Espacios. Vol. 37 (Nº 24) Año 2016. Pág. 11

Confiança, valores e atitudes em relação à democracia: Uma análise com estudantes universitários

Trust, values and attitudes in relation to democracy: An analysis with university students

André Spuri GARCIA 1; Elaine Santos TEIXEIRA CRUZ 2; Jéssica de Carvalho MACHADO 3; José Roberto PEREIRA 4; Érica Aline Ferreira SILVA 5

Recibido: 14/04/16 • Aprobado: 23/05/2016


Conteúdo

1. Considerações iniciais

2. Referencial teórico

3. Metodologia de pesquisa

4. Resultados e discussão

5. Considerações finais

Referências bibliográficas


RESUMO:

Países com democratização recente enfrentam problemas para consolidar o novo regime político. A confiança é essencial para dar legitimidade às instituições democráticas e estabilidade dos sistemas políticos está relacionada com os valores priorizados pelos indivíduos. O objetivo deste artigo é analisar a confiança, os valores e as atitudes de estudantes universitários em relação à democracia e como essas categorias se relacionam. Os resultados mostram que a confiança nas instituições é baixa, mas que os alunos preferem a democracia. Ainda, os alunos organizam seus valores em quatro sistemas distintos: materialista, pós-materialista, hedonista e religioso.
Palavras-chave: Confiança; Valores; Atitude política.

ABSTRACT:

Countries with recent democratization face problems to consolidate the new political regime. The confidence is essential to give legitimacy to democratic institutions to stability of political systems is related to the priority values by individuals. The purpose of this article is to analyze the trust, values and attitudes of university students about democracy and how these categories are related. The results show that trust in institutions is low, but that students prefer democracy. In addition, students organize their values into four distinct systems: materialist, post materialistic, hedonistic and religious.
Keywords: Confidence; Values; Political attitude.

1. Considerações iniciais

A Constituição da República Federativa do Brasil foi promulgada em 5 de outubro de 1988 com um texto considerado moderno por trazer importantes instrumentos que significam parte do amadurecimento da democracia brasileira. Desta forma, considera-se que a democracia no Brasil é relativamente jovem.

A Constituição de 1988 é um marco, pois forneceu bases mais sólidas para a emergência da democracia. No entanto, alguns autores salientam que a democracia ainda não foi totalmente estabelecida no país e que nossas instituições políticas ainda possuem traços autoritários. Nesse sentido, o simples fato de votar e ter garantia de direitos políticos não pode ser confundido com uma democracia plenamente estabelecida, ou com a qualidade da democracia (Melo, 2007; Moisés, 2008). Além disso, o ato de votar não garante legitimidade democrática das instituições (Couto; Arantes, 2006; Barboza; Freire, 2006; Moisés; Carneiro, 2008; Albuquerque, 2011; Viana, 2010; Scherer, 2010).

Os países com recente democratização, como o Brasil e outros países da América Latina, enfrentam alguns problemas em comum. Isso se deve ao fato de que a democracia demanda tempo para se estabelecer plenamente. Com isso, as instituições políticas das novas democracias carregam traços autoritários durante um período após a democratização. Além de traços autoritários, as novas democracias carregam vícios patrimonialistas, personalistas e clientelistas (Moisés; Carneiro, 2008; Moisés, 2008; Scherer, 2010; Gallo, 2014).

Os vícios e traços autoritários, entre outros fatores, fazem com que os indivíduos desconfiem das instituições. Portanto, juntamente com a expansão do regime democrático pelo mundo, observa-se também a desconfiança em relação às próprias instituições democráticas. A falta de confiança nas instituições causa danos à democracia, dificultando sua consolidação (Moisés, 2008; Bauer; Fatke, 2014).

 No caso do Brasil, Moisés (2008, p. 36) acrescenta que "quanto à qualidade da democracia, a situação brasileira aponta para existência de déficits institucionais que afetam princípios básicos como, por exemplo, o primado da lei ou a responsabilização de governos, comprometendo a capacidade do sistema político de responder às expectativas dos cidadãos".

Nesse sentido, é importante compreender os fatores subjacentes à adesão dos diversos grupos sociais aos princípios democráticos e isto passa pela adesão a diversos valores subjacentes a democracia. As atitudes dos indivíduos estão relacionadas com aqueles valores que estes consideram importantes. Portanto, a adesão a valores e princípios democráticos são requisitos importantes para a estabilidade e efetividade de um sistema político democrático (Pereiraet al.,2001; Pereira et al.,2004). A importância de se considerar, para além da confiança e da satisfação, os valores e as atitudes se deve a colocação de Moisés que em sua pesquisa encontrou "existência de conexão entre a ambivalência a respeito de valores políticos, a insatisfação com a democracia e a desconfiança de instituições" (Moisés, 2008, p. 36).

