Espacios. Vol. 37 (Nº 25) Año 2016. Pág. 9
Liliane CANOPF 1; Marcio Pascoal CASSANDRE 2; Jucélia APPIO 3; Yára Lúcia Mazziotti BULGACOV 4
Recibido: 21/04/16 • Aprobado: 23/05/2016
RESUMO: Para conhecer o que fazem os estrategistas no seu dia-a-dia nas organizações, segundo a Estratégia como Prática, empreendeu-se um estudo de caso com uma empreendedora do ramo de serviços de beleza do Brasil. Foram utilizados o método de autoconfrontação simples de Clot (2007) e o Sistema de Atividades de Engeström (1987). Os resultados apontaram que a estratégia da empreendedora desenvolveu-se pelas suas experiências, não havendo planejamento formal, e a lógica de funcionamento do seu negócio está baseada na figura da proprietária/fundadora. |
ABSTRACT: To know what they do strategists in their day-to-day in organizations, according to the Strategy as Practice, undertook a case study with an Brazilian´s entrepreneurial beauty service business. Simple self-confrontation method Clot were used (2007) and Engeström´s Activities System (1987). The results showed that the entrepreneurial´s strategy developed by their experiences, with no formal planning, and your business operating logic is based on the figure of the owner / founder. |
A valorização da prática no campo dos estudos organizacionais segue um movimento das Ciências Sociais, interessado no cotidiano, na rotina diária, na vida realmente vivida, com forte influência das tradições de pesquisa interpretativista e culturalista, desde os trabalhos de Wittgenstein e Heidegger. Uma prática pode ser entendida como uma forma rotinizada na qual os corpos são movimentados, objetos são manipulados, sujeitos interagem, coisas são descritas e o mundo é compreendido (Santos; Sette & Turetta, 2006).
Prática assim olha com atenção para o que fazem os estrategistas, independente do papel que ocupam na organização. A ideia é de que quanto mais se aprende sobre o que os estrategistas fazem no seu dia-a-dia, enquanto ocorre o strategizing, maior é a chance de entender o que realmente é estratégia (Whittington, 2003).
Este é o pressuposto fundamental da abordagem da Estratégia como Prática, e que inspira e desafia a analisar e compreender o que são as práticas e também como elas estão sendo utilizadas. Quanto mais próximo da prática mais percebe-se que estratégia não é unicamente um atributo das organizações, mas constitui-se uma atividade realizada pelas pessoas como sendo algo que elas fazem (Whittington, 2004).
Para Jarzabkowski (2005, 2010), a estratégia como prática social apresenta o desafio de entender como os estrategistas/praticantes executam o strategizing, analisando a interação entre eles e deles com os recursos físicos (objetos, artefatos, ferramentas) e sociais (práticas, comunidade, divisão do trabalho e regras) disponíveis em um determinado contexto sócio histórico e cultural. Nesse sentido, a perspectiva da Estratégia como Prática procura o detalhe das atividades que constituem o dia-a-dia da vida nas organizações. A estratégia é vista como um fluxo de atividades em constante processo de construção e reconstrução (Jarzabkowski, 2005). Para a autora, a sondagem do que os estrategistas fazem no cotidiano das empresas é um movimento necessário para se conhecer mais sobre estratégia, porém a consideração do contexto micro de atuação de cada estrategista é a aproximação mais justa e menos oportunista/objetivista.
Clegg, Carter e Kornberger (2004) criticam as premissas ortodoxas da gestão estratégica, a linearidade do pensamento cartesiano e as falácias ou disparidades do pensamento estratégico ainda dominantes no campo. Apontam a necessidade de um estudo eclético da estratégia como prática considerando poder, identidade profissional, agentes não humanos, ética, linguagens e instituições. Machado-da-Silva e Vizeu (2007) também apontam o utilitarismo e o pragmatismo como limitadores do campo de conhecimento e de sua aplicação. Acreditam na possibilidade de construção de uma explicação renovada sobre a área da estratégia empresarial como campo de conhecimento com enorme potencial de desenvolvimento científico com uso do potencial analítico e crítico das perspectivas explicativas.
