Espacios. Vol. 37 (Nº 16) Año 2016. Pág. 12

Resíduos alimentares - Impactos, possíveis usos e legislação

Food waste – Impacts, possible uses and legislation

Dino Carlos Julião COELHO 1; Carlos Alberto Klimeck GOUVÊA 2; Ana Lúcia Berretta HURTADO 3; Marcelo MACEDO 4

Recibido: 18/02/16 • Aprobado: 15/03/2016


Contenido

1. Introdução

2. Justificativa

3. Objetivo

4. Metodologia

5. Resultados e discussões

6. Conclusão

Referências


RESUMO:

O trabalho aborda o problema dos resíduos alimentares associados ao descarte, lançando perspectiva sobre possibilidades de reuso. Utilizou-se legislação específica para classificar o resíduo e avaliar alternativas ao descarte em aterro sanitário, como incineração, alimentação animal e compostagem. Foi realizada quantificação através de segregação e pesagem em cozinhas industriais e fábricas do município estudado. Verificou-se que 50% da população do município avaliado trabalha em indústrias, que estas geram 11 toneladas de restos de alimentos por dia, correspondendo a 17,1% do alimento preparado e que 8,5% em peso das refeições servidas são deixados nos pratos. Através de campanha de reeducação, 65% do alimento que é deixado nos pratos nas indústrias de Joinville poderia ser evitado e este desperdício, hoje, equivale a 4.000 refeições por mês.
Palavras-chave: Resíduos alimentares; Sobras de alimentos; Compostagem; Alimentos; Desperdício.

ABSTRACT:

This paper deals about the problem of waste food associated with discarding, throwing perspectives on reuse opportunities. Was used specific legislation to classify and evaluate alternatives as disposal in landfills, incineration, composting and animal feed. Quantification was performed by segregation and weighing in industrial kitchens and factories in the studied county. It was found that 50% of the city population works in industry, they generate 11 tons of food scraps per day, accounting for 17.1% of the prepared food and 8.5% (by weight) of the meals served are left in the dishes. Through re-education campaign, 65% of the food that is left on the plates, in the Joinville's industry, could be avoided to waste, and today, it is equivalent to 4,000 meals per month.
Keywords: Waste food; Food leftovers; Composting.

1. Introdução

Em todas as etapas da produção de alimentos existe sempre algum tipo de impacto ao meio ambiente, seja no transporte, na agricultura, na pecuária, na industrialização dos alimentos e na produção de fertilizantes. O transporte contribui para os impactos ambientais na queima de combustíveis fósseis, no uso de produtos da indústria da fundição, indústria de tintas e da borracha, dentre outros de grande impacto. Na agricultura destacam-se os impactos decorrentes do desmatamento das áreas de cultivo, do consumo de água para irrigação, na industrialização dos defensivos agrícolas e dos fertilizantes, além dos riscos de contaminação dos mananciais. Na pecuária os impactos estão na fabricação da alimentação animal, no consumo de água para dessedentação desses animais, no desmatamento de áreas para pasto e criação, na fabricação de hormônios e medicamentos para animais e demais impactos. Assim, o descarte dos alimentos antes, durante e após a preparação destes também é fator preocupante.

Os resíduos alimentares fazem parte do lixo que aporta todos os dias nos aterros sanitários das cidades. Considerando a necessidade de redução na geração de resíduos, de reuso e de reciclagem, os resíduos alimentares merecem igual preocupação àquela dada aos plásticos, papéis, papelões, isopor e tantos outros. Esta necessidade está imposta na Política Estadual de Resíduos Sólidos do Estado de Santa Catarina (Lei 13.557/2005) e na Política Nacional de Resíduos Sólidos (Lei 12.305/2010).

Os resíduos alimentares têm como origem as residências, bares, restaurantes, refeições servidas nas indústrias, no comércio e nos serviços. Assim, cabe identificar uma fonte geradora de grandes quantidades diárias, porém, que gere as sobras de alimentos de forma separada dos demais resíduos. Verifica-se que nas indústrias existe um grande número de refeições servidas por dia, seja por cozinhas industriais terceirizadas ou não, que geram resíduos alimentares separados dos demais resíduos da indústria, possibilitando diferentes formas de reciclagem. A segregação dos resíduos alimentares, resíduo com elevado teor de umidade (60 a 80%), beneficia também a reciclagem dos demais resíduos sólidos tradicionalmente recicláveis (papéis, plásticos etc), uma vez que não contamina os demais resíduos sólidos, tornando-os mais atraentes para os recicladores.