Nesse sentido, o objetivo deste artigo é analisar a confiança, os valores e as atitudes de estudantes universitários em relação à democracia e como essas categorias se relacionam. O artigo está estruturado, além desta introdução, com um referencial teórico sobre confiança nas instituições, valores e atitudes em relação à democracia. Em seguida será apresentado o procedimento metodológico e, após descrever como a pesquisa foi realizada, os resultados serão apresentados e discutidos no capítulo posterior. Por fim, nas considerações finais serão abordados os principais resultados, limitações e indicações de trabalhos futuros.

2. Referencial teórico

Busca-se nesse tópico apresentar o conceito de confiança, mais precisamente, confiança nas instituições democráticas. Em seguida, abordam-se os conceitos de valores e a relação entre valores e atitudes políticas.

2.1 Confiança nas instituições

A confiança pode ser definida, no senso comum, como segurança ou crença em pessoas com as quais se interage e convive. O conceito de confiança tem sido utilizado para explicar fenômenos sociais e políticos. Entendendo a ação econômica como uma ação social, por exemplo, o conceito de confiança pode ser de extrema importância para as teorias econômicas e administrativas (Moisés, 2005).

Em relação a política, a confiança pode ser entendida como um julgamento feito por um indivíduo em relação a uma determinada instituição ou ator político (Bauer; Fatke, 2014) como, por exemplo, partidos políticos, governo nos mais diversos níveis, instituições ligadas diretamente a administração pública, entre outros.

A desconfiança ou descrença dos cidadãos nos políticos e instituições democráticas é assunto investigado em todo mundo (Bauer; Fatke, 2014; Carlin, 2011; Hacek et al., 2013; Miller; Listhaug, 1998, 1990). No Brasil tem-se os estudos seminais de José Álvaro Moisés que procuram demonstrar a variação da confiança ao longo dos anos. O livro de Nye et al. (1997) "Why people don't trust government" é bastante referenciado e procura demonstrar o que afeta a confiança dos indivíduos nas instituições democráticas e no governo de uma forma geral.

Se por um lado observou-se nas últimas décadas, em nível global, a expansão da democracia como forma de governo dominante (Huntington, 1991), por outro lado a descrença em suas instituições também se expandiu. A literatura demonstra que a confiança dos cidadãos nas instituições democráticas está declinando. Essa desconfiança não ocorre somente em novas democracias, como é o caso do Brasil e dos demais países sul-americanos, mas afeta também poliarquias consolidadas há muito tempo (Nye et al., 1997; Moisés, 2005; Power; Jamison, 2005; Miguel, 2008; Ribeiro, 2011). Nesse sentido, Miguel argumenta que:

Os integrantes da elite política, aqueles que ocupam ou almejam ocupar os cargos de poder da estrutura de Estado, são vistos como auto-interessados, oportunistas, inconfiáveis, desprovidos de princípios, egoístas e, mesmo, corruptos. Na atividade política, encontram vantagens pessoais, prebendas, mordomias. Um fosso os separa dos cidadãos comuns, que vivem do próprio trabalho e enfrentam as dificuldades do dia-a-dia. (Miguel, 2008, p. 250)

Se existe um consenso de que os países democráticos sofrem uma crise de desconfiança em suas instituições e em seus políticos, os motivos de tal crise ainda geram debates. Entender as razões para a desconfiança política não é tarefa fácil. Os motivos podem ser distintos se analisados em diferentes contextos. Inglehart (1999) apud Ribeiro (2011) argumenta que a desconfiança surge porque os indivíduos desenvolveram uma capacidade de contestar e criticar as instituições. O desenvolvimento socioeconômico, observado principalmente em países industrialmente avançados, aumentou a capacidade cognitiva dos indivíduos e, com isso, a capacidade de avaliar e contestar as instituições.

Em outra perspectiva, Catterberg e Moreno (2006) argumentam que a desconfiança pode ser entendida como uma desilusão ou um desencanto. Em um momento de transição democrática recente, caso de países da América Latina, a expectativa depositada no novo regime pode ser bastante alta. Altas expectativas com o novo regime geram níveis altos de confiança e aprovação. Entretanto, depois de implementado, o novo regime não consegue atender todas as expectativas nele depositadas, seja por ineficiência ou por fatores contingenciais externos, de tal forma que a confiança começa a declinar. Portanto, nesse sentido a desconfiança pode ser entendida como um excesso de otimismo que foi frustrado (Catterberg; Moreno, 2006; Moisés, 2005; Miguel, 2008; Ribeiro, 2011).

