Espacios. Vol. 37 (Nº 28) Año 2016. Pág. 11
Roberto Cunha FERREIRA 1; Bruno de Souza LESSAs 2; José Carlos Lázaro da SILVA FILHO 3
Recibido: 19/05/16 • Aprobado: 13/06/2016
4. Análise e discussão dos resultados
RESUMO: O objetivo deste estudo foi compreender como se deu o processo de difusão de uma tecnologia de saneamento ecológico no Assentamento 25 de Maio, no sertão brasileiro, à partir dos componentes do modelo de transferência de tecnologia proposto por Davies-Colley e Smith (2012), considerando os elementos da difusão propostos por Rogers (1983). Através da abordagem qualitativa, a coleta de dados se baseou na realização de entrevistas semiestruturadas e análise documental, sendo os dados analisados mediante a técnica de Análise de Conteúdo (BARDIN, 2011). Os resultados enfatizam importância do envolvimento da comunidade em todo o processo de difusão, merecendo destaque a influência dos líderes de opinião e dos assessores locais sobre a construção do relacionamento com a comunidade. |
ABSTRACT: This study aimed to understand how the process of diffusion of an ecological sanitation technology occurred in the May 25 Settlement, located in the Brazilian drylands, drawing on the components of technology transference proposed by Davies-Colley and Smith (2012), considering the elements of diffusion suggested by Rogers (1983). Using a qualitative approach, data collection encompassed semistructured interviews and documental analysis that were carried out through Bardin’s (2011) content analysis technique. Research findings emphasize the importance of involving the community in the diffusion process, highlighting the influence of opinion leaders and local assistants to build relationship with the community. |
De acordo com os dados Organização Mundial de Saúde, atualmente, 2,4 bilhões de pessoas não possuem acesso à saneamento adequado, o que significa que aproximadamente 1/3 da população mundial é privada do acesso à instalações sanitárias que isolem a excreta do contato humano de forma segura. Dentre as pessoas que não são beneficiadas pelos sistemas de saneamento, sete a cada dez residem em zonas rurais, de forma que os serviços de saneamento permanecem inacessíveis à 49% da população rural global (World Health Organization, 2015).
No Brasil, segundo os dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios de 2014, 68,7% da população rural ainda deposita a excreta em fossas rudimentares, lançam em cursos d’água ou diretamente no solo, em céu aberto. Este cenário se traduz em riscos potenciais à saúde da população, impactando diretamente no índice de mortalidade infantil, bem como, contribuindo para a poluição dos mananciais e a consequente deterioração do meio ambiente (FUNASA, 2015).
Para estas comunidades rurais, os sistemas de tratamento de esgoto tradicionais, ou seja, aqueles que se baseiam na coleta e transporte das águas residuais à uma estação centralizada de tratamento, se mostram como opções inviáveis em virtude do alto investimento financeiro demandado, sendo considerados por Paterson, Mara e Curtis (2007) como uma tecnologia “anti-pobre”. De fato, a adequada construção, operação e manutenção do equipamento necessário para o pleno funcionamento deste sistema requerem um grande investimento, de forma que, mesmo em países desenvolvidos, as chances destes sistemas algum dia se tornarem sustentáveis, são baixas (Hauff e Lens, 2001). Além disso, os sistemas convencionais tem limitações ainda mais fundamentais que a financeira, tais quais a exploração exaustiva de recursos hídricos limitados, poluição do solo e das águas subterrâneas, desperdício de valiosos componentes nas águas residuais e a dificuldade para a efetiva remoção dos poluentes (Wilderer, 2001).
Alternativamente, os sistemas de saneamento ecológico se mostram como uma opção viável em cenários de escassez de recursos, como o das comunidades rurais da região semiárida do Nordeste. Conforme afirmam Langergraber e Muellenger (2005), o paradigma do saneamento ecológico se baseia em uma abordagem de ecossistemas e no encerramento de ciclos de fluxo de material, onde a excreta humana e a água das residências são reconhecidas como um recurso que deve ser disponibilizado para a reutilização. Junto à possibilidade de aplicar os resíduos no ciclo de nutrientes do solo, estas tecnologias apresentam o benefício de demandar pouca ou nenhuma água, além de não necessitarem de vinculação à nenhuma infraestrutura hídrica (Anand e Anpul, 2014).
Entretanto, a devida utilização de sistemas sanitários alternativos requer mais que a simples entrega da tecnologia. A resolução do problema sobre o déficit de saneamento não é apenas uma questão de construir mais banheiros, pontos de água e sistemas de esgoto, mas também, de garantir que estas estruturas sejam compatíveis com as práticas, necessidades e capacidades de seus usuários (Hendriksen et al., 2012) e, neste sentido, Ramani et al. (2012) afirmam que o saneamento é uma área que apresenta grandes desafios no que se refere à difusão, especialmente em áreas rurais, sendo uma das questões mais negligenciadas no contexto da base da pirâmide.