O processamento de alimentos nas cozinhas industriais é realizado em quatro etapas distintas: recebimento, pré-preparo, preparo/cocção e distribuição. Em todas as etapas existem perdas e, portanto, há geração de resíduos.

Na primeira etapa de geração de resíduos, o recebimento, a perda inicia no momento em que é feita a triagem dos alimentos. Neste ato são rejeitados alimentos amassados, podres, folhagens em mal estado, carnes não refrigeradas com aspecto diferente do esperado (cor e odor), validade vencida e sujidades.

A etapa de pré-preparo consiste na seleção dos alimentos, lavagem, descascamento e desinfecção. Esta etapa gera resíduos de alimentos crus, como folhagens, talos, cascas, grãos, gorduras, ossos, quedas etc. Existe também a geração de resíduos inorgânicos, sejam estes caixas, latas, embalagens metálicas, isopor, sacos e embalagens plásticas, dentre outros.

A etapa do preparo/cocção é aquela em que o alimento é cortado, cozido, assado, frito, ornamentado e acondicionado nas respectivas cubas de distribuição. Também ocorrem perdas nesta etapa, pois há geração de resíduos pelas quedas de alimentos, perdas na borda interna e fundo da panela, sobras de alimentos não retirados em função das dimensões das panelas comuns e das autoclaves, das fôrmas, do formato das conchas e no momento de acondicionamento nas bandejas.

Por fim, a etapa de distribuição é aquela em que o alimento é disposto para o comensal (cliente) nos bufês, sejam estes quentes ou frios. Esta etapa é marcada pela perda dos alimentos visível ao cliente. É o momento em que ocorrem quedas dos alimentos das cubas e dos pratos, além das sobras nas próprias cubas. Infelizmente, ainda são somados a estes resíduos os erros de produção, onde ocorre a preparação de mais alimento que o necessário.

As sobras de alimentos na etapa de distribuição que não foram retiradas das cubas, ou seja, aquelas que não tiverem contato com o consumidor final, podem ser consideradas como sobras limpas ou alimento não contaminado. Tecnicamente, parte-se do princípio que a comida chega para o consumidor final sem estar contaminada e na temperatura adequada para ser servida. Considera-se que há contaminação do alimento após o contato pelo consumidor, que movimenta o alimento fora da área de controle, respira e fala sobre o alimento, podendo até espirrar ou haver respingos de saliva.

As sobras ficam, então, divididas em sobra suja (recebimento+pré preparo+cocção), sobra limpa (o restante das cubas) e resto-ingesto (sobra dos pratos).

Com as atuais instruções normativas da ANVISA (RDC 216), os alimentos produzidos para uma refeição não podem ultrapassar 6 horas de sua cocção até o momento da oferta, ou seja, mesmo que haja outra refeição a ser servida, havendo mais de 6 horas de seu preparo, a mesma não pode mais ser utilizada. Isto implica no descarte dos alimentos mesmo que mantidos nas condições térmicas ideais e que não tenham sido retirados das cubas pelos consumidores. Todo este alimento deverá, necessariamente, ser descartado.

Existe ainda o resto de alimento proveniente dos pratos dos consumidores, chamado de resto-ingesto, que somados às sobras sujas e sobras limpas serão, conjuntamente, destinados para o aterro sanitário municipal.

A destinação dos resíduos alimentares para os aterros sanitários promove grandes impactos ao meio ambiente, tais como geração de pragas e vetores, aquecimento global, contaminação do solo e lençol freático, desmatamento, contaminação das águas superficiais etc. Estes impactos são decorrentes da degradação anaeróbia dos resíduos, resultando na produção de metanol, chorume, além da diminuição da vida útil do aterro.

