Espacios. Vol. 37 (Nº 17) Año 2016. Pág. 22

Desenvolvimento econômico e a disposição de resíduos sólidos no Brasil: um teste da hipótese da Curva Ambiental de Kuznets (CKA) para os municípios brasileiros

Economic development and the disposal of solid waste in Brazil: a test of the environmental Kuznets Curve Hypothesis (KCH) for Brazilian municipalities

Blanca Lila Gamarra MOREL 1; Lívia Madeira TRIACA 2; Osmar Tomaz de SOUZA 3

Recibido: 18/05/16 • Aprobado: 30/05/2016


Conteúdo

1. Introdução

2. Revisão de Literatura

3. Metodologia

4. Resultados

5. Considerações finais

Referências


RESUMO:

Os trabalhos testando a Curva Ambiental de Kuznets (CKA) são importantes para a compreensão das relações entre o crescimento econômico e a qualidade ambiental, pois além de afetar o próprio crescimento, esta impacta também a qualidade de vida e o bem-estar da população. A fim de contribuir neste tema, o presente estudo testou a hipótese da CKA para o Brasil, com base na relação entre nível de renda e disposição de resíduos sólidos (como medida de qualidade ambiental) para 2.232 municipios brasileiros, utilizando-se um painel de dados desbalanceado para o período 2002-2012. Neste caso, comprovou-se a CKA como hipótese aceita.
Palavras-chave: disposição de resíduos sólidos, Curva Ambiental de Kuznets, crescimento econômico e o meio ambiente

ABSTRACT:

Researches testing the Environmental Kuznets Curves (CKA) are important for understanding the relationship between economic growth and environmental quality, because more than affecting economic growth, this also impacts the quality of life and social welfare. In order to contribute to this topic, the present study tested the CKA hypothesis for Brazil, based on the relationship between income level and disposal of solid waste (understood as an environmental quality measure) to 2,232 Brazilian municipalities, using a panel of unbalanced data for the period 2002-2012. In this case, the CKA was confirmed.
Keywords: disposal of solid waste, environmental Kuznets Curve hypothesis, economic grow and environment

1. Introdução

A relação entre crescimento econômico e o meio ambiente tem sido tema de inúmeros trabalhos nos últimos anos, englobando variáveis associadas à questão energética, à poluição, ao mau uso e ao esgotamento dos solos e dos recursos naturais, dentre outros. Estas são particularmente relevantes no âmbito da Economia visto que impactam não apenas o crescimento, mas principalmente a qualidade de vida e o bem-estar da população.

No tema da poluição, uma das frentes de análise é aquela que busca entender a relação entre esta (a poluição) e o próprio crescimento econômico, expresso em termos de nível de renda. Esta relação é conhecida como a Curva Ambiental de Kuznets (CKA), em referência aos estudos de Simon Kuznets (1995) que originalmente tratava da relação entre crescimento econômico e distribuição pessoal de renda.

Ainda que não sejam necessariamente consensuais, identifica-se uma série de trabalhos que mostram evidências de tal relação como, por exemplo, os de Grossman e Krueger (1995), Hilton e Levinson (1998), Khan (1998) que estimam uma curva em formato de U-invertido, que equivale a dizer que a qualidade ambiental que diminuiu nos estágios iniciais do crescimento, volta a se elevar a partir de determinado nível de renda. Beckerman (1992) chega a afirmar que, ao longo do processo de crescimento, a melhor forma de se atingir qualidade ambiental na maioria dos países seria tornando-se rico. De qualquer forma, vale destacar que os resultados encontrados na literatura diferem de acordo com a região e com a medida de poluição utilizada.