No semiárido nordestino, região marcada pela falta de água e secas regulares, o Projeto Fossa Verde (PFV), articulado entre a Universidade Federal do Ceará (UFC), Universidade Estadual do Ceará (UECE) e o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA), com recursos do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), beneficiou os moradores do Assentamento 25 de Maio (A25M), no sertão central do estado do Ceará, com a construção de 70 “fossas verdes”, uma tecnologia de tratamento de efluentes domiciliares que permite o reaproveitamento da água e dos compostos nutricionais provindos do esgoto. À partir da análise do processo de implementação das fossas verdes no A25M, este estudo se propõe a responder a seguinte questão de pesquisa: como se deu o processo de difusão de uma tecnologia de saneamento ecológico em comunidades rurais no contexto do semiárido nordestino?
Desta forma, o objetivo deste trabalho foi compreender como ocorreu a difusão das fossas verdes nas comunidades do A25M. A análise deste processo se deu mediante a utilização de uma abordagem qualitativa, através da realização de entrevistas semiestruturadas com diferentes atores, além da realização da análise documental. Para tal, foram adotadas as componentes do modelo de transferência proposto por Davies-Colley e Smith (2012) como categorias de análise. A relevância desta pesquisa jaz no argumento já apontado por Ramani, Sadreghazi e Duysters (2012) em relação aos desafios de difusão das tecnologias de saneamento, somada à escassez de pesquisas que investiguem a difusão destas tecnologias no âmbito do semiárido brasileiro.
Este artigo está dividido em cinco sessões. Após esta introdução, a segunda sessão aborda o referencial teórico que embasa este trabalho. Em seguida, a metodologia utilizada na pesquisa é descrita e explicada. A quarta sessão apresenta o caso estudado no intuito de contextualizar o cenário onde a tecnologia foi implementada e sua importância para a comunidade e, em seguida, apresenta e discute os resultados alcançados. Finalmente, as considerações finais transmitem nossas conclusões e apresentam sugestões para pesquisas futuras.
Em contraposição ao sistema de saneamento predominante, o conceito de saneamento ecológico enxerga a excreta humana não como resíduo, mas sim, como um importante recurso que poderá ser utilizado para a produção de fertilizante orgânico e/ou biogás (Martin et al., 2010). Desta forma, o saneamento ecológico se diferencia do modelo tradicional, o qual é pautado em um sistema linear, ao adotar um sistema de ciclo fechado que possibilita a recuperação de compostos orgânicos, de macro e micro nutrientes, e da água, recursos estes que poderão ser utilizados de forma produtiva posteriormente (Werner et al., 2009).
Segundo Breslin (2002) o saneamento ecológico se baseia em três princípios fundamentais, que são: (i) oferecer uma solução sanitária segura que previna doenças e promova saúde ao remover do ambiente, de forma higiênica, excreta rica em patógenos; (ii) ser ambientalmente saudável, uma vez que não contamina as águas subterrâneas nem utiliza os escassos recursos hídricos; (iii) criar um recurso valioso que possa ser reinserido no meio ambiente de forma produtiva. Tais princípios traduzem o foco principal do saneamento ecológico que, nas palavras de Langergraber e Muelleger (2005), é reduzir os riscos de saúde, prevenir a poluição e degradação da fertilidade do solo e otimizar a gestão dos nutrientes do solo e dos recursos hídricos.
O saneamento ecológico não prescreve uma solução tecnológica específica, de fato, ele propõe a utilização de um sistema sanitário que se adapte às demandas sociais, econômicas e de sustentabilidade ambiental de um dado contexto (Werner et al., 2009), o que significa que as especificidades locais, em conjunto com os stakeholders envolvidos e os fatores de motivação para implementação de banheiros ecológicos garantem que nenhum projeto de saneamento ecológico seja igual à outro (Langergraber e Muelleger, 2005).
Desta forma, Beierle (2002) considera que reconhecer a importância do envolvimento dos stakeholders, significa que a otimização tecnológica não pode ser o critério de decisão mais importante para a escolha da tecnologia a ser entregue ao usuário final e, sendo assim, um trade-off entre aceitação pública e qualidade técnica se faz por necessário. Soluções sanitárias criadas por experts e impostas às comunidades, tem uma possibilidade maior de resultar em experiências mal sucedidas, uma vez que os usuários podem não reconhecer o valor destas tecnologias por razões sociais, culturais ou mesmo econômicas (Hendriksen et al., 2012).
A difusão de uma tecnologia de ecosaneamento, portanto, transborda a simples construção de um banheiro ecológico e, sob esta perspectiva, O’Reilly e Louis (2014) argumentam que o saneamento no contexto rural é, fundamentalmente, uma relação homem-ambiente, de forma que a adoção do saneamento sustentável só é passível de compreensão após a elucidação de como os múltiplos elementos do contexto ambiental, políticas e regulações governamentais e relações sociais interagem.
Rogers (1983) define a difusão como o processo onde a inovação é comunicada através de certos canais ao longo do tempo. Este conceito incorpora os quatro elementos da difusão de uma inovação defendidos pelo autor, que são: (i) a inovação, (ii) os canais de comunicação, (iii) o tempo e (iv) o sistema social (Rogers, 1983).