2. Justificativa

Sabe-se que um aterro sanitário tem vida útil finita e que uma nova área terá que ser impactada para a construção de um novo aterro. É de grande importância que seja estudada e encontrada uma destinação mais nobre que o aterro sanitário para o grande volume de restos de alimentos provenientes das cozinhas industriais, que são descartados todos os dias. Grande parte dos alimentos provém dos restos do preparo das refeições, das sobras nos pratos (resto-ingesto) e uma parte menor tem como origem os alimentos que não tiveram qualquer contato com o consumidor final. Logo, uma parte dos resíduos de alimentos constitui material não contaminado e, portanto, passível de uma melhor destinação final.

Os resíduos de alimentos das cozinhas industriais podem ser coletados livres da presença de outros tipos de resíduos, o que facilita seu reuso e reciclagem, dentro dos ditames legais. O número de refeições servidas por cozinhas industriais, terceirizadas ou não, é crescente, tornando o alimento mais barato e, por outro lado, com maior desperdício, tanto por parte dos profissionais que produzem, transportam, comercializam e preparam, bem como dos consumidores finais.

Existem diferentes tecnologias que possibilitam outras destinações para os resíduos alimentares, seja esta compostagem, alimentação animal, incineração e geração de biogás, cabendo avaliar as vantagens e desvantagens de cada uma, os custos envolvidos, sejam estes financeiros ou ambientais, à luz da legislação vigente.

3. Objetivo

O presente trabalho tem como objetivo inicial identificar e justificar a contribuição de cada segmento da cadeia de produção de refeições para trabalhadores da indústria da cidade de Joinville/SC, onde pretende-se encontrar o percentual de descarte proveniente de sobras contaminadas e sobras não contaminadas, ou seja, restos de alimentos que tiveram rejeição durante o preparo e após terem sido servidos e aqueles que foram preparados e não chegaram a ser servidos.

Após realizar uma caracterização qualitativa e quantitativa das sobras de alimentos, serão exploradas alternativas para o melhor descarte destas sobras, como a compostagem, a autoclavagem para reuso na alimentação animal, incineração e a avaliação do impacto ambiental sobre o aterro sanitário municipal, respaldadas na legislação brasileira pertinente.

4. Metodologia

A primeira etapa do trabalho consiste em identificar a classificação dos resíduos alimentares segundo a norma técnica brasileira NBR 10.004/04 e Resolução CONAMA 005/93. Com base na legislação brasileira e avaliando legislações estaduais, identificar as possíveis destinações para este tipo de resíduo.

Na sequência é feita uma revisão das possíveis destinações dos resíduos alimentares, de tal forma que possam ser avaliados os prós e os contras de cada destinação apresentada. As destinações que são avaliadas são: Aterro sanitário, incineração, compostagem e alimentação animal após autoclavagem.

Foram selecionadas quatro empresas fornecedoras de refeições industriais da cidade de Joinville segundo critério de porte e acessibilidade de dados e, destas, foram obtidos dados estatísticos sobre as quantidades em massa de alimentos comprados, servidos e descartados por dia, por mês e extrapolações ao longo de um ano. As empresas em estudo fornecem: 200, 500, 1000 e 6.500 refeições dia, aproximadamente (valores dos contratos).

Em cada uma das empresas foram segregados e pesados todos os dias úteis do mês de estudo as perdas nas áreas de recebimento, pré-preparo, cocção/preparo, sobras limpas e resto-ingesto. Para os cálculos são utilizadas as equações:

5. Resultados e discussões

5.1 Classificação dos resíduos alimentares

A norma técnica brasileira ABNT NBR 10.004/04 classifica os resíduos sólidos quanto aos seus riscos potenciais ao meio ambiente e à saúde pública, para que possam ser gerenciados adequadamente. Os resíduos sólidos podem apresentar periculosidades em função de suas características físicas, químicas ou infecto-contagiosas. A NBR 10.004/04 classifica os resíduos sólidos visando orientar sua disposição final e ao conhecimento em si de sua periculosidade. Assim, os resíduos sólidos se classificam em Classe 1 – Perigosos e Classe 2 – Não Perigosos. Os resíduos Classe 2 dividem-se em Classe 2 A – Reativos e Classe 2 B – Não reativos. O processo de classificação tem como base a origem dos resíduos e a sua constituição química. A listagem contida no Anexo H da NBR 10.004/04 é parte da listagem de classificação de resíduos da Resolução CONAMA 006 de 15 de junho de 1988. Deste modo fica caracterizado o resíduo em estudo como Classe 2 – Não Perigoso, com base na Tabela de Resíduos Não Perigosos Classe 2 e 3, item A 001 – Lixo de restaurante.