Moisés (2005, 2008) segue nessa mesma linha. O autor argumenta que as instituições possuem determinadas funções a serem desempenhadas, ou seja, as instituições existem para um determinado fim (Moisés, 2010; Ribeiro, 2011). A desconfiança surge, portanto, quando "os cidadãos percebem as instituições como algo diferente, senão oposto, àquilo para o qual existem" (Moisés, 2005, p. 34).

Outra vertente salienta que a desconfiança está relacionada com informação. De acordo com esta vertente, os cidadãos avaliam políticos e instituições de acordo com as informações que recebem dos meios de comunicação. Esses meios de comunicação são acusados de viés negativo, ou seja, de informar apenas o que acontece de negativo nas instituições e com os políticos (Power; Jamison, 2005; Miguel, 2008; Matos, 2011).

Nessa mesma perspectiva, Miguel (2008) afirma que os meios de comunicação cumprem um papel fundamental na formação da confiança dos cidadãos, pois considera que é por eles que o público é influenciado de alguma forma. Como embasamento a afirmação anterior, o autor exemplifica que "se a televisão cobrisse a atuação de George Washington da mesma forma como faz com os presidentes de hoje, a lenda do homem de integridade intransigente nunca se teria firmado" (Miguel, 2008, p. 259).

Com uma vertente diferente, Power e Jamison (2005) argumentam que a confiança é uma função do desenho das instituições políticas. Se o desenho de uma instituição política faz com que os cidadãos vejam as autoridades como distantes e, consequentemente, impossíveis de serem cobradas, ou até mesmo responsabilizadas, a confiança nesta instituição diminui (Power E Jamison, 2005).

Independente de como emerge a desconfiança/descrença é importante salientar que esta causa danos à democracia (Moisés, 2008; Bauer; Fatke, 2014, Miller; Listhaug, 1998). Para que a democracia seja consolidada é importante que o público acredite nas instituições democráticas e acredite também que o regime democrático seja a melhor forma de governo possível. Segundo Weber, a legitimidade que os cidadãos atribuem às instituições é fundamental para o bom funcionamento de qualquer regime político (Moisés, 2008).

Neste mesmo sentido, Bauer e Fatke (2014) salientam que a confiança é um elemento essencial para o funcionamento dos sistemas democráticos. A confiança é o óleo que lubrifica a máquina política. Miller e Listhaug (1998), corroborando com esta visão, vão dizer que a confiança é importante para fornecer vitalidade aos sistemas democráticos.

2.2 Sistema de valores e atitudes em relação à democracia

Nos últimos anos os estudos sobre os valores sociais despertaram interesse de pesquisadores de diversas áreas. Esse interesse fundamenta-se na ideia de que os valores que os indivíduos priorizam são centrais na organização dos grupos sociais e direcionam suas atitudes (Pereiraet al., 2001; Pereira et al.,2004; Pereiraet al.,2004).

Nesse sentido, os valores podem ser considerados centrais na construção e manutenção dos sistemas políticos.

O papel político dos valores é tão fundamental que se pode afirmar que os sistemas políticos se desenvolvem a partir da hierarquização dos valores numa sociedade e sua interpretação é possível através dos valores coletivos que os sustentam. As tentativas teóricas de análise da política, desde Aristóteles até os dias atuais, procuram localizar um valor ou um conjunto de valores que seja universal nas relações sociais (Pereira et al., 2001, p. 177).

Ainda nessa lógica, Fernandes (2009) salienta que

Os valores psicossociais, fundamentalmente, orientam ações, escolhas, julgamentos, atitudes e explicações sociais. Ao se abordar tais valores associados à política, seu papel essencial é evidenciado, permitindo que se analise o posicionamento político a partir da hierarquização dos valores pela sociedade, ou mesmo a partir dos sistemas ideológicos (Fernandes, 2009, p. 227).

Schwartz é um pesquisador que se debruçou sobre o tema dos valores. Para este autor, "os valores são representantes cognitivos de um conjunto de necessidades universais na natureza humana. Eles são metas individuais transituacionais que expressam interesses concernentes a um tipo motivacional." (Pereiraet al., 2004, p. 505). Ainda para Schwartz apud Pereira et al (2001), existem dez valores universais nas relações sociais: poder, realização, hedonismo, estimulação, auto-direção, universalismo, benevolência, tradição, conformidade e segurança.