Em relação à inovação em si, Rogers (1983) elenca cinco características que ajudam à explicar as diferentes taxas de adoção observadas. A primeira delas é a vantagem relativa da novidade sobre a tecnologia vigente, ou seja, o grau em que uma inovação é percebida como melhor em relação à ideia que a precede. A segunda característica se relaciona com a compatibilidade com as normas e valores vigentes de um sistema social, em outras palavras, o grau em que uma inovação é percebida como condizente com os valores existentes, experiências passadas e necessidades dos potenciais adotantes. Adicionalmente, o grau de complexidade percebido em uma inovação também influenciará sua taxa de adoção, de forma que as ideias mais simples serão adotadas mais rapidamente que inovações que requerem que o adotante desenvolva novas habilidades e entendimentos. A quarta característica faz alusão à testabilidade da nova tecnologia, isto é, o grau em que uma inovação pode ser experimentada previamente, antes de sua adoção. Por fim, a observabilidade, ou o grau em que o resultado da inovação é perceptível, é também uma característica que exerce influência sobre a taxa de adoção de uma inovação (Rogers, 1983).
Na perspectiva de Rogers (1983) a comunicação é um processo através do qual os participantes criam e compartilham informação uns com os outros no intuito de alcançar um entendimento mútuo e, neste sentido, a difusão é considerada um tipo de comunicação onde a informação que é trocada se refere à novas ideias. Este processo envolverá, em sua forma mais elementar: (i) uma inovação, (ii) um indivíduo ou outra unidade de adoção que tenha conhecimento sobre, ou experiência, na utilização da inovação, (iii) outro indivíduo ou outra unidade de adoção que desconheça a inovação e, finalmente, (iv) um canal de comunicação que conecte as duas unidades (Rogers, 1983).
Quanto à comunicação entre os indivíduos, Rogers (1983) aborda os conceitos de homofilia e heterofilia. O autor argumenta que um dos princípios da comunicação humana é que a transferência de ideias ocorrerá mais frequentemente e será mais efetiva entre indivíduos homófilos, sendo a homofilia entendida como o grau em que pares de indivíduos que interagem são similares em certos atributos, tais quais crenças, educação e status social. Em contrapartida, o autor destaca que a heterofilia é um dos problemas mais distintivos sobre a comunicação de inovações, uma vez que os participantes deste processo geralmente são heterofilos. Por exemplo, os agentes de mudança são tecnicamente mais competentes que os adotantes da inovação, o que resulta frequentemente em dificuldade de comunicação uma vez que eles “simplesmente não falam a mesma língua” (Rogers, 1983).
Ainda sobre a comunicação, Rogers (1983) distingue os canais em canais de mídia de massa e canais interpessoais. Os primeiros são todos os meios de transmissão de mensagens que envolvem mídias que permitem a um indivíduo obter a audiência de muitos, como por exemplo, rádio, televisão ou jornais. Já os canais interpessoais, envolvem uma troca “cara a cara” entre dois ou mais indivíduos. Os canais de mídia de massa são, via de regra, o meio mais eficiente para informar à uma audiência de potenciais adotantes sobre a existência de uma inovação, favorecendo assim a instalação de uma demanda. Por outro lado, os canais interpessoais são mais efetivos no que tange à persuasão de um indivíduo para a adoção de uma nova ideia (Rogers, 1983).
A variável tempo se insere no contexto da pesquisa sobre a difusão quando se pretende (i) analisar o processo de decisão de inovação pelo qual passa o indivíduo à partir do momento em que se torna ciente de uma inovação até a adoção ou rejeição dela; (ii) para avaliar quão precoce ou atrasado um indivíduo é em relação a adoção de uma inovação, ao comparar o momento no tempo em que este indivíduo se apropria de uma inovação, em relação aos outros adotantes de um sistema social e, (iii) para mensurar a taxa de adoção em um sistema, normalmente avaliada com base no número de indivíduos que adotam a inovação em um dado período no tempo (Rogers, 1983).
O sistema social constitui o limite dentro do qual o processo de difusão ocorre e contempla algumas questões que deverão ser consideradas em campanhas de difusão (ROGERS, 1983). A primeira delas é a estrutura social, definida como os arranjos padronizados das unidades existentes em um sistema, o que concede regularidade e estabilidade ao comportamento humano em um sistema social. Outra questão inserida no âmbito do sistema social são as normas deste sistema, ou seja, os padrões de comportamento estabelecidos para seus membros, que definirão a margem para a tolerância de um comportamento, servindo como guia para os membros deste sistema (Rogers, 1983).
Sobre a atuação dos indivíduos de um sistema social na difusão das inovações, Rogers (1983) chama atenção para dois papéis importantes. O primeiro deles é o dos líderes de opinião, indivíduos capazes de influenciar as atitudes ou comportamentos de outros indivíduos informalmente, da forma desejada e com relativa frequência. Estes indivíduos possuem como uma de suas características mais marcantes, sua posição de influência em uma rede de comunicação, definida enquanto uma rede de indivíduos interconectados por fluxos padronizados de informação. O outro papel está relacionado ao agente de mudança, indivíduos que influenciam deliberadamente as decisões de inovação em direção à condição desejada. Estes agentes utilizam os líderes como catalizadores no processo de difusão da inovação (Rogers, 1983).
Tendo por base as ações adotadas pela TepozEco para a implementação bem sucedida de banheiros ecológicos em Tepoztlán, no México, Davies-Colley e Smith (2012) propuseram um modelo de transferência de tecnologia constituído por seis componentes chave: (i) construção de relacionamento; (ii) planejamento; (iii) conscientização; (iv) seleção; (v) implementação e, (vi) avaliação. Os construtos utilizados para análise do processo de difusão conduzido no A25M derivam destes componentes chave.