5.2 A incineração

O processo de incineração é uma opção alternativa, normalmente utilizada em países que têm problemas de espaço. Para a queima dos resíduos alimentares é necessário um gasto considerável com energia, isso porque os resíduos alimentares têm uma grande quantidade de água associada a eles. Contudo, existem estudos que apontam para uma queima sustentável energeticamente. Esta sustentabilidade energética se dá face aos processos conjugados de pré biodegradação anaeróbica (Owen, 1982, apud Brown e Leonard, 2004). Porém, o processo de incineração envolve eliminação de gases de efeito estufa, tornando-o ambientalmente desfavorável. Pode-se até dizer que o processo é excelente do ponto de vista sanitário, porém, economicamente desfavorável como destinação de um resíduo por parte das empresas geradoras.

5.3 O aterro sanitário

A forma de descarte mais aceita para este tipo de resíduo, seja ambientalmente, legalmente ou socialmente, são os aterros sanitários, basicamente em função de, muitas vezes, seu custo ser baixo. Contudo, a disposição em aterros sanitários implica em diversos impactos ao meio ambiente. Sabe-se que o processo microbiológico predominante nos aterros sanitários é o anaeróbio, o qual produz como catabólito o gás metano (CH4). Este gás é destinado aos queimadores, porém, grande parte escapa diretamente do solo e outra parte não chega a ser oxidada na chama. Calcula-se que 64 % do metano produzido nos aterros seja liberado para a atmosfera, resultando em contribuição para o aquecimento global. Soma-se ao metano o NO2 (dióxido de nitrogênio), outro gás que contribui, tanto para o aquecimento global quanto para a depleção da camada de ozônio, que é liberado nos aterros sanitários (Brown e Leonard, 2004). Uma forma de amenizar este problema é a queima forçada dos gases produzidos nos aterros para a geração de energia, o que pode até equilibrar o aquecimento global produzido poupando outras fontes que não teriam que ser usadas para suprir a energia produzida.

Não menos importante é a geração de chorume, líquido proveniente do percolado dos aterros sanitários e seu consequente risco de contaminação do lençol freático. Os processos de impermeabilização do solo para a construção de aterros sanitários constituem em uma medida preventiva, mas nunca infalível para a proteção das águas subterrâneas. Por fim, deve ser considerado que para a construção de aterros sanitários é necessário que uma grande área, originalmente coberta por mata, seja degradada para a sua construção. A vida útil de um aterro é finita, implicando na degradação de uma nova área para continuidade do processo. Logo, é fundamental que haja uma preocupação em estender a vida útil dos aterros sanitários, destinando a estes somente aquilo que não pode ser reutilizado nem reciclado.

5.4 A compostagem

Uma excelente alternativa para a destinação dos resíduos alimentares é a compostagem. Sabidamente, é uma prática histórica de aproveitamento dos restos de alimentos, processo utilizado para produzir fertilizantes caseiros. Para tanto, há tempos, os restos de cascas, caroços, talos e poucos restos dos pratos que não servem para alimentação animal são enterrados no quintal, em profundidade não muito grande e aguardado até que as minhocas e os microorganismos naturais do meio transformem a matéria orgânica em um composto rico em nutrientes para fertilizar o solo.

Esta cultura popular foi sendo estudada e, então, descobertos os parâmetros específicos de pH, umidade, taxa de aeração, quantidade de terra e restos de podas para que o tempo de biodegradação fosse o menor possível com um composto de melhor qualidade (Pontes, 2006; Silva, 2008). Desta forma, pode-se entender como um hábito antigo transformou-se em uma prática tecnológica muito importante.

Contudo, qualquer prática para reuso de restos de alimentos deve estar amparada pela lei. O Governo Federal em sua Lei 11.445 de 05 de julho de 2007, em seu artigo 7º deixa claro o apoio legal à prática da compostagem.

