Espacios. Vol. 37 (Nº 16) Año 2016. Pág. 1
Flávia de Faria GOMES 1; Christian Luiz da SILVA 2
Recibido: 22/02/16 • Aprobado: 26/03/2016
4. A característica política da tecnologia
RESUMO: A tecnologia relaciona-se cada vez mais com a sociedade, junto de inúmeras incertezas sobre seus possíveis riscos. Neste sentido, o estudo objetiva esclarecer a relação entre o desenvolvimento tecnológico, seus riscos e a dinâmica política, a partir de uma pesquisa bibliográfica, de metodologia descritiva e explicativa. Não há uma aceitabilidade absoluta sobre os riscos, mas uma questão política, com estruturas que impedem o reconhecimento dos riscos tecnológicos e o modo como reorientam a sociedade. Novas demandas sociais consideram estender esse processo aos limites socioambientais, através de políticas governamentais, que informem a sociedade, permitindo a recusa ou o aceite dos riscos. |
ABSTRACT: The technology is increasingly to society, with numerous uncertainties about its possible risks. In this sense, the study aims to clarify the relationship between technological development, its risks and the political dynamics, from a bibliographical research, descriptive and explanatory methodology. There is no absolute acceptability of the risks, but a political issue, with structures that prevent recognition of the technological risks and the way redirect society. New social demands consider extending this process to environmental limits, through government policies, to inform the society, allowing the refusal or acceptance of risks. |
A difusão do conhecimento e o crescente controle sobre o saber técnico são características de sociedades de todos os tempos, e esse fato denota a importância da ciência e do desenvolvimento tecnológico para o homem que, nos dias de hoje, possui a percepção de que suas estruturas sociais e culturais são afetadas, fazendo dessa dinâmica parte de uma forma de pensar e atuar em sua realidade. Mas, quais são as características do desenvolvimento tecnológico atual? Primeiramente foram percebidos apenas os benefícios proporcionados pela tecnologia, mas com o passar do tempo constatou-se a presença de riscos nos produtos e atividades tecnológicas desenvolvidas. Desde então, o conceito de tecnologia, bem como de seus riscos, estão fortemente presentes em diferentes discursos e ocasiões atuais.
Nesse sentido, este artigo objetiva contribuir com o entendimento da trajetória político-tecnológica que se estabeleceu; compreender o conceito de sociedade de risco e como ele se encaixa no cenário atual; e perceber como a dinâmica política se evidencia em relação ao delineamento do desenvolvimento tecnológico. A pesquisa seguiu o princípio de um estudo descritivo e explicativo, por intermédio de uma pesquisa bibliográfica, ancorando-se no levantamento de livros e artigos científicos, que partiram de temas gerais como o "risco tecnológico", "desenvolvimento tecnológico", "políticas tecnológicas", dentre outros. Posteriormente, a partir leituras exploratórias e seletivas, foi feita uma análise, a partir de diferentes argumento e autores selecionados, a fim de responder o problema dessa pesquisa.
No que diz respeito à tecnologia, esforços têm sido dispensados especialmente sobre a promoção da inovação (Edgerton, 2000). Mas, a importância dos estudos na área tecnológica, e o impacto que pode ser provocado com a disseminação de um entendimento parcial ou equivocado do conceito de tecnologia, demandam certa atenção (Vicenti, 1992). Esta preocupação se dá, pois há sempre abordagens e relações que orientam o desenvolvimento mundial, e esta concepção leva muitas nações a importar técnicas de outras, no entanto, sem considerar que não se assemelham em termos tecnológicos. Neste sentido, a inovação tem sido determinada não pelo futuro, mas pelo passado e presente (destes países "guias"), em contextos diferenciados e que merecem atenção, considerando que se fosse determinante, de fato, sobre o desenvolvimento e crescimento econômico, essa transferência teria promovido "uma divergência espetacular, em vez da convergência que houve, pelo menos entre as economias mais avançadas" (Edgerton, 2000, p. 10-11).