Para Inglehart (1994), outro pesquisador interessado nos valores, estes representam mudanças culturais que aconteceram na história das sociedades. Nesse sentido, ainda segundo Inglehart (1994) citado porPereira et al. (2004) os valores materialistas surgiram com a mudança da sociedade feudal para sociedade capitalista. Dessa forma,

[...] as sociedades que ainda não solucionaram problemas sociais básicos dão mais importância às metas materialistas, enquanto as sociedades que atingiram certo grau de resolução desses problemas valorizam as metas pós-materialistas (Pereiraet al., 2004, p. 506).

Rokeach (1973) citado porPereira et al. (2005, p. 2) "define os valores como crenças duradouras sobre os comportamentos ou sobre os estados finais de existência que são mais adequados como princípios que guiam a vida dos indivíduos".

Tem se desenvolvido no Brasil uma tentativa de integrar a abordagem motivacional de Schwartz com a abordagem sociológica de Inglehart (Pereira et al.,2005; Barros et al.,2009; Fernandes, 2009). Nesse sentido, "a fonte dos valores está nas identidades ideológicas que orientam os interesses dos grupos e não nas necessidades individuais, como foi sugerido nas abordagens psicológicas do estudo dos valores" (Barros et al., 2009, p. 50). Na tentativa de unir as abordagens de Schwartz e Inglehart, Pereira et al. (2003) apud Pereira et al. (2004) desenvolveram o QVP-24. Trata-se de um questionário que lista 24 valores, fundamentados teoricamente nas abordagens motivacionais e sociológicas de Schwartz e Inglehart, respectivamente.

3. Metodologia de pesquisa

A pesquisa desenvolvida é descritiva, quantitativa e foi realizada com universitários de uma universidade federal de Minas Gerais. A amostra não-probabilística foi composta por 104 alunos. Os questionários foram aplicados online via Web Survey utilizando o recurso form do Google Docs®. No recurso Web Survey do Google Docs são gerados gratuitamente formulários de pesquisas e esses formulários são acessados por meio de links da internet pelos respondentes. Além disso, o questionário foi aplicado fisicamente em salas de aulas e biblioteca da universidade.

Para avaliar a confiança nas instituições democráticas foram realizadas perguntas em forma de escala onde o respondente atribuía um grau de confiança que variava de 1 (nenhuma confiança) até 5 (muita confiança). De posse das respostas foram realizadas análises de média, moda e mediana para avaliar grau de confiança nas instituições. Além disso, foram realizadas comparações de médias para avaliar se determinado grupo (sexo, por exemplo) confia mais nas instituições que outro grupo.

Os valores foram elaborados com base no questionário QVP-24. Este questionário apresenta 24 valores e os respondentes atribuem uma nota de importância que varia de 1 a 5, onde 1 significa que o fator não tem nenhuma importância para a construção de uma sociedade ideal e 5 significa que o fator é muito importante para a construção de uma sociedade ideal. Com o intuito de agrupar os valores para formar sistemas de valores foram utilizadas duas técnicas estatísticas: Hierarchical Cluster Analysis (HCA) e Multidimensional Scaling (MDS).

A atitude em relação à democracia foi medida pelo questionário EARD-30, desenvolvido por Pereira et al.(2001). Este questionário é composto por 30 afirmações, sendo 15 positivamente relacionadas com a democracia e 15 positivamente relacionadas com a ditadura, onde o respondente diz se concorda totalmente ou discorda totalmente da afirmação, em uma escala que varia de 1 a 5. Para validar este questionário utiliza-se uma análise fatorial com o objetivo de encontrar um único fator bipolar que contraponha democracia-ditadura por meio de cargas fatoriais.

4. Resultados e discussão

4.1. Análise geral e confiança nas instituições

A Tabela 1 diz respeito ao perfil dos participantes e mostra a distribuição de frequência para algumas características dos mesmos. Observa-se que 51% dos respondentes são do sexo masculino; 51% dos respondentes possuem algum parente que é servidor público; 44,2% dos respondentes participaram das manifestações de junho de 2013. E, por fim, que 52,9% dos respondentes não estão satisfeitos com os resultados da última eleição.