A despeito das divergências nos trabalhos que associam níveis de renda e níveis de poluição, é inegável a sua contemporaneidade e relevância, já que eles estão inseridos no esforço de entender as complexas relações entre crescimento econômico e meio ambiente e as preocupações com a deterioração deste último. Em outras palavras, trata-se da busca pelo aprimoramento dos processos de desenvolvimento a fim de que este seja mais "sustentável". Este conceito de desenvolvimento sustentável foi originalmente pensado pela União Internacional para a Conservação da Natureza (UICN), no ano de 1980, e mais tarde foi consagrado internacionalmente pelo Relatório "Nosso Futuro Comum" da Comissão Mundial sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento (ARRAES; DINIZ; DINIZ, 2006).

Entendido como aquele que atende às necessidades do presente sem comprometer o atendimento das necessidades das gerações futuras, este conceito engloba dois objetivos principais: primeiro, atingir um nível de bem-estar econômico-social adequado e equitativamente distribuído e; segundo, utilizar os recursos naturais de maneira a se garantir a integridade ecológica. Tal desenvolvimento seria atingido com um conjunto de políticas capazes de garantir simultaneamente, o aumento da renda nacional, o acesso a direitos sociais básicos (segurança econômica, acesso à saúde e educação) e a redução do impacto do aumento da produção e do consumo sobre o meio ambiente (ROMEIRO, 2012).

A fim de contribuir com esta literatura, o presente estudo analisa a existência da CKA para o Brasil, utilizando como medida de poluição a disposição de resíduos sólidos urbanos (popularmente identificado como "lixo urbano"). Destaca-se que a produção de resíduos vem crescendo continuamente no país em decorrência do aumento da renda e do padrão de consumo vigente. Da mesma forma, os problemas relacionados ao mau gerenciamento destes resíduos se colocam tanto como um problema ambiental, quanto social e econômico. Ou seja, a má gestão implica na degradação do ambiente natural, afeta as condições de vida das populações, diminuindo seu bem estar, e representa um desperdício do ponto de vista econômico, já que não se aproveita o seu potencial de geração de emprego e renda (SOUZA et al., 2015). Ainda mais crítico é o fato de que quase a metade dos municípios brasileiros ainda deposita os seus resíduos a céu aberto, nos chamados "lixões".

Na literatura internacional já existem estudos que utilizam essa medida como variável de poluição ambiental, porém as análises são centradas em países desenvolvidos (BERRENS et al., 1997;  ICHINOSE; YAMAMOTO; YOSHIDA, 2011;  MAZZANTI; MONTINI; ZOBOLINI, 2008;  RAYMOND, 2004;  WANG et al., 1998). Nesse sentido, o presente trabalho busca contribuir com esse tema, analisando a relação para um país cujas características econômicas e sociais são distintas, caso do Brasil. Vale destacar que não foram encontrados trabalhos aplicados ao Brasil utilizando estas variáveis, o que confere ao presente estudo um caráter de ineditismo.

A análise desta relação entre nível de renda e disposição de resíduos sólidos é conduzida para 2.232 municipios brasileiros, utilizando-se um painel de dados desbalanceado para o período 2002-2012. O objetivo é testar a hipótese da CKA para o Brasil tendo como medida de poluição a disposição de resíduos sólidos.

Para tanto, este trabalho encontra-se dividido em cinco seções, incluindo esta Introdução. Na segunda seção é apresentada uma breve revisão da literatura, na terceira são apresentados o método, os dados e o modelo utilizado. Na quarta seção são analisados os resultados empíricos e, por fim, na quinta seção são feitas as considerações finais.

2. Revisão de Literatura

A curva de Kuznets foi apresentada de forma pioneira por Kuznets em 1955 através do estudo realizado sobre a relação entre crescimento e distribuição de renda pessoal para os Estados Unidos, Grã-Bretanha e Alemanha. Ela tem sua explicação fundamentada essencialmente no diferencial de rendimentos durante a transição de uma economia agrícola para uma economia industrial, como reflexo da diferença dos produtos marginais do trabalho entre os dois setores (DINIZ; DINIZ, 2005).

Em seu trabalho Kuznets evidenciou que nos primeiros anos de crescimento econômico há um aumento na desigualdade de renda. Entretanto, com a modernização dos meios de produção e a maturação da economia, se alcança um pico de desigualdade para, em seguida, ocorrer sua diminuição. Assim se forma o "U invertido" da relação crescimento econômico versus desigualdade de renda.