Como matéria orgânica, ou resíduo orgânico para compostagem, utilizam-se diversos tipos de resíduos, tais como resíduos da agricultura (folhas, cascas, frutos e grãos), da pecuária (camas de biotério e alguns estercos de animais), das indústrias de celulose (pó de serragem e maravalhas), da indústria (restos de alimentos dos restaurantes e manutenção de jardins), do comércio (restos das hortaliças, frutas não comercializadas), das residências (restos de alimentos e podas de jardins) e dos serviços públicos (podas de árvores, jardins e lodo de tratamento de esgoto).

Estes resíduos mencionados são divididos em sete grupos de substâncias, quais sejam: carboidratos (açúcares); proteínas; gorduras, hemicelulose, celulose, lignina e minerais. Esta divisão é necessária, pois caracteriza a velocidade de biodegradação e mineralização, sendo esta velocidade separada em: prontamente biodegradável, lenta e resistente (Epstein, 1997; Inácio, 2009).

A água também é necessária para o metabolismo microbiano. Tanto sua falta quanto excesso podem comprometer o bom funcionamento do processo. O teor ideal de umidade é da ordem de 40% a 65%. Já o pH influencia diretamente em qualquer atividade microbiana, principalmente na fase inicial do processo. Restos de frutas podem retardar o processo por acidificarem o meio (pH < 4), assim como um pH médio entre 5,0 a 7,0 é plenamente satisfatório (Miller, 1993, apud Inácio, 2009). Outros autores apontam outra faixa de pH como ideal para o processo da compostagem, entre 6,5 a 9,6, sendo que todos concordam que o mais próximo da neutralidade é sempre recomendável (Epstein, 1997). Portanto, para um processo rápido de compostagem, o processo aeróbico, é necessário boa oxigenação, umidade, pH controlado (alcalino), relação carbono e nitrogênio, além de distribuição granulométrica adequada.

Para uma distribuição granulométrica ideal dos resíduos a serem introduzidos no interior da leira de compostagem devem-se utilizar resíduos provenientes de trituração das madeiras, restos de aparas de árvores, sendo um tamanho desejável de partícula entre 0,3 a 1,5 cm, juntamente com serragem, não sendo recomendável o mesmo processo para os restos de alimentos, por serem matéria de rápida diluição metabólica (Rynk, 1992).

5.5 A alimentação animal

É prática remota a destinação de restos de alimentos para alimentação de porcos e aves, o que comprova o valor nutricional deste tipo de resíduo, porém, deixa dúvidas quanto à segurança da saúde animal. Este fato tem feito com que muitas pessoas se manifestem de forma contrária a este tipo de destinação.

A restrição ao uso dos restos alimentares como comida para animais apóia-se nos riscos de transmissão de doenças. Em face desta possibilidade de transmissão de doenças, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária – ANVISA não permite a prática de doação de restos alimentares. O Ministério da Agricultura Pecuária e Abastecimento, motivado pela febre aftosa, proíbe a destinação de restos alimentares na alimentação de suínos nos Estados de Santa Catarina e Rio Grande do Sul. Em seu Art. 2º da Instrução Normativa nº 5, de 17 de janeiro de 2003, lê-se no Art. 2º que é proibido no Estado de Santa Catarina o uso de restos de alimentos na alimentação de suínos.

Da mesma forma, a Instrução Normativa nº 44 de 2007 do Ministério da Agricultura Pecuária e Abastecimento estende esta determinação para os demais estados da União. Assim, fica proibido o uso de qualquer tipo de restos de alimentos para suínos, o que, praticamente, elimina o uso de restos alimentares para destinação animal, exceto quando submetidos a processo térmico de esterilização.

Como proposta para este processo, a autoclavagem constitui na passagem dos restos de alimentos em equipamentos capazes de elevar a temperatura dos resíduos acima de 120º C por quatro minutos, eliminando, assim, os micro-organismos patogênicos. As condições técnicas recomendadas de temperatura são de 121º C por um período de 15 minutos (Viana, 2005).

O valor nutricional dos resíduos alimentares é grande em termos protéicos, porém, pobre em vitaminas. Como conseqüência, existe um estudo que demonstra que há necessidade de dosar o resíduo alimentar autoclavado com farelos de grãos para um bom equilíbrio nutricional, com comprovação de isenção de riscos de contaminantes como metais e pesticidas (Viana, 2005).