Tabela 1: Perfil dos participantes

Questão

Níveis

Frequência

Porcentagem

Sexo

Masculino

53

51,0

Feminino

51

49,0

Renda Mensal

Menos de R$1000

3

2,9

De R$1000 a R$2000

24

23,1

De R$2000 a R$3000

22

21,2

Mais de R$3000

46

44,2

Não sabe

9

8,7

Possui algum parente

 servidor público

Sim

53

51,0

Não

51

49,0

Participou das manifestações

(junho de 2013)

Sim

46

44,2

Não

58

55,8

Esta satisfeito com o resultado da última eleição presidencial

Sim

49

47,1

Não

55

52,9

Fonte: Elaborado pelos autores.

A Tabela 2 permite analisar a confiança nas instituições democráticas apresentadas no questionário. Observa-se que a confiança nas instituições é relativamente baixa, com médias abaixo de 3 em uma escala de 1 a 5. É importante ressaltar que os movimentos sociais obtiveram a maior média de confiança dentre as instituições democráticas analisadas neste estudo. Diante desse resultado, observa-se que as instituições políticas tradicionais apresentam um declínio em detrimento de outras novas formas de atuação que têm, atualmente, emergido com grande força, como é o caso dos movimentos sociais (Ribeiro, 2007; Inglehart; Welzel, 2005). Nesse sentido, a confiança nos movimentos sociais pode ter sido afetada principalmente pelas movimentações das Jornadas de Junho de 2013. A baixa confiança nas instituições, principalmente relacionadas aos governos, congresso e partidos políticos está diretamente relacionada às próprias manifestações, afinal, "as diversas reivindicações revelam uma desconfiança em relação ao sistema político e as instituições democráticas" (Alcântara et al., 2014, p. 2).

Tabela 2: Confiança nas instituições

Instituições

Média

Desvio

Variação

Movimentos Sociais

3,13

1,150

37%

Sindicatos

2,75

1,095

40%

Governo Federal

2,70

1,078

40%

Governo Estadual

2,66

1,058

40%

Senado

2,44

0,954

39%

Câmara dos vereadores

2,43

1,156

47%

Câmara dos deputados estaduais

2,38

1,007

42%

Câmara dos deputados federais

2,33

1,019

44%

Governo Municipal

2,21

1,146

52%

Partidos Políticos

1,82

0,932

51%

Fonte: Elaborado pelos autores.

Importante ressaltar que partido político foi a instituição democrática com menor índice de confiança. Nas Jornadas de Junho de 2013 isso ficou visível quando se afirmava que "os partidos não representavam a vontade dos cidadãos" (Alcântara et al., p. 12). Segundo Rubio (2005), um dos fatores que mais contribuem para a desconfiança nos partidos políticos é a corrupção. Se considerarmos o estudo "Barômetro Global da Corrupção" [6], perceberemos que os partidos políticos são considerados a instituição mais corrupta pelos brasileiros, bem a frente das demais instituições [7]. Rubio (2005) acredita na tese de que o financiamento público de campanha causa uma estatização dos partidos, distanciando-os da população, agravando a desconfiança nestes. Baquero e Vasconcelos (2013) acrescentam ainda que os partidos políticos, em democracias recentes, carregam traços históricos como o personalismo e o particularismo e, ademais, não possuem interesse em criar raízes ideológicas consistentes. Nesse sentido, os autores apresentam algumas respostas sobre a inibição do fortalecimento dos partidos:

Compreendemos que entre os principais constrangimentos que inibem o fortalecimento dos partidos estão: (1) os partidos no Brasil são predominantemente de caráter regional. [...] (2) em decorrência dessa regionalidade, os partidos têm estruturas nacionais frágeis [...] (3) apresentam um reduzido índice de identificação partidária, ou seja, não há incentivo [...] (4) possuem uma ideologia hibrida que não catalisa identidades coletivas fortes. [...] (5) têm curta duração. (Baquero; Vasconcelos, 2013, p. 6)

Foram realizadas comparações de média (Teste t para duas médias independentes) para avaliar se um determinado sexo possui maior confiança que o outro, mas os resultados não demonstraram grande diferença nas médias entre homens e mulheres. Foram realizadas também comparações de média (Análise de variância - Anova) para observar se a confiança varia para diferentes níveis de renda, mas os resultados também não mostraram diferenças significativas. Observa-se, portanto, que a desconfiança nas instituições é geral, independente do sexo e da renda - levando em consideração a amostra de universitários delimitada nesta pesquisa.

Em relação a questão "Está satisfeito com o resultado da última eleição presidencial", por meio do Teste t para duas médias independentes identificou-se diferença significativa em algumas das instituições. Observou-se que em relação ao Governo Federal e aos Movimentos Sociais houve maior média de confiança para quem está satisfeito com resultado da última eleição presidencial.