Deste modo, os novos recursos tecnológicos, imbuídos de desorientações e distorções, se alastraram em escalas, potenciais e velocidades que excedem a percepção humana, e a adaptação a essa situação tem se dado à custa do não reconhecimento de sua estranheza e dos modos pelos quais reorientam a sociedade. Ou seja, as tecnologias tem caracterizado a vida moderna, no âmbito público e privado, mas, apesar do potencial extraordinário dos novos recursos, torna-se cada vez mais um padrão de tensões sociais, visto que, ao mesmo tempo em que incorporam o subconsciente das pessoas, demandam atenção e precaução frente aos possíveis riscos que podem provocar (Sevcenko, 1998). Em suma, a modernidade promoveu o desenvolvimento de um cenário de ambiguidades onde, de um lado, encontra-se o controle (da produção, da natureza, da doença, etc.) e, de outro, o medo das consequências das invenções, que surgem continuamente e sem aviso prévio, tornando o "progresso" uma falácia caracterizada por desastres e falhas (Costa e Schwarcz, 2000).
E não se tem certeza sobre esses impactos em longo prazo, devido à falta de experiência e compreensão da situação, pois as novas tecnologias, concebidas em velocidade e escala sem precedentes, geralmente não contam com uma avaliação de impacto sobre os sistemas naturais e humanos, encontrando dificuldade em prevenir os riscos. Um problema que é proveniente das decisões científico-tecnológicas, que não estão atentas às incertezas presentes nos sistemas complexos e aos limites da produção do conhecimento. Esta conjuntura é observada tanto na atitude do Estado, quando se deixa levar apenas por interesses políticos – em seu sentido restrito e elitista - nesse processo, quanto no setor privado, por intermédio de grandes corporações que se sobrepõem a órgãos reguladores e à sociedade, usando o fato de financiarem universidades e institutos de pesquisa, para induzir as políticas de ciência e tecnologia de acordo com seus interesses, através de uma ciência rentável, ao invés de responsável, e utilizando-se da publicidade para negar os resultados que não lhes convém (Sevcenko, 2001).
A percepção da incerteza demonstra que algumas consequências negativas podem surgir, mas não se sabe a probabilidade de sua ocorrência e, por isso, tem sido comum primar por uma conduta mais prudente (Douglas e Wildavsky, 2012). Como consequência, várias ONGs e grupos de pressão social criaram e aperfeiçoaram o "princípio da precaução", considerando três elementos-chave: 1) técnicas, produtos e atividades envolvem um potencial de risco; 2) há incertezas científicas sobre o impacto imediato ou futuro; 3) é necessária uma ação preventiva sobre estes riscos. Ou seja, quando uma tecnologia comporta alguma ameaça de dano à saúde pública ou ao meio ambiente, devem ser garantidos estudos e avaliações preliminares. Este princípio tornou-se o item de reivindicações sobre os órgãos reguladores internacionais, no intuito de submeter os produtos ou atividades ao interesse público, rever o papel e as condições das políticas de pesquisa científica e incrementar a participação pública, a partir de uma ética que prime pela sociedade e pela natureza, ao invés dos interesses políticos e econômicos (Sevcenko, 2001).
Quer dizer, a tecnologia relaciona-se cada vez mais com as práticas cotidianas, assumindo um papel central na dimensão sociocultural e promovendo várias interpretações acerca de seu conceito, a partir dos quais duas matrizes conceituais ganham maior evidência, a relacional e a instrumental (Lima Filho e Queluz, 2005):
"Por um lado, reduz-se a tecnologia a mero campo de aplicação da ciência; por outro, submete-se a sociabilidade à dimensão tecnológica" (Lima Filho e Queluz, 2005, p. 12-15). A diferença sobre as características apresentadas por estes dois conceitos incita o questionamento sobre qual se adéqua melhor a realidade atual, por isso, é necessário um esclarecimento. A tecnologia configura-se sob uma dinâmica de poder, reproduzindo a regra de "poucos" sobre "muitos" e apresentando-se como um fenômeno de dois vieses, o do operador e do objeto, onde ambos são seres humanos, ou seja, os "poucos" aqui citados organizam-se ao redor da tecnologia, e a tem como sua fonte de poder (Neder, 2010). Por isso, a discussão sobre o conceito de tecnologia e todo o processo que a envolve deve partir das relações sociais, dos sujeitos que a constituem, já que o desenvolvimento tecnológico é produzido e apropriado historicamente por contextos sociais e culturais, por uma organização societária influenciada fortemente por relações sociais capitalistas. Em suma, a tecnologia é compreendida a partir de suas perspectivas, limites e possibilidades frente à sociedade (Lima Filho e Queluz, 2005).