Quanto ao primeiro componente, construção de relacionamento, Berkeley e Springett (2006) afirmam que o engajamento apropriado da comunidade vai depender da construção de um relacionamento de confiança ao longo do tempo. Uma vez que este laço é estabelecido, a comunidade passa a ser vista como uma organização com cultura e estruturas próprias, tornando-se um parceiro real, e não apenas um simples receptor da tecnologia. De maneira complementar, Rogers (1983) alega que os potenciais adotantes devem, em princípio, aceitar o agente de mudança antes de concordar com as inovações propostas por este, uma vez que as inovações são frequentemente julgadas à partir da percepção que os adotantes tem sobre o agente.
Sobre o planejamento, Davies-Colley e Smith (2012) ressaltam a importância da realização da avaliação da comunidade, em termos de necessidades técnicas, socioeconômicas, institucionais e ambientais, levando-se em conta as aspirações da comunidade, bem como os recursos disponíveis por ela. Conforme destacado por Rogers (1983), a difusão da inovação ocorre em um sistema social, portanto, se faz por necessário que as estruturas sociais, normas, capacidades sejam consideradas no planejamento de campanhas de difusão. Em um estudo conduzido em uma comunidade peri-urbana no Ceará, Botto e Santos (2013) observam que a rejeição de novas tecnologias de saneamento pelos moradores pode ter sido consequência da ausência de uma equipe multidisciplinar capaz de identificar as características socioculturais da localidade e introduzi-las no projeto.
As vantagens da adoção de uma tecnologia nem sempre são claras aos olhos dos potenciais adotantes (Rogers, 1983). Portanto, alinhado com o argumento de Ramani, Sadreghazi e Duysters (2012), a construção da conscientização para que seja criada uma demanda endógena, é um pré-requisito essencial para a adoção de uma tecnologia de saneamento. Complementarmente, Paterson, Mara e Curtis (2007) postulam que, uma vez que não sejam oferecidos aos usuários uma adequada educação ou promoção de higiene, o incentivo dos mesmos para a utilização e manutenção dos equipamentos de saneamento será baixo.
Nos termos de Davies-Colley e Smith (2012), o processo de seleção compreende a escolha da tecnologia, sua adaptação às condições locais, a determinação da escala do projeto, identificação dos receptores da tecnologia e preparação para o programa de educação. Durante a fase de seleção, se manifesta o desafio da escolha realmente participativa: ainda que os direitos dos potenciais receptores da tecnologia sejam inalienáveis, não se pode negar a existência de diferentes níveis de conhecimento (e poder) das partes envolvidas.
A implementação corresponde, usualmente, ao estabelecimento ou construção da tecnologia e inclui uma dimensão educativa (Davies-Colley e Smith, 2012). Até o momento da implementação, o processo de decisão em prol da adoção de uma inovação ocorreu apenas como um exercício mental por parte do usuário. À partir do momento em que a inovação é posta em prática, perguntas sobre os possíveis problemas operacionais e como resolvê-los podem emergir (Rogers, 1983), o que reforça a necessidade da dimensão educativa apontada por Davies-Colley e Smith (2012).
Finalmente, no modelo proposto por Davies-Colley e Smith (2012), a avaliação é vista como uma atividade contínua, ocorrendo integralmente em todo o processo de transferência, permeando cada uma das outras fases. Significa, portanto, que a avaliação deverá ser planejada e integrada desde o início do processo de difusão, de forma que os indicadores de sucesso de cada fase deverão ser fruto da colaboração entre agente de mudança, comunidade e autoridades locais desde a sua concepção. A construção colaborativa destes indicadores favorecerá a aceitação e comprometimento dos envolvidos com o processo avaliativo.
Figura 1 – Modelo de Transferência de Tecnologia Ambiental
Fonte: Davies-Colley e Smith (2012), traduzido pelos autores.
Este estudo caracteriza-se como qualitativo, exploratório e descritivo. Exploratório, pois se propõe a responder uma questão de pesquisa com poucos estudos prévios relacionados à ela, que pudessem ser utilizados como fonte de informação. Além disso, o presente estudo também pode ser classificado como descritivo, uma vez que buscou identificar o comportamento do fenômeno, bem como, delinear as características de um problema específico (COLLIS; HUSSEY, 2005). No intuito de investigar como o processo de difusão aconteceu, adotamos o estudo do caso da implementação das fossas verdes no A25M como estratégia de pesquisa.
Os dados primários foram coletados através de entrevistas semi-estruturadas realizadas com pessoas que estavam envolvidas diretamente na coordenação e operacionalização do projeto. Conforme explica Godoy (2010, p. 134), “as entrevistas semiestruturadas são adequadas quando o pesquisador deseja apreender a compreensão do mundo do entrevistado e as elaborações que ele usa para fundamentar suas opiniões e crenças”. As entrevistas duraram em média 45 minutos e foram realizadas entre os meses de janeiro e março de 2016, sendo três entrevistas realizadas pessoalmente e duas à distância, com o auxílio do software Skype. Todas as entrevistas foram gravadas mediante a autorização dos usuários e, em seguida, foram transcritas e incorporadas à análise.