Por fim, realizou-se também uma comparação de média (Teste t para duas médias independentes) para avaliar se pessoas que possuem parente servidor público tendem a confiar mais nas instituições. Como esperado, a média de confiança dos respondentes que possuem algum parente servidor público é ligeiramente maior para quase todas as instituições, no entanto, a diferença não é significativa a 1% de probabilidade. Em relação à questão "Participou das manifestações (junho de 2013)" não houve diferença significativa. No entanto, a maior discrepância foi em relação ao Governo Federal indicando que quem participou das manifestações afirmou, em média, confiar mais (2,87) do que quem não participou (2,50). Esse resultado pode indicar que as manifestações não foram contra o Governo em si, mas em busca de instituições mais confiáveis e efetivas (Nobre, 2013).

4.2 Análise dos valores

Assim como o estudo de Pereira et al.(2004), este estudo utilizou as técnicas de Hierarchical Cluster Analysis (HCA) e Multidimensional Scaling (MDS) para dividir os valores em grupos/clusters distintos. A divisão dos valores em subgrupos demonstrou a existência de quatro clusters, resultado também encontrado em Pereira et al.(2004).  A tabela a seguir (tabela 3) mostra em qual cluster um determinado valor se encontra.

Tabela 3:  Sistemas de valores e os valores que os compõem, respectivamente

Cluster

Valores

Média

Pós-materialista

Alegria; amor; auto-realização; conforto; competência; dedicação ao trabalho; fraternidade; igualdade; justiça social; liberdade; prazer; realização profissional; responsabilidade

4,48

Materialista

Autoridade; lucro; riqueza;

3,17

Religioso

Temor a Deus; salvação da alma; religiosidade; obediência as leis de Deus

2,92

Hedonista

Vida excitante; status; sensualidade; sexualidade

2,62

Fonte: Elaborado pelos autores.

Os resultados encontrados assemelham-se bastante aos resultados encontrados por Pereira et al.(2004). Os valores obediência as leis de Deus, religiosidade, salvação da alma e temor a Deus formam um cluster que Pereira et al.(2004) chamou de sistema de valores religiosos. Os valores riqueza, autoridade e lucro formam o sistema de valores materialistas. Os valores sensualidade, sexualidade, status e uma vida excitante formam o sistema de valores hedonistas. Por fim, os valores alegria, amor, autor-realização, competência, conforto, dedicação ao trabalho, fraternidade, justiça social, igualdade, liberdade, prazer, realização profissional e responsabilidade formam o sistema de valores pós-materialista. Importante ressaltar que o trabalho de Pereira et al. (2004) encontrou alguns resultados diferentes.  Esta diferença pode derivar da diferença de escala utilizada e também da diferença no tamanho das amostras. Em seu trabalho o valor prazer encontra-se no sistema hedonista, enquanto o valor status está situado no sistema materialista. Como a diferença é pequena, optou-se por utilizar a mesma nomenclatura utilizada pelos autores. Além disso, prazer pode ser incluído na categoria de bem-estar individual, fazendo parte de um sistema pós-materialista.

A figura abaixo (Figura 1) é o resultado do multidimensional scaling (MDS) (escalamento multidimensional). Esta técnica utiliza a distância euclidiana entre as variáveis e permite observar quais delas estão próximas umas das outras. A técnica foi utilizada para reforçar a análise de cluster.

Figura 1: Resultado do Multidimensional Scaling.

Fonte: Elaborado pelos autores.

É possível observar através da figura 1 como os valores que formam os sistemas de valores (hedonista, religioso, materialista e pós-materialistas) encontram-se próximos no plano bidimensional.

A tabela abaixo (Tabela 4) mostra a média de importância atribuída a cada valor do QVP-24. Pereira et al.(2004) utilizam uma escala que varia de 1 a 10, enquanto neste estudo utilizou-se uma escala que varia de 1 a 5. Observa-se que as cinco menores médias estão relacionadas com valores hedonistas e religiosos. Isso pode ser justificado pela crise de valores e atitudes religiosas que a pós-modernidade tem enfrentado. Nesse sentido, ocorre a secularização das explicações religiosas que passam a ser substituídas pela mentalidade que enfatiza aspectos funcionais, mensuráveis e previsíveis da realidade natural, ou seja, são substituídas pela ciência racionalista (Del Riesgo, 1989). Habermas (2012), amparado em sua leitura de Weber, demonstra que a racionalização do mundo, a saída de um mundo encantado, trouxe a perda de valores religiosos.