Grossman e Krueger (1995), inspirados no trabalho de Kuznets, apresentaram a relação entre o crescimento econômico e os recursos naturais, que ficou conhecida como Curva Ambiental de Kuznets (CKA). Esse estudo mostrou as consequências da redução das barreiras comerciais sobre a degradação ambiental, de forma que os impactos da regulação do NAFTA para os EUA e o Canadá consistiriam em uma maior especialização de atividades intensivas em capital humano e físico e na geração de "tecnologias limpas". O estudo destes autores se baseou em um modelo crosssection para 42 países, relacionando a qualidade do ar com os níveis de crescimento econômico. Os resultados encontrados demonstraram que a concentração de poluentes aumenta com o PIB per capita em estágios iniciais, com níveis de renda baixos, e reduz com níveis mais altos, salientando um formato de U-invertido entre emissão de poluentes e os níveis de riqueza dos países.

Conforme Rocha, Khan e Lima (2013) isso acontece, pois nos estágios iniciais do processo de industrialização o custo relativo entre renda e meio ambiente, assim como a qualidade do ambiente regulatório são baixos. Diante desse cenário, a sociedade acaba optando pelo aumento dos níveis de emprego e renda ainda que isso ocasione aumento nos níveis de poluição. No estágio em que a atividade industrial se encontra mais desenvolvida e dinâmica a própria sociedade opta por tecnologias menos poluentes. Consequentemente, as instituições regulatórias tornam-se mais competentes na implementação de políticas de proteção ambiental.

 Grossman e Krueger (1991) ressaltam que o crescimento econômico afeta triplamente as condições ambientais: primeiro pela escala de produção e o efeito no meio ambiente vai ser negativo, uma vez que ao aumentar a produção precisa-se de mais insumos, ocasionando maiores níveis de poluição e emissão de resíduos; segundo pela tecnologia, pois o crescimento vai sendo aprimorado e assim os equipamentos são substituídos por outros mais modernos e menos poluentes e; por último, pela composição que está relacionada com mudanças estruturais da própria economia, em que há maior demanda por serviços e melhor qualidade ambiental e governos mais proativos na defesa do meio ambiente.

Selden e Song (1994), por seu lado, apontam que o formato de U-invertido está associado a: a) uma elasticidade renda positiva para qualidade ambiental, o que significaria dizer que as pessoas tendem a querer mais qualidade ambiental conforme aumenta a renda; b) mudanças na composição da produção e do consumo; c) níveis maiores de educação ambiental e conscientização das consequências da atividade econômica sobre o meio ambiente, e d) sistemas políticos mais abertos. Na mesma linha, Stern (2004) e Cole (2004) apontam que aumento na rigidez da regulação ambiental, melhorias tecnológicas e a liberalização comercial também seriam fatores importantes para explicar o descolamento entre a degradação e os níveis de renda.

Contudo, alguns autores, como é o caso de De bruyn et al. (1998) não acreditam que a CKA se sustente no longo prazo. Para estes, o formato de "U" invertido seria apenas um estágio inicial da relação entre crescimento econômico e pressão ambiental. Após um determinado nível de renda, haveria um novo ponto de inflexão, fazendo com que a trajetória se tornasse novamente ascendente. Assim, a CKA seria similar ao de um "N", indicando que a degradação ambiental voltaria a aumentar em altos níveis de crescimento.

O trabalho de Rocha, Khan e Lima (2013) a fim de testar as evidências empíricas da CKA aplicaram um modelo de regressão com dados em painel, fazendo uma relação de emissão de poluentes com a Produtividade Total dos fatores (PTF). Para tanto, utilizaram uma amostra de 102 países, para o período de 1960 a 2000. O estudo comprovou que nos países considerados mais desenvolvidos a hipótese é aceita, porém para os países menos desenvolvidos não se aplica, visto que o alicerce dos atuais padrões tecnológicos de inovação ainda corresponde ao domínio de tecnologias mais sujas e com uma relativa degradação ambiental.