Adicionalmente, adotamos o procedimento de análise documental. Tal deliberação se deu em função do argumento de Yin (2010) de que a análise de documentos corrobora e amplia evidências advindas de outras fontes. Por conta da vinculação acadêmica do Projeto Fossa Verde, além do relatório final, foram produzidas teses, dissertações, monografias e artigos à partir da experiência com o A25M, sendo analisados para esta pesquisa aqueles trabalhos que contemplassem as categorias de análise objetivadas por este estudo.
Os dados foram analisados mediante a técnica de análise de conteúdo. Seguindo as orientações de Bardin (2011) para esta técnica, os dados foram organizados para leitura e, em seguida, foram codificados e as informações categorizadas em função dos componentes do modelo proposto por Davies-Colley e Smith (2012). Por fim, realizamos a interpretação referencial, ou seja, a análise propriamente dita, o que permitiu a extração de significado dos dados. Para a análise de conteúdo, foi utilizado o software NVivo® 10 para análise qualitativa.
Esta seção se destina à análise e discussão dos resultados encontrados e está dividida em dois sub-tópicos. O primeiro faz uma breve contextualização do Assentamento 25 de Maio, seguida da análise e discussão sobre a difusão das fossas verdes no A25M.
O Assentamento 25 de Maio localiza-se na interseção dos municípios de Madalena, Boa Viagem e Quixeramobim, sendo a maior parte do seu território situada no município de Madalena, no sertão central do estado do Ceará. Sua extensão é de 22.992 hectares onde habitam 486 famílias organizadas em 13 comunidades, com 16 associações e um Conselho Comunitário. O assentamento foi criado em 1989 pelo INCRA e era denominado “Fazendas Reunidas de São Joaquim”, assumindo o nome de 25 de Maio posteriormente, em alusão à data de ocupação da área (Coelho, 2013).
Em relação à origem da água utilizada nas residências, boa parte dela deriva dos açudes. O acesso à água encanada não é uniforme, uma vez que esse benefício não é assegurado pela reforma agrária, de forma que apenas duas comunidades possuem cobertura desse serviço para todas as suas famílias, sete comunidades com acesso apenas à uma parte das suas famílias e quatro comunidades sem água encanada. A água de beber é armazenada em cisternas, entretanto, não há rigor no manuseio destes equipamentos para a garantia da qualidade da água (Araújo, 2013).
Conforme os dados do relatório final do Projeto Fossa Verde, não há coleta de lixo pública ou privada no assentamento, de forma que 72% do lixo doméstico é queimado nos quintais ou nos arredores das residências, 25% lançado em terrenos baldios e 3% enterrado. No que se refere ao esgotamento sanitário, o destino dado às águas cinzas, ou seja, aquelas provindas dos chuveiros e pias, em 99% das residências, é o quintal. Já as águas negras (efluentes do sanitário) são direcionadas à fossas sépticas em 2% dos domicílios, aos quintais em 28 % das residências e ,70% dos casos, às fossas rudimentares, que são, basicamente, uma escavação onde o esgoto é lançado (Coelho, 2013).
A implementação das fossas verdes no assentamento se deu de forma majoritariamente colaborativa, e o envolvimento da comunidade se confirmou como um pré-requisito para a difusão da tecnologia nas comunidades, corroborando as proposições identificadas na literatura (Davies-Colley e Smith 2012; Hendriksen et al., 2012; RAMANI et al., 2012) sobre a importância desta colaboração.
O processo de aproximação com a comunidade do A25M se deu de forma lenta e gradual, demorando aproximadamente um ano para que este elo de confiança conseguisse atingir alguma solidez. Uma das ações iniciais de aproximação adotadas pelos pesquisadores foi a participação nas reuniões do Conselho Comunitário, constituído pelos presidentes das associações do assentamento, nas quais, eles apresentaram e debateram o PFV junto às lideranças. Sobre as reuniões, Coelho et al. (2014, p. 5) afirmam que “através dessas reuniões fomos conquistando a confiança dos assentados e lideranças nas diversas comunidades, isso contribuiu para um melhor envolvimento e participação nos trabalhos de apresentação e discussão no Projeto Fossa Verde”.
Outro fator relevante foi a escolha de três pessoas da comunidade para serem bolsistas no projeto. Estas pessoas foram selecionadas à partir da indicação das lideranças comunitárias e “foram fundamentais para garantir o contato permanente da equipe do projeto com os assentados, possibilitando uma maior aproximação e descoberta de novos sujeitos que foram se engajando nas atividades” (Araújo, 2013, p. 95). Conforme citado por Rogers (1983), possíveis adotantes que sejam de baixa renda são socioeconomicamente distintos dos agentes de mudança, o que pode levar à uma dificuldade de aproximação em função da heterofilia entre os indivíduos. Neste caso, o autor sugere a utilização de “assessores” da própria comunidade, justificada na proximidade social entre estes, o que poderá favorecer a aproximação entre os envolvidos.
