Espacios. Vol. 37 (Nº 20) Año 2016. Pág. 18

Políticas Públicas e Governança: análise do Programa Nacional de Alimentação Escolar no Sudeste Brasileiro

Public policy and governance: analysis of the National School Feeding Program in southeastern Brazil.

Bruno de Jesus LOPES 1; Sheila Maria DOULA 2

Recibido: 14/0316 • Aprobado: 12/04/2016


Conteúdo

1. Introdução

2. Políticas Públicas e Governança

3. As Novas Políticas para o Rural Brasileiro

4. Metodologia

5. Resultados e Discussão

6. Considerações Finais

Referências Bibliográficas


RESUMO:

Este artigo objetiva analisar a implementação do Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE) nos estados da região Sudeste do Brasil. O método utilizado foi a análise documental dos Relatórios da Fiscalização Municipal da Controladoria Geral da União. Como resultado, foram identificadas deficiências vão do início ao fim do programa, com limitações que impedem o alcance dos objetivos almejados na gestão, execução e com os Conselhos de Alimentação Escolar.
Palavras-Chave: Política Pública; Governança; Agricultura Familiar; PNAE; Controladoria Geral da União

ABSTRACT:

This paper aims to analyze the implementation of the National School Meal Program (PNAE) in the Southeast region of Brazil. The method used was documentary analysis of Municipal Audit Reports of the General Comptroller Office. As result, it was identified that there were weaknesses in the program ranging from start to finish that, with limitations that prevent the achievement of the desired objectives in the management, execution and the School Feeding Councils.
Keywords: Public Policy; Governance; Family farming; PNAE; the General Comptroller Office

1. Introdução

Embora tenha surgido nos Estados Unidos como área de conhecimento no início do século passado, as políticas públicas têm obtido maior atenção nas últimas décadas, motivada pelas restrições financeiras que foram impostas aos governos, ocasionando a busca por políticas públicas com resultados positivos e eficazes.

O termo políticas públicas possui diferentes conceituações. Para Meny e Thoenig (1992), política pública é o resultado da atividade de uma autoridade investida de poder público e de legitimidade governamental, sendo a política pública o meio pelo qual uma estrutura de governo funciona. De forma semelhante, Teixeira (2002) afirma que políticas públicas são instruções, princípios orientadores de ação do poder público para intervenções entre atores da sociedade e do Estado.

No Brasil, um dos casos mais instigantes para analisar a ação do Estado e a interação com a sociedade são as políticas voltadas para o meio rural do país. Por serem formuladas por agentes diversos e em cenários políticos distintos, as políticas públicas para o rural brasileiro não somente lidam com um dos setores que mais contribuem para a balança comercial do país, mas também é responsável pela segurança alimentar e por geração de emprego e renda. Dadas as dimensões territoriais do país, tais políticas se destinam a populações distribuídas em espaços que apresentam grande diversidade geográfica, socioambiental e cultural. Por conta dessa configuração, as intervenções das políticas públicas podem chegar a resultados não previstos ou mesmo indesejáveis.

Embora as políticas para o rural formuladas na década de 1960 tenham alavancado a produção principalmente das commodities, os agricultores com poucas extensões de terra e dependentes do trabalho familiar foram marginalizados. Destaca-se que nesse período o quadro político brasileiro era constituído por um regime burocrático autoritário com orientação para crescimento econômico somo sinônimo de desenvolvimento.

No período de redemocratização e com o avanço dos movimentos sociais, tais como o movimento sindical liderado pela CONTAG (Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura), as reivindicações por direitos e políticas públicas universais se destacaram e tornaram visíveis as inúmeras fragilidades no tratamento dado até então para os pequenos produtores. Novas políticas, como o Pronaf (Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar), foram criadas com o objetivo de propiciar desenvolvimento social/econômico dessa população.