Estudos como os de Arraes, Diniz & Diniz (2006) realizando testes para verificar a hipótese da CKA através de dados em painel para países, verificaram que as variáveis que denotam desenvolvimento sustentável apresentam uma relação fraca com o PIB per capita como uma representação para uma CKA.

Além destes trabalhos, existe uma considerável literatura testando diversos indicadores de degradação ambiental versus níveis de renda. Conforme destacam Oliveira et al. (2011), são análises multipaíses, nacionais, regionais e até microrregionais. Stern  (2004) apresenta uma considerável revisão dos trabalhos na área bem como dos seus limites.

Apesar da vasta literatura na área ambiental, os trabalhos que analisam a relação de níveis de renda e a disposição de resíduos sólidos ainda são escassos, e a literatura existente encontra-se principalmente centrada em países desenvolvidos.   Berrens et al. (1997) analisam a relação entre renda per capita e resíduos perigosos nos Estados Unidos, utilizando dados transversais do ano de 1991 para 3.141 condados. Através de um modelo Gamma Generalizado, os autores encontram evidências que dão suporte a CKA.  Fazendo a mesma análise de Berrens et al. (1997) para o período de 1992, Wang et al. (1998) encontraram os mesmos resultados apresentados anteriormente; a relação entre renda per capita e resíduos perigosos possuem a forma de U-invertido para os condados norte americanos.

Utilizando informações do Índice de Sustentabilidade Ambiental de 2002, Raymond (2004) analisa a relação entre renda per capita e um indicador de resíduo/consumo para 142 países. Os resultados mostram a existência da CKA para o indicador resíduo/consumo.

Mazzanti et al. (2008) analisam a relação entre variáveis socioeconômicas e geração de resíduos sólidos para 103 províncias italianas. A análise é feita ao longo de sete anos, 1999-2005, e os resultados encontrados novamente são favoráveis à hipótese da CKA.  Ichinose et al. (2011) estudaram essa relação para o Japão, utilizando dados a nível municipal de resíduos sólidos, os autores também encontraram evidencias de que a relação entre renda per capita e geração de resíduos sólidos não é linear, apresentando o formato de U-invertido.

Diferentemente dos estudos anteriores, Lora et al.(2013) realizaram um estudo para um país em desenvolvimento, analisando dados da Colômbia para 707 municípios, no período de 2008-2011. Os autores aplicam a hipótese CKA aos resíduos sólidos descartados em aterros municipais, e incluem variáveis como altitude e densidade populacional no modelo. Os resultados encontrados aceitam a hipótese para os municípios colombianos.

Para o Brasil, os trabalhos envolvendo a CKA tem se dedicado mais amplamente aos estudos do desmatamento na Amazônia, casos dos estudos de Oliveira et al.  (2011) e de Teixeira, Bertella e Almeida (2012). Nestes casos, utilizam variáveis condicionantes do desmatamento como atividades agropecuárias e densidade populacional, dentre outras, para testar a hipótese da CKA. Contudo, não se tem conhecimento de trabalhos que tenham utilizado dados referentes a resíduos sólidos para analisar a realidade brasileira.

3. Metodologia

Dados

Para testar a hipótese da Curva Ambiental de Kuznets utiliza-se um painel de dados desbalanceado em nível de municípios brasileiros para o período de 2002 a 2012. Os dados são anuais e contam com a informação de 2.232 municípios brasileiros das diferentes regiões do país, sendo que entraram na análise todos os municípios que informaram a coleta de resíduos em ao menos dois pontos do tempo. Como medida de poluição foi utilizada a quantidade total coletada de resíduos sólidos per capita em quilos. Essa informação foi construída através dos dados da quantidade total coletada de resíduos sólidos e da população total do município e ambas as informações foram obtidas junto ao Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento (SNIS). Já o PIB per capita municipal foi obtido junto ao DATASUS, sendo o mesmo deflacionado pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA).