E isto se dá, pois as características da sociedade industrial vêm sendo substituídas por um novo tipo de condução de vida, baseada na qualidade de vida e bem estar social, considerando o indivíduo como um ator/planejador deste novo cenário, pois é posto sobre opções divergentes e decisões – que não são livres, mas conduzidas –, para produzir tomadas de decisões por si mesmo e pelos outros. Esta individualização tem evidenciado o surgimento das incertezas, bem como de novas interdependências, até mesmo globais (Beck, Giddens e Lash, 2012).
A individualização tornou-se uma política, pois as instituições estão cada vez mais dependentes dos indivíduos. Com isso, emerge um novo e duplo cenário, caracterizado por conflitos, jogos de poder, instrumentos e arenas, através de um vazio político de instituições e da promoção de uma política não institucional. Ou seja, "o político tem invadido e irrompido além das responsabilidades e hierarquias formais", afetando a ligação entre tecnologia e economia, pois não dá mais para visar a tecnologia apenas a partir do aumento da produtividade, se a sua legitimidade é posta em risco (Beck, Giddens e Lash, 2012). É por essas e por outras que a tecnologia possui qualidades políticas, podendo estabelecer padrões de poder e autoridade em determinado contexto, pois suas consequências sobre a sociedade baseiam-se nos atores sociais, capazes de influenciar a escolha de projetos e arranjos (Winner, 1986).
Atualmente podemos dizer que a sociedade industrial passou por um momento denominado "modernização reflexiva" (termo utilizado por Giddens, que exprime a autoconfrontação, ou seja, uma mudança de mentalidade em relação à modernidade em si, ou sobre alguns aspectos dela, abrindo caminhos para outra modernidade), o qual visou, inicialmente, dar um caráter mais dinâmico ao desenvolvimento, contudo, promoveu também o "dinamismo do conflito da sociedade de risco". Quer dizer, este embate se deu silenciosamente, despercebido por muitos, pois "a insignificância, a familiaridade e frequentemente o desejo de mudanças escondem seu escopo da sociedade em mutação", por isso promove a insegurança de toda uma sociedade (Beck, Giddens e Lash, 2012, p. 14-16).
O conceito de sociedade de risco indica uma fase onde diversos tipos de riscos esquivam-se do controle e proteção das instituições e passam a ser de responsabilidade da sociedade industrial. Isto ocorreu em duas fases: primeiramente, os efeitos da industrialização foram produzidos, mas não se tornaram questões públicas e/ou políticas, as ameaças eram legitimadas, consideradas "riscos residuais". Segundo, os perigos começam a dominar os debates e conflitos públicos (políticos e privados), colocando as instituições como produtoras de ameaças que não conseguem controlar. Quer dizer, a sociedade ainda atuava em relação às decisões que lhes diziam respeito, mas "as organizações de interesse, o sistema judicial, e a política, são obscurecidos por debates e conflitos que se originam do dinamismo da sociedade de risco" (Beck, Giddens e Lash, 2012, p. 17).