Whittington (2006) lembra que é necessário compreender estratégia tanto como uma atividade dentro das organizações quanto como um fenômeno que se estende para fora delas, considerando que estratégia é algo que as pessoas fazem. O autor considera necessário pesquisar estratégia como prática fora do procedimento imediato do processo estratégico, baseando-se em um olhar sociológico, distinguindo questões, metodologias e conceitos de desempenho, abordando a relação entre Estratégia como Prática e o processo estratégico, mostrando suas diferenças, reiterando a possibilidade de construção de uma explicação renovada sobre estratégia empresarial.
Na intenção de expandir o conhecimento da Estratégia como Prática propõem-se a aproximação da mesma à perspectiva histórico-cultural. Assim, considerando a necessidade de se criar aderência entre a teoria e a metodologia de pesquisa, indica-se o método da autoconfrontação simples segundo Clot (2007) como um método de pesquisa para estudar a prática nas organizações.
Na perspectiva de Clot (2007) prática é entendida como atividade dirigida e situada, proveniente da teoria sócio histórica e cultural da psicologia social. A unidade de análise envolve sempre a constante inter-relação sujeito, objeto e a relação com os outros, que ocorre na atividade situada e dirigida de forma simultânea, por isso não pode ser estudada dividindo-a em partes, mas somente olhando-se sempre para o todo. Acredita-se que esta proposta metodológica possa contribuir para explicitar elementos da atividade dirigida e situada presentes na estratégia como prática, sendo eles o sujeito, o objeto, as ferramentas, a comunidade, a divisão de trabalho e as regras.
O modelo do Sistema de Atividades de Engeström (1987) também é coerente com a proposta da Estratégia como Prática, pois propõe que as ações individuais podem ser entendidas considerando-se as relações entre os sujeitos, a ação desses sujeitos com o objeto, os instrumentos pertencentes a uma determinada atividade e os mediadores sociais. Os elementos que compõem essa análise são: i) a comunidade, referindo-se àqueles que tomam parte na realização do objeto; ii) as regras, compreendendo as normas explícitas e convenções que restringem a ação dentro do sistema de atividade; iii) a divisão do trabalho, indicando como se dá a divisão de tarefas entre os indivíduos da comunidade. Dentro desse entendimento, os componentes do sistema de atividade estão sendo constantemente construídos e renovados.
A aproximação entre os autores Clot (2007), e seu método de autoconfrontação simples, e Engeström (1987), e seu Sistema de Atividades, é possível pois une autores com propostas metodológicas e teóricas de uma mesma concepção epistemológica, a perspectiva histórico-cultural. A partir dessa perspectiva desenvolveu-se a presente pesquisa com uma empreendedora do ramo de serviços de beleza, que no ano de 1971 fundou um empreendimento na cidade de Curitiba, Paraná, Brasil. Empreendimento que conta hoje com 17 estabelecimentos próprios, 1.400 profissionais, 15 franquias distribuídas entre os estados do Paraná, São Paulo, Santa Catarina e Rio de Janeiro.
A empreendedora, que administra pessoalmente sua rede de salões de beleza, auxiliada pelos membros da família (esposo, filhas e genros), é facilmente encontrada de segunda-feira a sábado, das 9h às 21h, no endereço que se tornou ícone da marca. Um prédio de 6.800m² de área construída, que conta com 450 profissionais distribuídos em diversas funções e atende a 1.500 pessoas por dia, com 220.000 clientes cadastrados, apontado como o maior salão de beleza do mundo.
O debate sobre estratégia é amplo, complexo e polêmico. Os mais variados posicionamentos sobre estratégia podem fomentar uma compartimentalização teórica excessiva, dificultando o entendimento de como as várias escolas de pensamento se relacionam. Por outro lado, esse pluralismo é vantajoso na medida em que permite a interação entre as diferentes perspectivas possibilitando um entendimento mais abrangente da vida organizacional, conforme apontado por Astley e Van de Ven (2005) sobre o pluralismo teórico na literatura organizacional.
Gaiger (2009) sinaliza a existência de dois principais campos nos estudos organizacionais nos quais o conceito de prática tem sido empregado. O primeiro grupo tem abordado a prática enquanto um processo de ação baseado em rotinas, no qual a ênfase recai sobre a natureza processual das práticas tendo as ações locais e seus respectivos atores como centrais para a compreensão dos processos (Feldman, 2000 como citado em Gaiger, 2009). Já o segundo grupo propõe a chamada "Estratégia como Prática" (Jarzabkowski, 2005 & Whittington, 2006). Nessa abordagem a prática é considerada como aquilo que as pessoas fazem durante as suas atividades, eventos ou trabalhos de estratégia.