Tabela 4: Média e mediana da importância atribuída aos valores

Valores

Média

Desvio

Variação

Responsabilidade

4,85

0,388

8%

Justiça Social

4,63

0,764

16%

Liberdade

4,62

0,612

13%

Competência

4,61

0,660

14%

Amor

4,56

0,708

16%

Realização Profissional

4,56

0,735

16%

Dedicação ao trabalho

4,51

0,763

17%

Fraternidade

4,51

0,763

17%

Igualdade

4,45

0,880

20%

Alegria

4,38

0,815

19%

Auto-Realização

4,38

0,815

19%

Conforto

4,12

0,998

24%

Prazer

4,05

0,928

23%

Lucro

3,28

1,127

34%

Autoridade

3,27

1,151

35%

Obediência as leis de Deus

3,13

1,558

50%

Religiosidade

3,13

1,428

46%

Vida excitante

2,99

1,273

43%

Riqueza

2,95

1,018

34%

Sexualidade

2,87

1,380

48%

Temor a Deus

2,82

1,641

58%

Salvação da alma

2,59

1,580

61%

Sensualidade

2,39

1,303

54%

Status

2,23

1,192

53%

Fonte: Elaborado pelos autores.

As treze maiores médias são os valores que compõem sistema pós-materialista. Importante ressaltar que apenas o sistema de valores pós-materialista obteve média acima de 4, bem maior que a média dos demais sistemas de valores. Esse resultado pode ser fundamentado pelos estudos de Ribeiro (2008) ao afirmar que o sistema pós-materialista é composto por um conjunto de mudanças culturais que permite o desenvolvimento de uma postura participativa e crítica pelos cidadãos, que seria, dessa forma, correspondente aos processos de fortalecimento e amplificação da democracia.

4.3 Atitudes em relação à democracia

Como já citado, o EARD-30 é composto de trinta afirmações que contrapõem democracia e ditadura. Portanto, quinze afirmações estão relacionadas positivamente com a democracia e quinze afirmações estão relacionadas positivamente com a ditadura. Consequentemente, através das respostas é possível observar se determinado respondente é favorável a ditadura ou a democracia.

Para testar a validade deste questionário utilizou-se uma análise fatorial com o objetivo de se encontrar um único fator bipolar que contraponha democracia-ditadura. Observou-se a existência de oito fatores (considerando fatores com eigenvalue acima de 1). Entretanto, apenas um destes fatores é bipolar. Esse fator explica 29,7% da variância e possui um eigenvalue de 8,9. Esse fator organiza, no polo negativo (carga negativa), as afirmações favoráveis a democracia e no polo positivo as afirmações favoráveis a ditadura, conforme mostra a tabela 5.