A transição destes períodos, "seguindo o padrão dos efeitos colaterais latentes", foi proveniente das certezas da época industrial (do progresso e da abstração de riscos), dominadas por pessoas e instituições da época, dentro de um processo que foi cego e surdo para seus efeitos – os quais, destruíram as bases da sociedade industrial (Beck, Giddens e Lash, 2012, p. 18). Em outras palavras, quanto mais a ciência se ampliou, mais o homem aprendeu sobre o mundo, principalmente que há muito mais para se aprender, por isso, para compreender cada vez mais os riscos que corre, buscou o conhecimento total. No entanto, como não foi e nem é possível saber de tudo, as incertezas se multiplicaram e levantaram-se questões sobre quais riscos são aceitáveis e para quem. Esse interesse pelo risco se deu, pois, quanto mais coisas são proporcionadas à sociedade, a partir do conhecimento, mais estas têm a perder. E nesse sentido encaixa-se a questão tecnológica novamente, que tem proporcionado inúmeros benefícios e prometido resolver ou reduzir quaisquer que sejam os problemas, mas é um fato – como já observado – que a tecnologia possui, também, efeitos humanos e ambientais negativos (Douglas e Wildavsky, 2012).
Como consequência, surgiram os problemas de decisão sobre os riscos aceitáveis, que exigem ações alternativas, escolhas. E o que distingue um problema de risco aceitável de outros problemas de decisão é a existência de ameaças para a vida e/ou a saúde, que para serem resolvidas necessitam de cinco etapas: i) especificar os objetivos em questão; ii) definir as alternativas possíveis (o que inclui o "não fazer nada"); iii) identificar as possíveis consequências de cada alternativa, (parte que inclui os riscos); iv) especificar a conveniência das várias consequências e a probabilidade de serem alcançados; v) analisar as alternativas e selecionar a melhor. É este último passo que envolve a escolha da opção mais aceitável que, por vezes, inclui um risco aceitável, dependente de um conjunto de alternativas, consequências, valores e fatos do processo; e essa situação pode ser alterada (quanto a sua aceitabilidade) ao longo do tempo com a descoberta de erros, de novas tecnologias, troca de valores, aquisição de informações, etc. (Fischhoff et al., 1980).
Ou seja, nesse tipo de escolha não há uma aceitabilidade absoluta, mas uma questão política, a escolha se dá conforme a preocupação pública e a distribuição de poder (arranjo social), pois cada sociedade produz e escolhe sua maneira de enxergar o problema, situação que influencia a escolha dos riscos dignos de atenção e direciona as políticas que, quando voltadas ao debate tecnológico, evidenciam duas palavras-chave, risco e aceitabilidade, onde se dividem as opiniões sobre o fato de os riscos da tecnologia serem evidentes ou subjetivos. Com o intuito de clarificar essa situação, o risco diferencia-se em três tipos (Douglas e Wildavsky, 2012):
A solução para os riscos está sobre uma boa e melhor informação, proporcionando que as pessoas os recusem ou os assumam (a fim de obter benefícios), evitando os riscos involuntários (por ignorância). O problema está em quem controla as informações sobre os riscos presentes, os ignorados e os insuspeitos, situação que constitui um posterior julgamento moral acerca de quem responsabilizar, visto que os riscos tecnológicos são determinados por padrões socioculturais. Nesse sentido as pressões políticas possuem o poder, a partir de objetivos sociais adotados e de estratégias usadas, de por fim nas escolhas consideradas involuntárias, visto que as novas tecnologias produzem novas responsabilidades sociais e promovem uma reavaliação cultural. Por exemplo, até mesmo os cientistas, frustrados com as controvérsias sobre a tecnologia e impressionados com a gravidade de determinados riscos, têm emprestado a autoridade da ciência aos lobbies políticos (Douglas e Wildavsky, 2012).
Nem sempre a tecnologia foi considerada uma questão política importante frente ao desenvolvimento. Na América Latina, apenas no final da década de 60 passou a ser incorporada ao discurso político, contando com cinco protagonistas em seu processo: empresas transnacionais, governos dos países fornecedores de tecnologia, governos dos países receptores, empresas públicas destes países e empresas privadas aí sediadas. A partir daí, os investimentos voltaram-se à estrutura industrial, mais especificamente ao comércio de tecnologia, considerado um negócio lucrativo, que rende mais poder econômico, além do fato de não se sujeitar aos riscos (abordados anteriormente), tendo em vista que possui problema com a tecnologia apenas quem a utiliza, e não quem a produz e a transfere (Saravia, 1987).