Para Gaiger (2009) tanto a estratégia como prática quanto a prática enquanto rotinas têm apenas o interesse de circunscrever a natureza processual da prática, não levantando novos insights e, consequentemente, novas questões de pesquisa que possibilitem o enriquecimento dos estudos organizacionais.
O termo prática não é empregado como indicação de uma teoria específica que conceitue prática, mas se refere a noções de processo ou sinaliza as circunstâncias que as pesquisas, focadas em micro análises, estão mais próximas da realidade do que aquelas feitas pelas análises organizacionais tradicionais. A defesa do autor é de que prática pode ser compreendida como reprodução, mas é também a possibilidade de geração de conhecimento. "Conhecimento é criado no processo de prática, no qual envolve no mesmo momento atividades do corpo e da mente" (Gaiger, 2009, p. 134).
A perspectiva de Habermas (1989), trazida por Gaiger (2009), enriquece os estudos da prática, direcionando a atenção para a análise da prática através da reflexão intersubjetiva, podendo ser útil no estudo de diferentes comunidades estratégicas praticando e refletindo a prática. Habermas (1984 como citado em Gaiger, 2009) compreende só ser possível a obtenção de objetividade através da intersubjetividade, ou seja, objetividade em termos de intersubjetividade constituída pela união das construções linguísticas de uma comunidade. A distinção entre o modo narrativo da prática e o modo discursivo de reflexão estabelece uma referência comunicativa para a reflexão sobre práticas.
Cabe ressaltar que Gaiger (2009) considera que ao praticar e refletir sobre as práticas possibilita-se prever a existência de conflitos e crises, momentos pelo quais os praticantes podem dividir e contestar a natureza das práticas. Nesse sentido este autor traz um novo olhar para a prática, dessa vez contemplando outros elementos além do "como" as pessoas fazem nas organizações, mas tentando responder as questões do "por que" e do "como" as práticas continuam a ser praticadas nas organizações. Também se propõe reconhecer "quais" poderes normativos e institucionalizados estão envolvidos na prática e como são mudados, além de oferecer a compreensão de como as normas implícitas são questionadas e refletidas. A partir dessa nova concepção explica-se como práticas são mantidas e continuam a ser praticadas, explorando como os praticantes falam e refletem sobre suas práticas, oferecendo a possibilidade da revisão e a compreensão do que é uma "boa" prática.
Jarzabkowski (2010) posiciona a estratégia como prática dentro das possibilidades oferecidas pela Teoria da Atividade, principalmente no que se refere ao foco dado por essa teoria aos atores como indivíduos sociais, base de estudo para esclarecimentos sobre o que os praticantes de estratégia fazem. A autora reflete que Engeström tem definido a unidade de análise do Sistema de Atividades retirando o foco da atividade individual para focalizar o sistema de atividade coletivo no qual a atividade ocorre.
A partir do modelo do Sistema de Atividades de Engeström (1987), a autora estimula a considerar não só como os praticantes fazem, mas também reconhecer as práticas de estratégia que os praticantes utilizam e mais ainda, a práxis de estratégia em que estão envolvidos. Para tanto propõe-se a seguinte categorização:
Olhar a estratégia como prática pelo Sistema de Atividades da Teoria da Atividade permite gerar uma visão de como as ações de uma parte do sistema afetam outras partes, e também como essas interdependências são mediadas pelas práticas. Jarzabkowski (2010) considera três recursos oferecidos pela Teoria da Atividade: i) As pessoas fazem estratégia dentro de um contexto social, histórico e cultural - social devido às interações com outros e tantos grupos; histórico e cultural devido ao acúmulo de experiências obtidas pelo sujeito estrategista ao longo do tempo; ii) As pessoas possuem intencionalidades, motivos e desejos que merecem ser conhecidos e identificados; iii) A compreensão do sujeito social oferece uma base ontológica para estudar o que os estrategistas fazem, indo além da catalogação empírica e se aprofundando na análise social da ação.
Na ampliação da compreensão sobre estratégia como prática não se pode admitir a estratégia apenas como um fluxo de atividades desenvolvidas ao longo de um tempo, contendo interações entre participantes em um sistema de atividades, é mais do que isso, estratégia envolve contestação, diferentes compreensões e distintas interpretações entre os participantes (Jarzabkowski, 2010).