A identificação e mobilização dos líderes de opinião aumenta a possibilidade de sucesso de campanhas de difusão (Rogers, 1983). Em contrapartida, a deliberada falta de colaboração por parte destes líderes, pode consolidar uma barreira à adoção da tecnologia, conforme observado no projeto:
Referente às comunidades que apresentaram dificuldade de conclusão de suas fossas, inicialmente, podemos explicitar sobre a comunidade Paus Branco que, por fatores diversos, não contamos com a efetiva participação da liderança, embora dentre os beneficiados com a Fossa identificamos associados pertencentes às quatro associações. (Araújo, 2013, p. 97)
Além da influência das lideranças, algumas experiências pregressas de contato com instituições alheias ao assentamento, podem ter impactado na construção do relacionamento. Segundo a Discente 1, os assentados já passaram por experiências de projetos do governo que não deram certo e, em função dessa exposição negativa, se mostraram reticentes à aproximação dos pesquisadores, uma vez que os assentados não conseguiam fazer uma clara distinção entre Universidade e Governo. Tal ocorrência vem a corroborar com Rogers (1983), que argumenta que as experiências anteriores de um sistema social são um importante fator de influência para a adoção de uma inovação.
À qualquer intervenção que ocasione alteração no cotidiano, se faz por necessário um diagnóstico eficaz quanto aos aspectos socioculturais da comunidade beneficiada, de forma que estes componentes deverão ser “analisados, respeitados e considerados como parte integrante do processo de seleção da tecnologia mais apropriada às peculiaridades locais” (Botto e Santos, 2013, p. 108).
Através da realização de visitas em toda a área do assentamento, bem como, da aplicação de 384 questionários (em um universo de 486 famílias), os pesquisadores conseguiram ampliar o conhecimento acerca do sistema social vigente no assentamento. O relato da Discente 3, membro da equipe de Serviço Social da UECE, ilustra alguns tópicos abordados pela avaliação social conduzida:
Nossa perspectiva é ver a condição sócio econômica, então escolaridade, renda, trabalho, ocupação, a atividade deles, o hábito deles cotidiano, acorda faz isso, qual é o hábito diário da família, as refeições que são feitas, o destino do lixo, o destino dos dejetos do banheiro, os destinos dos dejetos da cozinha, a relação com os animais, quais os animais que eles cuidavam e o que eles faziam com os animais.
Rogers (1983) ressalta a importância da compatibilidade das inovações com as normas sociais existentes em um dado sistema, em função da forte influência que o sistema exerce sobre a taxa de adoção, principalmente em casos onde a inovação está relacionada à questões de saúde, como o consumo de água fervida ou de anticoncepcionais em países em desenvolvimento, situações em que a popularidade da novidade depende em grande parte de questões como religião e cultura locais. Consoante, com o argumento de Rogers (1983), Mara et al. (2010) afirmam que a provisão de uma tecnologia de saneamento sem que sejam considerados o contexto e as preferências dos usuários finais, pode resultar em instalações que serão abandonadas, utilizadas erroneamente, ou ainda, em equipamentos que nunca serão utilizados.
Complementarmente, foram examinadas as condições de saneamento locais, a quantidade de água disponível nos mananciais, a qualidade da água de cisternas e açudes, a adequação do solo e o tratamento do resíduos sólidos. À partir deste levantamento, ficou clara a necessidade de adaptação do hardware da tecnologia às condições do solo local, de forma a torna-la compatível com as condições locais.
Rogers (1983) afirma que os indivíduos não necessariamente estão cientes da existência do problema, nem precisam concordar sempre com o que os especialistas enxergam como uma necessidade. No caso das tecnologias de saneamento ecológico, a falta de conhecimento do usuário sobre este tipo de inovação, é uma característica inerente às opções de ecosaneamento, o que reforça a importância do processo de conscientização neste tipo de projeto (Davies-Colley e Smith, 2012).
Quanto à conscientização dos moradores do A25M, em um dos estágios iniciais do projeto, as lideranças locais tiveram o primeiro contato com a tecnologia, através da visita ao Projeto de Olho na Água, realizado no município de Icapuí, no litoral leste do Ceará, que já utiliza a tecnologia Fossa Verde. Araújo (2013, p. 94) afirma que “essa atividade foi fundamental para o processo de sensibilização dos sujeitos e de seu conhecimento da proposta do Projeto, principalmente devido a participação de lideranças das várias comunidades do assentamento e de profissionais do Programa Saúde”. O reflexo positivo observado à partir deste contato entre os assentados e a tecnologia em funcionamento, reforçam a colocação de Rogers (1983) que afirma que a possibilidade de observação dos resultados de uma inovação se relaciona positivamente com a propensão à adoção por parte potenciais usuários.
Adicionalmente, o processo de conscientização dos assentados contemplou a realização de seminários onde os moradores foram expostos à realidade das águas utilizadas por eles. Conforme relatado nos documentos analisados, após a realização dos seminários, foi possível observar o aumento do envolvimento da população:
Neste espaço foram socializados os dados dos estudos da qualidade das águas dos açudes e cisternas. A comunidade tomou conhecimento do nível de contaminação das águas e da necessidade de enfrentar essa problemática coletivamente, o que contribuiu para o fortalecimento dos trabalhos e melhor envolvimento da população. (Coelho et al., 2014, p. 5)
Ainda que não colaborem com a renda familiar, crianças e idosos podem exercer influência sobre a decisão em prol da adoção da tecnologia (Ramani et al., 2012). Neste sentido, o PFV promoveu um curso de Educação Ambiental, para dois grupos de trinta jovens da comunidade, que teve como objetivo geral a “problematização da realidade ambiental do A25M, bem como reflexão através da Educação Ambiental Crítica, estimulando uma nova práxis humana, ecológica e emancipatória” (Araújo, 2013, p. 104). Além disso, no intuito de inserir as crianças no processo de conscientização, a equipe participou semestralmente das feiras de ciências das escolas locais, apresentando o projeto através de maquetes e pôsteres, explicando sua importância para a comunidade.