Ou seja, o país que não produz tecnologia ou não possui uma relação madura de transferência desta, não apenas investe na tecnologia externa, mas passa a depender política e economicamente de outro país, sujeitando-se a inúmeros riscos. Em contrapartida, desenvolver tecnologias exige volumes de recursos que, em sua maioria, estão ao alcance do setor público, seja de maneira direta, ou apoiando o setor privado nacional. Na América Latina, por exemplo, é comum observar o Estado como iniciador, promotor e sustentáculo da política nacional, quer dizer, é o que possui condições de enfrentar o esforço tecnológico, principalmente em relação à pesquisa científico-tecnológica. Por isso, pode-se considerar, neste caso, que o desenvolvimento tecnológico é dependente da política governamental ou, pelo menos, de um claro delineamento do governo neste aspecto. E são estas as alternativas para que os países deixem de ser um comprador de tecnologia estrangeira (Saravia, 1987).
Deste modo, considerando a pesquisa e desenvolvimento (P&D) como base para o desenvolvimento tecnológico, e utilizando o Brasil como um exemplo, pode-se observar, a partir de estudo do Ministério de Ciência e Tecnologia (2015), que o dispêndio nacional em P&D tem sido crescente, quando analisado o espaço de tempo entre os anos de 2000 e 2013. Neste recorte, o total de gastos foi de 437.927 milhões de reais, dentre os quais 52,6% são provenientes de fontes públicas e 47,4 de fontes privadas. Quer dizer, apesar do incentivo empresarial apresentar-se expressivamente e de forma crescente nos dias atuais, no Brasil o Estado permanece investindo de maneira mais forte, com uma taxa de crescimento de 466,4% durante o período estudado, seguido de 344,4% do setor privado, ou seja, o maior incentivador do desenvolvimento tecnológico no país ainda é o Estado, que cresceu 122% a mais que o setor privado na promoção da P&D, e 58,9% a mais que a taxa de crescimento total (que soma o privado e o público), como demonstram a tabela e o gráfico abaixo.
Valores investidos em P&D no Brasil - em milhões de R$ |
|||||||
Setores |
2000 |
2001 |
2002 |
2003 |
2004 |
2005 |
2006 |
Total |
12.560,70 |
13.973,00 |
15.031,90 |
17.169,00 |
18.861,60 |
21.759,30 |
23.807,00 |
Dispêndios públicos |
6.493,80 |
7.447,80 |
7.760,90 |
8.826,00 |
9.335,30 |
10.371,20 |
11.911,10 |
Dispêndios empresariais |
6.066,80 |
6.525,20 |
7.271,00 |
8.343,00 |
9.526,30 |
11.388,10 |
11.895,90 |
Setores |
2007 |
2008 |
2009 |
2010 |
2011 |
2012 |
2013 |
Total |
29.416,40 |
35.110,80 |
37.285,30 |
45.072,90 |
49.875,90 |
54.254,60 |
63.748,60 |
Dispêndios públicos |
15.184,80 |
17.680,70 |
19.498,10 |
23.039,20 |
26.382,60 |
29.802,90 |
36.783,70 |
Dispêndios empresariais |
14.231,50 |
17.430,10 |
17.787,20 |
22.033,60 |
23.493,20 |
24.451,70 |
26.964,90 |
Tabela: Valores investidos em P&D no Brasil - em milhões de R$
Fonte: Portal do Ministério da Ciência e Tecnologia, 2015. [3]
Gráfico: Gasto em Pesquisa e Desenvolvimento no Brasil
Fonte: Elaborado pelo autor, com base em informações do Portal do Ministério da Ciência e Tecnologia, 2015.[4]