Os instrumentos mediadores tanto simbólicos como concretos são valorizados pela autora, não só para coordenar e controlar a atividade estratégica, mas por se tornarem úteis para a mediação dos diferentes atores ao realizarem um fluxo de atividades estratégias ao longo do tempo. Com os conceitos da Teoria da Atividade é possível observar e compreender as interações dos sujeitos estrategistas com o plano estratégico, promovendo a análise das várias modificações do instrumento, dinâmicas de poder e as relações sociais envolvidas na execução da atividade.
O presente artigo baseia-se em um estudo de caso exploratório-descritivo de natureza teórico-empírica, com abordagem qualitativa e aplicação do método de autoconfrontação simples (Clot, 2007). Uma vez que não existe uma relação causa e efeito entre as variáveis, elas são interdependentes e simultâneas, o trabalho é "uma constelação de atividades pessoais em intersignificação" (Clot, 2007, p. 95).
Ao considerar o trabalho como uma atividade dirigida pelo sujeito para o objeto e para a atividade dos outros, é necessário considerar os numerosos conflitos que o sujeito enfrentará (Clot, 2007). Por esse olhar, trabalho como processo de entendimento da atividade dos indivíduos, o strategizing poderá ser visto como atividade dialógico-discursiva (Lanzara, 1985) que permite considerar que as negociações entre os pares terão como objeto não apenas a conclusão da tarefa, mas envolverão negociações de significados que conduzem à escolha dos objetivos a serem perseguidos, das motivações que os sustentam, dos meios a serem eleitos e construídos para alcançar tais objetivos.
Compreendido pela confrontação do sujeito com imagens e discursos sobre a sua própria atividade, prevendo mais de um momento de coleta de dados, esse método permite ao sujeito pesquisado pensar sobre sua própria ação, contribuindo para a tomada de consciência e não apenas uma nova representação do objeto. A autoconfrontação contempla a possibilidade de despertar para novos envolvimentos, pois não se pode explicar a atividade do sujeito a partir dela mesma, é importante considerar que a ação do sujeito tem sua fonte nas atividades contrariadas: as dos outros e as suas. A unidade de análise da atividade dirigida é composta pela tríade viva, que são os conflitos no objeto, os conflitos dos outros e os próprios conflitos do sujeito (Clot, 2007).
A autoconfrontação tem a pretensão de produzir uma experiência entre o pesquisado e o pesquisador, contemplando mais de um momento de coleta de dados. Em sua primeira fase ocorreu uma entrevista semiestruturada, com roteiro de perguntas abertas, a entrevista foi gravada e posteriormente transcrita. O roteiro foi sendo adaptado a fim de contemplar melhor o objetivo do estudo de resgatar particularidades da relação entre o sujeito estrategista e seu trabalho, caracterizando a tentativa de compreensão detalhada dos significados e características situacionais apresentadas pela entrevistada.
Após a análise dos dados coletados na primeira entrevista que considerou falas, expressões, imagens, odor, vestuário, postura, símbolos, instrumentos, regras (formais e informais), normas e estatutos, realizou-se a segunda fase de coleta de informações na qual a empreendedora foi confrontada com a transcrição da primeira entrevista e entrevistada pela segunda vez. Neste momento buscou-se esclarecer pontos que tinham ficado obscuros na primeira entrevista, foram feitas novas questões e verificou-se se a empreendedora teria interesse em alterar, acrescentar ou retirar algo expresso na primeira entrevista. Também realizou-se a análise do ambiente, observação de comportamentos dos demais funcionários e coleta de informações disponibilizadas no site da empresa. Ocorreu um terceiro momento, em que a empreendedora foi confrontada com a transcrição da segunda entrevista e fez considerações sobre a entrevista anterior. Neste momento ocorreu a coleta de dados com o esposo da empreendedora. Este terceiro momento foi necessário para esclarecimento de aspectos da segunda entrevista e porque encontrou-se dificuldade para ultrapassar o que parecia ser um discurso pronto da empreendedora para ser dado em entrevistas. Foi produtivo aplicar um método de pesquisa que não rígido em suas fases, isso enriqueceu os resultados, como pode ser verificado na apresentação e análise dos dados.