Modelo Estatístico

Modelo empírico a ser estimado apresenta a seguinte forma:

O efeito de interesse é dado pelos coeficientes  e  que podem apresentar as seguintes relações (SAYED; SEK, 2013):

A análise dos resultados do modelo empírico é realizada através dos modelos de mínimos quadrados ordinários (MQO agrupado), efeitos fixos (EF) e efeitos aleatórios (EA). Os pontos de inflexão são calculados para todos os modelos. A forma mais simples de estimar a equação (1) é através do modelo de MQO. A união de todas as observações de um painel de dados em uma regressão de MQO resulta no modelo pooled MQO. Este modelo assume que os coeficientes, incluindo o intercepto, são os mesmos para todas as observações. Para o mesmo ser não viesado e consistente, o regressor deve satisfazer a suposição de exogeneidade.

Se o município i possui um efeito individual constante ao longo do tempo, o modelo MQO não é apropriado, pois ele negligência a heterogeneidade existente entre os indivíduos, logo esse efeito individual está incluído no termo de erro.

Porém, podemos medir esse efeito indiretamente através do seguinte modelo:

Essa estrutura leva em conta a heterogeneidade existente entre os municípios através do intercepto , que difere para cada indivíduo. Se de fato a equação (3) for verdade existem duas estruturas possíveis para estimar a equação (3) de forma consistente e eficiente, através dos modelos de efeitos fixos e efeitos aleatórios. O modelo de efeitos fixos considera que o intercepto  varia entre municípios, mas não ao longo do tempo.  O modelo baseia-se no pressuposto de que  pode ser arbitrariamente correlacionado com as variáveis explicativas, satisfazendo:

Uma das possíveis formas de estimar o modelo de efeitos fixos é através do estimador Within. O estimador Within estima o modelo transformando os dados como desvios em relação à média. Dessa forma o modelo elimina o efeito fixo de cada município  e pode ser estimado de forma consistente e eficiente por MQO.

Porém, existe outra possibilidade, caso a heterogeneidade constante ao longo do tempo não esteja correlacionado com as variáveis explicativas, o modelo de efeitos fixos não será eficiente, logo, é necessário modificar o modelo a fim de encontrar eficiência.  Supondo que:

Assume-se então que  é uma variável aleatória com uma média constante α e um erro aleatório  com média zero e variância .  é o termo de erro específico a cada município e reflete as diferenças individuais constantes ao longo do tempo.  O pressuposto do modelo é que os indivíduos transversais da amostra são um desenho aleatório extraídos de uma grande população de indivíduos.  Substituindo (5) em (3) temos:

O pressuposto mais importante do modelo de efeitos aleatórios é que componente de erro  não seja correlacionado com as variáveis explicativas. O modelo de efeitos aleatórios pressupõe correlação serial no erro, logo pode ser estimado de forma eficiente por Mínimos Quadrados Generalizados (MQG) ou por MQO com correção dos erros padrão.

Testes de diagnóstico foram realizados para testar a existência de problemas de autocorrelação e heterocedasticidade.  Os resultados encontrados confirmaram a presença de autocorrelação e heterocedasticidade, sendo assim as estimações foram realizadas considerando os erros padrão robustos. A fim de escolher o modelo mais adequado para estimar a Curva Ambiental de Kuznets foram realizados os seguintes testes: Teste LM de Breusch-Pagan e Teste Hausman.

4. Resultados

A tabela 1 apresenta as estatísticas descritivas da amostra considerando a dimensão temporal e espacial. Para o total de 8977 observações, a quantidade média de resíduos coletada para os municípios analisados é de 431 quilos ao ano, uma média de 1,18 kg por habitante ao dia. Em relação à renda, o PIB apresentou uma média de 14.772,67 reais.