Com objetivos semelhantes também foram criados os mercados institucionais para escoamento de parte da produção familiar, como o PAA – Programa de Aquisição de Alimentos e o PNAE – Programa Nacional de Alimentação Escolar que, desde 2009, deve destinar 30% de seus recursos para a compra de alimentos da agricultura familiar.

Destaca-se neste artigo que a formulação dessas políticas especificamente voltadas à agricultura familiar coincide no país com a implantação de novas dinâmicas da administração pública como gestora de recursos e executora de programas, principalmente com a adoção da governança pública.

De acordo com Pires (2015), tal mudança significa que há um redirecionamento dos arranjos centrais de estruturas hierárquicas do Estado para arranjos com foco na descentralização e com a participação de diversos atores sociais e mecanismos de coordenação e fiscalização das políticas em configurações mais complexas, nas quais a tomada de decisão e a execução de programas passam a ser distribuídas ou compartilhadas entre atores governamentais e atores não governamentais. A governança pública permite, então, avanços nos programas implementados em relação à gestão, transparência e controle.

Com essa perspectiva, objetiva-se neste artigo analisar a implementação do Programa Nacional de Alimentação Escolar como mecanismo para fortalecimento da Agricultura Familiar. A principal metodologia consiste na Análise Documental dos relatórios de fiscalização municipal da Controladoria Geral da União – CGU, órgão criado com base na Lei Nº 10.683 de 2003 para exercer as atividades de auditoria pública, controle interno, correção, prevenção e combate à corrupção no Brasil.

A "Fiscalização Municipal a Partir de Sorteio Público" visa combater a corrupção e a má administração dos recursos públicos nos municípios brasileiros. Os relatórios provenientes desta fiscalização permitem, além de apurar a aplicação dos recursos financeiros, identificar em âmbito local (o município) outros problemas na implementação das políticas públicas do governo federal. Foram analisados os relatórios sobre o PNAE referentes à aquisição de alimentos da agricultura familiar nos sorteios de número 33 até o 39, que compreendem os anos de 2011 a 2014 nos estados da Região Sudeste do Brasil. 

2. Políticas Públicas e Governança  

De acordo com Secchi (2011), a política pública é uma diretriz elaborada para enfrentar um problema entendido como coletivamente relevante. Kelma (2006) define políticas públicas como um fenômeno complexo, que consiste em decisões tomadas por vários indivíduos e organizações, com variações de acordo com a natureza do sistema político e suas ligações com a sociedade. Para Celina de Souza (2006) o processo de formulação de política pública é aquele através do qual os governos traduzem seus propósitos em programas e ações, que produzirão os resultados ou as mudanças desejadas no mundo real. Devido a essas características, esse sempre foi um campo controverso por ser permeado por conflitos desde a identificação de um problema para criação de uma agenda política até a sua avaliação (FREY, 2000).

Os conflitos nesse processo são construídos em grande parte pelo fato de a política pública ser um sistema de relações entre elaboração e resultados, onde os inputs são recebidos de diversos meios (de partidos políticos, mídias e grupos de interesse da sociedade civil) que exercem pressão nas diferentes etapas do processo, marcando-o pela permanente conflitualidade (EASTON, 1965).

Ressalta-se que o campo das políticas públicas não possui um único modelo para análise e formulação (DYE, 2009); dentre os existentes, cita-se o processual, que defende a política pública como um conjunto de processos político-administrativos, dividido   em   uma   série   de   atividades, etapas, ou ações, definidas de modo a identificar as fases de sua formulação. Deste modo, esse sistema cíclico inicia-se com a identificação do problema e inserção deste na agenda para deliberação e termina com a avaliação da diretriz implementada.

A fase da avaliação pode ser considerada como umas das mais importantes do ciclo, principalmente para a manutenção da política. De acordo com Derlien (2001), a avaliação possui três funções: informação, realocação de recursos e legitimação da política. Segundo Secchi (2011), a avaliação da política pública consiste em apreciar o processo de implementação e seu estado para conhecer o nível de redução do problema originário da própria política.