O método da autoconfrontação tem como pressuposto fundamental a reflexão sobre a atividade realizada na presença do outro e possibilita a reflexão do pesquisado, a possibilidade de despertar do mesmo.
As transcrições das entrevistas foram catalogadas frente ao referencial de Jarzabkowski (2010), sustentado em Engeström (1987), em busca de elementos que apontassem para as categorias sujeito, objeto, ferramentas, comunidade, divisão do trabalho e regras.
Os dados foram coletados em três momentos no maior salão de beleza da rede, situado na cidade de Curitiba, em um destes momentos também foram coletados dados junto ao marido da empreendedora, este atua na gestão financeira do negócio. Em funcionamento desde 1971, o empreendimento conta hoje com 17 estabelecimentos próprios e 15 franquias, espalhadas pelos estados do Paraná, Santa Catarina, São Paulo e Rio de Janeiro, empregando toda a família da empreendedora, incluindo seu esposo, suas três filhas e seus três genros.
Para realizar a análise da Estratégia como Prática a partir de uma perspectiva histórico-cultural, conforme Jarzabkowski (2010), é necessário sondar o que os estrategistas fazem no cotidiano das empresas, considerando seu contexto micro de atuação. Para tanto, buscou-se saber o que a empreendedora faz, como e o porquê.
Caracterizando o sujeito, a empreendedora não tem pudores em assumir seus cinquenta e nove anos de idade, ao contrário, mostra-se satisfeita consigo e com sua "obra". Membro de uma família de agricultores de uma pequena cidade do interior do Estado de Santa Catarina, aos dezoito anos mudou-se para Curitiba, após algumas tentativas frustradas de trabalho em lojas, decide fazer o curso de cabeleireira no Serviço Social do Comércio (SENAC), aprimorando o conhecimento que já havia adquirido com a mãe, que possuía um salão de beleza, é esta que a incentiva a iniciar seu próprio negócio.
A empreendedora foi receptiva a conceder as entrevistas, disse que é comum ser procurada para isto e considera muito positivo, pois é uma publicidade gratuita, uma vez que recusa-se a pagar por propaganda.
As entrevistas ocorreram na lanchonete que existe no próprio salão de beleza. A empreendedora mostrou-se disponível em responder às questões mas não desligou-se de outras demandas provenientes dos funcionários e dos clientes. Apesar de declarar que "não pode estar em vários lugares ao mesmo tempo", contradição entre discurso e realidade.
Entre as memórias de sua infância e juventude, relembra que parentes a criticavam por não querer estudar, críticas que a motivaram a procurar outras formas de ganhar dinheiro que não a profissão de professora, que parecia ser a única opção de trabalho considerada viável para mulheres à sua época. Ao aprender a profissão de cabeleireira relata ter-se "encontrado", aspecto que considera importante para motivar o interesse pelo trabalho "(...) eu amo o que eu faço, meu marido sempre fala...". E a importância da confirmação do outro.
A satisfação com o trabalho, juntamente com a busca por retorno financeiro, é apontada como presente desde sua infância, sendo frisada em diversos momentos. "O trabalho é uma coisa gratificante... tem que trabalhar (...) trabalho é como um brinquedo para a criança, não tem como ficar sem ele." Ela afirma serem imprescindíveis três coisas na vida de uma mulher, "mulher tem que ter um bom trabalho, casar e ter filho". Não deixa claro como e porque conciliar tais atribuições, apontando para tensões no sujeito que busca reunir partes do discurso da modernidade de nobreza do trabalho, sucesso profissional e financeiro, com valores provenientes de uma cultura que exalta a família. Isto emerge na sua declaração de que houve um momento em sua vida que pensou em desistir do negócio em função das filhas pequenas, "(...) porque pensava que não tava conseguindo coordenar a casa, a família, o trabalho".
Responsável pelas compras e acompanhamento do desempenho de cada salão, a empreendedora revelou a centralização de atividades nela e nos membros da família: "(...) tenho as filhas, o marido, os genros, cada um cuida de uma coisa (...) financeiro é difícil ficar com pessoas estranha (...) eu faço um pedido pra cada salão por mês e ai já sei até qual vai ser o faturamento que vai ter (...). O dinheiro vem todo para mim (...)".