Ramani et al. (2012) destacam a importância da construção de projetos pilotos que possam ser testados pela comunidade alvo, no intuito de potencializar a difusão da nova tecnologia. Em consonância, Rogers (1983) postula que uma das características da inovação que influenciam na taxa de adoção é a testabilidade, ou seja, a possibilidade de experimentação de uma inovação, antes do momento de decisão pela inovação. No caso do PFV, este contato se deu através da implementação da fossa em equipamentos públicos, como o posto de saúde local e as escolas. À partir daí, alguns moradores que se mostravam alheios à experiência, passaram a demandar a construção da fossa.
Apesar dos canais de comunicação utilizados terem sido majoritariamente os interpessoais, um evento evidenciou a importância dos canais de mídia de massa para a difusão. No dia 22/03/2012, foi veiculado em um jornal televisivo de alcance nacional uma matéria sobre o PFV. Conforme o relato do Coordenador do projeto, à partir daí, algumas famílias que ainda não estavam cientes sobre a inovação, buscaram os pesquisadores, demandando a implantação das fossas em suas residências. Desta forma, fica clara a importância dos canais de comunicação em massa para prover informação sobre a existência de uma inovação, conforme proposto por Rogers (1983).
Segundo o relato do Coordenador Geral do projeto, esta tecnologia foi selecionada por possuir um baixo custo de implementação, custo de manutenção e operação próximo à zero e pela possibilidade de reutilização das águas negras para o cultivo de plantas frutíferas livres de contaminação. Ainda que a comunidade não tenha participado diretamente da escolha da tecnologia, os critérios de seleção levaram em conta o contexto de escassez e as limitações do assentamento, além de estarem alinhados com as premissas do saneamento sustentável, ou seja, a tecnologia é tecnicamente realizável, socialmente aceitável, viável financeiramente e contribui para a melhoraria da saúde e da proteção ambiental (Bolaane e Ikgopoleng, 2011).
A seleção do A25M se deu através do diálogo com representantes do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), que o indicaram por ter sido a primeira ocupação do MST no Ceará. Em seguida, para a implementação das primeiras fossas, a comunidade participou da seleção dos equipamentos públicos onde seriam instaladas. Finalmente, para a seleção das residências que seriam beneficiadas pela tecnologia, dois quesitos principais definiram a escolha: a proximidade das residências em relação aos açudes e a organização social das comunidades. A escolha de residências mais próximas aos açudes se justifica em função do potencial de contaminação que estes domicílios possuem sobre estes mananciais. Em relação à organização social, os pesquisadores observaram que aquelas comunidades onde as residências estavam mais próximas umas das outras geograficamente, também estavam mais organizadas, o que poderia ser favorável ao sucesso da adoção da tecnologia.
De fato, Rogers (1983) considera que a configuração espacial das residências pode ser determinante na estrutura de comunicação de um sistema social. O autor argumenta que em uma rede de comunicação, os indivíduos tendem a se vincular a outros que estão mais próximos em relação à distância física, bem como àqueles que são relativamente homófilos em características sociais. Entretanto, de forma alguma estas redes de comunicação são os únicos determinantes da adoção (ROGERS, 1983), como foi possível observar no caso do A25M onde a comunidade com maior taxa de adoção (81,25%) e a comunidade com a menor taxa de adoção (45,45%) tinham estruturas sociais similares, contudo, a intervenção do líder de opinião no fluxo de informação da segunda prejudicou o processo de difusão.
O processo de implementação das fossas também ocorreu de forma colaborativa. A verba do PFV garantia a compra do material de construção das fossas e a capacitação dos pedreiros da própria comunidade, e os beneficiários, em contrapartida, precisavam garantir a construção das fossas, desde a escavação dos buracos, até a coleta do material de preenchimento (Coelho, 2013). Neste momento, o Coordenador Geral reforçou a participação das famílias em todo o processo de construção, ação que, segundo Ramani et al. (2012), usualmente aumenta o sentimento de posse e o comprometimento com a utilização da tecnologia.
Conforme salienta Rogers (1983), a decisão pela adoção de uma nova ideia, difere da utilização desta ideia, de forma que os problemas sobre a utilização da novidade podem emergir na fase de implementação e, caso hajam problemas de manutenção e os usuários não tenham o auxílio necessário para a resolução destes problemas, gradualmente a tecnologia cai em desuso (Ramani et al., 2012). Em atenção à esses possíveis problemas, foram conduzidas visitas regulares às residências, onde as famílias eram orientadas quanto ao manuseio adequado do canteiro, posicionamento de mudas, instalação de cerca de proteção, além de medidas de boas práticas de manejo, para evitar a contaminação cruzadas dos alimentos (Araújo, 2013). No caso das fossas instaladas no A25M, o acompanhamento durante e após a implementação mostrou-se relevante para alertar os cuidados necessários, diminuindo o risco de abandono das fossas.