A fase de avaliação é imprescindível para o desenvolvimento e adaptação contínua das formas e instrumentos de ação pública, ou seja, como "aprendizagem política" (PRITTWITZ, 1994). De acordo com Ala-Harja e Helgason (2000), a avaliação contínua da eficácia, principalmente no que tange à focalização nos beneficiários das ações desempenhadas pelas intervenções governamentais, seria uma das prioridades a serem adotadas para as reformas do setor público.

A avaliação de políticas contribui, além de sua manutenção, para a melhor aplicabilidade dos recursos públicos e como forma de o Estado interagir com a sociedade em seu desenvolvimento. As políticas públicas representam então um campo permeado de grupos e interesses que direcionam as decisões políticas.

No Brasil, após a redemocratização, com a promulgação da Constituição "Cidadã" de 1988 e com novos modelos de gestão pública, busca-se meios para que as políticas sejam plurais e com gestão descentralizada. Dessa forma, destaca-se a importância de apresentar neste trabalho alguns conceitos sobre a governança pública. De acordo com Fico (2004), o termo Governança está diretamente ligado à gestão pública do Estado, tendo ganhado força com a democratização no país após o fim da ditadura militar. Para Fleury (2005), a governança pública como forma plural e com atenção às redes existentes na sociedade é imprescindível para a implementação das políticas públicas e não apenas para sua formulação.

De acordo com Secchi (2009), a governança pública permite interação do governo com a sociedade através de um modelo mais transparente e integrador e reflete em alcance de interesses coletivos através de um envolvimento dos cidadãos na construção de políticas públicas. Peters (2005) conceitua a governança como um modelo de condução mais democrática do Estado e da sociedade. Para ele, a maior abertura e descentralização da administração pública estimula a participação da sociedade e aumenta a confiança dos cidadãos. De acordo com os autores, baseada na democracia e nas noções administrativas de eficiência, uma governança com maior participação dos cidadãos irá gerar maior qualidade na tarefa de governar.

3. As Novas Políticas para o Rural Brasileiro

As políticas de modernização do setor agrícola no Brasil, da década de 1960 e 1970, por estarem embasadas em paradigmas burocráticos, centralizados e orientados para desenvolvimento econômico, contribuíram para o avanço da grande empresa rural ao fortalecer o antes, dentro e depois da porteira, com insumos, custeio e comercialização. No entanto, grupos de pequenos produtores, principalmente aqueles que produziam para subsistência, não foram beneficiados pela política, obrigando-os a procurar o trabalho assalariado nas fazendas de grande porte ou o êxodo para regiões urbanas em busca de outras oportunidades.

De acordo com Wesz Junior et al. (2009), se por um lado a alteração da base técnica modernizou a produção e ampliou a produtividade, de outro causou problemas para a população que permanecia em pequenas propriedades e que não conseguiam se inserir nas políticas de desenvolvimento agrário.

Esse cenário começou a se modificar na década de 1980 com o processo de redemocratização do país, período também marcado por recessão econômica, o que impulsionou o ressurgimento das organizações e de movimentos sociais,  inclusive da população rural, alguns com representações nacionais e outros de ação regional ou local (SCHNEIDER, 2010).

De acordo com Grisa e Schneider (2014), no âmbito da agricultura familiar, dentre os movimentos sociais que se fizeram presentes além da CONTAG destacam-se: a criação da Central Única dos Trabalhadores (CUT) em 1983 e, nesta, a conformação do Departamento Nacional de Trabalhadores Rurais (DNTR) em 1988; a constituição do Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST) em 1984; a institucionalização do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB) em 1991 e a criação do Conselho Nacional dos Seringueiros (CNS) em 1985.

Esses grupos, além de denunciarem publicamente as mazelas do rural brasileiro, pressionaram o Estado por políticas públicas que incluíssem demandas de diversos setores. De acordo com Favareto (2006), a legitimação da Agricultura Familiar como categoria política está relacionada ao fortalecimento do setor e à recomposição dos movimentos sociais ligados à defesa dos camponeses nas duas últimas décadas do século XX.