Aflorou a oposição entre a demanda de tempo para o gerenciamento da rede e o sentimento de orgulho de sua capacitação técnica como cabeleireira,"(...) dentro da minha profissão tudo que é relacionado com cabelo eu entendo muito bem", inclusive relata que há clientes que fazem questão de seus serviços: Isto demonstrou que há estrategistas que além da função de gerenciamento exercem outras funções, inclusive operacionais, em busca de satisfação e de estarem mais próximos de seus clientes. Com relação à satisfação, também transparece a de ter um negócio que gera emprego e renda para "toda a família", sendo a palavra sucesso repetida em diversos momentos.
Embora a empreendedora seja a figura simbólica do negócio seu esposo aparece como visionário no relato de uma dificuldade com fiscalização: "Ai meu marido disse vamos... já que essa gente estão [sic] começando a incomodar vamos abrir mais um então (salão)." Proposta com a qual a entrevistada não concordou imediatamente: "Até na hora eu disse não, melhor não." Após ter sido convencida pelo esposo, o novo salão tornou-se o maior da rede. Esta diferença de pontos de vista entre a empreendedora e seu esposo aparece também quando a questão é o futuro do negócio. A empreendedora diz que as filhas estão "preparadíssimas" para assumirem seu lugar, seu esposo mostra-se propenso a contratar pessoas de fora da família, com mais "visão e capacidade técnica de gestão".
Este contraponto, entre exercer a função gerencial e funções operacionais, entre a perspectiva de futuro, aponta para o fato de que, apesar de a empreendedora ter a imagem dominante da fundadora do negócio, alguns planos, projetos e objetivos não estão sendo traçados por ela, demonstrando a complexidade do sujeito nas mudanças de posição, funções, relações e apropriações.
Buscou-se nas falas da empreendedora o como trabalha, o que considera relevante ao bom funcionamento do negócio, suas motivações, os sistemas de atividade coletiva, para que revelassem o objeto a ser apreendido, ou seja, a estratégia enquanto o que o estrategista faz.
Expressões como "então eu acho assim, um bom começo tem que começar mostrando um bom trabalho. Porque eu fazia um trabalho muito bom e cobrava pouco", mostram que a empreendedora considera o bom trabalho a baixo preço o principal foco do negócio. Tida como elemento central no sucesso do negócio, a estratégia de foco no cliente é passada para todos os profissionais que atuam na rede e para os franqueados "Então, se a pessoa monta a empresa e trabalha com amor se dedicando à pessoa (...). É isso eu sou até hoje... Tudo o que eu faço; tudo o que eu faço aquilo que é bom para a minha cliente (...) para a cliente nós temos que estender o tapete vermelho".
A empreendedora relata ter desenvolvido uma estratégia para que a cliente não desista dos serviços por ter que esperar para ser atendida ou então, para que perceba a prestação de serviços como rápida, "falo muito para os meus cabeleireiros, você está com o cliente na cadeira, conversam com ela, você tem que conversar". E relata a inovação que disseminou-se pela concorrência, "quando eu comecei o salão anos atrás, 40 anos atrás, eu comecei a fazer o pé e a mão junto. Duas manicures na cliente e a cabeleireira. Ninguém fazia isso, daí a coisa começou a pegar. Nossa a gente vai lá no salão e faz pé, mão e cabelo em uma hora. E aquilo começou a pegar e o pessoal copiou".
Característico do sistema da atividade é a busca constante pela melhoria na prestação de serviço e a não preocupação com a concorrência: "eu não fico me preocupando com a concorrência.... Eu não penso no que o concorrente faz, como que faz, nunca pensei, o que eu penso é que tenho que fazer o melhor para minha cliente. O quê que eu vou fazer para melhorar, melhorar, melhorar".
Dos instrumentos mediadores da ação do sujeito, as ferramentas físicas ou simbólicas, externas e internas, sobressaiu-se o ambiente, altamente permeado pela figura da empreendedora, inclusive com um quadro seu logo à entrada do estabelecimento. A empreendedora ocupa todo seu tempo fazendo correções, ajustes, conversando com clientes, atendendo telefone, em suas palavras "andando o dia todo", estreitando relações entre os funcionários, clientes, fornecedores e família.