Estas atividades de acompanhamento são consideradas por Ramani et al. (2012) como cruciais para o sucesso da difusão de saneamento.
O processo avaliativo do PFV não delimitou indicadores específicos para cada uma das fases abordadas até agora. Entretanto, durante toda a vigência do projeto, foram realizadas visitas periódicas para a avaliação do desempenho das fossas onde, à partir da observação in loco e da realização de entrevistas com os usuários, os seguintes critérios foram julgados: grau de utilização; cultivo de plantas; diversidade de cultivos; posicionamento das mudas; porte e/ou quantidade de mudas nos canteiros; extravasamento; refluxo do esgoto; entupimento; odor e manutenção.
Através destas visitas os pesquisadores constataram, por exemplo, que as residências beneficiadas pelo serviço de água encanada necessitavam de um redimensionamento das fossas, pois o maior consumo de águas levou ao vazamento do esgoto. Além disso, verificaram que os assentados passaram a cultivar espécies além das recomendadas pela equipe, personalizando seus canteiros de acordo com suas preferências. Esta personalização e o cuidado dedicado ao cultivo no canteiro foram considerados pelos membros da equipe como um indicador de apropriação. Observa-se, portanto, que os moradores interviram no design da tecnologia e, neste sentido, Ramani et al. (2012) argumentam que quando os usuários finais estão envolvidos com o design de uma inovação, eles desenvolvem um maior senso de propriedade, ficando mais propensos à manutenção adequada da tecnologia.
Ainda que não tenham sido especificados critérios de avaliação para cada uma das fases, o caráter transversal da avaliação conduzida permitiu a realização de ajustes e melhorias da tecnologia ao decorrer do projeto, o que reforça a importância da avaliação enquanto processo interativo que perpasse todo o período de execução do projeto, conforme sugerido por Davies-Colley e Smith (2012).
Tomando por base a análise da experiência no A25M, os componentes do modelo de Davies-Colley e Smith (2012) e os elementos da difusão de Rogers (1983), resumimos o processo de difusão das fossas verdes no A25M na Figura 2.
Figura 2 – Processo de difusão das fossas verdes no Assentamento 25 de Maio.
Fonte: Adaptado de Davies-Colley e Smith (2012) à partir dos dados da pesquisa.
Esta pesquisa analisou o processo de difusão das fossas verdes, uma tecnologia de saneamento ecológico, no Assentamento 25 de Maio, no sertão central do estado do Ceará. O objetivo foi compreender como se deu a difusão desta tecnologia entre os campesinos do A25M. Para a consecução deste objetivo, a campanha de difusão empreendida foi analisada à luz dos componentes chave do modelo de transferência proposto por Davies-Colley e Smith (2012), considerando os elementos da difusão propostos por Rogers (1983). Através da utilização da abordagem qualitativa, mediante a análise de dados primários e secundários com o auxílio do software NVivo® 10 para análise qualitativa, foi possível delinear o processo de difusão conduzido no A25M.
A identificação e mobilização dos líderes de opinião, bem como a utilização de bolsistas da comunidade como assessores, se mostrou com crucial para a construção do relacionamento com a comunidade, de forma que a falta de colaboração por parte de um dos líderes impactou negativamente na adoção das fossas. A análise da estrutura social e, respectivamente, a identificação das normas sociais explicitaram as demandas locais durante a fase de planejamento. À partir das restrições identificadas, as ações conduzidas durante o processo de conscientização demonstraram aos assentados os riscos da exposição às condições de saneamento inadequadas, apresentando, em seguida, os benefícios da implementação das fossas verdes, o que criou uma demanda que favoreceu a adoção da tecnologia, selecionada em função dos baixos custos de implementação, operação e manutenção, bem como da possibilidade de reutilização da água, recurso escasso no semiárido. Durante a fase de implementação, a participação dos familiares na construção das fossas, bem como o acompanhamento pós-implementação foram destacados como relevantes para a manutenção da tecnologia. Finalmente, as avaliações conduzidas durante todo o processo possibilitaram as adaptações necessárias tanto na estrutura da tecnologia, como na abordagem de disseminação, que resultou na melhoria da compatibilidade da tecnologia para o contexto do A25M, fortalecendo a apropriação da tecnologia por parte dos moradores do assentamento.
Esperamos que este estudo colabore para a compreensão acerca da difusão de tecnologias que contribuam para a melhoria das condições de vida daqueles que vivem em contextos de escassez como o observado no A25M. Complementarmente, este trabalho evidenciou alguns aspectos que devem ser levados em consideração em campanhas de difusão que pretendam fomentar a adoção deste tipo de tecnologia, sejam elas empreendidas à partir de iniciativas públicas ou privadas. Como limitação, registramos a ausência das opiniões dos próprios beneficiários acerca do processo, o que pode se tornar uma oportunidade de pesquisa para trabalhos futuros. Sugerimos, portanto, que em pesquisas futuras sejam identificados na perspectiva dos beneficiários, quais atributos da inovação foram mais relevantes em relação à taxa de adoção da tecnologia.
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1. Mestrando em Administração e Controladoria pela Universidade Federal do Ceará. Email: roberto.academico85@gmail.com
2. Doutorando em Administração pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul
3. Doutor em Planejamento Ambiental e Professor Adjunto na Universidade Federal do Ceará