5.6 A geração dos restos alimentares na cidade de Joinville

Joinville é um município com 515.250 habitantes, com alto índice de empregos em indústrias formais e tem quase 90% da população economicamente ativa empregada (Tabela 1) (IBGE, 2014).

 

Segmento

Número de pessoas

Percentual %

Indústria

82.543

50,3%

Comércio

21.783

13,3%

Serviços

40.490

24,7%

Outros

19.246

11,7%

Total

164.062

100%

Tabela 1. Número de trabalhadores com Carteira Profissional assinada em Joinville em 2014
Fonte: Indiville, acesso 2014

Considerando que 50% dos trabalhadores empregados de Joinville estão nas indústrias, conforme Tabela 1, constata-se que há uma fonte de restos de alimentos de fácil acesso para segregação, quantificação e estudos estatísticos.

Através do levantamento realizado, em novembro de 2014, junto ao Sindicato dos Metalúrgicos, Sindicato dos Trabalhadores da Indústria Metal/Mecânica – Sinderme e Sindicato das Indústrias de Plásticos de Joinville, somente nas 11 maiores indústrias do município são servidas 31.156 refeições por dia (Figura 1).

Figura 1. Número de funcionários nas 11 maiores indústrias de Joinville
Fonte: os autores

São aceitáveis, usualmente, como percentual de resto-ingesto (sobras dos pratos), taxas inferiores a 10%. Há serviços de cozinhas terceirizadas que conseguem taxas inferiores ao preconizado pela literatura, em uma média de valores entre 4 e 7%. Quando o resultado das sobras apresenta-se acima de 10% em coletividades sadias e 20% em enfermas, pressupõe-se que os cardápios estão inadequados, por serem mal planejados ou mal executados (Augustini, 2008). No trabalho apresentado pelo pesquisador Aragão (2005) e semelhante a Ricarte  (2008), o autor faz uma classificação do cardápio das empresas em relação ao teor de sobras de resto-ingeto, considerando-os como : ótimO de 0 à 3, bom de 3,1 à 7,5, ruim de 7,6 à 10 e INÁCEITÁVEL > 10.

Com base nas informações coletadas nas 4 cozinhas industriais estudas, as quais servem juntas um total de 8.200 refeições dia em Joinville, são processados 147.481kg de alimentos por mês, e destes resultam em 25.245kg de resíduos. Nas empresas estudadas foram pesados os alimentos recebidos, as perdas no pré preparo, na cocção, nas sobras limpas e resto-ingesto, em 23 dias úteis do mesmo mês de novembro de 2010 (Tabela 2).

Dias

Número de pessoas

Quantidade

Produzida

(Kg)

Recebimento

(Kg)

Pré preparo

(Kg)

Cocção

(Kg)

Sobra

Limpa

(Kg)

Resto-

Ingesto

(Kg)

1

8.257

6.289

21

220

9

106

526

2

8.285

6.455

226

226

9

108

540

3

8.258

6.530

229

229

9

128

546

4

8.128

6.663

224

233

9

112

557

5

8.209

6.634

223

232

9

111

555

6

8.347

6.386

215

224

9

107

534

7

8.243

6.585

221

230

9

111

551

8

8.130

6.627

223

232

9

111

554

9

8.142

6.618

222

232

9

111

554

10

8.148

6.528

219

228

9

110

546

11

8.208

6.566

221

230

9

110

549

12

8.209

6.109

214

214

9

103

511

13

8.167

6.410

224

224

9

108

536

14

8.148

6.481

218

227

8

109

542

15

8.195

6.413

215

224

9

108

536

16

8.411

6.993

245

245

10

117

585

17

7.961

6.332

222

222

9

106

530

18

8.113

6.141

215

215

9

103

514

19

8.163

6.246

210

219

9

105

522

20

8.062

6.084

204

213

9

102

509

21

8.181

6.098

205

213

9

102

510

22

8.142

6.154

207

215

9

103

515

23

8.137

6.141

215

215

9

120

514

Total

188.244

147.481

5.027

5.162

206

2.513

12.337

Tabela 2. Média do número de refeições servidas, quantidade de alimento produzida e  quantidades de perdas
por tipos específicos em 4 cozinhas industriais de Joinville/SC
Fonte: Os autores

Como resultado das pesagens das sobras de cada etapa de preparo dos alimentos, percebe-se a participação percentual entre o total produzido e as perdas no processo, apresentado na Tabela 3.