A busca pela perpetuação da imagem, tanto pelo seu exemplo quanto por instruções, aparece quando a empreendedora é questionada sobre sucessão. Ela afirma que as filhas estão mais que preparadas para assumirem seu lugar, até mesmo "a minha filha mais velha ela é 'Xerox' de mim, as clientes já falam, as clientes que eu comecei o salão, a sua filha até o jeito dela pegar no cabelo é igual ao seu. E ela tem assim o mesmo bom senso, sabe o tratamento com os profissionais. Eu, por exemplo, o que eu mais gosto é parar no lado da cliente e dá atenção (...) quando eu posso faço, já envolvo o cabeleireiro e a manicure. Tento passar para todos os meus franqueados que tem que ter muita, muita paciência, se a cliente chegou né, na sua frente, você deixa ela falar e concorda com tudo".
A empreendedora personifica um instrumento de mediação simbólico, por sua figura e por suas ações, necessária para o bom cumprimento das atividades do salão, especialmente quando corrige atitudes dos funcionários: "Tem que na hora certa dar uma puxadinha na rédea (quando ocorrem problemas), ai não repetem mais porque se repetir isso de novo eu começo a cortar as vendas (do profissional), porque eu fico sempre atrás, eu to sempre no meio, envolvida com a equipe".
Apresenta-se nessa figura simbólica também aos responsáveis pela continuação do negócio: "tem uma frase que eu falo sempre para as filhas que eu acho que tem muitas empresas que a gente conhece que morreu os donos daí os filhos deixaram quebrar. Agora para as minhas eu falo assim, o ditado é: pai rico, filho nobre e neto pobre. Então prestem bem atenção"; dessa forma seu respeito, sua garra, sua determinação e exemplo de sucesso é disseminado por ela aos familiares, favorecendo à manutenção do negócio e a preservação de seus princípios.
Apesar do relato que o começo do negócio foi um pouco desorganizado em relação a funções administrativas, atualmente usa informática e organização para que não ocorram perdas financeiras.
Dentre os indivíduos que formam a comunidade em torno da empreendedora estão os profissionais que atuam em seus salões, em relação aos quais ela solicitou que fossem tratados por "profissionais liberais", uma vez não há vínculos formais. Apesar disso, os profissionais que atuam no salão são selecionados, fiscalizados constantemente e sujeitos a sanções, mas principalmente incentivados a melhorar constantemente: "eu seleciono (profissionais) por meio de teste (...), cada profissional tem seu estilo, eu não posso exigir que sejam iguais. Agora quando o cabeleireiro é bem interessado, eu ensino e eu incentivo assim para que realmente melhore, melhore, melhore."
Em relação aos franqueados, estes são incentivados a seguir o exemplo de gestão da empreendedora: "Então eles são os sócios, meio a meio, eu sou proprietária também. Monta o salão meio a meio. Pra montar um salão com 20 cadeiras, bem montadinho, o investimento é de 280 mil". A empreendedora possui as regras da sociedade estabelecidas em contrato, com a compra de materiais centralizada e a fiscalização pelo sistema informatizado, "pelo sistema que é tudo interligado. Tem que ser tudo o mesmo preço, ou seja, tudo".
A concorrência não é considerada relevante. Em relação aos sindicatos afirma ter uma boa relação. Os fornecedores, em sua maioria, são os mesmos a muito tempo, pois considera importante manter vínculos de longo prazo. Quando questionada sobre o apoio a entidades sociais, ela prefere colaborar com a família: "então o que que a gente faz, todo o mês a gente dá um salário mínimo para os parentes mais necessitados",
Em relação a divisão de trabalho, a empreendedora relata que todos membros da família atuam no negócio. As filhas estão distribuídas "uma administração geral, uma no escritório, uma no geral aqui comigo (salão)", os genros entre o escritório, estoque, compras e vendas dos franqueados e administração da cafeteria e banca de revistas. O esposo faz a gestão financeira. Ela, além de realizar as compras da empresa, "começo as nove, vou fazendo o que tem prá fazer o dia todo (...)". Em caso de sua ausência "quando eu tiro o pé do salão elas (as filhas) assumem". A contabilidade é terceirizada e há um software que permite a gestão de todos os salões, inclusive dos franqueados.
Entre as funções de cabeleireiro, maquiador, manicure, recepcionista, caixa e atendente são 1.400 profissionais em toda a rede, ao que a empreendedora assume "é muita coisa para cuidar (...)". Há ainda a divisão de materiais e equipamentos, "secador, escova é do profissional, do salão é a cadeira, a penteadeira, o material de uso é de cada um".