Mas, apesar destes esforços, de investimentos crescentes e da evolução nesse quesito, quando comparado com outros países, mesmo da América Latina, como a Argentina (segundo pesquisa sobre gastos governamentais com P&D, do Ministério da Ciência e da Tecnologia [5]), o Brasil tem sempre investido os recursos públicos, e até mesmo os privados, em quantidade insuficiente sobre o desenvolvimento da ciência e tecnologia, sem pensar em longo prazo. Além disso, a produção científica não gera como consequência imediata o desenvolvimento tecnológico com inovação (Felipe, 2007). A insuficiência de considerar apenas a P&D como medida de atividade tecnológica levou a sucessivas ampliações do leque de atividades incluídas nos indicadores de atividade tecnológica. O país passou a dar, novamente, bastante importância "para a importação de tecnologia e a dependência das empresas multinacionais como fontes do desenvolvimento tecnológico" (p. 155). E nessa conjuntura encaixam-se, principalmente, as chamadas inovações incrementais (no que diz respeito à produção tecnológica no país), adicionadas paulatinamente (Silveira, 2001). Contudo, para o desenvolvimento da inovação, seja incremental ou radical, há a necessidade de "ações de políticas públicas bem planejadas, constantes e de longo prazo, realizadas em parceria com o setor privado industrial de modo a possibilitar o desenvolvimento tecnológico" (p. 12). A Lei de Inovação, a propósito, regulamentada em 2005, estabelece regras para essa parceria (Felipe, 2007).
Em suma, mesmo que ainda timidamente, o Brasil tem investido no desenvolvimento tecnológico. Mas a questão é: que tipo de tecnologia tem buscado? A fim de respondê-la podemos observar o que coloca Lewis Mumford (1964), que há dois tipos de tecnologia coexistentes: a autoritária, centrada em sistemas rígidos e instáveis; e a democrática, centrada no homem, fraca quando comparada ao outro tipo, mas adaptável e, por isso, durável. Com isso, inúmeras problemáticas demonstram (como as observadas na instalação e operação de hidrelétricas, por exemplo), que o desenvolvimento tecnológico, do modo que tem sido apresentado no Brasil – desconsiderando necessidades sociais, partindo apenas de interesses políticos (em seu conceito restrito) e privados, e promovendo riscos sociais e ambientais – tem sido condizente com o tipo autoritário de produção tecnológica, fato que justifica o surgimento da já citada atuação de ONGs e de novas visões e abordagens sociais sobre a interferência provocada pela tecnologia.
Por este motivo, Winner (1986) expõe que as tecnologias começaram a travestir-se de interpretações políticas, a fim de demonstrar que contém, também, a democracia – conjuntura que nem sempre se cumpre e, por isso, tem alterado fundamentalmente o exercício do poder e a existência da cidadania. No entanto, essas políticas são feitas por pessoas e, do mesmo modo, as tecnologias são moldadas através do sistema social e econômico, tornando-se, portanto, atributos políticos por si só, fenômenos desenvolvidos pelo homem para resolver uma questão específica, ou para conectarem-se fortemente com relações políticas, favorecendo o poder, a autoridade e o privilégio de uns sobre os outros.
Ou seja, justamente por depender de intenções de determinados grupos de pessoas, pode existir uma intenção, ou simplesmente uma negligência, por trás de cada tecnologia, que pode ser direcionada para produzir bons resultados para alguns interesses sociais e catastróficos para outros. Essa situação é reforçada por um padrão que envolve o conhecimento científico, movido pela invenção tecnológica e pelo lucro corporativo, claramente sustentados pelo poder político e econômico, incorporados por equipamentos, investimentos, etc. e, principalmente, pelo hábito social, estabelecendo condições de ordem pública que podem durar por muitas gerações (a exemplo dos atos legislativos ou ações políticas), condicionando as relações humanas. Por isso, escolher uma tecnologia, pode significar escolher uma forma particular de vida política e a repressão de outros tipos de raciocínio moral e político (Winner, 1986). Daí o perigo em importar tecnologias e correr mais esse tipo de risco.