 

Fonte geradora do resíduo

Quantidade Mássica (quilos)

Percentual

Recebimento/Armazenamento

4.125

4,5%

Pré preparo

11.492

12,1%

Preparo/Cocção

0.855

0,9%

Sobra Limpa

8.220

9,0%

Resto-ingesto

7.417

8,1%

Total

32.109

100%

Tabela 3. Peso de resíduos alimentares nas cozinhas industriais estudadas e seus percentuais Fonte: os autores

A soma dos percentuais de resíduos gerados é de 17,1% e a diferença até completar 100% corresponde à quantidade de alimento consumida pelos clientes, ou seja, 82,89%. Ao serem somadas todas as sobras de cada etapa de preparo dos alimentos e calculados seus respectivos percentuais verifica-se que quase 50% dos resíduos alimentares correspondem ao resto-ingesto (Tabela 4).

Fonte geradora do resíduo

Massa (quilos)

Percentual

Recebimento/Armazenamento

5.027

19,9%

Pré preparo

5.162

20,4%

Preparo/Cocção

206

0,8%

Sobra Limpa

2.513

10,0%

Resto-ingesto

12.337

48,9%

Total

25.245

100%

Tabela 4. Média da massa de resíduo alimentar das cozinhas industriais amostradas e média percentual
Fonte: os autores

A partir dos resultados encontrados, verifica-se que a média obtida para o índice de resto-ingesto nas cozinhas industriais em estudo é de 8,5%, valor este considerado ruim segundo a classificação proposta por Aragão (2005), o qual considera como BOM somente um percentual de resto-ingesto abaixo de 7%.

Para efeito de comparação, foram levantados os teores de resto-ingesto em algumas empresas de Joinville (Figura 2).

 

Figura 2. Percentual de sobra de alimento no prato por refeição preparada
Fonte: os autores

A média de resto-ingesto nas empresas estudadas é de 8,7% e apenas 27% dos cardápios destas empresas podem ser classificadas como BONS, segundo a proposta de Aragão (2005). Dos valores encontrados também foi possível verificar uma perfeita paridade nos resultados encontrados nas 11 empresas estudas com os valores obtidos nas 4 cozinhas terceirizadas, ou seja, o teor de resto-ingesto é superior a 8% nas indústrias em Joinville.

Considerando o número de consumidores, de refeições servidas, suas massas, e sobras, foram encontrados os resultados apresentados a seguir.

Com o uso das equações (1) até equação (7), encontrou-se:

Considerando a distribuição per capta de 0,770 kg nas refeições das indústrias estudadas em Joinville, ao multiplicar este valor pelo número total de trabalhadores na indústria (82.543), encontra-se 63.558 kg de alimento por dia e (23X) 1.461.836,5 kg de alimento por mês, portanto, cerca de 1.550 toneladas de alimentos por mês, restrito às refeições nas indústrias de Joinville.

Dos valores encontrados para as sobras observa-se que 8,5% do alimento servido aos clientes é descartado como lixo, por serem deixados nos pratos. Como parte da refeição estas sobras podem conter ossos, gordura ou casca, o que entende-se como saudável uma sobra de até 3% em peso (Aragão, 2005). Logo, cerca de 5,5% do alimento é desperdiçado por maus hábitos. Dos 8,5% de resto-ingesto, 5,5% que podem ser evitados equivalem a 64,7% do total. Assim, 64,7% dos 12.337kg/dia de resto-ingesto gerado são 7.982 kg de alimentos que poderiam deixar de serem desperdiçados nas quatro cozinhas amostradas, todos os meses.

Com base nestes dados, 7.982 kg de alimentos gerados por 8.200 refeições por dia, sabendo que existem cerca de 82.543 trabalhadores na indústria de Joinville, estima-se que dez vezes esta massa de resíduos poderia não ser gerada através da mudança na educação dos consumidores, poupando os recursos naturais, espaço no aterro sanitário ocupado mensalmente pelo aporte de aproximadamente 80 toneladas de alimentos, evitando a geração de gases de efeito estufa e reduzindo, consequentemente, o custo da refeição para cada cliente.