Uma das principais regras que a empreendedora destaca em seu modo de agir é "sair de casa e deixar os problemas em casa", o que aprendeu através de palestras e dissemina em seu ambiente de trabalho. Outra máxima é só dispensar profissionais em "caso muito grave", do contrário acredita que "você tem que conversar", que o profissional poderá corrigir seus erros aprendendo com ela. Tanto em relação aos profissionais que atuam no negócio quanto a seus clientes afirma "nunca pode ter um comportamento grosseiro".
Bastante cuidadosa com compras e apuração de resultados, somente membros da família estão nas funções relacionadas a estas atividades. Também são rígidos os padrões de preço da rede, se um franqueado não respeitar o estabelecido "corre o risco de perder a franquia". Saber que a qualquer momento podem ser abordados e inquiridos pela empreendedora em relação ao trabalho que estão realizando condiciona e restringe todos os profissionais.
Quando é na atividade como unidade de análise que se examina o sujeito, compreende-se que o estrategista pode adquirir conhecimentos e instrução para se tornar um profissional eficiente e eficaz, todavia rompe-se definitivamente com a concepção de uma modelagem prescritiva de como vir a ser ou tornar-se um estrategista de sucesso.
O método de autoconfrontação de Clot (2007) mostrou-se adequado para revelar categorias da estratégia como prática envolvendo o sujeito, o objeto e a relação com os outros, analisando a interação entre eles e deles com os recursos físicos e sociais, em um determinado contexto sócio histórico e cultural.
Através do referencial proposto pode-se depreender que a estratégia da empreendedora desenvolveu-se a partir de suas experiências e, mesmo não havendo planejamento formal, criou, desenvolveu e mantem um negócio de considerável tamanho e retorno financeiro. Ao longo de sua história foram se mesclando valores advindos do contexto cultural e familiar, com o aprendido em palestras e no cotidiano de trabalho.
Tanto o nome do estabelecimento quanto toda a lógica de funcionamento estão baseados na figura da empreendedora, proprietária e fundadora. Ao longo das entrevistas ela frisou aspectos que demonstram seu esforço cotidiano para transparecer a imagem de pessoa bem sucedida, de uma forma de gestão competente e eficaz e de ter um negócio de sucesso.
No entanto, houve momentos em que seu discurso sinalizou algumas contradições entre o real e o pretendido, como quando seu marido relata a necessidade da incorporação de pessoas com mais capacitação técnica gerencial, como em relação a gestão das franquias. Uma fragilidade não assumida pela empreendedora. Durante a autoconfrontação a empreendedora demonstrou não estar tão segura quanto tentou demonstrar em relação à sucessão, parecendo abalada ao declarar "de repente se a gente morre (...)", este parece ter sido o momento de maior reflexão da empreendedora.
As categorias de análise possibilitaram revelar outras nuances pertinentes ao sujeito estrategista, importantes para serem conhecidos e compreendidos, não para buscar padrões de comportamento, mas para demonstrar a necessidade de extrapolar os manuais e prescrições existentes sobre estratégia e estrategista, auxiliando na reflexão sobre a complexidade das organizações e dos sujeitos nelas envolvidos.
Essa pesquisa não teve a pretensão de generalizar os resultados obtidos ou fazer da empreendedora um modelo de gestão ou um caso de sucesso. Buscou-se através das propostas teóricas empregadas ampliar as discussões e os entendimentos sobre o que vem a ser estratégia, definindo um método de pesquisar estratégia e estrategista.
Intencionou-se oferecer uma perspectiva de análise que supere a simples explicitação do aparente e do evidente sobre estratégia, mas que possa alcançar outras análises que contemplam o contexto social, político, histórico e cultural das organizações e das pessoas envolvidas no processo estratégico, que leve em consideração as motivações, interesses, compreensões, sentimentos e outras particularidades do empreendedor e que cooperam na condução do negócio.
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1. Doutora em Administração. Professora da UTFPR - Campus Pato Branco (NUPEA). E-mail: lilianec@utfpr.edu.br
2. Doutor em Administração. Professor da UEM. E-mail: mcassandre@hotmail.com
3. Doutora em Administração. Professora da UNIOESTE – Campus Francisco Beltrão. E-mail: juceliaappio@yahoo.com.br
4. Doutora em Educação. Professora da UP. E-mail: ybulgacov@gmail.com