Na década de 1990, com as novas orientações políticas e a força das mobilizações sociais, tem início uma etapa inédita para as políticas focalizadas no pequeno produtor rural e nas populações extrativistas.

Assim, destaca-se a criação do PRONAF, um programa que reconhece e legitima a categoria social dos Agricultores Familiares (SCHNEIDER, MATTEI E CAZELLA, 2004) e também a criação dos mercados institucionais, voltados para escoamento da produção da agricultura familiar. No âmbito dessas ações destacam-se o Programa de Aquisição de Alimentos – PAA e o Programa Nacional de Alimentação Escolar – PNAE.

O PAA foi instituído pelo art. 19 da Lei nº 10.696, de 2 de julho de 2003, com a finalidade de incentivar a agricultura familiar com inclusão econômica e social, com fomento à produção, ao processamento e industrialização de alimentos e à geração de renda.

O PNAE, uma política pública da década de 1950, objetiva fornecer alimentação aos estudantes com refeições saudáveis e balanceadas nas escolas. Em 2009, diante da experiência acumulada com o PAA, foi criada a lei 11.947, segundo a qual os municípios que recebem os recursos do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação – FNDE são obrigados a destinar no mínimo 30% do montante para a aquisição de gêneros alimentícios da agricultura familiar para alimentar os alunos.

Nestes termos, a lei criada em 2009 no âmbito do PNAE teve como foco o desenvolvimento rural local através da compra de alimentos produzidos por agricultores do próprio município e região, com limite anual no valor de R$ 20.000,00 (cerca de 5.000 Dólares na cotação de janeiro de 2016) por agricultor.

A compra dos alimentos é realizada com os recursos repassados do Fundo para os municípios que podem administrá-los de forma centralizada ou transferi-los para as Unidades Executoras, que são as entidades sem fins lucrativos que representam as escolas no processo de compra ou as próprias escolas. A compra dos produtos da agricultura familiar deve ser realizada por chamada pública, como apresentado pela Lei 12.188/2010, que dispensa o processo licitatório e destaca as obrigações dessa modalidade. Os produtos comprados são os indicados pelos nutricionistas cadastrados no programa que analisam o potencial agrícola da região e elaboram o cardápio.

Em relação ao processo de fiscalização, seguindo as tendências de governança pública, é imprescindível a participação da sociedade nos Conselhos de Alimentação Escolar (CAE), órgão de controle social para acompanhar as políticas relacionadas ao PNAE.

Seguindo a definição de Secchi (2009) sobre a governança pública como propulsora na interação do governo com a sociedade em busca de um modelo mais transparente e integrador, destacam-se os Conselhos de Políticas Públicas, que são instituições híbridas formadas por membros da sociedade civil e do Estado no compartilhamento das decisões acerca de uma determinada política (GOHN, 2000). De acordo com Gohn (2000) e na mesma linha de Secchi (2009), quando o conselho é ocupado efetivamente, pode imprimir um novo formato às políticas sociais, pois se relaciona ao processo de formação das políticas e à tomada de decisão, agindo como ator participativo no processo de políticas públicas. 

4. Metodologia

Este estudo é caracterizado como uma pesquisa qualitativa e utiliza-se como ferramenta metodológica a análise documental dos relatórios de Fiscalização Municipal da Controladoria Geral da União. Esse método de pesquisa, segundo Neves (1996) e Gil (2008), consiste no exame de materiais que ainda não receberam um tratamento analítico ou que podem ser reexaminados com vistas a uma interpretação nova ou complementar.

O corpus do trabalho consistiu em 70 relatórios do Programa de Fiscalização Municipal por Sorteio Público da CGU, sendo 30 de Minas Gerais, 28 do Estado de São Paulo, 6 do Espírito Santo e 6 do Rio de Janeiro, compreendendo os sorteios de número 34 ao 39 (2011-2014).