Sendo assim, no processo de desenvolvimento tecnológico de um país, desconsiderar a participação cidadã e as necessidades locais (situações que se firmam ao importar tecnologias) significa perpetuar as estruturas elitistas de poder, impondo o controle através de modelos específicos e limitados. A tecnologia contemporânea tem sido caracterizada desta forma e, por isso, vem promovendo novos valores e demandas da sociedade (Neder, 2010), como a reconstituição da ciência e da técnica, a fim de que considerem a sociedade em todas as fases de seu processo; o sacrifício da quantidade pela escolha qualitativa; o favorecimento da variedade e complexidade ecológica; ou seja, estendendo todo o processo sobre os limites humanos, a partir de alternativas e intervenções políticas, capazes de manter os benefícios que a tecnologia proporcionou até hoje (Mumford, 1964). Trata-se, afinal, de uma subpolítica (sub-politics), que molda a sociedade "de baixo para cima":
No despertar da subpolitização há oportunidades crescentes de se ter uma voz e uma participação no arranjo da sociedade para grupos que até então não estavam envolvidos na tecnificação essencial e no processo e no processo de industrialização: os cidadãos, a esfera pública, os movimentos sociais, os grupos especializados, os trabalhadores no local de trabalho; há até mesmo oportunidades para os indivíduos corajosos "moverem montanhas" nos centros estratégicos de desenvolvimento (Beck, Giddens e Lash, 2012, p.44).
Considerando o exposto anteriormente, observa-se que o desenvolvimento da tecnologia vem passando por uma transição, de uma abordagem tradicional, para uma contemporânea. Mas, seja como for, é notório que o processo tecnológico possui características e consequências que influenciam e sã influenciados, diretamente, os aspectos políticos.
|
Características |
Consequências |
Aspecto político |
Tecnologia tradicional |
- autoritária. - moldada pelo sistema econômico. - desconsidera ser afetada pela sociedade. - mascara-se de interpretações políticas |
- atuação de ONGs. - enfrenta novas abordagens sociais. - limita o exercício do poder e da cidadania. - repreende outros tipos de raciocínio moral e político. - condiciona as relações humanas. - visa o lucro coorporativo e o poder político e econômico. - baseia-se apenas no conhecimento científico. |
- estrutura elitista de poder. - modelo específico e limitado. |
Tecnologia contemporânea |
- integradora. - considera a participação cidadã. - baseia-se nas necessidades locais. |
- novos valores, baseados em demandas da sociedade. - reconstrução da ciência e da técnica, que passa a considerar a sociedade em todas as suas etapas. - visa o bem-estar social e a cidadania. - compreensão dos limites humanos |
- considera novas alternativas e intervenções sobre o desenvolvimento da tecnologia. |
Tabela: Transição da tecnologia
Fonte: Autoria própria.
Em um sentido mais geral, levando em conta as características da abordagem contemporânea, que vem emergindo, concebemos que as tecnologias carregam consigo diversos riscos e aqueles que as efetuam, necessitam de diretrizes e normas, que são impostas, geralmente, pelo governo, o mesmo que investe em P&D visando sua melhoria, a fim de resolver questões da sociedade. Neste caso, partindo das premissas de Heidemann e Salm (2014), entende-se que o Estado passa a atuar mais diretamente na vida social, baseando-se no planejamento, em políticas previamente definidas. Ou seja, trata-se de uma dinâmica política e estratégica, pois engloba aquilo que diz respeito à vida em sociedade e nas organizações, o ordenamento, a partir de processos e métodos, utilizados para adquirir poder. Compreende-se, desta forma, que a tecnologia não se constitui apenas do sistema social, do econômico, ou do científico, etc., mas sim de um processo eminentemente político, que é transversal aos outros segmentos e, por isso, possui a qualidade – que deve ser mais trabalhada – do fácil diálogo entre diferentes atores. Por exemplo, no que diz respeito ao desenvolvimento tecnológico, pode haver diversas forças, como a do mercado, que relaciona as preferências individuais (interesses) às escolhas sociais, legitimando-as, no entanto, isso não se daria sem a dinâmica política que o permeia. Não é a toa que muitos dos países que transferem tecnologia ficam dependentes politicamente de outro país, pois a tecnologia possui em sua essência e estrutura, a política.