Os mesmos 7.982kg de alimentos que poderiam deixar de serem gerados nas quatro cozinhas industriais amostradas, quando divididos pelos 0,649kg de consumo per capta de refeição equivale a 12.299 refeições por mês ou 410 refeições por dia. Lembra-se aqui que, para Joinville, este valor pode ser aumentado cerca de dez vezes, aproximadamente 4.000 refeições por dia. Estima-se, então, que nas indústrias de Joinville são gerados 11.060,8 kg/dia de resíduos alimentares, o que resulta em 332 toneladas por mês de restos alimentares que são destinadas ao aterro sanitário.

Considerando que, em face à sua segregação, o resíduo alimentar nas indústrias é uma matéria-prima sem contaminação por outro tipo de resíduo e, por isso, há um enorme potencial a ser explorado para compostagem, pode-se evitar a fabricação de fertilizantes a base de petróleo e preservar o meio ambiente. Um saco de terra adubada de 20kg é vendido no município por R$ 7,00, o que equivale a R$ 350,00 a tonelada da terra. Assim, as 332 toneladas de resíduos alimentares geradas nas indústrias todos os meses constituem uma matéria-prima com valor estimado de R$ 116.200,00. São necessárias outras considerações para os cálculos do composto orgânico, como adição de 50% em peso de podas de árvores, redução na massa pela perda de umidade, tratamento do chorume, adição de calcário e custo do processamento. Contudo, este trabalho não se destina ao levantamento dos custos para produção de composto orgânico, mas na demonstração do enorme potencial aliado à matéria-prima em estudo.

6. Conclusão

Joinville tem uma população de 515.250 habitantes, com 164.062 trabalhadores de carteira assinada, estando 50,3% destes (82.543) trabalhando na indústria. Por este motivo, estima-se que são servidas nas indústrias locais um número aproximadamente igual de refeições. A quantidade em peso de alimentos preparados é de 63.558kg por dia para os trabalhadores da indústria do município, o equivalente a 1.550 toneladas por mês. Resulta destas refeições, uma quantidade estimada de 332 toneladas de resíduos por mês.

A quantidade de alimento que sobra nos pratos destes trabalhadores é de 8,5% da quantidade de alimento servida, valor acima dos 7% tidos como máximo aceito para um cardápio BOM em uma população sadia, conforme literatura citada. Como o mínimo possível de resíduos é de 3% em função das cascas, ossos e gorduras, existe 5% de resíduos que poderiam deixar de serem gerados através de uma reeducação alimentar. Este percentual equivale a 4.000 refeições por mês que são desperdiçadas pela população da indústria local.

Não foi encontrada uma relação entre o percentual de sobra e o número de refeições servidas nestas empresas ou mesmo uma relação com o nível de escolaridade dos empregados, uma vez que se tratam de empresas conhecidas pelos autores, assim como é conhecido o perfil de escolaridade de cada empresa objeto da enquete. Pode-se suspeitar que seja um hábito regional das pessoas deixarem muita sobra de alimento no prato.

Como a legislação brasileira não permite o uso das sobras de alimentos para suínos em nenhuma hipótese, cabe apenas a destinação para aterros sanitários ou para compostagem.

Entretanto, os impactos ambientais decorrentes da destinação dos resíduos alimentares para os aterros sanitários também são muitos, fato que mostra a necessidade de alternativas mais nobres para este resíduo. Existe um potencial de mais de 332 toneladas/mês de resíduos alimentares como matéria-prima segregada a ser explorada na fabricação de composto orgânico de alto valor nutricional e ambiental, merecendo destaque nas pautas de discussões das associações industriais e dos órgãos ambientais.

Referências

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1. UNISOCIESC, Santa Catarina, Brasil. Email: dino.coelho@gmail.com
2. UNISOCIESC, Santa Catarina, Brasil. Email: gouvea@sociesc.org.br
3. UNISOCIESC, Santa Catarina, Brasil. Email: ana.hurtado@sociesc.org.br

4. UFSC, Santa Catarina, Brasil. Email: marcelomacedo@egc.ufsc.br


Revista Espacios. ISSN 0798 1015
Vol. 37 (Nº 16) Año 2016

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