O sorteio, executado pela loteria federal, seleciona em média 60 municípios brasileiros por ano para fiscalização. Nesta, são levantadas informações sobre os programas que utilizam recursos federais com o intuito de constatar, por exemplo, situações como corrupção, má execução do programa, gestão ineficiente de recursos e, nos casos em que se faz presente, o controle social sobre a política pelos conselhos.

A amostra para análise abarca os quatro estados do sudeste brasileiro onde habitam 80.364.410 pessoas, sendo São Paulo o estado com o maior percentual de habitantes com 51,30% do total regional. O Sudeste possui, segundo o Censo Agropecuário de 2006, último realizado no país, 1.657.572 domicílios rurais, dos quais 699.978 são classificados com estabelecimentos da Agricultura Familiar, com a maior parcela destes no estado de Minas Gerais com 437.415 estabelecimentos.         

5. Resultados e Discussão

Ao analisar a implementação do Programa PNAE na região sudeste do Brasil a partir dos relatórios da CGU, foi possível constatar três ocorrências prejudiciais ao programa: no processo de compra e gestão dos recursos, com os profissionais nutricionistas do programa e as fragilidades que bloqueiam o bom funcionamento dos Conselhos de Alimentação Escolar (CAE). Ao todo foram identificadas 85 ocorrências nos 70 relatórios analisados, sendo que em 24 desses não haviam informações sobre aspectos negativos do programa PNAE.  A maior parte das ocorrências identificadas estavam relacionadas aos Conselhos de Alimentação Escolar, representando 48,20% do total.

De acordo com Santos et al. (2012) são problemas na execução do PNAE: 1) o desconhecimento, por parte dos gestores públicos, da existência de empreendimentos da agricultura familiar no município (este problema pode estar relacionado à falta de nutricionistas ligados ao programa para fazer um diagnóstico da região e de sua produção); 2) editais para aquisição de gêneros alimentícios da agricultura familiar que não estão ligados à produção local; 3) editais de chamadas públicas com grandes volumes de produtos, o que mostra o receio de não se obter o suficiente para a demanda e 4) os preços que são, em muito, definidos com base no PAA. Figueiredo e Freitas (2015), ao estudarem o PAA em um município de Minas Gerais, também identificaram que grande parte dos agricultores desconhecia o programa.

Em relação à gestão do PNAE, o estado de São Paulo foi o que mais apresentou ocorrências. Em alguns casos, a compra não alcançou ao menos 10% dos recursos disponíveis. Em Minas Gerais apenas dois municípios apresentaram a mesma falha. Em uma dessas, por não conseguir encontrar agricultores para participar do processo de aquisição de alimentos em um determinado ano, o município simplesmente deixou de executar o programa, demonstrando assim o descompromisso com a política, como já apontado em outro estudo realizado por Prado et al. (2013), que identificaram dificuldades para que o percentual mínimo fosse alcançado.

Ainda no âmbito da gestão, foram encontrados outros problemas ligados à compra de produtos da agricultura familiar. Destaca-se esse processo no estado de Minas Gerais. Foram encontradas inconformidades nos editais da chamada pública, o que pode denunciar um relativo despreparo dos encarregados de executar o processo ao desconsiderarem as normas vigentes ou um descaso com a compra dos produtos da agricultura familiar. Com exceção de um relatório, não foram encontrados relatos onde o poder executivo buscou formas de motivar os agricultores a participarem do processo.

O outro ponto referente à implementação da política pública é a contração dos profissionais nutricionistas e técnicos para funcionamento do PNAE. De acordo com a Resolução 465/2010 do Conselho Federal de Nutricionista, para melhor execução do programa os munícipios devem conter no quadro de profissionais contratados exclusivamente para o PNAE um número determinado de nutricionistas e técnicos em nutrição com a carga horária de 30 horas semanais.