Tabela 5: Afirmações favoráveis a democracia e afirmações favoráveis a ditadura

Atitudes

Média

Desvio

Carga

Eu prefiro os ideais democráticos

4,25

,84

-,56

A democracia é essencial para o bom funcionamento do nosso país

4,53

,74

-,53

A democracia é o melhor regime político para o nosso país

4,10

,97

-,50

Acredito que na democracia as pessoas poderão se desenvolver plenamente

3,48

1,12

-,50

A democracia é a esperança para o nosso país

3,38

1,17

-,44

O regime democrático é eficaz

3,32

1,05

-,42

A democracia no Brasil favorecerá ao nosso desenvolvimento cultural

3,51

1,24

-,39

Acredito que a democracia tem que ser realmente estabelecida em nosso país

4,37

,88

-,36

As eleições são necessárias para se ter um bom governo

3,57

1,40

-,34

Apenas a democracia garante a liberdade de escolha do indivíduo

3,44

1,31

-,33

A democracia é um regime político competente

3,33

1,16

-,32

Quando o Brasil for democrático as pessoas poderão viver tranquilamente

3,11

1,17

-,30

Com a democracia teremos a garantia da igualdade de condições para todos

2,75

1,30

-,25

Na democracia as condições de realização pessoal são garantidas

2,85

1,20

-,22

A participação de todos nas decisões políticas resolveria os problemas sociais

3,15

1,33

-,22

O que falam sobre a ditadura militar é falso

2,11

1,15

,28

A defesa dos ideais democráticos leva a desordem social

1,98

1,05

,47

Na época da ditadura militar o Brasil era um país socialmente justo

1,39

,70

,51

Na ditadura as necessidades básicas da sociedade são realmente satisfeitas

1,74

1,03

,57

O nosso país crescerá quando o poder ficar nas mãos de uma autoridade forte

1,69

1,05

,59

Na ditadura os direitos dos cidadãos são realmente satisfeitos

1,23

,51

,62

Se estivéssemos numa ditadura não haveria tanta pobreza em nosso país

1,42

,76

,66

Se uma única pessoa mandasse na política, haveria ordem social no Brasil

1,43

,82

,72

É melhor uma ditadura competente do que uma democracia incompetente

2,05

1,26

,74

Uma ditadura forte acabaria com os problemas de nosso país

1,37

,78

,75

A ditadura militar deveria voltar

1,31

,73

,75

Eu prefiro a ditadura

1,26

,74

,76

Apenas uma ditadura organizaria o nosso país

1,38

,73

,77

A ditadura é eficaz para resolver os problemas do Brasil                                         

1,38

,78

,77

A ditadura é necessária para o crescimento do Brasil

1,34

,69

,79

Fonte: Elaborado pelos autores

É importante destacar que os valores democráticos apresentaram as maiores médias, com isso destacamos com Robert Dahl as "consequências desejáveis" que o sistema democrático oferece: evita a tirania; direitos essenciais; liberdade geral; autodeterminação; autonomia moral; desenvolvimento humano; proteção dos interesses pessoais essenciais; igualdade política; prosperidade; busca pela paz (Dahl, 2001, p. 58). É possível observar também que, mesmo desconfiando das instituições democráticas os respondentes preferem a democracia em detrimento de um regime ditatorial.

5. Considerações finais

A partir dos resultados observa-se que a confiança nas instituições democráticas é considerada baixa. Este resultado pode estar vinculado ao recente processo de democratização política. Aliado a isto, nossa democracia foi antecedida por períodos autoritários. É importante observar que a confiança nos movimentos sociais é maior que nas instituições políticas, o que pode significar que a desconfiança é maior nos políticos do que nas próprias instituições. Apesar da desconfiança nas instituições, as respostas ao EARD-30 mostram que os alunos preferem uma democracia do que a volta a ditadura.

Os valores foram divididos em quatro clusters, como encontrado em outros estudos (Pereiraet al.,2004; Barros et al., 2009). Esses clusters foram chamados de sistemas de valores: sistema materialista, sistema pós-materialista, sistema hedonista e sistema religioso. Observou-se que os valores que compõem o sistema pós-materialista são considerados os mais importantes para a construção de uma sociedade ideal, em detrimento dos valores religiosos e hedonistas. As variáveis do EARD-30 foram reduzidas por meio de uma análise fatorial, que mostrou um único fator bipolar, resultado encontrado também em Pereiraet al.(2004).

A pesquisa é limitada devido ao número de entrevistados e devido ao fato de a amostra ser não probabilística. Entretanto, os resultados podem indicar hipóteses importantes. Investigar os motivos da desconfiança dos universitários, realizar a pesquisa com uma amostra maior e probabilística, investigar o motivo da maior confiança nos movimentos sociais são sugestões de pesquisas. Além disso, uma amostra probabilística maior pode indicar resultados mais significativos e mostrar como os valores influenciam a atitude em relação a democracia.

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1. Universidade Federal de Lavras – UFLA – Brasil – andrespurigarcia@gmail.com
2. Universidade Federal de Lavras – UFLA – Brasil – est_nana@hotmail.com
3. Universidade Federal de Lavras – UFLA – Brasil – jessicaadm11@yahoo.com.br

4. Universidade Federal de Lavras – UFLA – Brasil – jrobertopereira2013@gmail.com

5. Universidade Federal de Lavras – UFLA – Brasil – erica_alline@hotmail.com

6. Transparency International's Global Corruption Barometer is the largest world-wide public opinion survey on corruption. It addresses people's direct experiences with bribery and details their views on corruption in the main institutions in their countries. Significantly, the Barometer also provides insights into how willing and ready people are to act to stop corruption. The 2013 Barometer, the eighth edition, reflects the responses of more than 114,000 people in 107 countries, and offers the greatest country coverage to date." Disponível em: <http://www.transparency.org/gcb2013/in_detail>. Acesso em: 14/04/2015.

7. O "Barômetro Global da corrupção considera as seguintes instituições: legislativo, partidos políticos, militares, setor privado, mídia, entidades religiosas, ONG's, sistema educacional, judiciário, sistema de saúde, polícia, servidores públicos.


Revista Espacios. ISSN 0798 1015
Vol. 37 (Nº 24) Año 2016

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