevistada E3, Diretora de Relações Institucionais e Governamentais da HT Micron, “a HT investiria na UNISINOS, independente da política de governo, mas porque tem toda uma cooperação, que envolve o prédio e as obrigações derivadas desse contrato”. No entanto, a entrevistada complementa afirmando que “na grande maioria, eu acho que empresas que não tivessem cooperações com universidades, se não fosse a política governamental, não estariam trabalhando com universidades”. O entrevistado E4, Diretor do ITT CHIP, acredita, por outro lado, que “se não existisse a obrigatoriedade legal, por exemplo, a lei que obriga a empresa a investir este 1% do faturamento em P&D, a universidade e a empresa não teriam condições de colaborar diretamente”. O entrevistado E6, Presidente do BADESUL, acredita que a relação de cooperação Unisinos-HT Micron em P&D talvez não fosse necessária, caso não existisse a política federal.
“Eu diria, sendo muito franco, que poderia não existir. Porque? A HT Micron é essencialmente uma unidade de manufatura, ela poderia trazer todos os seus equipamentos de fora e o know-how vir dos coreanos, e aí se focar em fazer P&D lá na Coreia. A lei (PADIS) de certa forma, e esse é o objetivo da lei, força com que eles façam P&D aqui”.
Entende-se que o Espaço de Inovação teve condições de ser estabelecido sem que necessariamente o ator ‘empresa’ assumisse uma postura de colaboração e reciprocidade congênita. A universidade assumiu a coordenação das iniciativas do Espaço de Inovação. De acordo com o entrevistado E6,
“Acho que todo mundo fez a sua parte. Acho que tem um ator, a universidade, que fez mais do que deveria, vamos dizer assim, tradicionalmente fazer. O fato da UNISINOS ter assumido o risco de construir o prédio para a HT é algo invejável (...), é um modelo diferente”.
Observa-se que, de forma geral, os resultados indicam o envolvimento dos atores das esferas da universidade, firma e governo em um processo de articulação e cooperação. Verifica-se que, ao mesmo tempo em que as esferas compartilharam parte de seus papeis, elas assumiram o papel de outras esferas, como propõe o modelo balanceado da configuração da Hélice Tripla de Etzkowitz (2009). Observa-se que as funções de produção de conhecimento, de geração de riqueza e de controle normativo foram e são executadas nos Espaços de Conhecimento, de Inovação e de Consenso, respectivamente, e que são compartilhadas entre as instituições estudadas.
Pode-se considerar que uma linha de tempo imaginária representa o início do Estágio de Gênesis no ano de 2009, quando a HT Micron identificou a oportunidade no Brasil e anunciou o processo de licitaçãonacional. Nesse momento, teve início a formação do Espaço de Consenso, com a articulação dos atores de universidade, firma e governo para garantir o investimento no Estado do Rio Grande do Sul. Com a escolha do localde São Leopoldo, em janeiro de 2010, iniciou-se o Estágio de Implantação, no qual os Espaços de Conhecimento e Inovação foram colocados em prática.
Na formação do Espaço de Consenso, o governo, tradicionalmente responsável pela função de controle normativo (LEYDESDORFF e MEYER, 2006), assume uma postura de aproximação das esferas da empresa e da universidade e lidera o processo de execução da função de controle normativo de forma compartilhada. Essa característica foi verificada na formação do Espaço de Consenso no caso estudado, no qual o Governo do Estado do Rio Grande do Sul assumiu uma postura de “facilitador” ao mostrar-se aberto à colaboração e convocar os diferentes atores da indústria e da universidade para participar do processo de normatização e construção de políticas para a área de semicondutores, além de suportar, com recursos públicos, as iniciativas das demais esferas.
Na formação do Espaço de Conhecimento, a universidade, tradicionalmente responsável pela função de produção de conhecimento (LEYDESDORFF e MEYER, 2006), lidera o processo e assume uma postura de aproximação com a empresa e com o governo, compartilhando parte da sua função e assumindo parte dos papeis das outras esferas. Essa característica foi identificada no processo de formação do Espaço de Conhecimento, no qual a UNISINOS caracteriza a típica “Universidade Empreendedora” (ETZKOWITZ, 2009) ao buscar se aproximar da HT Micron, criando as condições necessárias para colaborar e absorver o investimento proveniente do PADIS.