Segundo os relatórios da CGU, em 29 municípios estudados pela fiscalização haviam poucos profissionais para o atendimento de um grande número de alunos. Em São Paulo, os municípios fiscalizados contavam ao menos com um profissional para atender a toda demanda, destacando-se um município onde havia somente um nutricionista para atender a 28.848 alunos.

Para executar o processo de compra, nos editais das chamadas públicas devem constar os alimentos a serem adquiridos, os prazos para aquisição e as diretrizes sobre a qualidade dos produtos. Assim, a ausência dos profissionais nutricionistas impede o andamento correto da política e a continuidade do processo, já que é responsabilidade dos nutricionistas apresentarem o cardápio e o que deve ser licitado junto aos produtores familiares. Esse problema na implementação da política também foi observado por Santos et al. (2012).

Dentre as barreiras encontradas no programa como algumas limitações ligadas à lei do PNAE, das quais a quantidade a ser adquirida de cada agricultor e o período reduzido do ano para que a compra seja realizada (apenas nos 200 dias letivos escolares). Tais ocorrências impossibilitam que a política alcance os objetivos propostos por essa como mercado institucional. No caso da escassez de profissionais nutricionistas, o programa se distancia ainda mais do objetivo do PNAE, em vista que são esses que avaliam o potencial agrícola do município e região e elaboram o cardápio com base nessa disponibilidade.

Em alguns casos, o poder executivo reconheceu a falta de nutricionistas e se comprometeu a contratar novos profissionais. Em outros, como no caso do Estado do Espírito Santo, a prefeitura alegou que o município não possui orçamento suficiente para contratação; na mesma linha, em outro relatório o poder executivo declarou que esta exigência existe apenas por ser uma política construída pelo Conselho Federal de Nutricionistas que a utiliza como forma de empregar esses profissionais, ou seja, em um jogo de interesse, alegação essa refutada pela CGU. Por não ser foco deste estudo, esse jogo de interesses não será aprofundado aqui, mas deve ser mencionado como elemento inerente à formulação e execução das políticas públicas.

Em relação às alegações de não possuir verbas orçamentárias para a contratação de novos servidores no quadro de algumas prefeituras, ressalta-se a importância do controle sobre a utilização de recursos para execução das diversas diretrizes existentes, confirmando-se assim a necessidade de fiscalização financeira das políticas públicas, como afirmado por Ala-Harja e Helgason (2000).

Os últimos aspectos analisados com base nos Relatórios da Controladoria Geral da União referem-se as atividades do Conselhos de Alimentação Escolar.  Ressalta-se, como apontado por Gohn (2009), que o bom funcionamento dos conselhos poderiam auxiliar o melhor acompanhamento das políticas públicas. Nesse aspecto, as ocorrências encontradas pela CGU poderiam ser sanadas previamente com a atuação eficiente dos Conselhos de Alimentação Escolar - CAE.

O bom funcionamento do CAE depende de um fluxo de comunicação e acompanhamento dos problemas levantados pelas fiscalizações realizadas nas escolas e unidades gestoras e de sua participação no processo de chamada pública. Quando uma ocorrência for detectada pelo Conselho, este deve comunicar por ofício o responsável por sua correção e solicitar um posicionamento sobre as providências que serão tomadas e o prazo para tal. Após esta verificação e autuação, o Conselho deverá apurar se o problema apontado foi resolvido e arquivar todos os registros no processo para subsidiar a prestação de contas do PNAE.

Para que este cenário se concretize no município, os Conselhos devem, além de outros requisitos, estar bem estruturados, com as normas definidas e com os representantes aptos para atuarem como conselheiros. No entanto, o que foi observado em grande parte dos municípios pela CGU mostra uma realidade oposta.

Com 41 ocorrências de falhas nos conselhos, a maior incidência está relacionada ao baixo número de reuniões realizadas e à participação deficitária no processo de compra do PNAE.