A tecnologia tem sido promovida principalmente pelo Estado (e complementarmente pelo setor privado), que vem estimulando sua a evolução por meio de normas, verbas, recursos humanos, e do amparo à P&D. Mesmo assim, promove riscos, intrínsecos ao seu desenvolvimento, que se intensificam pela falta de compreensão e experiência sobre este cenário. Observou-se que não só a dependência tecnológica implica riscos, a própria inovação – base da P&D – tem estimulado, indiretamente, o risco e as incertezas inerentes a ele. As consequências da importação e da inovação motivam mudanças de valores socioculturais, como o primar pela precaução, através de estudos e avaliações sobre os produtos e atividades tecnológicas; consequentemente motivam mudanças na produção e no próprio desenvolvimento da tecnologia, que passou a ter seu conceito mais discutido e observado em um contexto mais amplo.
Desta forma, conclui-se que o avanço do conhecimento (neste artigo abordado através da evolução do conhecimento científico e tecnológico) está diretamente relacionado ao aumento das incertezas e consequentemente ao aumento da percepção dos riscos provocados pela aplicação deste conhecimento. E a própria percepção do grau de ameaça destes riscos, leva a considerar alguns como aceitáveis, tendo em vista eventuais benefícios que possam provocar. Por isso, o desenvolvimento tecnológico, que engloba esta situação de escolha, conectando os riscos com a aceitabilidade pública, caracteriza-se como uma questão fundamentalmente política, a qual perpassa os arranjos sociais e de poder estabelecidos na sociedade, o repasse de informação, que promove a responsabilização neste caso, e a conjuntura política.
Entende-se então que, quando se trata da dinâmica político-tecnológica aqui citada, o Estado possui dois papéis coexistentes: o de fomentador do desenvolvimento tecnológico; e de (junto da sociedade) mediador entre os riscos e benefícios provenientes deste. Quer dizer, o foco na importação e na inovação não tem sido suficiente ao proporcionar o bem-estar à população, pois parte de visões tecnicistas e concepções elitistas de democracia vinham predominando a análise dos riscos, ou seja, despolitizando o processo tecnológico e corroborando com seus impactos negativos. Por isso, cabe ao Estado promover um desenvolvimento tecnológico mais adequado, considerando as necessidades sociais, mediante processos sociopolíticos democráticos, a fim de contribuir com a redução das consequências dos riscos a que estamos propensos, pois, apesar dos avanços observados, desfrutar dos benefícios proporcionados pela tecnologia é uma conquista totalmente dependente de delineamentos e ações governamentais, que não devem ser consideradas independentes, mas ser apropriadas pelos novos valores socioculturais promovidos atualmente.
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1. Bacharel em Gestão Ambiental (Universidade Federal do Paraná – UFPR), cursando especialização em Análise Ambiental (Universidade Federal do Paraná – UFPR), e mestranda em Tecnologia (Universidade Tecnológica Federal do Paraná – UTFPR). fladfgomes@gmail.com
2. Economista. Pós-doutor em administração (USP). Professor do Programa de Doutorado em Tecnologia (PPGTE) e do Programa de Mestrado em Planejamento e Governança Pública (PGP) da UTFPR, bolsista produtividade do CNPq. christiansilva@utfpr.edu.br
3. Disponível em: http://www.mct.gov.br/index.php/content/view/29144.html
5. Fonte: Organisation for Economic Co-operation and Development, Main Science and Technology Indicators 2015/1 e Brasil: Coordenação-Geral de Indicadores (CGIN) - ASCAV/SEXEC - Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI). Disponível em: http://www.mct.gov.br/