Tabela 1 – Estatística descritiva

Mortalidades

Dimensão

Média

Desvio Padrão

N

Resíduo per capita

Overall

431.35

7988.28

8977

Between

 

2061.49

 

Within

7355.85

 PIB per capita

Overall

14772.67

13636.84

8977

Between

 

13843.72

 

Within

4534.00

Os resultados da estimação do modelo empírico são apresentados na tabela 2. Observa-se que as variáveis  e  são estatisticamente significativas para os três modelo analisados, apresentando sinais positivos e negativos, respectivamente. Essa combinação de sinais sugere a confirmação da CAK.  Dessa forma, a relação entre resíduos sólidos e o PIB para o Brasil é não linear, apresentando o formato de U-invertido. Aumentos no PIB levam a aumentos nos resíduos sólidos per capita até um ponto de inflexão, onde o sinal do efeito se inverte, a partir deste ponto, aumentos no PIB levam a diminuição dos resíduos sólidos.

Apesar de todos os modelos apresentarem o mesmo comportamento, eles possuem diferenças em relação ao nível de significância e a magnitude do efeito, apresentando diferentes pontos de inflexão.  A fim de verificar qual seria o modelo mais adequado foram realizados dois testes: Teste LM de Breusch-Pagan e Teste Hausman.

O teste LM de Breusch-Pagan testa a hipótese que a variância dos efeitos fixos não observados é igual à zero. A aceitação desta hipótese sugere que o modelo de MQO pooled é o adequado. Em caso de rejeição, o resultado sugere que existem componentes não observados entre os indivíduos e a estimação deve ser realizada através de efeitos fixos (EF) ou efeitos aleatórios (EA).  Para decidir qual dos modelos (EF ou EA) é o adequado aplicou-se o teste de Hausman. O teste de Hausman testa basicamente se os erros são correlacionados com os regressores (hipótese nula é que não são correlacionados). Os resultados encontrados mostram que existem componentes não observados entre os indivíduos e que o erro é correlacionado com os regressores, logo o modelo de efeitos fixos é o mais adequado.

Tabela 2- Resultados da estimação da Curva Ambiental de Kuznets (CAK)

 

Pooled MQO

FE

RE

 

 

 

1.1275***

(0.2980)

 

1.2625**

(0.5576)

 

0.9660***

(0.3490)

 

 

-0.0447***

(0.0154)

 

-0.0579**

(0.0287)

 

-0.0367**

(0.0181)

 

LM Bresch-Pagan

 

772.17***

 

 

 

Hausman

 

 

4.57***

 

Observações

 

8977

 

8977

 

8977

 

Ponto de inflexão

 

 

300095

 

54307

 

519573

Estimativas da constante e das dummies de ano não são reportadas.
Erros padrão robustos entre parênteses.
*** significância a 1%; ** significância a 5% e * significância a 10%.

De acordo com o modelo de efeitos fixos, o aumento de 1% no PIB leva um aumento na quantidade de resíduos sólidos per capita de cerca de 1,2% até o ponto de inflexão, a partir deste ponto a quantidade de resíduos sólidos per capita diminui por cerca de 0,05%.  O ponto de inflexão é alcançado quando o PIB per capita chega a R$ 54.307,00. A partir deste nível de renda per capita, o modelo mostra que a quantidade de resíduos sólidos per capita começaria a diminuir.

Com o intuito de testar a robustez do modelo, reestimamos o modelo de efeitos fixos controlando pelo percentual da população urbana presente no município e também substituímos os efeitos fixos municipais por efeitos fixos estaduais e regionais. Os resultados encontrados não apresentaram mudanças em termos de sinal e seguiram apresentando significância estatística, conforme se verifica na Tabela 3.

Tabela 3 – Resultados para modelo de efeitos fixos

 

(1)

(2)

(3)

(4)

(5)

 

1.1701**

(0.5529)

2.5037***

(0.3245)

0.7962**

(0.3201)

2.6740***

(0.3229)

0.9155***

(0.3188)

 

-0.0533*

(0.0285)

-0.1113***

(0.0165)

-0.0317*

(0.0162)

-0.1192***

(0.0165)

-0.0371**

(0.0162)

Sim

Não

Sim

Não

Sim

Efeitos fixos

 

Municípios

Estados

Estados

Regiões

Regiões

Observações

 

8977

8977

8977

8977

8977

Erros padrão robustos entre parênteses.
*** significância a 1%; ** significância a 5% e * significância a 10%.