A atuação do conselho começa a se fragilizar quando esse possui um processo de estruturação vulnerável e com pouca formação de uma cultura participativa. Assim, o correto funcionamento do conselho depende, no ato de sua criação, de normas que estabeleçam diretrizes, competências e processos. Em 14 das 41 ocorrências, os municípios fiscalizados não possuíam Regimento Interno, nem apoio do poder executivo quanto à estrutura mínima para a execução das atividades do conselhos.

O CAE pode observar os principais problemas envolvendo o PNAE, além de conhecer a qualidade dos produtos adquiridos e como é feito o armazenamento. Mas a falta de treinamento e capacitação dos conselheiros (17 ocorrências encontradas pela Controladoria Geral da União) enfraquece esse acompanhamento e, ao invés de serem participantes ativos, eles se tornam espectadores da política, ou seja, ao invés de agirem como atores atuantes, se perpetuam no papel de clientes do Estado como beneficiários de políticas públicas. Em um dos municípios fiscalizados no estado do Espírito Santo, os profissionais da educação sequer sabiam da existência do CAE no município.

Em 22 casos, mais da metade do total de ocorrências, o Conselho não contribui como agente de controle do processo de compra do PNAE e em 17 casos os conselhos não haviam fiscalizado a gestão municipal ou as escolas participantes do programa. Seguindo a nova governança pública na aproximação do Estado e da sociedade, verifica-se que enquanto o conselho for conivente com as falhas verificadas em todo o processo da gestão, a implementação do PNAE será sempre fragilizada, tornando-se difícil o alcance do seu objetivo.

6. Considerações Finais

Ainda que tenha como objetivo criar meios para escoamento da produção agrícola da Agricultura Familiar, o PNAE possui restrições, como um limite de recursos para a aquisição de produtos, além da ocorrência de outros problemas como os apontados por esses estudo.

Foram encontradas em grande parte dos relatórios incidências que percorrem por todo o programa e que impedem a sua efetiva implementação. Esses problemas estão identificados principalmente na gestão ineficiente e descompromissada do poder executivo que não compartilha das orientações em prol da governança pública, no processo de compra, na lotação insuficiente dos responsáveis por gerar as demandas e identificar as ofertas, os nutricionistas e, finalmente, na cooperação para formação e funcionamento do conselho.

No caso em estudo, quando se constata a ausência de nutricionistas responsáveis pelo PNAE, todo o fluxo é prejudicado.

Em relação ao CAE, um dos objetivos desse espaço, além da participação no ciclo político do PNAE, é a formação cidadã e a construção de uma cultura democrática; no entanto, as irregularidades de funcionamento, a ausência de reuniões e o fraco acompanhamento dos processos do PNAE fazem com que este seja um espaço formado e mantido apenas como exigência legal para recebimento de recursos.

Pelo que foi apresentado, foi possível concluir que o PNAE possui alcance limitado para beneficiar a Agricultura Familiar, embora represente um avanço no esforço para construir melhores condições para o rural brasileiro. No entanto, esse esforço, em grande parte dos municípios estudados, pode se tornar insuficiente diante das barreiras criadas no âmbito do próprio município, além daquelas encontradas na própria política. A falha implementação do programa acaba não beneficiando uma parcela da população que vai além dos Agricultores Familiares, como os alunos das escolas demandantes e todo o mercado local que seria favorecido.   Cabe assim aos entes federativos aprimorar os mecanismos de avaliação, controle e fiscalização das políticas públicas, apoiando-se principalmente nos princípios de governança pública.

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1. Doutorando em Extensão Rural pelo Departamento de Economia Rural da Universidade Federal de Viçosa, Brasil. Email: bruno.adm2008@yahoo.com.br
2. Professora Associada IV do Departamento de Economia Rural da Universidade Federal de Viçosa, Brasil


Revista Espacios. ISSN 0798 1015
Vol. 37 (Nº 20) Año 2016

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