Na formação do Espaço de Inovação, espera-se que a indústria, tradicionalmente responsável pela função de geração de riqueza (LEYDESDORFF; MEYER, 2006), assuma o processo de coordenação do Espaço, compartilhando parte da sua função e assumindo parte dos papeis das outras esferas. No caso estudado, observou-se que, no processo de formação do Espaço de Inovação, a HT Micron mostrou-se disposta a colaborar com a UNISINOS e investir parte do seu faturamento bruto em P&D diretamente no ITT CHIP, mesmo que motivada pela política do PADIS. Observa-se que a UNISINOS, com a sua postura de “Universidade Empreendedora”, assumiu também a responsabilidade e os riscos da formação do Espaço de Inovação.
Desse modo, o papel de liderança na formação dos Espaços de Consenso, Conhecimento e Inovação mostrou-se distinto dos pressupostos da teoria.
Por fim, observa-se a importância do papel que a política federal do PADIS exerceu. O Programa não apenas possibilita as condições mínimas necessárias para a criação da indústria, por meio dos incentivos fiscais, mas também viabiliza a relação entre as esferas da empresa e da universidade, por meio do investimento em P&D em universidades como contrapartida para a indústria usufruir dos benefícios previstos. De acordo com a entrevistada E5, “a lei do PADIS é uma lei inteligente” justamente por causa dessa contrapartida, que gera um “efeito residual” ao impor a produção de conhecimento nacional.
“A lei do PADIS é uma lei inteligente porque ela obriga a produção de tecnologia nacional e isso traz um efeito residual extremamente importante. No nosso caso aqui, efeito residual não é só pra gente que vai aprender a fazer semicondutores, não, mais porque isso vai entrar para dentro da sala de aula, porque isso vai se tornar um conhecimento que ao longo prazo, dá oxigênio suficiente para a universidade poder jogar esse jogo global”.
Apesar dos objetivos do presente estudo não estarem inicialmente relacionados a discutir os papeis das políticas do Governo Federal e sim do Governo do Rio Grande do Sul, no que tange a esfera governamental do Sistema da Hélice Tripla, a política federal do PADIS foi constantemente referida nos discursos dos entrevistados como essencial para as relações que se estabeleceram no caso estudado.
O presente artigo propôs analisar os papeis que as esferas – universidade, firma e governo – assumiram no caso da área de semicondutores do Rio Grande do Sul, sob a ótica da teoria da Hélice Tripla e, em específico, dos Espaços de Conhecimento, Inovação e Consenso.
Os resultados indicam que a formação do Espaço de Consenso antecedeu a formação dos Espaços de Conhecimento e Inovação, e que a formação dos Espaços está aliada à predisposição das esferas em compartilhar seus papeis tradicionais e assumir os papeis das demais esferas. Pode-se observar que, no entanto, essa predisposição não necessariamente indica que as instituições aderiram à proposta de colaboração e reciprocidade da Economia Baseada em Conhecimento, e que nem sempre a esfera que conduzirá a formação do Espaço é aquela que tradicionalmente é responsável pelo papel correspondente. No caso estudado, entende-se que a UNISINOS assumiu um papel de “Universidade Empreendedora” ao estabelecer interações com outras instituições, visando desenvolvimento científico e tecnológico da área de semicondutores e, assim, atuando como importante ator no processo de desenvolvimento local; o Governo Estadual do Rio Grande do Sul agiu como “facilitador” das iniciativas; e a HT Micron disponibilizou-se para a colaborar com a UNISINOS, conduzida pela obrigatoriedade legal do PADIS, em um primeiro momento.
A análise do caso contribui para o campo teórico ao esclarecer os papeis de cada ator no processo de constituição de uma área intensiva em tecnologia, bem como a formação dos Espaços onde esses atores assumem papeis compartilhados. Releva destacar que o estudo aponta a importância de se olhar para o conjunto de atores envolvidos, entendidos aqui como U-F-G, e não analisar especificamente o papel de um dos atores, como a empresa, por exemplo. A utilização dos Espaços do Sistema de Hélice Tripla como unidade de análise possibilitou a observação de casos práticos da execução dos papeis dos atores e proporcionou resultados concretos analisados.
Em relação às limitações do estudo, é importante mencionar que a pesquisa focou na análise específica de atores regionais e seus papeis desempenhados no caso, mas identificou fatores externos à região, como a política do PADIS, que foram essenciais para as relações e os papeis que se estabeleceram no sistema. Por fim, sugere-se que estudos futuros aprofundem o tema da influência que políticas públicas de fomento à inovação exercem na relação entre universidade e firma e na formação do Sistema da Hélice Tripla como um todo.
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1. Bacharel em Gestão de Inovação e Liderança pelaUniversidade do Vale do Rio dos Sinos (UNISINOS) – Email: augustofloureiro@gmail.com
2. Pesquisadora do Programa de Pós-Graduação em Economia (PPGE) da Universidade do Vale do Rio dos Sinos (UNISINOS) – Email: jruffoni@unisinos.br