Por fim, testou-se também a hipótese de que a CKA apresentasse uma forma cúbica, o que equivaleria a uma curva em formato de "N". Para tanto, foi incluído o termo  na equação 3. Entretanto, não se encontrou evidências de que a relação entre PIB e resíduos sólidos apresente esta forma para o Brasil mediante os dados utilizados.

5. Considerações finais

Este estudo buscou testar a hipótese da CKA, analisando a relação entre PIB per capita e quantidade de resíduos sólidos coletados em uma amostra de 2.232 municípios brasileiros, um trabalho pioneiro para a realidade do país. O trabalho partiu da constatação de que a geração de resíduos sólidos, bem como a gestão adequada destes, consiste num dos desafios maiores da sociedade. Por um lado, a crescente produção de resíduos envolve um esforço de gestão que é oneroso e, por outro, caso tal gestão não seja bem feita, impacta diretamente a qualidade do ambiente e, em consequência, a saúde e a qualidade de vida.

A estimação foi feita a partir de um painel de dados desbalanceado para o período de 2002 a 2012 e os resultados encontrados sugerem confirmação da curva ambiental de Kuznets. Constatou-se que a relação entre resíduos sólidos e o PIB para o Brasil é não linear, apresentando o formato de U-invertido. Verificou-se que aumentos no PIB levam a aumentos nos resíduos sólidos per capita até um ponto de inflexão, onde o sinal do efeito se inverte. Este ponto de inflexão é equivalente a uma renda de R$ 54.307,00.  De acordo com o estimador de efeitos fixos, observou-se que o aumento de 1% no PIB leva um aumento na quantidade de resíduos sólidos per capita de cerca de 1,2% até o ponto de inflexão; a partir deste ponto a quantidade de resíduos sólidos per capita diminui por cerca de 0,05%. 

Diferentes fatores podem explicar este comportamento. Efeitos de escala, rigidez na regulação ambiental, melhorias tecnológicas, liberalização comercial, elasticidade renda positiva para qualidade ambiental e mudanças na composição do consumo e da produção são alguns dos possíveis canais que explicariam a relação não linear entre renda e resíduos sólidos para o Brasil. Porém, a análise destes possíveis canais não fez parte do escopo deste trabalho, sendo possível apenas levantar tais possibilidades.

Cabe destacar que este trabalho apresenta limitações ao não controlar por fatores que poderiam influenciar na quantidade total de resíduos, casos da estrutura industrial, do consumo de energia, do progresso tecnológico e mesmo variáveis políticas. Ainda assim, vale ressaltar que os resultados aqui encontrados convergem com aqueles de outros estudos neste tema. Além disso, consegue evidenciar pelo menos um elemento importante no quesito da geração de resíduos no Brasil, que é sua tendência a continuar crescendo paralelamente ao crescimento da renda. Sabendo-se que atualmente quase a metade dos municípios do país ainda depositam seus resíduos a céu aberto (os chamados "lixões"), uma orientação necessária às políticas públicas seria uma forte atuação no sentido da diminuir a geração destes resíduos.            

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1. Professora Assistente da Universidade Federal do Rio Grande – FURG e doutoranda  no Programa de Pós-Graduação em Economia da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul – PPGE/PUCRS. Contato: blancagamarra@yahoo.com.br
2. Doutoranda no Programa de Pós-Graduação em Economia da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul – PPGE/PUCRS. Contato: liviamtriaca@gmail.com
3. Professor Adjunto do Programa de Pós-Graduação em Economia da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul - PUCRS. Contato: osmar.souza@pucrs.br


Revista Espacios. ISSN 0798 1015
Vol. 37 (Nº 17) Año 2016

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